Discursos

Foto de Carmen Vervloet

7o CONCURSO - AMOR TAMBÉM É COMPROMETIMENTO

Era primavera. A exuberância das flores encantava os olhos. Dias amenos, onde a esperança pulsava no coração e a alegria dava um brilho mais intenso ao olhar. Lembro-me bem, final de setembro de 2006.
Nos palanques os mesmos discursos, as mesmas promessas criando uma falsa expectativa para o povo sofrido. Era véspera de eleição, tudo iria mudar para sempre. Hospitais seriam reformados e aparelhados, outros tantos seriam construídos, escolas para todos, desemprego coisa do passado, alimentos fartos, violência eliminada. Os jornais repletos de notícias de programas políticos brilhantemente desenhados em papel.
Maria que catava jornais para sobreviver, nem sabia destas notícias. A pobre coitada era analfabeta, provavelmente por falta de oportunidade, já que Maria não fugia à luta. Os jornais serviam-lhe apenas para conseguir alguns míseros “trocados” para matar a fome da família e, sobretudo para agasalhar seus filhos nas madrugadas mais frias. Eram lençóis, colchões e travesseiros para sua família que vivia sob uma ponte. Pobre Maria! Pobres crianças! Maltratadas, sofridas, criadas nas ruas, esmolando nos semáforos. Maria sofria, Maria chorava! Era analfabeta, miserável, mas amava seus filhos! E como amava... Lutava como uma leoa para proteger suas crias. Lutava e padecia, porque nem o mínimo conseguia. A fome espreitava com olhos de insídia.
Passaram-se dois anos e as promessas se perderam ao vento, os programas não saíram do papel. Os políticos eleitos desviando dinheiro numa corrupção jamais vista no nosso amado Brasil. Dinheiro em cueca, dinheiro em meias, dinheiro em malotes, em cofres residenciais, contas em paraísos fiscais. A impunidade reinando. E Maria continuava lá, na mesma vida miserável. Paulo, o filho mais velho, envolveu-se com drogas e morreu assassinado numa esquina de um bairro nobre da cidade. Teve a cabeça esmagada por uma pedra. Antonio, o filho caçula, morreu de uma simples pneumonia, nos corredores de um posto de saúde por falta de atendimento. Subnutrido não resistiu à doença.
Então Maria, na sua imensa dor disse: Homens, onde está o amor? A vida é dádiva de Deus e todos têm o dever de respeitá-la. Sou pobre, mas sou gente! Tiraram-me dois dos meus três únicos tesouros. Por negligência, por egoísmo, por crueldade, por falta de sensibilidade! O coração de vocês é de pedra! Foi esse coração de pedra que esmagou a cabeça do meu menino. Foi esse coração de pedra que não deu a ele a oportunidade de uma escola, de uma profissão. Foi também esse coração de pedra que desviou o dinheiro destinado à saúde. Vocês mataram meus filhos. Assassinos! Assassinos! Assassinos! E saiu desnorteada pelas ruas, seguida de Pedro, o filho que lhe restou.
Os jornais deram grande destaque ao fato, que logo foi esquecido. E tudo continuou do mesmo jeito. O desamor reinando pelos Palácios, os corações secos da seiva do amor. A sujeira cercando a consciência de quem por falta de amor não quer contribuir para a evolução do ser humano, trapos, num monte de lixo.
Neste Novo Ano que se inicia vamos colocar em nossa lista de desejos o nosso pedido a Deus para que ilumine, oriente e guie nossos novos dirigentes para que elevem suas consciências para essa realidade tão triste e feia e que se comprometam de fato para que a fome, a miséria, o analfabetismo, a violência sejam extirpados de vez do nosso rico e amável Brasil. Que possam merecer verdadeiramente a confiança do povo que os elegeu. Assim seja!

