Espelho

Foto de Rosamares da Maia

LAMENTO DE MARINHEIRO

Lamento de Marinheiro

Mar te acalma, serena mar azul.
És a Inspiração de tantos amores.
O sol sob o céu é balsamo das dores.
Nas águas, velas deslizam ao vento sul.
Tantos são os sentimentos, os clamores,
Confissões para conforto das almas.
Tantos que o teu espelho transborda,
Em densa espuma atiçada pelos ventos.
Secas no calor, evaporando os lamentos.

Mar, serena as vagas dos desenganos,
A lágrima salgada vem logo recolher.
Meu coração está em fúria, é maremoto,
Minh ’alma é o olho do redemoinho,
Meu corpo é como embarcação perdida,
Que o faroleiro deixou a deriva, sozinho,
Sem a luz do farol não encontro o caminho.

Mar, apascenta no coração a minha dor.
O navio só tem traçada a rota do dissabor.
Na carta náutica da solidão tudo é tempestade.
Estou sem comandante, sem estabilidade.
A deriva, sigo ao derradeiro rumo dos corais.

Mar, acalma a angustia da paixão.
Não suporto mais o cantar das Sereias.
Sou estrela atirada à praia, desalojada.
Perecendo seca no calor das areias.
Alivia o meu peito, pacifica este amor,
Sessa as lágrimas com a carícia do vento,
Dissipa ao sol o sal deste meu tormento.

Mar de Netuno te suplico, apascenta o vento.
Onde está meu porto neste mar obscuro?
Sessa a fúria da minha alma em tormento.
Acaba então com tudo, em um único momento!
Lança-me aos corais, ao fundo do oceano escuro.

Consuma a morte abissal deste marinheiro solitário,
Atraca em fim meu corpo às correntes do teu amor.
Sem a bonança, brisa mansa, sonho do porto seguro.
Põe fim ao lamento, as lágrimas deste navegador,
Sepulta o testemunho, último registro deste diário.

Rosamares da Maia 02/05/2019.

Foto de Dileno

Reflexão da vida vivida.

Eu já disse o que não quero dizer hoje? O espelho está empoeirado novamente e a cada cicatriz, uma mancha de vazio aumenta. É a única coisa que parece real. Você ja perdeu alguns segundos olhando pra fora de si? Enquanto você olha pra dentro, um reinado de sujeira encobre a paisagem, e você dobra mais uma esquina e se torna outro personagem. O relógio já está marcando meia noite, mas meus olhos continuam abertos. Se você descobrir a verdade, jogue-a fora. Não me venha falar de religiões, esportes, ou qualquer tipo de entretenimento... Eu já ofereci o meu mundo de impurezas. Talvez eu deveria ir para outro lugar, porém, outro caminho se abre a cada passo em falso, e eu machuco você de novo. Eu faria tudo da mesma forma, pois é a única maneira de eu me sentir vivo. Qual é a sua conclusão? Não quero ouvir coisas sobre moral, beleza, sistemas complexos, amor. O amor, o amor, guardem-o, sem correntes. Querem um servo voluntário? Quotidiano, repetitivo, casado, fútil? Querem que eu seja feliz dentro da sua caixa de mentiras? Querem que eu ganhe dinheiro, dinheiro. Querem que eu não sinta. Querem que eu seja o contrário também. Eu poderia mentir, mas já ouvi tudo que precisava ouvir. O que eu fui ontem? O sangue que se espalhou enquanto estava preso? A dor que trazia alívio? Ou as sombras que flutuam com o tempo perdido? Você diz coisas bonitas além da minha frágil compreensão. O universo, a ciência, a metafísica... E eu aceito por instante o que me destes, mas todos vão embora quando os sorrisos cessam. Só o peso do silêncio permanece comigo. E a dor continua presente nas manchas do tempo enquanto o fim se aproxima a cada corte profundo.Já disse que quero ser sozinho? Já disse que não quero que me dê a mão? Se eu pudesse me arrepender, ah, se eu pudesse começar novamente, eu faria da mesma forma. Eu encontraria outro caminho...

