Cidade

Foto de Sonia Delsin

SOS

SOS

Sou uma eterna admiradora da natureza. Apaixonada mesmo.
Hoje saí muito cedo para caminhar e vi coisas lindas.
Passando por uma rua vi uma árvore florida repleta de abelhas e fiquei parada ouvindo o barulhinho.
O chão de florezinhas estava cheinho. Cheinho.
Fiquei sentindo o perfume das flores, olhando as abelhas, o chão forrado.
Pensei em tanta coisa. Pensei no presente, no passado.
Lembrei meu pai, lembrei como adorávamos ficar observando as abelhas.
Pensei nos tempos que a gente guarda. Nos tempos que vivemos, no que imaginamos que teremos.
Caminhei mais um pouco e encontrei outra árvore linda forrada de flores amarelas e muitos colibris.
Parei para ouvir o canto de um sabiá.
Tão judiada com esta seca danada as flores vicejam nos jardins, nas matas.
Tão maltratados os rios continuam a correr.
Ainda que tão judiada a terra reage de uma forma positiva. Responde com flores, frutos, com rios que sobrevivem à poluição.
Florestas incendiadas revigoram-se.
Ontem ouvi uma notícia que muito me entristeceu. Na região onde moro o fogo se alastrou por cinco fazendas destruindo matas ciliares, animais silvestres e etc e tal.
O corpo de bombeiros trabalhou por muitas horas tentando controlar o fogo.
Vi aquelas cenas na televisão e fiquei realmente muito preocupada.
A terra está pedindo socorro e não podemos ignorar. Quando é que em pleno inverno tínhamos dias com temperaturas tão altas? Chegamos nestes dias aos trinta e cinco graus na minha cidade.
O que significa de fato o aquecimento global para todos nós? É algo pra se pensar, não?
Existe um SOS gritante que muita gente finge ignorar.
Até quando o planeta vai agüentar?

Foto de Salome

Noite Venesiana

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Cantos cativantes entre os muros da cidade,
Tochas ardentes iluminando as ruas escuras
Nos seus encantos que me dilaceram a alma
Nesta noite de sonhos e calor avassalador

Musica, alegria e amor juntos nesta multidão,
Uma mistura exuberante de insistente torpor
Entre as sedas, cetim, laços e véus sem fim,
Faces escondidas trás enigmas e mascaras

Leques abertos, mistérios detrás do disfarce,
Velando labios fugosos em santa alucinação,
Fascinação no olhar... um convite ao enlace
No antro de sedução desta noite venesiana

Meus olhos perdidos, respirando, fascinados
Sob o feitiço da musica desta surda ousadia
Envolvendo-me em sua atordoante magia e,
A tua subíta presença se insinuando em mim

"Anima mia"... um sussuro leve, arrebatador,
Boca atrevida movendo-se em sutil lentidão,
Me alucinando e liberando esse louco ardor
Causado por tuas mãos sob o fogo da seda

Tua enigma desmedida... perdida em mim e
tua voz sussurando-me mil delírios sem fim,
Mãos e bocas implorando por beijos, desejos
Unindo nossos corpos nos laços da sedução

Noites destemidas, madrugadas clandestinas
Disfarçando paixões... amarrando corações,
Tua mão presa na minha, correndo nas ruas,
Sem qualquer sentido, saciando nosso amor

Eu e Tu, perdidos na madrugada Venesiana,
Unidos neste louco torpor de almas saciadas
Ao som de uma suave melodia napolitana...

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Copyrighted Sept. 2008 - "Encanto do Poeta" Salomé MK
http://recantodasletras.uol.com.br/poesiasdeamor/1163153
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Venesia, uma cidade de encantos... com seu carnaval e "Bal de Venise" donde sonhos do passado renascem entre cetims, cedas, rendas e cores vivídas, no pleno desejo prestes a ser vivido e vivenciado...