Carmen Vervloet

Foto de Oliveira Santos

Ressaca Moral

Quem disse ser o ser humano o animal mais adaptável e que capaz ele seria de estar todos os dias,
nas manhãs quentes ou nas noites frias a labutar com a solidão?
Quem sangue frio teria de , naquela calmaria dos bares agitados de casais aconchegados, transitar
furtivamente sem ter quem lhe acompanhe e ainda querer beber champanhe?
Não me venham com discursos ou qualquer das parolices que só dizem mais tolices filosóficas ou hipócritas
tentando dar justiça, pois, partindo da premissa de que tudo tem sua vez. Eu prefiro a embriaguez!
Pois nela é oito o oitenta, ou alivia ou então arrebenta tudo que estiver por dentro: intestinos, pensamentos
cândidos ou impuros num clima assim, romântico para deixar tudo mais duro.
E vou para casa, onde, bêbado, me julgo, sentencio e executo a pena do total expurgo. Sinto sede, fico puto,
cambaleio, pelas pernas titubeio em meio aos móveis mais que móveis aos meus olhos. Que momentos
vexatórios!
Frente ao espelho lavo o rosto, lavo a boca, olhos vermelhos, voz rouca a murmurar palavras ocas de auto-ajuda, de auto-ofensa, daquelas que não se pensa refletindo sobre o dia que termina em agonia.
E amanhã, de cabeça assaz pesada, levanto a carcaça cansada para mais momentos de pesar até passar
o mal-estar e, num canto da minha mente, paro por alguns segundos para me ver diante do mundo, como fui,
estou e sou e vejo que nada mudou. Tanto faz ou tanto fez, tudo começa outra vez: solidão e insensatez.

12/10/99

Foto de Carmen Vervloet

POEMA MUDO

Queria falar...
Mas eram tantas vozes,
gritos, discursos,
pregões, lamentos
que até meu anjo guardião
fechou os ouvidos...
E na solidão de meus versos,
na minha voz inaudível,
emudeci!...

Carmen Vervloet

Foto de NEOQJAV

Frases de Efeito NeoqJav

A maturidade não está na menoria de vezes que erramos, mas na maioria de vezes que reconhecemos nossas falhas. ( NeoqJav )

A sua boca emite sons, mas as suas decisões revelam quem você é. ( NeoqJav )

Dentro do amor existe a tolerância, dentro do egoísmo a ignorância. ( NeoqJav )

Com quanto mais intensidade seus discursos se harmonizarem com as suas ações, com menos frequência você terá de escrevêlos e assiná-los ( NeoqJav )

As pessoas não são justas por terem convicção do que acontece depois da morte, mas por não ignorarem injustiças acontecerem no ambiente em que viver. ( NeoqJav )

A frequência de decisões edita a personalidade. E por isso passamos a vida inteira definindo quem somos por cada momento de existência. ( NeoqJav )

Por acaso a ignorância sempre foi enganada pelo óbvio, mas obviamente o amor sempre enganou o acaso. ( NeoqJav )

Você morreria para tornar o mundo melhor? Então viva para isso! ( NeoqJav )

O que nós temos de mais importante são as nossas decisões, e a longo prazo elas influenciam fatalmente no modo como encaramos a vida. ( NeoqJav )

A oportunidade se antecipa para as pessoas que se esforçam em conhecer, e aprendem a gostar do que realmente precisam. ( NeoqJav )

É de extrema importância compreender as regras para seguí-las, mas é fundamental seguir as regras para compreendê-las. ( NeoqJav )

No carro da vida, os erros são a embreagem para a marcha do amadurecimento. ( NeoqJav )

Até mesmo a maior das grandes idéias, seria insignificante se fosse decorada por todos,e refletida por mais ninguém. ( NeoqjJav )

Dos leitores da bíblia, satanás procura a maior razão, dos praticantes dela, Deus procura a mínima intenção. ( NeoqJav )

