Prosas

Foto de Graciele Gessner

Erros e Escolhas. (Graciele_Gessner)

Os erros me fizeram ser o que sou hoje. Os erros me fizeram fazer escolhas amargas e sem volta.

A vida não é feita só de acertos, mas de erros que nos custam a sobrevivência, o nosso caráter. Os meus erros fizeram a minha essência, a minha história.

Sabe, só me arrependo de uma escolha que fiz nesta vida. O erro de ter cometido a minha maior loucura, uma aventura. Custou-me a perda de quem mais amei nesta vida.

Contudo, a vida é muito engraçada! Ganhei uma segunda chance de recomeçar. Sobrou-me apenas o aprendizado, sem mágoas e sem rancores de quem um dia feri.

Sei que tropecei nesta vida, mas sei que depois de tudo que aconteceu ter recebido o seu perdão ainda me ficou um vazio na alma. E agora, recomeçar é preciso.

Veja como um erro influencia a vida, o destino, o caráter. Sei que andam-me julgando pelo erro que não compete a quem não tem nada a ver com a situação. Mas desde já, afirmo que o nosso amor é mais forte que os julgamentos dos que ficam jogando as pedras sobre mim.

Os erros e acertos farão os meus alicerces de sabedoria e conhecimento da vida.

Isto é tudo que tenho para declarar no momento.

13.07.2008

Escrito por Graciele Gessner.

* Se copiar, favor divulgar a autoria. Obrigada!

Foto de pttuii

Aristóteles de Sousa Escrivão

Num futuro assustadoramente próximo, a fúria de um homem servirá para abrir todos os telejornais do mundo. Cansado de assumir os despistes da condição humana, Aristóteles (chamemos-lhe assim) vai pegar em armas e virar-se contra o poder dos mitos. Sem precisar de andar muito irá, um dia, sair de casa e encarar, olhos nos olhos, a diva da ópera. Luísa Todi, imortalizada num busto de virginal mámore branco no centro de Setúbal, será sequestrada. Tudo se vai passar tão rápido, que quando as pessoas se aperceberem já será tarde de mais. Num dia de Verão, mais um a prenunciar a careca de ozono de que o planeta já padece, Aristóteles colocará em prática anos a fio de saber livresco. À hora a que estas linhas estão a ser produzidas, o criminoso do futuro estuda afincadamente a metodologia dos protagonistas dos mais famosos quinze minutos de fama do mundo. Manuel Subtil, Al Pacino em 'A dog´s day', Vladimir, o ucraniano que sequestrou o dono da pastelaria 'Sequeira' na Avenida da República, em Lisboa. Será rápido na abordagem, terá de conseguir prever todos os possíveis erros e, acima de tudo, ter óptimos pulmões para que todo o mundo o consiga ouvir. Num futuro assustadoramente próximo, Aristóteles vai rodear o busto de Luísa Todi com suficiente C4 para rebentar com a Casa Branca. Com o detonador numa mão, e uma AK 47 na outra, vai esperar que todas as unidades especiais da Polícia cheguem. Depois, logo a seguir, virão dezenas e dezenas de jornalistas. Para finalizar o cortejo da decrépita condição humana, marcarão presença milhares de aves necrófagas. Altos, baixos, velhos, novos, brancos, pretos, amarelos. A capa é humana, mas o interior será com certeza animalesco. Aí, e só aí, quando estiverem reunidas todas as condições necessárias para que o mundo saiba quem é Aristóteles, é que quem estiver a ler este texto perceberá, por esta altura, que esteve a ser enganado. Eu, o autor, identifico-me como Aristóteles Sousa Escrivão, bêbado profissional neste mundo há 53 anos. Acabei de apedrejar o busto de Luísa Todi e, neste momento, estou preso num calabouço policial a tentar imaginar que sou uma pessoa importante. Ai de quem se atreva a quebrar uma ilusão que, além de não pagar impostos, prova a teoria evolucionista de Charles Darwin. Deus nunca teve nada a ver com os macacos fodilhões. A má sorte de mais tristonho dos Austrolopitecus, é que está na origem da minha estadia nesta cela.

Foto de pttuii

Arcos Íris Inc.

