Aves

Foto de José Herménio Valério Gomes

O BEM DISSIMULADO

Numa idade de águas doces
Alimentava-me de meros sonhos
Todos os meus dias eram um hoje
Acordados em erros e medronho

Ao som dobre da Igreja
As crianças brincam às escondidas
Á luz de uma vela acesa
Numa casa de cartāo esquecida

E é ao voltar de qualquer rua
Que acredito ter sede de viver
Prostrado face à lua
Porque nas horas de sol desisto de ver

O tempo vai ditando-me quem sou
Deixando-me pensar, ser um livro
Que pleno de tristeza alguém negou
As páginas que eu persigo

Adicionando-me à loucura
Numa avenida sem árvores
Onde os homens amam às escuras
Acreditando voar como as aves

E quando chove lá fora
Tudo fica tāo húmido no meu conforto
O que foi dignidade vai embora
E este dia de natal ,nāo tem rosto...

zehervago 02/07/2020

Foto de Jardim

chernobyl

1.
sons de violinos quebrados vinham das montanhas,
uivos de lobos noturnos,
varriam as imagens das imaculadas ninfas
enquanto se ouviam as vozes dos náufragos.
o príncipe das trevas desceu disfarçado de clown,
bailava num festim de sorrisos e sussurros.
a nuvem envolvia a cidade com seus círculos febris,
se dissolvia nas ruas em reflexos penetrantes,
coisa alguma nos rios, nada no ar e sua fúria
era como a de um deus rancoroso e vingativo.
a morte com seus remendos, oxítona e afiada,
distribuía cadáveres, penetrava nos ossos, na pele,
nos músculos, qualquer coisa amorfa,
alegoria da inutilidade das horas.
agora este é o reino de hades
os que um dia nasceram e sabiam que iam morrer
vislumbravam o brilho estéril do caos que agora
acontecia através del siglo, de la perpetuidad,
debaixo deste sol que desbota.
o tempo escorre pelos escombros,
o tempo escoa pelos entulhos de chernobyl.

2.
meu olhar percorre as ruas,
meus passos varrem a noite, ouço passos,
há um cheiro de sepultura sobre a terra úmida,
um beijo frio em cada boca, um riso
estéril mostrando os dentes brancos da morte.
não foram necessários fuzis ou metralhadoras.
mas ainda há pássaros
que sobrevoam as flores pútridas.
aqueles que ainda não nasceram são santos,
são anjos ao saudar a vida diante da desolação
sob este céu deus ex machna.
aos que creem no futuro
restaram sombras, arcanos, desejos furtados,
resta fugir.
uma nuvem de medo, ansiedade e incerteza
paira sobre o sarcófago de aço e concreto da usina.
asa silente marcando o tempo
que já não possuímos.
pripyat, natureza morta, vista através das janelas
de vidro dos edifícios abandonados
sob um sol pálido, ecos do que fomos
e do que iremos ser.
pripyat, ponto cego, cidade fantasma,
os bombeiros e suas luvas de borracha e botas
de couro como relojoeiros entre engrenagens
naquela manhã de abril, os corvos
seguem em contraponto seu caminho de cinzas
sob o céu de plutônio de chernobyl.

3.
e se abriram os sete selos e surgiram
os sete chifres da besta,
satélites vasculham este ponto à deriva, seu nome
não será esquecido, queimando em silêncio.
os quatro cavaleiros do apocalipse e seus cavalos
com suas patas de urânio anunciam
o inferno atômico semeando câncer
ou leucemia aos filhos do silêncio.
os cães de guerra ladram no canil
mostrando seus dentes enfileirados, feras famintas,
quimeras mostrando suas garras afiadas,
como aves de rapina, voando alto,
lambendo o horizonte, conquistando o infinito.
eis um mundo malfadado povoado por dragões,
a humanidade está presa numa corrente sem elo,
sem cadeado, enferrujada e consumida pela radiação.
vidas feitas de retalhos levadas pelo vento
como se fossem pó, soltas em um mundo descalço.
vidas errantes, como a luz que se perde no horizonte,
deixam rastros andantes, vidas cobertas de andrajos,
grotescas, vidas famintas e desgastadas,
que dormem
ao relento nas calçadas e que amanhecem úmidas
de orvalho, vidas de pessoas miseráveis,
criaturas infelizes, que só herdaram
seus próprios túmulos em chernobyl.

