melancolia

Foto de Carmen Lúcia

Sem palavras

Nos olhos, perfeita dissimulação,
olhar sem direção pra não me entregar,
sem ter que encarar, fraquejar e implorar,
mantendo-me firme na proposta da encenação.

Nos lábios um sorriso camuflado
amargando uma lágrima indiscreta
a arder o âmago, a salgar o cerne
de onde pulsa desenfreada dor...

A dor que permeia meu espaço
e passo a passo toma posse de meu ser.
Na garganta um nó fortemente atado
a sufocar palavras que não quero dizer,
sonoridade embargada pelo silêncio
que sempre calado há de permanecer.

Não revelo a fragilidade do sonho acabado
sem nunca sequer ter começado.
Quero que vás sem nunca saber
o que teu coração não conseguiu entender.

_Carmen Lúcia_

Foto de Carmen Lúcia

Introspecção

Hoje me recuo.
Recolho meus vestígios,
fecho-me em mim.
Repudio pensamentos pesados,
por demais ousados
que me vestiram assim.

Recomeço pelo fim.
Apago marcas do que sou
que travam passos que dou.
Disperso o meu cheiro
que impregna meus devaneios
dissimulados, sem roteiro.

Renovo os sonhos que nunca busquei,
escondo os rastros que por aí deixei
que gritam como sou, onde estou...
Hoje refaço o destino
incisivo e opositor.
Esvazio o meu íntimo,
liberto-o do dissabor.

Desdenho o desatino,
tudo o que faz retroceder
e sofrer.Quase perder...
Os últimos acordes entristecidos
perdem-se no ar, a vagar...
Canção que não tem razão de ser,
que já não quero mais cantar,
já não quero mais dançar.

E nesse ostracismo, a me buscar,
a me encarar, me enfrentar,
confronto com meu próprio eu.
Talvez descubra o que restou,
o que morreu...
ou quem sou eu...

(Carmen Lúcia)

Foto de Carmen Lúcia

Céu, sol e mar...

O sol a iluminar o oceano
faz meu espírito dourar
quebrando o escuro desengano
com sua luz em meu rosto,
trocando a vida pelo brilho fosco,
reacendendo a chama que de repente
tende a tremular e se apagar.

No topo da mansidão celestial
abre-se em leque, intensa luz,
inimaginável cerimonial,
a reverenciar o astro rei
refletindo a paz que desacreditei,
aquecendo meus frios passos nas águas
flutuantes de um mar que nunca naveguei.

Ondas profundas dissipando brumas,
a embeber de brancas espumas,
penetrantes e insólitas, a pele esfacelada
de dias sombrios pela ausência do sol,
quebrando na areia o cheiro de sal,
retrocedendo ondulantes em direção horizontal
onde se confundem céu, sol e mar.

Ponto de encontro de aves marinhas
que ao cair da tarde juntas se aninham
sem nunca manchar o azul
nem macular o branco,
mostrando a alegria de um mundo brando
deixando no ar vestígios da paz
num voar tão leve que no céu descreve
tanta simplicidade a me tocar o coração.

_Carmen Lúcia_

Foto de Carmen Lúcia

Enquanto tu vivias...

Enquanto vivias, cumpriste teu papel
além do que te cabia,
grandeza de um arranha-céu...
Ornamentaste vasos, lapelas,
jazigos , templos, capelas...
Lado a lado com a alegria
remataste o mais lindo buquê,
cúmplice da felicidade e harmonia,
parte do contexto: amor, realidade e fantasia.
Vestida da pureza do mais casto branco
invadiste, radiante, jardins e campos
trazendo o sol amarelo em teu peito,
luz das luzes, consenso perfeito.
Enfeitiçaste beija-flores
inebriando-os de amores...

Foste tema de cantigas...
Apareceste nos mais lindos versos
cantados por reis em seus castelos,
endeusada pelos mais fortes guerreiros...
Ao te despetalarem, em busca da sorte,
talvez não queiram causar-te a morte
ou cravar-te o espinho da dor...
Querem saber se têm ou não teu amor.
E tuas pétalas brancas, translúcidas, caídas,
jamais serão sinônimo de despedida,
pois da terra que as terá acolhida
renascerão as mais belas margaridas.

_ Carmen Lúcia _
04/12/2010

Foto de Felipe Ricardo

Um Soneto Qualquer, Para Brindar a Estrela que Morre

Vejo agora o triste e perfeito final
Que a muito escrevi em minhas
Loucas falacias de um universo
Onde as velha estrelas descem

Do magnifico céu que assim fiz
Mas hoje uma morre, hoje uma
Finda sua cina e paga suas dividas
Com aquele que sempre a acolheu

Durma em paz amada estrela
Durma no véu da noite que assim
Teci com os teus lindo fios dourados

Mas agora tu tens que parti e dar a vida
A outras que logo virão para fazer viva
A louca engrenagem do meu universo [...]

Foto de Arnault L. D.

Mas não direi

Talvez, noutra vida,
talvez, noutra encarnação,
talvez, noutra estação...
Que não seja final de outono,
que não tenha o abandono,
folhas mortas no chão

É certo que é crime,
ou será um pecado?
Não estar ao seu lado.
Sei que está tudo errado,
a estrada a bifurcar
para longe a lhe levar
e o amor, mutilado,
a se desperdiçar.