Foto de Carmen Lúcia

A bela cigana

“A bela cigana”

texto inspirado no conto de Machado de Assis: "A cartomante"
(Homenagem ao centenário da morte de Machado de Assis)

O velho relógio da matriz acabava de ribombar a nona badalada, que pairava no ar, feito fundo sonoro e enigmático da história empolgante que acontecia.
Passos apressados se fizeram ouvir, como os de alguém que ansiava chegar rapidamente ao destino a que se dirigia. Pelo toc-toc dos sapatos percebia-se serem de salto alto e consequentemente, de mulher.
Parou por uns instantes numa esquina, como que a espreitar, sem se fazer notar, ao ouvir o barulho de um trem. Esperou nervosamente sua passagem e atravessou a linha. Seus passos agora eram mais rápidos, como se quisesse recuperar o tempo perdido.
Seguiu pela Rua do Porto, tortuosa, escura e esburacada. Aquela noite sem luar estava
propícia para o que se propusera a fazer. Uma grande aliada! Após atravessar algumas esquinas úmidas e sombrias, chegou ao local que lhe haviam, sigilosamente, indicado.
Não era bem uma casa, mas algo parecido.Deparou-se frente a um barracão bastante surrado, meio fantasmagórico, mal iluminado por velas e lampiões.
Ficou assustada.Pensou em voltar, desistir de seu intuito, mas o motivo que a levara até ali era muito forte e resolveu continuar.
Olhou para os lados para certificar-se de não haver ninguém por perto e começou a bater palmas.
Uma figura excêntrica, trajando roupas exóticas e coloridas surgiu silenciosamente feito uma aparição. Escondia o rosto num véu, lembrando dançarina do Oriente Médio, deixando à mostra um par de olhos negros, grandes, belíssimos e um ventre bem torneado.
- Boa noite!disse-lhe Lígia.
A cigana fez um leve movimento com a cabeça, cumprimentando-a e estendeu o braço, apontando-lhe o local a que deveria se dirigir.
Ambas sentaram-se nas almofadas que havia ao redor de uma mesinha onde a misteriosa mulher, à luz de velas, começou a colocar cartas de um baralho sinistro, pedindo que Lígia escolhesse algumas. E assim ela o fez, sem tirar os olhos da bela cigana, agora sem o véu.
De repente, viu um largo sorriso em seus lábios, revelando dentes muito alvos e um canino revestido de ouro.
-Vejo imensa luz em seu destino!Seus sonhos serão realizados!Nada a afastará de seu grande amor.Somente a morte, após terem vivido longos anos de felicidade.
Em seguida, pegou a mão esquerda de Lígia :-Essa linha mais comprida da palma de sua mão vem comprovar o que lhe disse.
Lígia sentiu-se muito feliz e um alívio tomara conta de seu coração.Pagou a mulher, que já aguardava o pagamento pelo seu trabalho e retirou-se dali.
Eram vinte e três horas quando chegou à Avenida Coronel Alcântara, onde residia.Não ficava distante do local de onde viera.
Tirou as roupas, os sapatos, vestiu uma camisola branca e deitou-se, sem qualquer ruído, ao lado de Álvaro, seu marido, que roncava, dormindo profundamente.Apagou a luz do abajur e adormeceu logo em seguida, satisfeita com o que ouvira naquelas últimas horas.
Cássio a esperava no lugar de sempre, sem muito movimento de veículos e transeuntes.Final da Rua Vinte e Oito, local ideal para encontros clandestinos.Olhava seu relógio, pois, já passava das vinte horas, horário combinado por eles.

