Folhas

Foto de Vágner Dias

Caderno Rabiscado

Procura-se um caderno.
Eu perdi um pequeno caderno, ele é muito importante pra mim.

É um caderno pequeno de capa dura, cor azul. De 96 folhas a marca é Jandaia e suas dimensões são 140 por 200 mm.

Não terá muito valor pra quem o encontrar, mas para mim tem valor inestimável.

Em sua pequena capa azul está escrito em letras grandes e pretas: dois mil e dez, seguido dos números 2010, indicando o ano. Quase todas as 96 folhas estão escritas, o caderno está quase todo rabiscado. Cada um daqueles rabiscos é importante pra mim.

O caderno todo mais parece um rascunho que foi descartado, eles também contem alguns números de telefone anotados, alguns desenhos. As maiorias das coisas que estão escritas são pensamento meus, mas ele também está cheio de citações. Como por exemplo, logo na primeira pagina tem um trecho de um poema de Vinicius de Morais, a parte transcrita é a seguinte:

Gravíssimo é porém o problema das saboneteiras: uma mulher sem saboneteiras
É como um rio sem pontes. Indispensável.
Que haja uma hipótese de barriguinha, e em seguida
A mulher se alteie em cálice, e que seus seios
Sejam uma expressão greco-romana, mas que gótica ou barroca
E possam iluminar o escuro com uma capacidade mínima de cinco velas.
Sobremodo pertinaz é estarem a caveira e a coluna vertebral
Levemente à mostra; e que exista um grande latifúndio dorsal!
Os menbros que terminem como hastes, mas que haja um certo volume de coxas
E que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima penugem
No entanto, sensível à carícia em sentido contrário.

O mais triste é que havia um conto, que eu não salvei em nenhum outro lugar, eu já estava passando a limpo, ele estava quase terminado. Era um bom conto de Amor que falava sobre meus versos simples.

Eu vou comprar outro caderno igual, tentar reescrever o conto, mas já não é mais a mesma coisa. Estou realmente triste, o sentimento de perda é muito grande. Eu nunca pensei que iria me ver triste por algo assim. Mas eu acabei enchendo os olhos de lágrimas pelo caderno quando minhas esperanças de encontrá-lo acabaram. Voltei a todos os lugares possíveis, refiz meus passos tentando encontrá-lo, mas foi complicado, porque eu o levava para todo lugar, tirava-o da mochila como num ritual e começava a escrever, às vezes passava horas. Quando não tenha nada para fazer no meu estagio. Eu nem sentia, meu caderno era tudo.

Eu estava me imaginando um dia, daqui algum tempo, folheando um livro qualquer e reconhecer o meu conto, ou alguma frase minha. Que agonia que sinto, principalmente pelo fato que alguém possa terminar o meu conto da maneira como eu não gostaria que ele terminasse. O conto que eu estava escrevendo, e quase terminando, falava sobre meu amor por uma pessoa atualmente. É narrado em primeira pessoa e trata de alguém que às vezes passar a noite inteira sentando na minha cama ou na sala com um papel e uma caneta na mão, entre lembranças e devaneios, decidindo que rumo tomar para sua vida a partir dali.

Então, peço que, se alguém encontrar meu caderno, trate-o com o mesmo carinho que eu o tratava e se resolver usar de má fé, se utilizando das coisas que já escrevi, por favor, não dê um final triste ao meu conto, pois não foi o que eu pensei pra ele.

Um final feliz é tudo o que peço.

Foto de Carmen Lúcia

Flamboyant

Simplesmente ele veio,
instalou-se em meu ser,
invadiu, tomou posse,
se tornou hospedeiro,
de meu corpo inteiro...

O horizonte se abriu
libertando as cores,
explodindo os temores,
eclodindo os ardores,
implodindo os valores.

Nem dei conta do tempo,
fui deixando passar...
Qual seria a estação?
Me perdi nos caminhos
ao me encontrar na paixão!

Num cenário irreal
o mesmo Flamboyant
mudou várias roupagens...
Se floriu sorrateiro,
tingiu-se de vermelho,
de laranja altaneiro,
parecia sorrir.

Escancarei a vida,
abri todas janelas,
soprei minhas feridas,
me despi de pudores.
Quis viver...Fui feliz!

De repente...que frio,
sensação de vazio,
percebi que era inverno...
Em qual parte do mundo?
Talvez dentro de mim...