4.
mortífera substância poluente, complexa,
realeza desgastada que paira nos ares
da pálida, intranquila e fria ucrânia
envolta no redemoinho dos derrotados.
gotas de fel caindo das nuvens da amargura,
sobre a lama do desespero, sobre o vazio
da desilusão, no leito do último moribundo.
cacos, pedras, olhos mortiços, rastros cansados,
inúteis, o sol das estepes murchou as flores
que cultivávamos, descolorindo nossas faces.
seguem os pés árduos pisando a consciência
dos descaminhos emaranhados da estrada,
na balança que pesa a morte.
no peso das lágrimas, que marcaram o início da dor,
restos mortais, ossos ressecados, sem carne,
devorados pela radiação, almas penadas
no beco maldito dos condenados, herdeiros
da abominação, mensageiros da degradação,
horda de náufragos, legião de moribundos.
o crepúsculo trouxe o desalento e as trevas, a vida
agora é cinza do nada, são almas penadas que fazem
a viagem confusa dos vencidos em chernobyl.

5.
ainda ouvimos os gritos daqueles que tombaram,
e os nêutrons sobre a poeira fina dos vales,
os pés descalços sobre pedras pontiagudas,
ainda ouvimos o choro das pálidas crianças,
a fome, a sede e a dor,
o estrôncio-90, o iodo-131, o cesio-137.
vazios, silêncios ocos, perguntas sem respostas,
degraus infernais sobre sombras, rio de águas turvas,
quimera imunda de tanta desgraça,
fantasia desumana sem cor,
transportas tanto mal, conduzes a todos
para a aniquilação neste tempo em que nada sobra,
em que tudo é sombra, é sede, é fome, é regresso,
neste tempo em que tudo são trevas,
onde não há luz.
cruzes no cemitério, uma zona de sacrifício,
sob um céu sem nuvens,
a morte em seu ponto mutante.
no difícil cotidiano de um negro sonho,
restaram a floresta vermelha,
e os javalis radioativos de chernobyl.

Foto de Sirlei Passolongo

Eu quero Deus amanhecendo em mim.

Eu quero Deus amanhecendo em mim.

Eu quero Deus amanhecendo em minha vida
diante dos meus olhos,
no meu coração...
No solo que meus pés tocarem.
Em minha’lma
e espirito.

Feito esse sol necessário às flores, ao trigo.
Necessário às marés,
às aves,
aos canaviais...
Esse sol
cuja saudade se espreita,
após longos dias de chuva.

Eu quero Deus amanhecendo em minha vida
Transformando as noites
em meras centelhas que antecedem as manhãs
Iluminando todo meu jardim
-As flores mais preciosas-
Minha família e meus amigos...

Eu quero Deus amanhecendo em mim.

_Sirlei L. Passolongo _

Inspirado em AMANHECER COM DEUS
de WESLEY SIMÕES

Foto de Wilson Numa

Liberdade

Liberdade para alguns é deixar de servir a outrem
Outros dizem que é voar como as aves
Liberdade para mim é exprimir o que lhe atormenta o coração e lhe aleija a alma
Ser livre é ser capaz de perdoar, ajudar e sorrir
Com a família e os amigos
Porque não há liberdade quando se é solitário

Foto de José Herménio Valério Gomes

DESABAFO DESCOORDENADO DE UM POEMA

Hoje sem saber porquê
Voltei a pensar como todos dias penso em ti
Senti que as nossas mäos deram um nò com um aperto
E näo mais havia sentido aquele sentimento
Como à muito tempo em toda a minha vida
Olhei entäo para o meu lado
Curioso de acordar contigo ali...
E uma voz vinda do melhor que guardei no teu Amor
Deixou-me um segredo
Silenciado para nòs
As noites continuam a ser tal como as nossas
As estrelas recordam como nòs a luz que fomos
Os mais maravilhosos dias säo partilhados
Algures entre ti e mim
Sò os elementos como o SOL a LUA o MAR e a linha da vida tatuada na pele
Sabem que o mundo pode acabar na terra
Mas a història conta que três aves contnuaram a sobrevoar
Numa direçäo onde aquele Amor ficou imortalizado
Juntando o silêncio companheiro do segredo para sempre......zehervago 02/11/2011

Foto de José Herménio Valério Gomes

Dialogo no vazio

Foram tantas vezes
Que nos sentamos de costas para o Oceano
Negando-nos olhar o nascer do sol
Por um não sei que amargo motivo de vida
Dentro de um vai e vem de aves pesqueiras
Somos nós sentados,bem mais alto
Num rochedo em provavel queda
Indiferentes dentro de silhuetas
Que se refletem no azulejo do mar
Isto ė o cèu por um apelo
De que não decidimos,a posição.das estrelas
Tal como o destino das nossas vidas
Cada dia que passa
Ė como uma exclusividade
Que só acontece uma vez...