Lígia apontara na esquina, mais bonita que nunca, com um insinuante vestido preto colado ao corpo, ornamentado por um generoso decote, mostrando seu colo macio e branco e uma boa parte de seus seios.Deixava no ar um rastro de perfume francês.
Cássio a olhou com olhos de admiração e desejo.Saiu do carro e abriu a porta para que ela entrasse.
Partiram para um lugar retirado, onde pudessem conversar e namorar tranquilamente.
-Nada irá se opor a nós!As palavras da cigana foram convincentes.Seu misticismo é contundente.Não há como descrer.
Ele riu da credulidade infantil da amante, mas não proferiu qualquer palavra sobre o assunto.Preferia-a assim, crédula e feliz.
Cássio havia sido chamado ao gabinete de seu chefe. Esperava o elevador que demorou um bom tempo para chegar.Bateu à porta levemente e ouviu:-Pode entrar!
Álvaro girou sua poltrona e ficou frente a frente com seu assessor.Fumava um charuto cubano e fazia questão de soltar a fumaça em direção ao seu subalterno.
Este ficou um tanto constrangido, pois notou algo de diferente no ar. Pensou:-Será que ele descobriu tudo?
-Preciso resolver um problema da empresa, em São Paulo, e pela confiança inabalável que tenho em você, pela sua inegável competência, quero pedir-lhe que vá em meu lugar, pois tenho outros assuntos pendentes a resolver .
Deu uma pausa no falar para acender outro charuto.
Cássio jamais negaria esse pedido ao seu chefe e amigo, ainda mais pela consciência pesada que trazia, decorrente da traição amorosa com sua mulher.
-Conte comigo, Álvaro!Amanhã mesmo tentarei resolver isso.
Sentiu-se livre do mau presságio que o invadira.
Combinaram o horário da viagem, despediram-se e Cássio voltou para sua sala.
Lígia atendeu o telefone que tocava insistentemente.
-Olá, querida!Que tal irmos para São Paulo e termos uma semana somente para nós?
Do outro lado da linha, uma mulher pálida e trêmula, não sabia se chorava ou ria.
Ele a tranquilizou e até sugeriu uma desculpa ao marido.Ela diria que precisava visitar uma amiga de infância, em fase terminal de câncer, na cidade de Resende.
Bem, parecia que tudo conspirava a favor para que os amantes ficassem juntos por mais tempo e se amassem muito.
Poucas horas antes da viagem, Lígia fez um pedido ao Cássio:-Gostaria de agradecer à cigana por essa felicidade, que em grande parte, ela nos proporcionou, já que eu andava tão angustiada, acreditando numa possível desconfiança de meu marido.
Cássio colocou alguns obstáculos nessa idéia da amante, mas, se era para deixá-la mais feliz, concordou.
As horas passavam e Lígia não chegava. Preocupado, resolveu ir até lá. Já era noite e um chuvisco embaçava o vidro do carro, deixando-o impaciente. Parou próximo à linha do trem, para esperá-lo passar. Era um cargueiro que parecia não ter fim.
Finalmente, linha desimpedida! Acelerou o carro e chegou em frente ao barracão que sabia muito bem onde se localizava, graças às informações de Lígia.
Bateu palmas e ninguém apareceu. As velas acesas piscavam e os lampiões estavam apagados.
Resolveu entrar, na surdina. Pé ante pé...A cena que viu jamais sairia de sua mente. Abraçados sobre as almofadas, a bela cigana e Álvaro...e mais adiante, numa poça de sangue, o corpo sem vida de seu grande amor...Lígia!

(Carmen Lúcia)

Foto de Edson Milton Ribeiro Paes

" MANEIRA DE SER "

MANEIRA DE SER.

Sou grande e sou forte...
Sou saudável e altaneiro...
Sou um homem do esporte...
Sou do povo brasileiro!!!

Sou sagaz sou importante...
Sou amado o dia inteiro...
Sou centrado sou vigilante...
Sou um excelente companheiro!!!

Sou da terra sou do mar...
Sou da montanha e da cidade...
Sou poeta e gosto de cantar...
As loucuras da minha idade!!!

Sou criança sou menino...
Sou adulto sou ancião...
Mas não passo de um latino...
Com um grande coração!!!

Foto de Sonia Delsin

CHÁ DE ROSAS...

CHÁ DE ROSAS...