Vi a porta entreaberta,
as pegadas de alerta,
e lá fora, caídas,
desabadas, sem vida,
as folhas do Flamboyant,
que sombrio, vergado,
solitário, solidário,
lamentava a partida,
o prenúncio do fim.

_Carmen Lúcia_

Foto de raziasantos

Em busca do sol.

Pelos vales e desertos caminhei.
Em busca do sol de minha vida.
Encontrei muitas pedras, desertos, áridos...
Deixe que as folhas secas cobrissem o meu caminho.
E na eternidade das palavras, me perdi.
Apanhada pela chuva na estrada sem saber o caminho de casa.
Quando o frio ia congelar minha alma.
Abri os olhos moribundos e deixei que as flores cobrissem meus caminhos.
O vento da primavera sobra toda a desilusão.
Surge além das montanhas o tímido sol seus primeiros raios brilham e deixam o céu cor de rosa.
Agora caminho na chuva fina ainda está triste.
Espero o arco Iris, para me mostrar o caminho para casa.
Pois me perdi á procura do meu sol.
Quero voltar e viver, colher as lindas flores, do meu jardim
Sem tristeza nem dor.
Quero voltar para meu lar, mesmo sem meu sol encontrar.
Ali te esperarei no meu canto de amor.

Foto de Marilene Anacleto

Flor Azul

Já fui semente, já fui pó,
Já fui árvore, já fui céu,
Hoje sou flor, e flor azul,
Tenho o formato de estrela
De cujo pó me tenho feito
E retornarei em estado perfeito.

Como azul também sou mar
E se quiser, céu infinito,
Até estrela, para quem ama
Quando o amado me dá à dama
Sente-se tal deusa do antigo Egito.

Minhas folhas são ovaladas
Tal qual sementes de amendoim
Meu lar é sol, é chuva, é vento
E meu mais nobre sentimento
É quando um olho de amor sereno
Pára, respira e contempla a mim.

Então eu vivo o contemplamento
De sermos dois e sentirmo-nos um
Ser outra coisa nesse momento?
Não. Apenas a flor, a estrela azul.

Se retornar?
Posso ser flor, ou estrela, ou gente,
Quem sabe nuvem, ou a semente
Gerando cores do Amor Maior.
Quem sabe então a planta que cura
Ou a hóstia tão branca e pura
Servida no Altar do Senhor.

Marilene Anacleto
23/06/99 – 00:10h

Publicado em: http://rotadaalma.spaces.live.com/ , em
Publicado no site http://www.itajaionline.com.br/colunas/marilene/marilene.htm, em 12/12/02

Foto de Marilene Anacleto

A Menina Esquecida

A MENINA ESQUECIDA

O vento açoitava as árvores,
Folhas fugiam desesperadas,
A chuva chicoteou casas e praças
Do anoitecer até alta madrugada.

Pequeno raio de luz
Da aurora, inda embaçado,
Mostra a transeuntes menina
Encolhida na calçada.

Uns a chamam de vadia,
Alguns, de pobre coitada,
Tremia de frio a criança
Por toda a noite lavada.

Outros lhe “davam de ombros”
Dizendo “está acostumada”.
“O corpo pode acostumar
Mas é diferente a alma.”
Assim a menina pensava.

Durante essa triste noite
Pediu a Deus misericórdia:
“Não esqueças de mim, meu Pai,
Leva-me contigo embora.”

Ao sentir que soluçava,
Mãos generosas a afagam,
E ela não falou nada.

Surgiu então personagem,
Tal príncipe em conto de fadas.
Diante de todos os olhares,
Com a criança pela mão,
Condoeu-se o coração,
Levou-a à sua morada.

A menina o seguiu,
Como se estivesse encantada.
A multidão o aplaudiu
Com grande salva de palmas.

Eis que, ao voltar ao caminho,
A comitiva, assustada,
Ouviu apenas, em gritos,
“A menina jaz na calçada!”

Um misto de horror e êxtase
Apunhalou corações.
De joelhos puseram-se a orar,
E chorar aos borbulhões.

Voltou a açoitar, a chuva;
Pôs-se a chicotear, o vento;
Ali, molhados, sentiram
O que é viver ao relento.

À menina foi atendido
Do coração puro, o lamento.
E o povo, por muito tempo,
Teve a culpa por sentimento.