Foto de Gui❤Lari

Paginas em Branco

Sempre que me olho no espelho
Vejo que é impossível não lembrar do seu sorriso
Refletido no brilho dos meus olhos
Ai vem aquela saudade louca
Dos seus beijos e abraços
Dos nossos momento de ternura e desejo
Mais sei que ainda é cedo
Por isso não tenho medo
Não perco a esperança
De um dia te la de volta em meus braços
Revivendo cada abraço, cada beijo.
Provar em seus lábios um delicioso brigadeiro.
Menina mulher dos cabelos de fogo
Que me enfeitiçou e me cativou com seu jeito de ser
Sinto falta do amor correspondido
Das juras de amor ao pé do ouvido
Sinto falta do nosso cobertor
Do calor do teu corpo que me aqueceu nas noites frias
Sinto saudade de você, saudade de curtir a vida ao seu lado
De ser seu amante, amigo e namorado.
Nossa historia possui paginas em branco
Que serão escritas em algum momento
Te amo muito
E te quero só pra mim
Se ter que dividir
Sem ter que dar adeus e partir
Quero acordar do seu lado por todos os dias
Quero dormir e pela manhã tomar um maravilhoso café.
Hoje tenho fé
Pois o sonho se tornou realidade
E sem vaidade posso dizer
Sou seu
Seu homem e você é minha eterna paixão.

Foto de Rosamares da Maia

CARTA A FERNANDO PESSOA

Rio de Janeiro, 26 de maio de 2015.

Meu Caríssimo Fernando,

Nesta manhã como em tantas outras estou solitária e feliz por desfrutar da minha própria companhia. Sim, pois pretensiosamente ou não, estar acompanhada de mim mesma é o que hoje me faz feliz. Principalmente porque estar comigo, mesmo que transitoriamente, me conduz a você.
Nesta manhã, enquanto vejo a fumaça do café galopar o ar, aguço todos os meus sentidos e lembro-me de você, como se estivéssemos compartilhando a mesma mesa, as fatias do mesmo pão. Na realidade já não como, mas, continuo alimentando-me das tuas lembranças.
Fernando,
O que seria da minha vida sem conhecer-te, sem sorver das páginas cada gota dos teus escritos? Que seria de mim se não sentisse as tuas angustias, o teu amor para além dos lusitanos mares? Se não tivesse como tu compreendido os vaticínios de D. Sebastião.
Também tenho muitas personas aprisionadas dentro de mim e, ao contrário de ti, não consigo exteriorizá-los, derramá-los no tapete do quarto e depois abrir a janela, para que voem. Fecho os meus olhos e sou como Maria José – a feia, corcunda e doente. Coitada! Sempre presa à cama, diante da janela, colhendo no orvalho da manhã as pequenas gotas dos sonhos, de seu amor platônico por Antônio.
Escrevo a você cartas, como ela – As cartas que Ele jamais leu. Maria José motivo de riso ou invisível, desabrochando na exteriorização da tua solidão e tão acompanhada de tantos outros Fernandos igualmente solitários.
O que seria de mim sem refletir como Bernardo Soares:
-" Aprender a desligar as ideias de voluptuosidade e de prazer. Aprender a gozar em tudo, não o que ele é, mas as ideias e os sonhos que provoca.
Por que nada é o que é e os sonhos sempre são os sonhos.
Para isso precisa não tocar em nada. Se tocares o teu sonho morrerá, o objeto tocado ocupara tua sensação."
"Ver e ouvir são as únicas cousas nobres que a vida contém. Os outros sentidos são plebeus e carnais."
"A única aristocracia é nunca tocar. Não se aproximar – eis o que é fidalgo"
Bernardo Soares /Fernando Pessoa – 1888-1935 – in Livro do Desassossego.

Eu como Bernardo, sou fragmento do meu primeiro eu, que diariamente vem à tona para cumprir muitos papeis que a vida impõe e cobra, mas, aqui nesta pouca solidão com a qual a manhã me privilegia, consigo fechar os meus olhos e desfrutar da tua companhia, me aproprio de ti e te ouço soprar em meu ouvido esquerdo. Meu coração se contrai e expande dentro do meu peito e uma profunda saudade se apodera dele, me levando ao mergulho em um tempo que não vivi – o tempo de te encontrar.
Vamos a Livraria Lelo & Irmão, sentamo-nos a tua mesa preferida para tomar café, comer bolinhos e pensar no Mar Português – “Ó mar salgado, quanto do teu sal / são lágrimas de Portugal!” / Valeu a pena? Tudo vale a pena / Se a alma não é pequena.”
Meu pensamento associa-se a fumaça da xícara fumegante, tomadas em dimensões de tempo e espaço tão distintas e, Maria José fecha os olhos para vida com a certeza do seu amor, porque ele foi tudo que fez valer a sua insólita passagem por este mundo; Bernardo olha e se vê em ti, a mesma imagem, mas o seu reflexo no espelho tem um olhar arguto, mais crítico e menos emocional. E é assim, cada um é o que é mesmo sendo somente a derivação de uma só “Pessoa”.
E eu te escrevo esta carta, esperando que nossa conexão de espírito não seja apenas um delírio matinal de quem ainda não acordou direito e, como tu mesmo disseste, - “ Acordaste-me, mas o sentido de ser humano é dormir.”. Mas o que escrevo-te neste momento, é para agradecer-te.
Obrigado Fernando. O que seria de mim se você não tivesse existido?
Obrigado Pessoa pelo café compartilhado aqui, na minha mesa da cozinha.