Quem não está bem consigo mesmo, não consegue encorajar o seu próximo. Quem não está bem com o seu próximo não consegue agradar a Deus. Quem não está bem com Deus só se sente encorajado a agradar a si mesmo. ( NeoqJav )

O maior passo que podemos dar em direção ao certo, é recomeçar com sabedoria para corrigir um erro. ( NeoqJav )

O amor e a ignorância estão em todas as religiões cristãs, porque convém que o trigo cresça junto com o joio. ( NeoqJav )

Não é o medo do castigo que te ensina a livrar-se do erro, é a vontade de corrigí-lo.(NeoqJav)

É loucura acreditar que os desejos são aleatórios e que não se pode escolher seus sentimentos, pois você decide que vontade tem, sempre que a vontade vem, e você tem que se decidir. ( NeoqJav )

O maior sinal de derrota é quando injustiças acontecerem e o fato de as outras pessoas não se preocuparem deixar de ser sua preocupação. ( NeoqJav )

Foto de pttuii

Clamor em buraco de coração de papel

Discursos, em poleiro suez,
És dente de cão submisso,
Pastor difamado pelo Sol,
Rio que não espera pelo salmão,....

Expandes ao núcleo hiperbólico,
Em avanço de nuclear assassino,
Que retrai, contrai,

D’ouro melena cálida,
Pois, é semiótica,
E que parte pedra marciana,...

Com o mundo a escorrer,
E a palavra a fazer-se tempo,
Pintaste,
Aligeiraste,
Facilitaste-me,...

A verdade acalentada,
Brota de ti,
Porque por ti,
O silêncio congela,
Aos pés velhos de uma fada,....

Foto de Carmen Lúcia

Momentos...

Minha loucura me leva a bravuras
que a sã consciência
e a tímida prudência
não me permitiriam levar...

Dizer o que penso,
revelar como sou,
livre de consenso,
da moral que pesou...

Minha momentânea insanidade
é meu evangelho de verdades...
Impulsos não reprimidos,
reprimindo inverdades.

Esses discursos inflamados
traduzem meu verbo, meu outro lado...
Então me retrato... corpo, alma e mente,
conjugados em comunhão estridente
contando tudo o que sentem...

Quando me recato, desacato
a identidade, a vontade e a sede de falar...
Por fora me calo, sóbria insensatez...
Por dentro me violento...insensata lucidez.

(Carmen Lúcia)

Foto de Wilson Madrid

ANJOS ESPANCADOS

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ANJOS ESPANCADOS

Hoje eu vou compor uma poesia diferente,
Mas eu bem sei que ela serve a muita gente...
Acabaram de assaltar e espancar um filho meu,
E isso só pode ser coisa de animal cruel e ateu...

Esse meu filho trabalha para poder estudar e ser um futuro ator
E atua como palhaço em asilos e creches, gratuitamente, por amor...
Voltando do aniversário de um amigo, a duas quadras da nossa residência,
Foi atacado pelas costas por dois ferozes animais irracionais e jogado ao chão...

Por estar sem dinheiro e nem sequer o seu celular o espancaram brutalmente;
Até mesmo os seus óculos de armação de aço ficaram distorcidos totalmente...
Graças à Deus, continua vivo porque Aquele que tudo vê envio-lhe socorro...
De um carro que passava pelo local, duas outras pessoas desceram e o salvaram...

Esse meu filho que trabalha, estuda e que foi covarde e cruelmente espancado,
Ainda teve que ir para uma delegacia de polícia e um hospital desaparelhado...
Chegou ainda há pouco aqui em casa e já foi dormir depois de medicado;
mas logo mais vai ter que ir trabalhar, mesmo muito estressado e assustado...

Eu sei muito bem que nesta mesma noite só aqui na minha cidade de São Paulo
Muitos outros anjos e pessoas honestas e decentes também foram espancados,
Furtados, assaltados, desrespeitados, violentados e até mesmo assassinados...
Não dá mais para tapar o sol com a peneira: contamos só com a proteção de Deus!