Maria Lúcia tentava deixar a mesa bem bonita. A amiga Leonor era tão reparadeira.
Ela nunca fora muito de arrumações. Na verdade odiava estes detalhes de mesas bem arranjadas.
Etiqueta não era com ela.
Gostaria que a amiga se sentasse na cozinha mesmo e as duas se pusessem a conversar como nos velhos tempos.
Que tempos aqueles!
─ Puxa! Como seus peitinhos cresceram, Malu!
─ Leonor, cria modos, menina!
As duas cheias de segredinhos. Mauro era lindo e as duas o desejavam.
Desejavam sim, por que dizer o contrário?
Os milhões de hormônios. Quinze anos. Malu tão triste sempre. A falta da mãe e Leonor a lhe fazer companhia todas as tardes.
─ Ela melhorou, Malu?
─ Que nada. Nunca mais sai daquela clínica...
─ Como pode? Uma mulher tão bonita ir parar num lugar daqueles. Tenho pena de você. Sabe que sou sua amiga até embaixo d’água. Pode contar comigo sempre.
O abraço da mocinha a confortá-la.
─ Ele passou pela calçada hoje e só faltou torcer o pescoço de tanto olhar para trás.
─ De quem está falando?
─ Do tonto do Jonas.
─ Ainda vai se casar com ele.
─ Isto é que não. Malu, eu quero o Mauro.
─ Ele gosta da Vânia.
─ Que sortuda ela é! Os olhos daquele cara são de matar...
Enquanto arruma a mesa Maria Lúcia se recorda dos tempos da juventude.
Leonor se casou mesmo com Jonas e como se deu bem na vida. Não poderia encontrar melhor marido. Mauro não se casou com a Vânia. Acabou mudando e casando-se em outra cidade. Voltou umas duas vezes à cidade e todos comentavam que ele se casou com uma mulher muito bonita.
Ela se casou com Normando e foram felizes naqueles dez anos que passaram juntos, mas a morte o levou cedo demais. Marina ainda não tinha sete anos quando ele se foi.
Irmãos ela não tivera, e a amiga de tantos anos não era a mesma de antes.
Malu não era de fazer amizades com facilidade e vivia muito só. A filha já estava com nove anos e estudava à tarde. Leonor havia ligado que viria para um chá.
A amiga ficara cheia das frescuras e ela continuava a ser a mesma de sempre.
Vestia um longo vestido indiano, que era como gostava de se vestir. Nos pés trazia umas sandálias leves. Os cabelos ainda continuavam muito negros e ela os trazia pelo meio das costas.
Era uma bela mulher. O sofrimento não lhe marcou o semblante.
Acabou a arrumação da mesa, ligou o som num volume bem baixinho e ficou a aguardar que a amiga chegasse. Ainda tinha vinte dias de férias pela frente.
Pensara em viajar, mas a filha estava em aula. Não conseguira desta vez conciliar as férias da filha com as suas.
A campainha a fez sobressaltar-se. Já estava a divagar. Havia se esquecido que aguardava a amiga.
Foi atender e a aguardava uma enorme surpresa.
Mauro! Não mudara tanto naqueles anos.
Ele estendeu a mão.
─ Como vai, Malu?
─ Bem, e você? Que surpresa!
─ Soube que ficou viúva. Sinto muito por você. Só fiquei sabendo há uns três meses. Meu primo esteve me visitando e contou.
─ Fico grata que tenha se lembrado de vir até aqui...
─ Eu tenho muitas coisas a lhe contar...
─ Estou aguardando uma visita.
─ Quem?
─ Espero a Leonor.
Mauro franziu a testa, demonstrando desagrado.
─ Volto outra hora.
─ Estou de férias. Volte amanhã para conversarmos.
Com um abraço ele se despediu.
Depois de dez minutos a amiga chegou e Malu notou que Leonor estava excessivamente maquiada, vestia uma roupa de péssimo gosto, trazia os cabelos numa cor exageradamente avermelhada.
Beijou-a e a fez entrar na casa, tentando uma conversa amigável.
Não gostou quando Leonor fez alguns comentários desagradáveis, mas tentou ignorar.
Diante da mesa ela comentou que havia ficado a desejar com a arrumação da mesa.
Malu havia aprendido com o marido que os calados sempre vencem e ela o recordava ainda mais neste instante.
Normando nunca gostara de Leonor.
─ Que chá preparou para nós?
─ Um chá de rosas...
─ Que horror! Eu não tomo uma coisa destas...
Malu a olhou demoradamente nos olhos e descobriu que a amiga de tantos anos se tornara uma estranha. Uma estranha!
─ Estou brincando. Preparei o seu chá preferido. Chá preto.
─ Quem lhe falou que gosto de chá preto, querida? Eu gosto de chá mate natural. Natural...
─ Eu preparo num instante...
A mulher seguiu em direção à cozinha. Não diria à amiga que Mauro estivera lá. A intuição lhe dizia que nada deveria contar.
Preparou o chá rapidamente, por sorte tinha uma caixinha de saches de chá mate.
Agüentou pelo resto da tarde as conversas banais da amiga e esta por fim comentou sobre Mauro.
─ Se recorda como éramos loucas por ele, Malu?
Maria Lucia nada disse. Ficou esperando que ela falasse.
─ Ele está separado. O casamento não deu certo. Dizem que tem um filho e vivia um inferno com a mulher.
Ela ficou a ouvir sem nada comentar.
