A escrita aproxima as pessoas de uma forma quase assustadora.
É como identificar, nos outros, parcelas de nós mesmos.
Ler nas palavras perdidas em blogs, livros, crônicas, as nossas loucuras, os nossos mais inconfessados anseios.
Os laços que se criam entre duas pessoas apaixonadas pela escrita faz com que se apaixonem entre si e, partilhem, silenciosamente, rasgos mentais.
Um espelho por vezes algo grotesco em que vemos o nosso íntimo no íntimo do outro, o nosso sorrir no sorriso do outro.
E a dor na dor do outro.
Duas pessoas que partilham dor nunca mais poderão ser indiferentes aos vultos dos seus corpos.
Quantos desses encontros fugazes com as nossas metades perdidas no mundo, soltas a voar no espaço da criação?
Quantas palavras ficam por ser ditas nessa mútua compreensão amargamente doce.
Quantas sensibilidades iguais, atrações criadas e recriadas nesse espaço-tempo criativo e sensual?
A escrita é espaço de tentação. De tensões que aproximam e a afastam os possuídos.
Só outro possuído para compreender a possessão.
E não é isso que todo o ser humano procura? Compreensão?
Essa identificação serena e ao mesmo tempo revoltada em que queremos ser o alvo do poema, queremos ser o amor e o amado, queremos ser o destinatário dessas palavras, dessas teias invisíveis e, no entanto, tantas vezes palpáveis.
Sim, a escrita, é um ato sensual.
Uma veste que nos torna tão deslumbrantes aos olhos dos outros... dos que nos desnudam devagar, com profundo deleite.
Talvez tudo se resuma a isso... A um amor imenso que nos assoma e nos entrega nas mãos que seguram a caneta. Nos dedos que batem no teclado.
Sendo dos meus leitores, não sou, porém, de ninguém. E isso torna-me muito mais apetecível.
Muito mais... etéreo e majestoso.
Por isso me escondo. Me resguardo. Para que possam sempre sonhar com o deus que gostam de idealizar.
E que, infelizmente, é tão humano. Tão imperfeito e estupidamente humano.
Visto-me de escrita e danço para vós. Desnudam-me devagar e eu deleito-me, num orgasmo literário, numa sensualidade crescente e viciante.
Quando saio do palco volto apenas a ser eu... Coloco suavemente as minhas vestes num armário enorme e suspiro.
Aqui nos bastidores fico sozinho. E mesmo assim cheio de outras personagens que leio e releio pelos dedos dos que amo ler. Inebriado de criatividade.
E amo... amo a escrita... amo os escritores e as suas palavras.
Mesmo quando estou sozinho... E preenchido de ti.
O ato de escrever
Data de publicação:
Terça-feira, 27 Setembro, 2005 - 11:48
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