Rosamares da Maia.

Foto de Arnault L. D.

Sementes nos bolsos

Eu trago sementes no bolso,
nos lábios, alguns assovios.
Acordes abertos e esparsos
das músicas que à mente ouço.
Soam preenchendo os vazios
do cotidiano que esgarço.

Na guitarra, as notas trago,
que ainda não foram tangidas;
na língua o sabor das palavras,
sal, açúcar, acidez, que trago
dos falares e nas bebidas
no degustar do corpo trava.

Preso de mim, em mim se encobre.
No potencial sem uma trilha.
Sou um desconhecido íntimo,
minha fina pele a carne cobre.
O espelho d água o céu espelha,
e o céu lhe guarda a profundidade...

Mergulhado, imerso as entranhas,
nos bolsos a vestir as mãos.
Olhando nas poças o luzir esboços,
assoviando canções estranhas,
desconhecidas, e minhas são.
Eu trago sementes nos bolsos.

Foto de Jardim

suave, reluzente

suave, reluzente; era assim que guardava
tua imagem sob o mármore negro da noite.
dias e quilômetros nos separavam,
restaram inquietações no horizonte oblíquo
das interrogações, limites projetados
nas minhas mais arrogantes ambições.
muita coisa mudara, delicadas esperanças,
inexplicáveis emoções, minha paz desaparecia,
minha calma se dissolvia, calculava tempo,
distâncias, particularidades, horas a fio
te imaginava sob o céu sedoso cor de cobre.
a ansiedade tem nome de mulher
e preta é a tarja da caixa que guarda
o sono dos anestesiados.
sonhos se confundem com fragmentos
da realidade confusa e resquícios
de amnésia, reticências do inefável.
vestia-me, olhava o espelho, nas mãos
as chaves, o cotidiano, a procrastinação.

Poema do livro Diários do Desassossego
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Foto de Jardim

ando só pelas ruas desta cidade fria e vazia

ando só pelas ruas desta cidade fria e vazia.
carrego comigo o hiato das impossibilidades
e a carga dos desenganos que fazem
da noite de sábado um proscênio solitário.

encarnação de vazios, deixo para trás
pontos de interrogação e concluo
que há muita incerteza nos caminhos
que se abrem à minha frente.

dialogo comigo mesmo, danço a coreografia
dos absurdos, réquiem inevitável
de um futuro que nunca existirá,
passos em terra de ninguém.

na praça dos consolos inúteis
distribuo a piedade que só os miseráveis
são merecedores, na minha andança
sem fim recebo do passado arrepios,
os sorrisos compartilhados são a véspera
dos desassossegos futuros.

ando sem rumo por ruas movimentadas
tentando olhar dentro dos olhos
das minhas verdades e sentindo
a batida do martelo dos remorsos
que só as escolhas erradas trazem.

fragmentos de promessas espalhadas
pelo chão, vestígios pelos muros
de possibilidades impossíveis
originadas no âmago das minhas covardias.

ando só e por aí me perco, uso a bússola
da minha inquietude, sigo as placas
dos meus medos, arranco da memória
uma fatia de sonhos que está guardada
em um frigorífico abandonado
e que quebra quando a toco, algumas coisas
são tão sagradas que não podem ser tocadas.

ando sem rumo, rumo ao improvável,
por alamedas, atalhos, pontes
e abismos que me conduzem.
andanças intermináveis, pelo caminho
questões sem respostas,
respostas sem perguntas,
coisas que não são nada,
nadas que me deixam mudo,
promessas que ouço do luar,
das gotas da chuva que nunca choveu.