Zehervago 27 abril 2014

Foto de Carmen Lúcia

Sobre belezas naturais

O mar vem me saudar em ondas
que se quebram ao beijar meus pés
num doce afago que me apraz,
abraça meu corpo e o ascende à paz.
Águas tingidas pelo azul do céu,
onde o branco das espumas brinca de ir e vir.
Sem embarcação, muita empolgação, me entrego.
E navego...

Ante a flor desabrochando,
prenunciando a primavera
expectativas invadem os campos
verdejantes pela espera.
Despedem-se do inverno,
o frio do coração do mundo
e me vejo florescer também
em meio a tulipas e jasmins
e o perfume de mato em mim.
E espero...

A melodia dos riachos
faz a dança dançar em minhas veias,
em passos harmoniosos me acho,
entre cascatas me entrelaço
luzindo luzes cristalinas,
permeando verdes e azuis turmalinas
brotadas do ventre da terra
num recital de suaves versos
a emergir poesias.
E me extasia...

O céu começa a se fechar,
o sol brilhará n’outro lugar...
Aves migram em bandos, chilreando
num bailado improvisado, inusitado.
Matizes cruzam espaços, buscam suas cores
espalhadas em multicores pelos cantos,
beleza exclusiva do fim de tarde.
E me invade...

Nessa mistura real e surreal
eu me perco, me enlevo, me levo...
Tiro os pés do chão, alço a emoção
e me elevo ao ar...
A voar...

_Carmen Lúcia_

Foto de Alexandre Montalvan

Pingos de Amor

No negro escuro da minha alma, vastidão!
Em fétidos charcos de catarros, lodaçais!
Pensamento imerso nesta grande podridão
Entre aves de rapina famintas, bestiais!

Triste este fim sem recomeço, sem perfume argentino
A essência das celas, entre feras e medo, sente o cheiro
Desta morte que rola na escada, neste imenso atoleiro
Este é o mar dos desatinos e das noites sem destino
Das eternas madrugadas.

As sombras se esgueiram nos caminhos
Coladas em suas burras negras perniciosas
Rebolos nas mãos e cobertas de espinhos
Naifas que ferem que sangram perigosas

Na morada do fogo que arde em meio ao inimigo
O passado me condena com a mão do insensato criador
De joelhos imploro o perdão deste amargo castigo
Neste mundo eu não tive nem um pingo de amor

Alexandre Montalvan

Foto de Alexandre Montalvan

Revoadas

Revoadas

Lindos lençóis de seda
Que cobrem tua alma ausente
E o teu corpo inocente
Transformou-se em labaredas

Neste mundo que ti emparedas
Com o sol em teu nascente
Algemavam-te com correntes
Em tão florida alameda

Então foges, foges deste inferno
Deixas em mim amor eterno
E uma eterna madrugada

Como as aves em revoada
Em tão triste despedida
Eu ouvi teu adeus e mais nada

Alexandre Montalvan

Foto de poetisando

Natureza

Como é bela a natureza
Com suas serras e montes
Os rios correndo nos vales
A água jorrando das fontes
Com as suas planícies
Cobertas de lindas flores
Esvoaçando ao sabor do vento
Parecem chamar seus amores
Com seus montes floridos
De alecrim e rosmaninho
Onde as mais diversas aves
Vão fazer os seus ninhos
Toda ela é uma beleza
Sem haver outra igual
Que bela é a natureza
Deste nosso Portugal
Não conheço outra paisagem
Com a sua fauna variada
Desde a raposa ao chapim
Como é bela a natureza
Não há outra coisa assim
Como é que o homem tem
Coragem de a destruir
Quando devia tratar dela
Para melhor a poder usufruir
É ela que nos purifica o ar
Que todos nós respiramos
Dá cor às lindas paisagens
Que nós tanto apreciamos

De: António Candeias

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