O Branco é amigo do Preto. O Castanho está unido por ligações sentimentais ao primeiro, mas nada o liga ao segundo. O Azul tem tendências suicidas, e vê no Verde um refúgio de serenidade cada vez mais raro nos dias que correm.
Os dois já se envolveram com o Preto, mas perante o Branco sempre o negaram. O Roxo espera por uma oportunidade para pedir emprego ao Castanho, que assume funções de administração na empresa de obras públicas do Amarelo.
O Branco é quem verdadeiramente dá a cara neste negócio, e fala-se que poderá ver com bons olhos um take-over feito pelo Rosa. A suavidade de temperamento deste último é vista pelo Azul como uma potencial ‘mais valia’ numa ligação meramente profissional.
A importação de água de um mar cuja localização ainda não foi tornada pública, parece ser o ramo em que o azul melhor se movimenta. A personalidade densa que o caracteriza é, segundo os analistas, a adequada para uma correcta gestão da multinacional.Uma empresa de consultoria, fundada pelo amarelo, poderá ter sido contratada para atestar a veracidade destas constatações. Por trás deverá estar uma Oferta Pública de Aquisição feita pelo Ciano, que desesperadamente luta por se manter à tona de um negócio onde o Branco ainda dita regras.
O Ciano partilha o tom com o Lilás, e é considerado perigoso. Numa desordem alvejou a tiro o Branco, que por ter corrido perigo de vida, reforçou o seu estatuto neutral. O relatório de tendências no arco-íris aponta para um futuro menos denso. O esbatimento de funções é visto com desconfiança.

Foto de Vanize Maia

A Vida é...

A vida é o máximo
A cada dia que passa amo mais estar viva
Apaixono-me por tudo o que a vida me dá, me oferece
Por tudo o que ela me impinge e me obriga a amar e encarar
A vida é um encanto, é uma realidade iludida
A vida é um show de ilusionismo: tem todo um sistema por trás, todo um trabalho de bastidores que fazem com que o show seja um verdadeiro espectáculo inesquecível
Esse sistema são as pessoas que nos rodeiam, nos amam, os sentimentos que nos enredam e a natureza que vai influenciando devagar, ao som do batimento cardíaco e nos vai dando sinais.
Viver é belo
Viver é intenso
Viver é um encanto
A vida é doce, alegre e iluminada!
A vida é a natureza e a natureza é a vida
Sou uma eterna apaixonada por ela
Desde muito cedo que mantenho relações intimas com a vida
Dessa relação muito nasceu, o mais importante que brotou foi a minha insanidade.
Amo o amor, a paixão e a verdade nas pessoas
Na minha insanidade, amo profundamente a mim, a terra e o mar, o sol e a chuva, o riso e o suor meu... Adoro aquele beijo, o teu toque, o cheiro e o olhar...
A vida é uma fatia daquele cheesecake, uma taça de vinho do tinto, um luar, uma dança e uma conversa fiada...
Eu e a Vida, mantemos uma relação de amantes, amigos, namorados, parentes, companheiros, cúmplices... e até mesmo de inimigos. Competimos para ver qual de nós se apodera do outro, procuramos novas maneiras, de nos derrubar-mos na nossa paixão, na nossa insana sana maneira de nos amarmos
A vida é fud!d@
Ela fod3-me e eu a ela
A vida é uma guerra de sexos, de ideias e de prazeres.
É uma luta por si só, sem objectivo e sem causa.
É simplesmente o prazer de se debater, de se melhorar, de se evoluir
Foi no meio dessa guerra que descobri que o meu maior prazer é viver, estar viva.
É no meio dessa relação louca e quase sexual, mas profundamente sensual
Que me vou descobrindo, me vou fortalecendo e me vou firmando como pessoa
Como mulher, africana, “honesta”, inteligente e bonita
E a cada transa, a cada nova posição, mais amor transborda
A cada troca de fluidos e sentimentos, mais paixão sai pelos nossos poros.
É lixado, ter uma relação tão agressiva. É invejável...
Mas é fantástico! É mágico!

Foto de pttuii

Mena

Nunca se desdisse a frontalidade com que Mena pousava a alma em cima do mesmo bloco de granito, durante todos os dias que corriam em carreira. Chovia palha, quando a chuva não era mais que o que ela queria que fossem os sentimentos e as desditas. Ventava de menos.
Sim, a alma em cima de um bloco de granito, à beira de uma paragem desactivada de transportes públicos, eram coisas exangues.
E percebia-se que Mena nem sequer existia, porque o vento só reconhece quem tem coração que transpira estatismo eléctrico.
Apostou-se bem, quando ela um dia não apareceu, e o bloco de granito passou o dia nu. Sem a alma de Mena em cima. No dia seguinte voltou, e trovejava. Foram dois vencidos da vida, dois sublinhados pelo lápis invisível da morte, que lhe bateram nas costas para a felicitar. Esse foi o momento que Mena escolheu para se desfazer. Arrancou o único cabelo dourado da cabeça de rodilhas, e o ar foi subtilmente diluindo-se em volta dela.
Acabou por o mundo ver que Mena são dois dias que nunca se encontraram em si próprios, e fizeram denúncias simultâneas de incumprimentos metafísicos. Nasceu a discórdia nesse dia, e o ar concordou quando a matou.