Mesmo sabendo disso não podemos nos conformar com essa calamidade pública!
Nos discursos os políticos candidatos sempre exploram esse drama para pedir o voto
Depois de eleitos os hipócritas só voltam a tratar do assunto para serem reeleitos?
O que mais prometem é justamente o que nunca dão: segurança, saúde e educação!

Até quando teremos que continuar convivendo com essa situação?
Nossas casas já tem mais grades do que no zoológico e do que na prisão!
E o nosso direito da nossa liberdade de ir e vir que é comum a todo cidadão?
Ficou exclusivo dos que andam com carros blindados e com seguranças armados?

E você que me leu até aqui: o que é que você está fazendo para mudar essa realidade?
Pelo menos nos teus pensamentos, palavras e atitudes você faz algo pela paz?
A justiça ou a injustiça social, a violência ou a tranqüilidade social,
É o resultado da somatória das nossas atuações individuais onde quer que atuemos...

Pelo amor de Deus!
E em nome de tantos anjos que são sendo espancados e exterminados todo dia,
Vamos cuidar cada um de fazer o máximo esforço para obtermos a nossa alforria:
Que os nossos pensamentos, palavras e atitudes promovam sempre o espírito da paz!

Os nossos filhos, netos e descendentes agradecem pelo inferno ou pela paz
que estamos construindo e que lhes deixaremos como inevitável herança...
Apesar de tudo tenhamos confiança, perseverança e esperança,
tomemos como modelo a verdade e a pureza da criança...

Foto de Dirceu Marcelino

O HOMEM DE HOJE RELEMBRANDO O MENINO DE ONTEM

O HOMEM DE HOJE

A noite tinha um clarão ofuscante,
No céu a lua brilha com um clarão mais puro,
A bandeira elevar-se-á gloriosa
Aos ventos do norte ou do sul auguro!

Homem! Tu te portarás garboso,
Com o peito inflado, velho galante.
Teu filho olhará para ti orgulhoso.
O colo de tua esposa tremerá arfante.

Os discursos se ouvirão toantes,
Indo aos ares por alto-falantes.
Tu te sentirás então mais maduro,

Pensará então no Pai glorioso,
Dirá no teu íntimo jubiloso:
Obrigado Senhor! Cumpri com jubilo!

Sorocaba-SP, 15 de março de 2008

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UM HOMEM P’RO AMANHÃ

A manhã se clareará esplendorosa,
O céu estará com um azul mais puro,
A bandeira desfraldará gloriosa
Aos ventos do norte ou do sul auguro!

Menino! Tu te portarás garboso,
Com o peito inflado, pequeno infante.
Teu pai olhará para ti orgulhoso.
O colo de tua mãe tremerá arfante.

Os discursos se ouvirão toantes,
Indo aos ares por alto-falantes.
Tu te sentirás então mais maduro,

Pensará então no Pai glorioso,
Dirá no teu íntimo jubiloso:
Deus! Serei homem amanhã. Eu juro!

São Paulo, 11 de dezembro de 1980

Foto de Mentiroso Compulsivo

O Actor

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.
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Cansei-me.
Desliguei o leitor de CD’s, fechei o livro, e rodei do sofá para o chão. Cheguei à janela, afastei as cortinas. Chovia a “potes”.

Fui comer. Voltei à janela. Já não chovia. A noite estava escura, o ar, fresco da chuva, cheirava a terra molhada; a cidade lavada. Vesti a gabardine e saí.

Cá fora, a cidade viva acolheu-me. No meio dos seus ruídos habituais, nas luzes do passeio. Percorri algumas casas e vi um bar um pouco retirado. Era um destes bares que não dá “muitos nas vistas”, sossegado e ao mesmo tempo, barulhento.