Marilene Anacleto - 16/03/99 – 01:10h

Publicado em: http://rotadaalma.spaces.live.com/ , em 01/09/07
Publicado no site http://www.itajaionline.com.br, em 22/02/01
Publicado no Jornal Folha do Povo – Itajaí – SC, em 27/05/00
Publicado no livro Jardins, Jardins : [poemas[ / Marilene Anacleto. – Itajaí (SC) : 2004. 72 p. : il.

Foto de LillyAraujo

Sem Pressa

Ah, eu estou me sentindo meio descrente da vida, sabe? Com meu corpo sedentário sobre a cama por horas a fio, e já quase atrofiando a alma.

Estou com vontade de fugir de tudo que é urbano. Esquecer os fios conectores, o Bluetooth, Ipods, ou qualquer coisa que tenha teclas, ou telas, ou façam qualquer som frenético. Vontade de deixar esse mundo que se tornou tão aflito, e que tem sempre muita pressa. Onde tudo é manejado por um apertar de botões. Meus ouvidos estão feridos!

Estou com sede de terra molhada, de sentir o aroma de grama amassada, de formiga esmagada, enquanto o único som que se possa ouvir seja dos pássaros lutando no ar, numa dança de acasalamento, paz e alegria; que seja o som das cortadeiras picotando suas folhas e marchando por entre os trieiros, como se fossem soldadinhos; que seja o som dos estalidos dos gravetos que se desprendem das árvores ou do bico das passarinhas que ajeitam maternalmente o ninho dos seus filhotinhos. Quero ouvir o som das águas batendo contra as pedras e fazendo esculturas infinitas.

Quero adentrar-me no rio e me deixar levar pelo seu leito tortuoso, e sentir a água me abraçar, e a brisa me acariciar. E ir percorrendo o seu caminho sem pressa. E ter tempo de observar o céu azul claro, e uma diversidade de aves cortando o seu espaço, todas leves e belas, alheias ao meu observar. E sentir o sol bater intermitente no meu rosto, entrecortando os ramos das matas ciliares que circundam o rio onde meu corpo bóia, como uma pluma, feliz!

E assim continuar percorrendo juntos às águas, caminhos que eu nunca conheci, até que o dia seja noite. E sentir agora os dedos enrugados, e o bater das minhas mandíbulas pelo frio do rio, e isso também me deixar feliz.

E me refugiar depois em uma das margens. Jogar meu corpo na areia e ficar inerte. Observar cuidadosamente que o céu trocou sua roupa anil por saias alaranjadas, que pouco a pouco vão se tornando azul turquesa, e salpicos como lantejoulas vão lhe sendo cosidas, em forma de estrelas.

E no frio acolhedor da areia me deixar ficar um pouco mais, e notar que os sons também se transformaram. Agora, o bater das asas dos pequenos passarinhos silenciou. Dormem aconchegantes em seus galhos e ninhos. E as cortadeiras também foram descansar. Ainda estalam os pequenos gravetos que se desprendem, e o som das águas escultoras também continua o mesmo. Lentamente os anuros começam a reger a orquestra do anoitecer: sapos; pererecas e rãs, “gritam” e saltam desenfreadamente, como se quisessem alcançar os pirilampos piscantes pregados à grande teia que é o céu, e assim, comer uma a uma, cada estrela.

Estou com sede dessa paz que há muito não sinto. Estou com medo de jamais torná-la a sentir. Presa na cadeia Cidade-Grande, onde os sons são sempre de botões, buzinas, palavrões e, acima de tudo, de pressa. Muita pressa.

© Por Lilly Araújo-Direitos Autorais Reservados.

Foto de Marilene Anacleto

Flores - 1 -

GIRASSOL

Amarelo ouro,
Amarelo cadmo,
Laranja e um marrom
Bem marcado
Acompanham o sol
Do nascer
Até chegar ao outro lado.

A devoção e a emoção
Quando o sol está a pino
Leva-o a erguer-se,
Em cálice, ouro fino,
A receber toda a luz
E os atributos divinos
De vida, de cura e esplendor
Nas raízes, nas pétalas, nas folhas,
Nos pistilos, na aura, na haste.

Naquele momento sublime
Aqui chamado meio-dia,
A luz do girassol explode
Em cor, em vida, em harmonia.

E os rituais do sol
No planeta, em sua fé,
Vão percorrendo as horas
Por homem, criança e mulher,
Nos campos de girassóis,
Nas praias, montanhas e moradas,
Em quintais ajardinados.

E nas singelas sacadas
Onde o aprisionado homem
Não conta com a natureza,
Bem no sol do meio-dia,
Numa pausa do trabalho,
Preenche-se de leveza
Com um profundo suspiro.
Revigora em alegria
Os passos consumidos pelo dia.