Foto de pttuii

O velho dos sete cães

Menor manifestação da razão humana, vezes maior fenómeno da bestialidade religiosa, igual a saída da missa das sete na Igreja do Barrio de Las Hermanas, em Tegucigalpa, Honduras. Mais ou menos mil pessoas, todas residentes na isla de la paloma, bem no centro da capital, convergem diariamente, à mesma hora, para aquele local.Maridos e mulheres. Apêndices entre os 2 e os 10 anos pela mão de cada um destes casais. Dezenas de apêndices. Velhos mal vestidos, enrugados, e de bengala. E exactamente sete cães. Pertencem todos ao mesmo dono. O general Juan Freischel. Dizem que o velho é nazi. Perdão, foi nazi. Porque ai de quem lhe recorde que ele nasceu na Alemanha, no ano de 1922, e que com 16 anos andava a aplaudir um austríaco frustrado no campo zepellin de nuremberga. O senhor nega.
Diz que é mentira. Ele é apenas filho de alemães que, por "necessidades inalienáveis", tiveram de viajar até às Honduras. Nasceu filho único, chegou a um novo mundo como filho único, e fez-se à vida como filho único. Bem, isso é o que dizem as pessoas. Porque ninguém sabe muito sobre o senhor. Apenas que ele gosta de cães. E faz questão de mostrar isso. Os bichos são é dificil de definir. Feios, baixotes, gordos, patas minusculas. Para andar da porta de casa, ao jardim onde o 'señor' os leva a passear, chegam a demorar uma hora. E quando pára um, param todos ao mesmo tempo. O velho deixa um rasto de merda atrás dele. E depois, já ganhou os hábitos dos hondurenhos.
Apanhar aquela mistela, é que tá quieto. As pessoas dizem mal dele, mas depois acabam por fazer o mesmo. Toda a gente já se habituou a ver aquilo. Há até quem fale que o Luis Sepulveda, o chileno renegado que vendeu a alma aos gringos europeus, costuma vir duas vezes por ano a Tegucigalpa só para ver o velho Freischel. O próximo livro pode ser sobre ele. Mas ninguém tem certezas. A história de vida do velho dava um bom livro. Disso ninguém tem dúvidas. É bom é que quem a queira escrever se apresse. O homem anda com uma icterícia esquisita. Qualquer dia fica-se....

Foto de Sonia Delsin

ELEONORA

ELEONORA

Conheci Eleonora numa festa há alguns anos. Ela era uma mulher pequenina e muito bonita. Meu filho caçula se a tivesse conhecido decerto diria que ela era uma "baixinha gostosa". O mais velho diria que era uma pequena sereia.
O fato era que Eleonora era uma bela mulher e tinha o corpo muito bem feito. O rosto era sensacional, a boca carnuda; olhos oblíquos, intensamente azuis. O bumbum era redondinho e arrebitado e levava qualquer homem a olhar mais de uma vez.
Quando ela soube que eu gostava de escrever quis me contar sua história e eu tento transcrevê-la aqui neste conto:

Cresci numa fazenda do interior do Brasil em meio a bois e cavalos. Meus pais eram moralistas e criaram a mim e a meu irmão na mais rígida educação. Minha mãe não me deixava jamais vestir calças compridas e montar.
Eu via Jorginho montando lindos cavalos e aquilo me deixava enfezada. Por quê não eu? O que havia demais em ter nascido sem aquilo no meio das pernas?
Claro que eu sabia a diferença que existia entre nós dois. Eu nascera com aquela fenda e ele com um apêndice. Escondidos de mamãe nós tomávamos banho de cachoeira completamente nus. Foi o idiota do Chicão que nos surpreendeu um dia e contou ao papai.
Jorginho era um ano mais novo que eu e me adorava. Eu também amava aquele menino sardento e irrequieto.
Havia também na fazenda os filhos dos colonos: Mariana e Marcelo. Eles eram mulatinhos e muitas vezes também conseguimos driblar a vigilância de mamãe e brincamos juntos. Marcelo era uns dois anos mais velho que eu e tinha o pênis bem maior que o de meu irmão. Quando nadávamos nus ele encostava aquele enormidade em mim e eu achava tão bom.
Papai me dizia que eu precisava tomar cuidado com a minha fenda porque ela poderia ser o motivo de minha perdição. Na época eu não conseguia entender o porquê de uma coisa daquelas ser prejudicial a alguém.
Eu era uma menina esperta e aos doze anos parecia ter pelo menos quinze. Foi nessa época que Marcelo mudou-se da fazenda.
Antes de mudar-se ele me pediu uma prova de amor e eu me entreguei a ele. Foi em meio ao feno e ao fedor de estrume que nós nos pertencemos. Ele estava trêmulo quando arrancou meu vestido. Foi uma penetração difícil porque ele era muito bem dotado e éramos completamente inexperientes. Sangrei muito e chorei de dor. Nós dois queríamos que o pênis dele me penetrasse inteira; mas não conseguimos de forma alguma. Nós nos movimentávamos para baixo e para cima como estávamos acostumados a ver os cavalos fazendo com as éguas --escondidos espiávamos, é claro). Depois de várias tentativas Marcelo acabou gozando nas minhas coxas. Eu não conseguia crer que fosse assim.
Tempos depois nós também nos mudamos para a cidade e conheci Alfredo. Este era um vizinho e possuía os olhos mais azuis deste mundo. Esqueci-me completamente de meu amiguinho de infância e me apaixonei por ele. Alfredo era um rapagão esnobe e não me dava a menor bola. Tinha treze para quatorze anos e ardia por ele.
Nas noites intermináveis eu precisava masturbar-me para conseguir conciliar o sono. Era pensando naqueles olhos intensamente azuis que eu me masturbava. Nunca parei para pensar como seria transar com ele. Era pelos olhos dele que eu havia me apaixonado.
Fomos apresentados um ao outro numa festinha que meus pais deram para comemorar os treze anos de Jorginho.
-- Prazer. Você é bonita. -- Pensei que você nunca houvesse me notado.
-- Não dá para não notar você, apesar de ser tão baixinha.
Os olhos eram ainda mais lindos de perto. Mas a voz tão arrogante!
Ainda nos falamos umas banalidades e só no final da festa ele me arrastou para um canto escuro e esfregou-se em mim.
-- Quero você.
-- Agora?
-- Encontre-se comigo amanhã atrás da varanda, embaixo daquela grande figueira.
Não consegui dormir a noite toda. Como seria transar com aquele gato?
Ele estava lá na hora combinada e nos deitamos no gramado. Alfredo me garantiu que todos da casa haviam saído. Ele arrancou rapidamente minha saia e minha calcinha e abaixou a calça. Foi tudo muito rápido e só depois de tudo terminado é que pude notar que ele era muito magricela e que tinha um pinto pequenino que não poderia nem ser chamado de pênis comparando-se com o do primeiro homem de minha vida.
Não me satisfez em absoluto e depois desta transa eu nem quis mais encontrá-lo.
Nos anos subsequentes dediquei-me de corpo e alma aos estudos.
Os rapazes começaram a dar em cima de mim e não achava graça em nenhum deles. Jorginho vivia rodeado por garotas e reclamava com mamãe que eu acabaria ficando solteirona.
Nessa época eu já completara dezoito anos e nunca tivera sequer um namorado. Minha experiência amorosa era nenhuma e sexual só acontecera de ter tido aqueles dois encontros que marcaram a minha vida.
Sentia um medo danado de não sentir prazer da próxima vez e vivia adiando um novo encontro com alguém.
Conheci Sérgio quando passei no vestibular para Odontologia. Eu vivia dizendo a papai que não era o que eu sonhava para meu futuro, mas ele praticamente me obrigava a estudar o que achava que seria bom para mim.
-- Você gosta de Odonto? Perguntou-me ele.
-- Não é bem o que eu queria.
-- Então por que optou por isso?
-- Não foi bem assim. Optaram por mim.
Sérgio olhou-me com seus enigmáticos olhos pretos.
-- Você parece ter personalidade. Não consigo entender.
-- Quero evitar discussões inúteis.
-- Mas trata-se de sua vida.
Pegando minha mão na sua ele puxou-me para um banco.
-- Quer namorar comigo?
Eu precisava tentar pelo menos. Vivia tão só nos últimos anos.