Com alguns empurrões, consegui passar e chegar ao balcão. Pousei o cabo do guarda-chuva na borda do balcão e sentei-me. O bar estava quente e o fumo bailava no ar iluminado. Senti o cheiro a vinho, a álcool. Ouvi as gargalhadas impiedosas de duas mulheres e dois homens que se acompanhavam. Deviam ser novos e contavam anedotas. Eram pessoas vulgares que se costumam encontrar nas pastelarias da cidade, quando vão tomar a sua “bica” após o jantar. Estes foram os que mais me atraíram a atenção. Não, esperem... ali um sujeito ao fundo do balcão, a beber cerveja...
- Desculpe, que deseja? – perguntou-me o empregado.
- Ah! Sim... um “whisky velho”, por favor.
Trouxe-me um cálice, encheu-o até ao meio e foi-se embora.

Bebia-o lentamente. O tal sujeito, desagradável, de olhos extraordinariamente brilhantes, olhou para mim, primeiro indiferentemente, abriu a boca, entortou-a, teve um gesto arrogante e voltou o rosto.
Estava mal vestido, tinha um casaco forte, gasto e sapatos demasiado velhos para quem vivesse bem.
Olhou-me de novo. Agora com interesse. Desviei a cara, não me interessava a sua companhia. Ele rodou o banco, desceu lentamente, meteu uma das mãos nos bolsos e veio com “ares de grande senhor” para o pé do meu banco.
O empregado viu-o e disse-me:
- Não lhe ligue... é doido “varrido” e “chato”.
Não lhe respondi.
Entretanto, ele examinava-me por trás e fingi não perceber. Sentou-se ao meu lado.
- É novo aqui?!... – disse-me
Respondo com um aceno.
- Hum!...
- Porque veio? Gosta desta gente?...
- Não os conheço – cortei bruscamente.
Eu devia ter um ar extremamente antipático. Mas, ele não desistiu.
-Ouça, - disse-me em voz baixa, levantando-a logo a seguir – devia ter ficado lá donde saiu, isto aqui não vale nada. Vá-se por mim... Está a ver aqueles “parvos” ali ao canto? Todos reparam neles... levam o dia a contar anedotas que conhecem já de “cor e salteado”...Vá-se embora. Todos lhe devem querer dizer, também, que não “ligue”, que sou doido...

Tinha os olhos raiados de sangue. Devia estar bêbado. Havia qualquer coisa nos seus olhos que me fez pensar. Era um homem demasiado teatral, havia nos seus gestos e segurança premeditada, simplicidade sofisticada do actor. Cada palavra sua, cada gesto, eram representações. Aquele homem não devia falar, devia fazer discursos.
Estudando-me persistentemente, disse-me:
- Você faz lembrar-me de alguém que conheço há muito, mas não sei quem é... Devia ter estado com esse alguém, até talvez num dia como este em que a chuva caía de mansinho... mas, esse alguém decerto partiu... como todos... vão-se embora na noite escura, ao som da chuva... nem olham para ver como fico.
Encolheu miseravelmente os ombros, alargou demasiado os braços e calou-se.

Eram três da manhã. Tinha agarrado uma “piela” com o ilustre desconhecido. Tinha os olhos muito abertos, os cotovelos fincados na mesa da cozinha e as mãos fechadas a segurarem-me os queixos pendentes. Ele tinha um dedo no ar, o indicador, em frente ao meu nariz, abanava a cabeça e balançava o dedo perante os meus olhos. Ria às gargalhadas, deixava a cabeça cair-lhe e quis levantar-se. O banco arrastou-se por uns momentos e cai com um estrondo. Olhou para mim com um ar empobrecido, parou de rir e fez: redondo no chão. Tonto, apanhei-o e arrastei-o para a sala.

Deixei-o dormir ali mesmo. Cobri-o com uma manta, olhei-o por uns instantes e fui aos “ziguezagues” para o meu quarto.