Logo que a amiga saiu, ela foi até o colégio buscar a filha, que naquele dia tivera aula de reforço. Marina tinha muitas dificuldades em matemática.
As duas voltaram abraçadas. Marina era muito alta, quase a alcançava aos nove anos. Havia puxado ao pai.
Ela contou à filha que a amiga Leonor passara parte da tarde com ela e ocultou que um velho amigo também a visitara. Achou que seria melhor nada comentar.
As duas jantaram e ficaram vendo TV.
─ Gostaria tanto que estudasse de manhã, minha filha.
─ Mamãe, sabe que tenho preguiça de me levantar cedo...
Ela acariciou a testa larga da filha e ficou recordando o marido. Ele fazia falta, como fazia!
Beijou a filha e as duas foram dormir.
Mauro voltou a visitá-la no dia seguinte.
Ela vestia um velho jeans e uma sapatilha de tecido. Os cabelos estavam presos com uma pequena presilha no alto da cabeça.
Estava muito bonita e se divertia com um jogo de quebra-cabeça da filha quando a campainha tocou.
Mauro também vestia uma calça jeans e uma camisa azul clara. Quase na tonalidade de seus olhos.
Ela o convidou a entrar e ele se encaminhou até o quebra-cabeça quase montado, encaixando rapidamente as peças que faltavam.
Malu ficou a olhá-lo quietamente.
─ Não me convida a sentar?
─ Claro. Sente-se. Fique à vontade, Mauro.
Ele se sentou numa poltrona e ela puxou outra bem à sua frente.
─ Também estou só ─ disse ele.
─ Não entendo porque me procurou...
─ Sempre fui apaixonado por você. A Leonor vivia a me dizer que você não podia nem me ver. Passei quase toda a minha vida sonhando com você. Por fim acabei indo embora daqui quando a vi casar-se com o Normando.
Ela o olhou demoradamente.
─ Apaixonado por mim?
─ A Leonor nunca contou?
─ Não. Ela me dizia que você era apaixonado pela Vânia.
─ Tantas vezes eu a procurei e pedi que lhe falasse que eu a amava.
─ Não posso crer.
─ Estou dizendo a verdade.
─ Não posso crer que minha amiga tenha feito isto comigo. Ela sabia que eu também...
─ Você o quê?
─ Eu também o queria tanto...
Mauro levantou-se da poltrona e pegou a pequena mão de Maria Lucia entre as suas.
─ Sonhei tanto com você. Tanto que nem pode imaginar. Quando aqui cheguei pensei em procurar a Leonor para pedir que viesse lhe falar de mim, mas a vi um dia ao lado do marido e ela me olhou de uma forma que me fez desistir. Em seu olhar havia algo que não gostei nada.
Os olhos de Malu o fitavam e Mauro aproximou-se dela ainda mais. Sua boca a procurou e quando deram por si estavam se abraçando e beijando apaixonadamente.
─ Eu nunca a esqueci. Casei-me com a Dora para tentar esquecê-la, mas cometi um grande erro. Um casamento destes nunca dá certo.
─ Eu fui feliz com meu marido. Ele era uma pessoa maravilhosa.
─ Fico feliz por você. Eu vivi num inferno. Por sorte me libertei. Sinto pena do pequeno Franco que sofre sem ter culpa de nada.
─ Quantos anos tem seu filho?
─ Seis anos. É um menino de ouro. Eu pensei em continuar casado com a mãe dele, mas quando soube que você estava só fiquei maluco. Tivemos uma discussão e a deixei.
─ O que pretende fazer?
Gostaria de me acertar com você.
─ Não é tão fácil, Mauro. Temos filhos. Tenho meu trabalho aqui e você mora em outra cidade. Minha filha precisa de mim, seu filho também...
Abraçando-a ele não deixou que ela continuasse e falou:
─ Você me quer, sua boba... isto é o que importa... vamos morar em outro lugar... começar uma vida nova. Eu cuido de sua filha como se fosse a minha.
─ E o seu filho?
Ele baixou os olhos tristemente.
─ Eu o perdi a partir do momento que deixei a mãe dele. Dora nunca me perdoará... ela é uma mulher vingativa. Vai fazer tudo para que meu filho me odeie.
─ Ele não o odiará.
─ Você não conhece aquela mulher.
Malu estreitou-se nos braços que a enlaçavam e deixou que a paixão comandasse sua vida. Na verdade nunca estivera apaixonada pelo marido. Tinha-lhe carinho, respeito, mas não o amara. O sentimento que guardara no peito desde os tempos da juventude lhe explodia no peito. Mauro sempre estivera em seus sonhos. Acalentara por tantos anos o sonho de ver-se olhada por aqueles olhos azuis.
Estava na sua hora de ser feliz. Tudo o mais não importava tanto. Importava mesmo é que se sentia a mais feliz das mulheres.
Começariam sim uma vida nova.
Lamentava por Leonor que lhe dera abraços de Judas. Fora traída por ela e não lhe tinha ódio, mas se afastaria dela de uma vez por todas. Nunca mais lhe prepararia chá algum...
Recordou o olhar azedo quando comentara banalmente que havia preparado um chá de rosas...
Ela perguntou-se como alguém conseguia agir daquela forma e com tanta naturalidade. Não sabia se doía mais perder a única amiga que tinha ou constatar que ela na verdade nunca fora sua amiga.