-- Topo.
Ele beijou-me e a sensação foi boa. Senti ferver novamente um vulcão que eu imaginava extinto. Sua língua começou a explorar a minha boca, suas mãos acariciaram meus mamilos e eu senti que poderia sentir prazer ao lado de um homem.
Nos primeiros dias ficávamos nos abraçando e nos beijando até que ele me levou para seu apartamento, e lá eu pude descobrir que mesmo um homem de pênis tamanho normal poderia me proporcionar muito prazer.
Ele me beijou inteira e deixou meu corpo todo desejando-o. Sua língua me explorava toda enquanto suas mãos também procuravam pontos em mim que me deixavam completamente excitada.
Foram as duas horas mais loucas de minha vida e jamais pensei que um dia pudesse ser daquela forma. Eu nem imaginava que um dia faria sexo oral e anal. Aconteceu com ele e foi muito bom.
Sérgio deitou-se relaxado ao meu lado e perguntou-me baixinho se havia gostado. Ele sabia que sim e só perguntara por perguntar.
Namoramos por dois anos. Eu continuava a estudar Odontologia.
Papai faleceu quando eu começava o terceiro ano. Desisti do curso e comuniquei a todos que voltaria a morar na fazenda. Era o que eu queria para mim.
Neste meio tempo acabamos terminando o namoro.
Mamãe também disse que ficaria morando na cidade com Jorginho, que também já estava na faculdade.
Não me importei de voltar só para lá; pois era o que eu sonhava. Viver entre bois, cavalos, estrume. Eu adorava cavalgar pelas nossas terras e mamãe não tinha pulso com os empregados. Eu sim saberia lidar com eles.
No início senti falta de Sérgio, das vezes em que ficávamos em seu apartamento; mas sexo não era tudo na vida. Era muito bom, mas não era tudo.
Em poucos meses na fazenda eu soubera me impor e todos os empregados me respeitavam muito.
Vivia vestindo roupas de montaria e foi cavalgando que conheci Luciano.
Era um homem feio. A pele marcada por acne, olhos verdes e frios. Ele vestia um jeans imundo e as botas estavam sujas de estrume. Era verdade que eu também vivia no meio de bois e minhas roupas eram grosseiras, mas procurava me manter limpa.
A princípio aquele homem rude me causou asco.
-- Pode me dizer que horas são?
-- Por que quer saber as horas neste fim de mundo?
-- Talvez pelo mesmo motivo que a senhorita esteja usando este relógio no braço.
Não gostei dos modos daquele estranho que encontrei enquanto cavalgava. Apertei o pé no estribo e Samara disparou num galope. No início ele pôs-se a me seguir, mas o cavalo em que estava montado não era um puro sangue como a minha Samara.
Chegando em casa desmontei a bela égua e deixei-a aos cuidados do Namberto. Tomei um banho e desci para almoçar.
A Albertina me avisou que tínhamos visita.
-- Quem está aí?
-- O novo vizinho.
-- Como é ele?
-- Um homem estranho. Fede que só ele.
Imediatamente lembrei-me do homem que havia encontrado. Seria o mesmo?
Chegando à varanda eu o vi parado, me esperando.
-- Peço que me desculpe pelo ocorrido, vim só para oferecer meus préstimos.
-- Fico agradecida -- disse sem saber se devia estender a mão.
Ele notando meu constrangimento foi dizendo:
-- Não se preocupe em me estender a mão senhorita. Desculpe-me pelo estado em que me encontro. Foi um problema que tivemos esta manhã. O touro rompeu a cerca e tivemos um trabalho danado para juntar a boiada. Fui grosso lá na estrada e vim pedir desculpas.
Ele se apresentou e eu pude observar que era realmente um homem feio, mas havia alguma coisa diferente nele. A verdade é que ele me atraia.
Dias depois ele apareceu na fazenda montando um lindo cavalo árabe.
-- Acabei de comprar. Gostou?
Eu era uma admiradora de cavalos de raça e lhe disse que era lindo demais.
Conversamos algum tempo sentados nas grandes cadeiras de vime da varanda e Albertina nos trouxe um suco de frutas bem geladinho.
Pouco tempo depois já nos falávamos como dois conhecidos de longa data. Ele me contou que havia se separado da mulher e que comprara aquelas terras para se instalar de vez ali.
Eu também lhe falei que pretendia passar o restante de minha vida naquelas terras que eu tanto amava.
-- E sua mãe? Seu irmão?
-- Mamãe gosta demais da cidade e meu irmão está estudando medicina.
-- Não se sente só aqui?
-- Às vezes.
Ele me disse que poderia voltar mais vezes para conversarmos.
Na despedida segurou algum tempo minhas mãos nas suas e uma corrente elétrica passou por todo meu corpo.
Luciano voltou outras vezes e acabamos nos tornando amantes. Descobri que ele conseguia me envolver emocionalmente mais do que sexualmente, mas era bom. Ele tinha um charme especial e sabia agradar uma mulher.
Um dia lhe perguntei porque não dera certo o primeiro casamento e ele me disse que a ex-mulher se apaixonara pela amiga.
Eu não me casaria com ele mesmo que me pedisse. Queria deixar as coisas como estavam. Quando ele queria vinha me ver e quando eu o queria ia ao seu encontro. Para que modificar o que estava sendo tão bom?