No dia seguinte acordei com uma terrível dor de cabeça. Dirigi-me aos tropeções para a casa de banho. Vi escrito no espelho, a espuma de barba; “Desculpe-me, obrigado. Não condene a miséria!”

Comecei a encontrá-lo todos os dias à noite. Fazíamos digressões nocturnas, íamos ao teatro. Quando percorríamos os corredores dos bastidores, que ele tão bem conhecia, saltavam-nos ao caminho actores que nos cumprimentavam; punham-lhe a mão no ombro e quando ele se voltava, davam-lhe grandes abraços. Quase toda a gente o conhecia.

E via-lhe os olhos subitamente tristes, angustiados. Ele não se esforçava por esconder a tristeza: era uma tristeza teatral. De vez em quando, acenava a cabeça para alguns dos seus amigos e dizia:
- Não devia ter deixado...

Inesperadamente, saía porta fora, certamente a chorar, deixando-me só. Quando saía via-o pelo canto do olho encostado a uma parede mal iluminada, mão nos bolsos, pé alçado e encostado à parede, cenho franzido e lábios esticados. Nessas ocasiões estacava, por momentos, e resolvia deixa-lo só. Estugava o passo e não voltava a olhar para trás.

O seu humor era variável. Tanto estava obstinadamente calado e sério, como ria sem saber porquê.
De certa vez, passei dois dias sem o ver. Ao terceiro perguntei ao “barmen”:
- Sabe o que é feito do actor?... Não o tenho visto.
- Ainda não sabia que ele tinha morrido? Foi anteontem. A esta hora já deve estar enterrado...foi melhor para ele...
Nem o ouvia. As minhas mãos crisparam-se à roda do corpo, cerrei os dentes. Queria chorar e não conseguia. E parti a correr pelas ruas. Por fim, cansei-me. Continuei a andar na noite, pelas ruas iluminadas. E vi desfilar as imagens. Estava vazio e, no entanto, tantas recordações. Não sentia nada, e apenas via as ruas iluminadas, as montras, os jardins.
Acabei por me cansar, de madrugada tive um sonho esquecido.

Percorro as ruas à noite, os bares escondidos, à espera de encontrar um actor “louco e chato”. De saborear mentira inocente transformada em verdade ideal. E há anos que nada disso acontece. É verdade que há sujeitos ao fundo do balcão, mal vestidos, a beber cerveja... mas nenhum que venha e pergunte se sou novo aqui... As pessoas continuam a rir como dantes, todos os dias vejo as mesmas caras, e se me perguntarem se gosto desta gente digo-te que não as conheço ainda... e olho-os na esperança que venha algum deles e que lhe possa dizer, como a raposa de “ O principezinho”:
- Por favor cativa-me.

Acordei, tinha parado de chover, lá fora ouviam-se as gotas mais tímidas ainda a cair dos telhados, fazendo um tic-tac na soleira do chão, como quem diz o tempo da vida continua, por segundos parei o tempo e pensei, mais um dia irá começar e neste dia eu também irei pisar o palco, todos nós iremos ser actores, uns conscientes da sua representação, outros ainda sem saber bem qual seu papel, uns outros instintivamente representando sem saber que o fazem e outros ainda que perderam o seu guião....

Foto de Dirceu Marcelino

UM HOMEM P'RO AMANHÃ

A manhã se clareará esplendorosa,
O céu estará com um azul mais puro,
A bandeira desfraldará gloriosa
Aos ventos do norte ou do sul auguro!

Menino! Tu te portarás garboso,
Com o peito inflado, pequeno infante.
Teu pai olhará para ti orgulhoso.
O colo de tua mãe tremerá arfante.

Os discursos se ouvirão toantes,
Indo aos ares por alto-falantes.
Tu te sentirás então mais maduro,

Pensará então no Pai glorioso,
Dirá no teu íntimo jubiloso:
Deus! Serei homem amanhã. Eu juro!

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