Não devia ser, então.
Não devia ser assim,
você longe de mim.
Como o certo deu errado?
virar sonho acabado,
dilacerado...
Mas, não direi que é o …

Foto de Carmen Lúcia

Morada da poesia

Ainda não sabia de poesia...
E seus olhinhos percorriam a fantasia.
Tudo podia...
Estar aqui ou alcançar estrelas
e sem nenhum esforço, conseguir tê-las.

Ainda não sabia de poesia...
E de seus passos, a mais linda coreografia,
de sua alma a expressão que traduzia
naquela dança, a vida que em si surgia.

Ainda não sabia de poesia...
Fixava seus olhos no desabrochar da flor
e a via pequena, gigante, de toda cor.
Nenhuma outra magia a tiraria desse torpor...

Ainda não sabia de poesia...
Seus pés descalços na água do mar
transformavam sal em açúcar
e as ondas brancas, golfadas de algodão-doce,
batizavam seu corpo de menina e moça.

Percebeu a poesia...
Ao descobrir o descompasso de seu coração.
Pulsações irreverentes, batidas diferentes,
e no papel
registrou o que sentia...

Sentiu a poesia...
Descobriu sua morada.
Por todos os cantos, recantos,
encantos e desencantos.
Viu-se cercada...

E a poesia mora
na lágrima que rola,
no sorriso que esconde a dor,
no riso anunciando amor.
No botão que se transforma em flor.

Ela está por toda a parte.
Basta apenas perceber
e do estado latente,
fazê-la acontecer.

_Carmen Lúcia_

Foto de Carmen Vervloet

Curió

Solta a voz na madrugada,
entoa melodias no ritmo da fonte,
traz para minh’alma triste e calada
doces acordes do além-horizonte...

Resgata sonhos que perdi no caminho,
evoca alegrias escondidas nas selvagens matas,
traz-me de volta pro meu ninho,
traz-me a paz que perdi nos desequilíbrios desta acrobata...

Vem pequeno curió... Tira-me deste sepulcro.
Liberte meus sonhos em seu vôo livre...
Vem... No seu canto a vida eu escuto!
No eco do seu canto recolho pedaços de felicidade
que perdi nos aclives...

Foto de Carmen Lúcia

Ainda restam os sonhos...(homenagem póstuma)

O vento move fagulhas
em minhas mãos calejadas...
Agulhas é minha harpa,
sonhos de Via Láctea.
O vento corre em zigue-zague
movendo o fadário
do diário trabalho ralo...
De sonhos, o que há de vir?

O pleonástico ser que me torno,
e me transforma em supérfluo cidadão,
sonha sonhos que não apavoram
nem sombra, nem multidão.
A fome me bate à porta,
o frio não traz carvão...
As goteiras me servem
como imundo colchão.
Os sonhos criam galácticos reinos
dissimulando a putrefação,
realidade sem nome,
de pura exclusão...
Executam o homem
em troca da devassidão

E nessa redundância caótica,
parida da enfática “velha opinião...”
prioridade moldada pelo desamor,
desnorteando o viajor,
velejo meu veleiro
sem meta, nem direção,
num mar de águas paradas
que nunca vêm, tampouco se vão.

Sem ver cais ou ancoradouro,
sequer pistas ao mapa do tesouro,
ansiando que o vento se aprume,
sopre águas e feridas,
crie ondas, movimente a vida,
pra que meu destino enfadonho
ancore em futuro risonho,
vindouro e assaz almejado...
Porque ainda me resta um legado
de sonhos, não naufragados.

co-autoras:Angela Oiticica & Carmen Lúcia
04/08/2008

"poema feito em parceria com minha inesquecível amiga, Angela Oiticica, falecida em 06/06/2011."

Carmen Lúcia

Foto de CarmenCecilia

Quem tem medo de onça pintada? Multimédia

Música e letra de Mírian Warttusch
Cateretê
Intérprete: Kátia Uzzun
Maestro Celso Cotta

Edição em vídeo: Carmem Ceciia

Série: Animais em extinção

Onça Pintada

Pra se achar onça pintada
Valente, tão linda, altiva
Temos que andar de lanterna
Se é que há alguma viva!

A você mãe natureza
Os filhos voltaram as costas
E pra nosso malefício
Novas leis foram impostas

O homem que hoje aqui vive
Com requintes de maldade
Põe fim à própria existência
Devastando sem piedade!

Onça pintada, onça pintada
Dentro da mata se sentiu muito acuada
Onça pintada, onça pintada
Quando a mata pegou fogo
Ela fugiu para a estrada...

Meu Deus, faça alguma coisa
Pra este Planeta salvar!
Pois ainda tem gente boa
Querendo viver e amar...

Dá de volta os nossos bichos
Põe aqui a tua mão...
Pois tudo que já nos deste
Está mesmo em extinção...

Onça bonita e pintada
Queremos você de volta
Às nossas matas tão belas
Pra aplacar nossa revolta!

Onça pintada, onça pintada
Etc... etc...

Onça, onça pintada... Onça, onça pintada...
Quando a mata pegou fogo... ela fugiu para a estrada...

Mirian Warttusch

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