estrada feita de horas e horas, o vento
e suas navalhas cortam constelações ilegíveis,
o espelho da finitude desfilando
vácuos inefáveis como se o passado
e o presente andassem de mãos dadas
sorrindo e falando alto nos corredores
desertos da minha intranquilidade:
a sagração de um vazio
que nega a si mesmo.

ando só e sem destino
sob a passarela fúnebre
deste céu de possibilidades mortas
e paixões cegas, enxergo a dureza
dos muros, os papéis levados
pelo vento e os automóveis, converso
comigo mesmo em profundo silêncio,
respiro a textura de um adeus
que faz a alma se encolher
até um canto qualquer
como um detento sem ambição
e sem propósitos, como quem
espera por alguém que não existe.

me prendo a ilusões que escapuliram
de minhas mãos como se nada mais
fosse possível, uma nuvem de poeira
formada por escombros de promessas
não cumpridas sufoca
as minhas esperanças e asfixia
o meu futuro e minhas escolhas absurdas.

tenho uma fascinação pelas coisas
que não existem mais, pegadas invisíveis
pelo chão despedaçado
de um caminho confuso, sonhos fatiados
pela lâmina inexorável dos impossíveis,
minutos perdidos e areias antigas
de ampulhetas emperradas pela desatenção.

encho a taça trincada
pelo grito dos desesperados
e brindo a chegada
da minha própria demolição.

Poema do livro Diários do Desassossego
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Foto de Jardim

o meu corpo a buscar teu corpo ausente

o meu corpo a buscar teu corpo ausente,
e minhas mãos a tocar o vazio,
e esses meus olhos na eterna busca
dessas tuas curvas de sedução.

enfrento meu rosto dilacerado
a encarar de frente o triste espelho,
a boca solitária mitigando
o calor de teu beijo que persiste.

no espanto volátil do meu mundo
pelo teu corpo quieto e translúcido
esvai-se todo anseio dos meus olhos.

meu corpo de tormentas e abrolhos
beija a pele de teu corpo longínquo,
encontra um amor inda presente.

Poema do livro Dois
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Foto de Jardim

andei pelas avenidas

andei pelas avenidas
até minhas pernas se confundirem
com o asfalto.
ouvi as vozes de amigos desaparecidos
e de antigas paixões
perdidas num passado distante.

tantos anos, tantas mudanças,
tanta coisa mudou.
mas tudo permanece tão igual
reverberando nas paredes.

à noite vi o meu reflexo no espelho
e não reconheci meu próprio rosto,
somente meu olhar vazio.
eu podia sentir o sangue
em minhas veias
tão negro e tóxico
como a chuva ácida
que cai sobre as ruas de são paulo.

caminhei por ruelas, becos e travessas
seguindo o eco de meus próprios passos
para tentar fugir de mim mesmo
e encontrar um refúgio
profundo e escuro.

despi qualquer desesperança
que ainda restasse,
deixei o momento calar.
deixei a manhã chegar
para esquecer os relógios,
os infernos e os paraísos.

Poema do livro Amores Possíveis
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Foto de Jardim

provo teu negro amor

provo teu negro amor,
teus lábios amargos
na escuridão de nosso beijo.
o espelho reflete nossos corpos nus
e o negrume que nos acompanha.

púbis clara,
lua rara,
nossa roupas
pelo chão
da sala.

teus olhos imóveis
são pedras preciosas
a comprar o vazio da cama.
uma mulher vazia de sonhos.

tua beleza,
que me fez te desejar
acabou por sublimar
as outras tantas
que já desejei
como se todas as outras
tivessem em ti se consolidado.

rosa
escarlate
banhada
no orvalho
das minhas lágrimas.
rosa a me ferir
com seus espinhos.

tua voz
branca,
descrente,
como uma anêmona
entoa num cântico profano
o desalento deste amor
numa longa e triste canção.
o espelho refletindo nossos sexos
e a triste constatação de teu olhar imóvel
como pedras preciosas
a comprar o vazio da cama.

no escuro do quarto
sinto o calor de tuas mãos
e da urgência com que gozas.
a te chupar,
a lambuzar meu rosto
com o teu suco.

a sentir os teus dedos
que me acariciam
cada um de meus sentidos entorpecidos
como o despertar de um sonho
que insiste em não terminar.

diante de teus lábios amargos
me torno tua sombra,
um cão fiel,
um obsceno fruto, teu mel
a tornar amarga a minha vida.

atmosfera escura,
lua obtusa,
acredito em tua mentira
mais uma vez: sou tua.

Poema do livro Amores Possíveis
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