A CASA MISTERIOSA
Aquela casa a assustava. Diziam que era assombrada.
Ela dormia no quarto do meio e ele era imenso àquela hora e tão frio. A casa estava gelada.
Tantas lembranças ela guardara daquela casa e agora estava lá. Quem diria que um dia voltaria?
Na parede os quadros ainda eram os mesmos de sua meninice. Os vasos agora vazios estiveram cheios outrora sobre móveis escuros e tristes. Pesadas cortinas também foram conservadas.
O tempo parara ali?
Precisava levantar-se um pouco.
Em dois tempos ganhava o corredor. O longo corredor onde corria com seu irmãozinho Marcos e Paulina, a prima que vivia com eles.
Lentamente Clarice descia as escadas. Degrau a degrau e respirava fundo.
A sala guardaria aquele aconchego? Poderia ainda acender a lareira?
Tropeçou num degrau e respirou ainda mais profundamente.
Um barulho no andar superior fez seu coração disparar.
Sabia que estava só. Seria o vento? Mas a noite parecia tão quieta lá fora.
Lentamente colocou o pé noutro degrau e a tabua rangeu.
Nada demais. O cunhado sempre dizia que casas antigas são cheias de sons.
Ela perdera Bruno numa noite tão chuvosa. Treze longos anos tinham se passado. Exatamente treze anos.
Parecia ter o seu lindo sorriso ali à sua frente. Bruno fora um esposo maravilhoso. O homem que toda mulher deseja encontrar. E ela o encontrara num daqueles bailes de fazenda que se promoviam por ali. Será que ainda existiam aqueles bailes?
Não tiveram filhos. Pena. Se tivessem tido poderia ter o sorriso do pai.
Quando colocou o pé no penúltimo degrau viu uma sombra na parede. Seria uma ilusão de óptica?
Poderia estar impressionada por estar sozinha naquela casa onde vivera toda sua infância e parte da mocidade.
Estalou outra madeira.
Não devia se impressionar já que pretendia passar uns dez dias naquela casa.
O irmão desejava vender a propriedade e ela era contra. Oferecera-se para comprar sua parte e se instalara na casa.
Uma mulher cuidaria da limpeza e das refeições. Florinda não podia passar a noite ali e ela a dispensara disso.
-- Não vejo necessidade. Desta vez vou ficar só uns dias aqui. Ainda vou pensar se vou me instalar de vez neste lugar. Então sim pensarei no assunto.
-- Se a senhora desejar posso encontrar alguém da vila para lhe fazer companhia. Penso que não lhe fará bem ficar aqui sozinha.
-- Não se preocupe. Ficarei bem. Obrigada.
A sala guardava ainda o ar de aconchego, mas estava tão gelada. A lareira apagada e completamente abandonada. Não era usada há anos.
Ela poderia pedir que alguém a reativasse no dia seguinte.
Sentiu uns arrepios quando se aproximou da poltrona azul. Era ali que o pai se sentava.
Olhou na parede o quadro do avô. O avô com seus bigodes retorcidos e os olhos que recordavam Paulina.
Punha-se a pensar em Paulina. Paulina menina.
Correndo pela casa e aprontando das suas.
Paulina no caixão. Tão linda e pálida na imobilidade absoluta dos mortos. A inquieta Paulina só assim pararia e não completara ainda dezesseis anos. Fora velada naquela mesma sala.
Marco chorava tanto e ela se escabelara. A mãe dizia que a prima querida fora encontrar os pais. Por que tinham todos que partir? Os pais de Paulina a queriam?
Ela não entendia ainda a morte. Ia completar quatorze anos.
Marco dizia que a casa ficaria sempre triste sem a linda prima e ficara mesmo.
Ela fora estudar na cidade e morar com uma tia. Acontece que nas férias, num dos passeios à casa dos pais conhecera Bruno. Casaram-se, mudaram-se para o Rio de Janeiro e viajavam muito para o exterior. Ela pouco visitara a casa naqueles anos todos já que os pais morreram alguns anos após seu casamento e Marco se mudara para o Paraná com a esposa. A casa ficara aos cuidados de uma senhora que agora estava velha demais para cuidar dela e o irmão lhe ligara dizendo que seria melhor que vendessem. Ela era contra a venda e por esta razão é que estava ali.
Os arrepios se intensificavam. Parecia ouvir o riso de Paulina, do pai. As zangas da mãe e os gritos de Marco. Marco estava vivo e por isso concluía que estava se deixando levar pela imaginação. Não havia nada ali.
Uma porta bateu forte no andar de cima e ela estremeceu. Um gato desceu correndo as escadas.
Esfregando uma mão na outra ela foi abrir a porta para o bichano.
Estivera fantasiando coisas.
Foi até a cozinha e saboreou lentamente um copo de água. Era deliciosa sempre a água daquele lugar.
Arrastando as chinelas foi subindo a escadaria.
Que tola! Era só um gato. Quando subia a escadaria o barulho recomeçava no andar de cima e isto a assustava. Arrependia-se de ter dito a dona Florinda que ficaria bem sozinha.
Com o coração aos pulos chegou ao quarto e descobriu que as janelas estavam abertas e ela estava certa que as fechara muito bem. Foi fechá-las e pensou que era melhor esquecer aquela estória de comprar a parte do irmão. No dia seguinte partiria para o Rio e colocariam a casa à venda.