Publicado em: http://rotadaalma.spaces.live.com/ , em 15/09/07

Publicado no site http://www.itajaionline.com.br/colunas/marilene/marilene.htm, em 06/01/06

Foto de Layza Lys

Será?

"Te amo, te amo", mas será verdade?
Será que é contigo que está minha felicidade?
Dúvidas assombram meu viver
Será que eu devo te querer?

Será que ao teu lado é meu lugar?
E não importam o que vão falar?
Eu não sei mais o que fazer
Queria chorar até morrer.

Uns dizem para parar,
Outros dizem para ir em frente
Mas será que eu vou aguentar
Ficar entre tanta gente?

Com tantos dando opinião
Não consigo nem ouvir meu pensamento
Mas será que eles tem razão
Ou são só "folhas ao vento"?

Foto de betimartins

A Arvore da vida

A árvore da vida

Quando meditava,
sobre a minha vida,
deparei comigo em frente
de uma árvore linda.
Era grande e robusta,
com vigor e até bela,
forte e segura
mas que me aquietou ...
Quantos anos foram precisos,
para crescer e se tornar bela,
era uma metáfora da vida
pois ela não era ela.
Na linda árvore ,
vi os traços de vida,
em cada ramos e folhas
o que ela nos ensinava.
Ventos forte, chuvas ,
sol quente e até a sede
nada deixava a árvore
ficar sem vida e sim mais forte.
Então meditando o porquê ?
de tanta segurança ,
de tanta vontade de viver
eu descobri algo...
Que na linda árvore,
estavam esquecidas as raizes,
que no solo escondidas,
choravam de alegria.
Eram elas que sustentavam,
sem pedir nada em troca,
mesmo que ninguém reparasse
eram elas o elo da vida.
Assim é nossa vida,
como esta linda árvore
pode ser linda e forte
mas a luz e a alma
são a fonte da vida.

Betimartins

Foto de Richieri

No mundo do imaginário

É quando o impossível no mundo real, o real vira imaginário e num instante, num piscar de olhos, ele se finda, e o imaginário volta ao mundo real;

Suave e serena era sua feição, rosto de expressão calada, cabelos soltos marcavam sua sensatez;

Sua pele clara e quase translúcida, limpa e de cor natural, deixava expor seu interior sereno, calmo e vivo;

Novamente chamava a atenção seus cabelos, eram sutis e parecia planar sobre o espaço da leveza e da calma, no tom quase amarelo, chegando ao ombro seus tingidos e perfeitos caracóis, que de um único ponto parecia prendê-los no mais alto de si;

Envolta em lantejoulas, brilhantes eram fixadas ao fundo branco envolvendo a musa desde punho seu suave ombro;

No jeans tradicional, justo e de tamanho correto esboçavam o ápice do imaginário. Ah! Que foto instantânea!

O meio salto claro e todo fechado, escondia seu caminhar entre plumas e cinza de vulcão, que com sua leveza levantava o pó intrigante e lento, como a neblina esconde a paisagem em dias gelados;

O brilho do ouro reluzia no punho pequeno contrastando o anel prateado, sutil e perfeito;

As mãos finas transmitiam suavidade, destreza e dava o colorido ao gesto insano, incapaz e firme;

No sorriso desabrochava a felicidade, a despreocupação, o anseio pelo tempo, que ali não passava, era o mais perfeito infinito;

Carregava a tiracolo seus pertences no interior de cores firmes, lilás com preto, a bolsa muda e jogada ao canto mudava a personagem exótica e clara, num tom de rebeldia, da mulher a menina solta ao tempo, como quem não tem qualquer compromisso desprendendo a formalidade que sempre se é solicitada;

Há se seu nome eu soubesse! Não mudaria nada, mas ao menos saberia se parecia com Clara, Célia ou Lena, talvez o ideal seria Linda, réplica de si;

Idêntico ao observador ela deslizava uma pena azul, a registrar, em folhas claras e quase amarelas presas a capa escura ou quase preta, registrando uma igual para o observador e assim o sonho se inicia;

Mas a pena logo cessa seu caminhar, na folha quase amarela, parecia apenas registrar alguns números, e tão depressa o sonho findava;

A cena fixa, por um instante é acompanha pelo observador, mais um olhar vem e então os olhos se fecham para a volta, de onde veio, do mundo real.

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