O nosso capataz sofreu um acidente fatal e eu precisava urgentemente de outro. Foi Luciano que sugeriu um homem que ele conhecia bem.
-- É um mulherengo, já aprontou das suas. Tenho um amigo que já perdeu a mulher por causa dele, mas acho que não tem nada a ver.
-- Então o que está esperando? Preciso deste homem para ontem.
-- Se tudo correr bem amanhã mesmo ele estará aqui.
No dia seguinte à tardinha Albertina veio me informar que o rapaz havia chegado.
Fui rapidamente atendê-lo. Precisava logo resolver aquela situação.
Um mulato alto estava de costas para mim e ele olhava tudo à sua volta.
Quando ele voltou-se para mim um sorriso enorme se estampava em seu rosto.
. Então era ele o tal homem? Agora eu podia entender o porquê de um homem perder a esposa para tal sujeito.
Fiquei sem ação. Marcelo estava diante de mim.Devia correr para seus braços, estender a mão?
Sorri gostosamente e gaguejei:
-- Que saudades! Que surpresa boa!
Foi ele que correu para me abraçar e sussurrou em meu ouvido:
-- Desculpe-me se faço isso. Fui louco em vir até aqui. Não conseguirei jamais ser um empregado seu.
Afastei-o delicadamente e pus-me a examiná-lo de cima a baixo. Vi que se tornara um homem alto e bonito demais. O corpo atlético e atraente. Lembrei-me de quando nadávamos nus em nossa infância. Lembrei-me daquela vez em que me entreguei a ele no meio do feno.
Só então me dei conta de que nunca quis um homem em minha vida mais do que quis aquele.
Foi a minha vez de abraçá-lo.
Albertina que se empregara na casa há pouco tempo estranhou aquela cena.
Era verdade que o tempo tinha passado, mas ele havia voltado e só isto me importava naquele instante.
-- Nunca consegui esquecê-lo.
-- Nem eu consegui esquecê-la.
Olhei-o diretamente nos olhos procurando a verdade e convidei-o para conversarmos sentados na varanda.
Albertina entendeu que eu queria estar a sós com ele e afastou-se.
Perguntei por onde andara, o que fizera da vida e se ainda estava solteiro. Ele respondeu que ainda estava "solteirinho da silva". Tivera um caso ou outro.
Sorrindo ele não se cansava de repetir:
-- Nunca me amarrei a ninguém. Acho mesmo que nunca a esqueci. Lembra-se daquela vez? Eu fiquei tão preocupado achando que a tinha machucado. Parti daqui me sentindo um verme. Tinha medo de me aproximar de uma moça e machucá-la. Fiquei mesmo traumatizado e foi só depois de muitos anos que consegui estar com uma mulher. Aos poucos fui apreendendo a lidar com ele -- dizendo isso ele abaixou os olhos em direção ao seu pênis. Você me perdoou por ter agido daquela forma?
Não pude deixar de rir e dizer que éramos completamente inexperientes. Fora só por isso.
Ele foi taxativo em afirmar que jamais conseguiria ser meu empregado e quando já ia se despedir sugeri que ficasse mesmo assim. Teríamos uma relação de amizade e ele me ajudaria enquanto eu não conseguisse outra pessoa.
Marcelo concordou em ficar, por uns tempos.
Luciano ficou me olhando com aqueles olhos gelados enquanto eu lhe contava que o Marcelo crescera na fazenda ao meu lado.
-- Você fala dele de um jeito.
-- Não diga que está com ciúmes!?
-- E não é para estar? Seus olhos brilham enquanto você fala dele. E pensar que eu é que tive a idéia de trazê-lo para trabalhar aqui!
Luciano socou a mesa violentamente.
Eu nunca soubera lidar com um homem violento. Procurei agradá-lo, mas só consegui piorar a situação.
-- Ele a atrai, dá até para um cego ver. E você também o atrai.
Luciano saiu resmungando, montou o belo cavalo árabe e saiu galopando feito louco. Suspirei fundo.
Marcelo se aproximou de mim e pegando a minha mão foi dizendo:
-- É melhor que eu me vá logo daqui. Estou atrapalhando a sua vida. O seu namorado está com ciúmes de mim. Não significo mais nada para você, não é mesmo?
-- Não é assim.
A sombra de um sorriso passou pelo seu rosto.
-- Você ainda sente alguma coisa por mim?
Hesitei em dizer que sim. Ele estava um homem feito, já não tinha mais nada do menino que crescera conosco na fazenda.
Disfarcei dizendo que as recordações eram tantas.
-- Você não está sendo sincera, sente alguma coisa ou não?
-- Não sei.
Sei que fui evasiva, mas estava tão confusa. Os homens que cruzaram meu caminho deixaram marcas e aquele que estava à minha frente fora o que mais me marcara.
Eu poderia assumir o que estava sentindo. Poderia brigar até com o mundo por ele. Teria forças para isso. Mas ele corresponderia?
Ainda segurando minha mão ele me cobrava uma resposta mais direta. De repente perdeu a compostura e beijou-me ardentemente.
Segurou-me apertadamente de encontro ao corpo másculo e senti que iria mergulhar de cabeça nessa nova situação.
Foi a minha vez de colocá-lo contra a parede.
-- Você me ama de verdade? Se disser que sim eu enfrentarei qualquer coisa neste mundo.
Ele respondeu-me com um beijo e perguntou-me se poderia ser como da primeira vez naquele paiol que soçobrara ao tempo.
Meu Deus! Naquela altura de minha vida! Eu já não era uma menina de doze anos!
Fui caminhando abraçada a ele de encontro ao paiol. Não precisava dar satisfações de minha vida a ninguém. Era dona de tudo ali, dona de minha vida.
Como da primeira vez foi em meio ao feno e ao cheiro forte de estrume. Ele delicadamente tirou minha roupa e fez coisas que eu nunca sequer pude imaginar que aquele menino de antigamente iria aprender. Beijou minha boca suavemente e depois passou a beijar meu corpo inteirinho.
Quando finalmente ele me penetrou eu compreendi que com homem algum seria igual. Ele era fabuloso. O pênis se tornara ainda melhor com os anos. A minha obsessão na vida fora pênis avantajado e descobri que ele conseguia me penetrar inteira. Havia espaço suficiente sim!
Depois de completamente saciada de amor eu repousava em seu peito forte quando ele me perguntou se desta vez também eu iria começar a chorar.
Sorri e contei-lhe que andara pela vida procurando um homem com os requisitos dele. Não encontrara, era evidente.
Casamo-nos em dois meses e continuamos fazendo amor nos lugares mais estranhos e diversos. Nem preciso dizer que continuamos apaixonados um pelo outro e que o que mais desejamos é estar juntos.