Foto de Vadevino

O MENDIGO

O cheiro humano
Encalacrado no pano
Da vestimenta surrada;

Barba longa, farta cabeleira,
Cruza a cidade inteira;
À noite, dorme na calçada.

Faminto, rebusca o lixo,
Como se fosse um bicho
E não um ser curitibano!

Malgrado o jeito selvagem
É ele, um personagem
Do injusto cenário urbano!

Foto de Manu Hawk

Noite Quente de Verão (Conto)

"Noite Quente de Verão"

Sexta-feira, mais uma, como muitas outras! Correria, trabalho, trânsito, mas no final do dia a certeza de poder me divertir muito com os amigos. Nessa em especial, melhor ainda, pois conseguimos marcar um encontro onde todos do setor poderiam estar presentes. Colocaríamos o papo em dia, beberíamos, flertaríamos, e dançaríamos muito!!!

Cheguei atrasada, e nem pude confirmar se estava de pé o encontro. Eram poucas pessoas no setor, mas “ele” em especial, era o que mais importava, o que queria confirmar era se “ele” iria realmente. Enfim, chegamos ao fim do dia, e para minha decepção, mais uma vez, “ele” foi o primeiro a dizer que não poderia ir. E logo em seguida, quase todos disseram o mesmo. Desânimo total. Só eu e mais um amigo poderíamos ir. Nos olhamos, rimos da situação e resolvemos ir assim mesmo. Estava bem desanimada, mas logo que chegamos, meu amigo pediu duas cervejas, coisa que não devo beber de forma alguma, rs. E não paramos aí, desce mais duas. Papo vai, fofoca vem, e mais duas. Ele afasta, carinhosamente, o cabelo que caiu no meu rosto. Estava uma noite linda, e quente de verão, quente em todos os sentidos, e merecia mais duas. Brincava com minhas mãos enquanto falava. Nunca havia conversado tanto com “L”, era um cara bem divertido, inteligente, super atraente. Engraçado, não havia reparado nisso antes. Resolvemos dançar.

A partir desse momento tudo mudou, não sei se foi efeito da cerveja, da música alta, ou sei lá do que mais, mas já estava olhando-o de forma diferente. No exato momento em que fomos dançar, mudaram pra pagode, parei e disse que não sabia dançar aquilo. Não tenho nada contra, mas não era o meu forte. “L” riu e disse que não precisava saber nada, era só se soltar e dançar, ele levava. Levou bem, bem demais! Senti aquelas mãos firmes me pegarem, aquele corpo colar no meu, e me levar. Parecia que deslizava, nunca imaginei que dançaria assim, tão solta e tão junto daquele homem. Que cheiro gostoso...

Em alguns momentos sentia as pernas roçarem nas minhas, no ritmo da música, como se entrasse pelas minhas, e depois afastava, rodava e voltava colando novamente, sem vontade de desgrudar mais. Ria muito, nunca dancei tanto, até que nossos olhos se encontraram, estranho, o ritmo mudou, ficamos lentos, algo dentro de mim acelerou, nos beijamos. Um beijo louco, cheio de tesão, começando pela língua de leve na boca, a música alta, e nós ali, no meio da pista, quase que sugando um ao outro. Recomeçamos novamente, agora abraçados, levados pelo novo ritmo que se tornava cúmplice do roçar de corpos. Corpos quentes, gritando de tanto tesão, onde podíamos sentir exatamente o que cada um implorava. Paramos, os olhos diziam tudo, recuar seria impossível, não foi preciso falar mais nada, um minuto e saímos dali. “L” estava no Rio de Janeiro há algum tempo e fomos para seu apart, não acreditávamos no que estava acontecendo, mas também nem queríamos encontrar explicação, apenas seguir nossos desejos. E foi assim o resto da noite, durante a madrugada, vendo o dia amanhecer, e por todo o fim de semana, apenas atendendo aos comandos dos nossos desejos, dos nossos corpos, de uma magia que não podia ser quebrada. Mãos ardentes, roupas no chão, bocas carinhosas, línguas exploradoras, encaixe perfeito, movimentos deliciosamente alternados, doces, furiosos...deleite!