SONIA DELSIN

Foto de pttuii

Cidade de mel

O arbusto da mendicidade reflecte dois pedaços daquela cidade injusta. Nasceu de triângulos medianos, que discordam do egoísmo. Gritam até insultos a quem passa, sem olhar para o rio invisível que atravessa a vida dos sem nome. Os que ataviam as personalidades, só para não se desgostarem no exíguo espaço que têm para desenhar projectos. É um arbusto que pede para o observarem, acariciando sentidos que nunca se descobrem nas ardósias das escolas tradicionalistas. Voam pássaros porque as pessoas querem ser deixadas em paz. O arbusto ganha raízes, e pergunta-nos. Pergunta-te: o que queres ser na vida? Respirares, vale a pena quando no ar se desenham principios de armagedão?
Tanto lhe faz que respondas. O magma vai continuar a ceder, as raízes gorjeiam por mais espaço. A cidade desvanece-se, enquanto sobrevaloriza pedaços de optimismo de que ninguém sabe bem o que fazer.
Continuam a desfiar-se passadas despreocupadas. Se o dia agora morresse, o arbusto da mendicidade sobreviveria. Expor-se-iam mesas de iguarias bélicas, com armas de repetição congeladas a pedir só um calor de criança. O zé comum, de dois dias e um segundo de felicidade, responderia com um editorial de boçalidades. Porque viver não é espezinhar pedras da calçada. Viver é fazer mal para fazer bem. Respirar são vaginas de mulher intocada, quando a morte vem e lhe pede companhia. Fazer bem é, porventura, regar o arbusto da mendicidade. Esperar que o sol se materialize na esquina mais sombria desta cidade de putas que são freiras do vício gasto.....

Foto de cris leal

como?

Eu ja estava saindo da sala era sempre a mesma coisa ,eu conhecia alguem,tc um pouco e era so ,no maximo uma amizade.
Ate que aquele dia eu entrei na sala,tc por um momento com ele,perguntei de onde tc ele me disse :_POA;eu isse:_onde fica isso;Ele disse:RS.passei meu msn pra ele e outro cara.
Quando ele entrou no meu msn eu achei ele meio estranho na foto
ele era muito branco.
Mas,tudo bem eu adoro bater papo na net.
Quando ele derrepente ligou a web cam ,fez um sinal de positivo,e sorriu pra mim , eu me apaixonei,eu acho que isso é o que chamam amor a 1ª vista.
Não sei como isso aconteceu comigo,so sei dizer que desde aquele dia nao teve um so dia em que nao tenha pensado naquele homem ,e que nao veja aquele sorriso em minhas lembranças.