Segunda-feira, mais uma, mas essa como nenhuma outra! Correria, trabalho, trânsito, mas no final do dia a certeza de podermos ficar juntos. E foi assim por todo o mês, até "L" voltar para sua cidade. Mas voltou outras vezes, muitas e muitas vezes, e sempre acontecia igual nos encontros, mas diferente em nossas loucuras, em nossos desejos. Era estranho, poderia passar meses, e quando nos encontrávamos o tesão era o mesmo, parávamos tudo para dar vazão a nossa fúria, roçar nossas bocas e coxas, arrepiar nossas almas e preencher nossos vazios!

O “ele” do setor? Nem lembro mais, e graças à decepção, conheci alguém especial como “L”.

(por Manu Hawk - 21/05/2004)

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Respeitem os Direitos Autorais. Incentivemos a divulgação com autoria. É um direito do criador que se dedicou a compor, e um dever do leitor que apreciou a obra. [MH]
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Foto de Bira Melo

ALUNO DISPERSO

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Tic-tac, tic-tac,
O menino a estudar...

Tic-tac, tic-tac,
O relógio a badalar...

Tic-tac, tic-tac,
O menino reza aflito..

Tic-tac, tic-tac,
Para cinco horas dar...

Tic-tac, tic-tac.,
Quer pegar pra bater uma...

Tic-tac, tic-tac,
Nos seus paus, os seus cambitos...

Tic-tac, tic-tac,
Sua caixa quer tocar...

Tic-tac, tic-tac,
Pragadá, pragadá!!!

In Pedaços de um CaraMelo*

*Esse fora feito durante um reforço de literatura a um aluno que estava bem mais preocupado com o ensaio que tinha de fazer para a apresentação da fanfarra no desfile em homenagem ao aniversário da minha cidade. Ele tocava caixa e aqui cambitos é o nome que se dá para baguetas!

Foto de Rosinéri

VOU ME LIBERTAR

Cresci numa cidade pequena
E quando a chuva caia
Eu olhava pela janela
Sonhando com o que poderia ser
E se eu terminasse feliz, eu rezava
Eu poderia me libertar
Vou abrir as asas e aprender a voar
Fazer o que for preciso para tocar o céu
Eu vou fazer um desejo
tentar a sorte
mudar e me libertar
Sair da escuridão para o sol
Mas não esquecerei todos os que amei
Vou assumir o risco e tentar a sorte
mudar e me libertar de vez
Predios com mil andares
repletos de portas giratórias
Talvez eu não saiba para onde me levarão
Tenho de continuar em frente
Voar, abrir minhas asas rumo a liberdade
Aprender a voar no infinito
Apesar de não ser fácil me despedir de você
tenho de me arriscar
tentar, mudar, me libertar.
Mas não vou esquecer o lugar de onde eu vim.

Foto de patricia-17

Baloiçando

Estou aqui sentada no baloiço abandonado
Já não tem dinâmica nem movimento
Apenas se vai baloiçando ao sabor do vento
E já não há nada que o faça ficar acordado

Já fora popular sim!
Quando as crianças comiam bolas de berlim
E davam milho às pombas no jardim
E corriam campos de trigo sem parar

Nessa altura os mais puros sorrisos se soltavam
E nada as fazia chorar
A não ser a vontade de um gelado saciar
E logo tudo brilhava quando brincavam

Agora tudo isto está esquecido
A velha terra adormeceu
O espírito de criança se perdeu
E tudo que havia de belo para viver fora vivido

Resta-me então seguuir as rotinas
Todos os dias virar esquinas
E percorrer as ruas desta cidade
Que nada se parecem com os caminhos da minha tenra idade

E esperar que o sol volte a brilhar
Sem medos nem receios de aparecer
E eu sem dúvidas de o acolher
Talvez aí o baloiço volte a baloiçar.

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