Foto de Sonia Delsin

A CASA MISTERIOSA

A CASA MISTERIOSA

Aquela casa a assustava. Diziam que era assombrada.
Ela dormia no quarto do meio e ele era imenso àquela hora e tão frio. A casa estava gelada.
Tantas lembranças ela guardara daquela casa e agora estava lá. Quem diria que um dia voltaria?
Na parede os quadros ainda eram os mesmos de sua meninice. Os vasos agora vazios estiveram cheios outrora sobre móveis escuros e tristes. Pesadas cortinas também foram conservadas.
O tempo parara ali?
Precisava levantar-se um pouco.
Em dois tempos ganhava o corredor. O longo corredor onde corria com seu irmãozinho Marcos e Paulina, a prima que vivia com eles.
Lentamente Clarice descia as escadas. Degrau a degrau e respirava fundo.
A sala guardaria aquele aconchego? Poderia ainda acender a lareira?
Tropeçou num degrau e respirou ainda mais profundamente.
Um barulho no andar superior fez seu coração disparar.
Sabia que estava só. Seria o vento? Mas a noite parecia tão quieta lá fora.
Lentamente colocou o pé noutro degrau e a tabua rangeu.
Nada demais. O cunhado sempre dizia que casas antigas são cheias de sons.
Ela perdera Bruno numa noite tão chuvosa. Treze longos anos tinham se passado. Exatamente treze anos.
Parecia ter o seu lindo sorriso ali à sua frente. Bruno fora um esposo maravilhoso. O homem que toda mulher deseja encontrar. E ela o encontrara num daqueles bailes de fazenda que se promoviam por ali. Será que ainda existiam aqueles bailes?
Não tiveram filhos. Pena. Se tivessem tido poderia ter o sorriso do pai.
Quando colocou o pé no penúltimo degrau viu uma sombra na parede. Seria uma ilusão de óptica?
Poderia estar impressionada por estar sozinha naquela casa onde vivera toda sua infância e parte da mocidade.
Estalou outra madeira.
Não devia se impressionar já que pretendia passar uns dez dias naquela casa.
O irmão desejava vender a propriedade e ela era contra. Oferecera-se para comprar sua parte e se instalara na casa.
Uma mulher cuidaria da limpeza e das refeições. Florinda não podia passar a noite ali e ela a dispensara disso.
-- Não vejo necessidade. Desta vez vou ficar só uns dias aqui. Ainda vou pensar se vou me instalar de vez neste lugar. Então sim pensarei no assunto.
-- Se a senhora desejar posso encontrar alguém da vila para lhe fazer companhia. Penso que não lhe fará bem ficar aqui sozinha.
-- Não se preocupe. Ficarei bem. Obrigada.
A sala guardava ainda o ar de aconchego, mas estava tão gelada. A lareira apagada e completamente abandonada. Não era usada há anos.
Ela poderia pedir que alguém a reativasse no dia seguinte.
Sentiu uns arrepios quando se aproximou da poltrona azul. Era ali que o pai se sentava.
Olhou na parede o quadro do avô. O avô com seus bigodes retorcidos e os olhos que recordavam Paulina.
Punha-se a pensar em Paulina. Paulina menina.
Correndo pela casa e aprontando das suas.
Paulina no caixão. Tão linda e pálida na imobilidade absoluta dos mortos. A inquieta Paulina só assim pararia e não completara ainda dezesseis anos. Fora velada naquela mesma sala.
Marco chorava tanto e ela se escabelara. A mãe dizia que a prima querida fora encontrar os pais. Por que tinham todos que partir? Os pais de Paulina a queriam?
Ela não entendia ainda a morte. Ia completar quatorze anos.
Marco dizia que a casa ficaria sempre triste sem a linda prima e ficara mesmo.
Ela fora estudar na cidade e morar com uma tia. Acontece que nas férias, num dos passeios à casa dos pais conhecera Bruno. Casaram-se, mudaram-se para o Rio de Janeiro e viajavam muito para o exterior. Ela pouco visitara a casa naqueles anos todos já que os pais morreram alguns anos após seu casamento e Marco se mudara para o Paraná com a esposa. A casa ficara aos cuidados de uma senhora que agora estava velha demais para cuidar dela e o irmão lhe ligara dizendo que seria melhor que vendessem. Ela era contra a venda e por esta razão é que estava ali.
Os arrepios se intensificavam. Parecia ouvir o riso de Paulina, do pai. As zangas da mãe e os gritos de Marco. Marco estava vivo e por isso concluía que estava se deixando levar pela imaginação. Não havia nada ali.
Uma porta bateu forte no andar de cima e ela estremeceu. Um gato desceu correndo as escadas.
Esfregando uma mão na outra ela foi abrir a porta para o bichano.
Estivera fantasiando coisas.
Foi até a cozinha e saboreou lentamente um copo de água. Era deliciosa sempre a água daquele lugar.
Arrastando as chinelas foi subindo a escadaria.
Que tola! Era só um gato. Quando subia a escadaria o barulho recomeçava no andar de cima e isto a assustava. Arrependia-se de ter dito a dona Florinda que ficaria bem sozinha.
Com o coração aos pulos chegou ao quarto e descobriu que as janelas estavam abertas e ela estava certa que as fechara muito bem. Foi fechá-las e pensou que era melhor esquecer aquela estória de comprar a parte do irmão. No dia seguinte partiria para o Rio e colocariam a casa à venda.

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