Não tenho mais sangue para lhe oferecer. Talvez esse meu rosto rosado possa ter confundido V.Sª. É o sol implacável deste mês de fevereiro. É verão, há muita luz entrando no meu quarto. Gostaria que mantivesse distância e não se aproximasse dos meus portões. As trevas que alimentam sua existência foram dissipadas pela luminosidade que carrego comigo. Seja prudente e saia apenas à noite, como de costume. Compreendo sua sede. Eu não suportaria viver uma eternidade pálida, atravessando séculos em um aposento onde cabe apenas meu corpo.
Deixarei durante o dia uma taça de vinho para V.Sª. Beba assim que a grande estrela desaparecer. Faça um brinde solitário. A mim. A nós. E aos meus olhos que continuarão negros.
“O silencio é uma taça sagrada
Existente em nosso interior
De onde bebemos o vinho
Santo dos Deuses.
É um momento de introspecção
Onde nos conectamos
Com o divino.”
Enquanto me desfazes no cinzeiro do teu ser,
Eu acordo, lavo a cara, olho-me ao espelho e saio.
No caminho da minha vida,
Deixo cair uma lágrima,
Suave, fresca e sincera.
Queria sentir-te enquanto dormias.
Queria saber destinguir-te por entre a mágoa e a dor.
Hoje sou só eu.
Sem fábulas espantosas como outrora.
Com uma mente brilhante presa a uma alma estragada,
Deitada num qualquer cinzeiro público.
Esquecida, estropiada e novamente esquecida.
Sou um homem que chora baixinho.
Sou um sentimento disperso.
Sou uma caixa de música bonita oferecida no dia dos namorados.
Sou uma data qualquer.
Sou o mundo todo e, por isso, não sou nada.
A minha dor é desprezível
Como um produto caríssimo no supermercado.
A minha dor é melancólica
Como uma canção de Yann Tiersen num deserto.
A minha dor é velha
Como o vinho que o meu pai guardava em casa.
Faço parte de tudo o que ouves.
Faço parte de tudo o que sentes.
Faço parte de tudo o que dizes
Sem pertencer a nada mais que aquilo que é meu,
E por isso não faço parte de nada teu.
Sinto-me tão baixo que até toda esta escrita me mete tédio,
Escrita que deveria fazer-me bem, não espelhar o tédio desta situação.
Sinto-me como um copo partido,
Caído num qualquer mata-sede,
Caído pelas tuas mãos.
Hoje trago o tédio no bolso da camisa que me ofereceste
E vou matando-o como um cigarro.
Vou fumando-o.
Fumando-o e desfazendo-o no mesmo cinzeiro público,
Onde despejaste o meu ser e todas as palmas que te dava.
Vou fumando-o enquanto houver para fumar
Ou enquanto o divino me der vida para continuar a fazê-lo.
Vou fazendo isto tudo com um toque pessoal.
Amanhã acordo, lavo a cara, olho-me ao espelho e saio.
E continuarei a fazer o mesmo, todos os dias.
Porque não sei fazer outra coisa
E sinto-te demasiado para conseguir deixar de te sentir.
“Respondi às perguntas e às dúvidas com o tempo, ninguém me explicou o que passei, ninguém percebeu, acho, tenho a certeza que o meu pai ainda espera que um dia chegue a casa com uma mulher como tu pela mão, numa obrigação de filho, obediente, como quando lhe mostrava os deveres da escola depois de jantar.” (…)
Quero ser um artesão de palavras:
Duras, dúcteis, viscosas, herméticas,
Diáfanas, sinceras, profundas, singelas, iluminadas.
Eu quero é ser poeta
Pois este erige contínuas miríades de estrelas
Sobre o céu de eternas noites enluaradas!
Quero poder afluir,
Quando me der na telha,
Ao feérico lago da espontânea
Língua do povo:
E, ao libar da sua água,
Expelir-lhe as impurezas,
Que são as chagas, as mazelas,
O carcereiro da igualitária opulência,
Para deixar que viva livremente
O florescer incontinenti
De castelos e mais castelos
Da alacridade e dos felizes sortilégios
Que emanam do eufemismo
Da escrava gente.
Quero degustar
O vinho tinto da galharda palavra
A fim de homenagear a imponência
Que cimenta os mínimos e máximos halos
Da natura realeza.
Quero ser condigno
Quero ser acuidade e sageza
Quero ser humildade, vivacidade, gentileza
Quero ser feiúra e esbelteza
Quero ser a inane importância
Quero viver perpetuamente
[ No jucundo reino
De ingenuidade
Das crianças
Quero ser ventania, poesia, proximidade, distância
Quero ser o instante
[No qual se encerra o segredo
Da segurança, da solidão, da tristeza,
Do medo, da coragem, da alegria,
Da repreensão, da recompensa, do desejo
Quero ser a imensidão
Quero ser pequeneza
Quero ser a imperfeição em evidência
[Pois a perfeição
É um atroz sofisma
Da humana cabeça
Quero ser a multidão
Quero ser o átrio do sol solitário da certeza
Quero ser a rocha, a rosa, o rouxinol, o girassol, a orquídea, a açucena
Quero ser a ametista, poeta em perene florescência!
JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA
Tudo acontece como nos nossos sonhos
A paixão cantada ao som das ondas
Aonde a mão do mar acaricia nossos corações
Procurando,
O calor do Verão,
Rompendo o silencio de amantes ébrios de amor e vinho
Em algum caminho encontro teu amor,
Anuncio em voz alta o ritual da paixão,
Quando as brumas
Banham teu corpo desnudo
Nosso amor floresce e invade nossas almas.
Verão que surge iluminado pelo tempo,
Que incansável neste caminho, verte seu sabor na natureza,
Permite que o astro rei se reflita sobre o mar
De onde os amantes se unem nos prazeres de suas almas
Clamando pelos instintos e preparando o coração.
Mar abençoa este amor e desfila sua beleza!
A noite se transforma,
Em imagem de corpos se amando loucamente,
Quando a Lua rompe em meio a cantigas de amor
E as ondas representam a força do mar
Mexendo-se em um ir e vir permanente e infinito.
E as palavras navegam entre golfinhos
Invocando teu amor.
Baco ou Dionísio, Afrodite ou Vênus, Eros ou Cupido
Uma ronda de flores sobre o mar
Para cantar a força que flui em cada coração, em cada gota
Como na origem e no final
Deste Verão, de eternos amantes.
(Aira, 30 de janeiro de 2011)
Enviado por Eddy Firmino em Qui, 06/01/2011 - 14:09
Vamos tomar nessa taça
O que restou deste vinho
Depois então
Cada qual
Seguir seu próprio caminho
Como dois loucos em fim
Falaremos bobagens
Inebriados após
Flashes, cores, imagens
Entre loucuras
E sons
Do aparelho ligado
E as tralhas
Ao chão
De nosso piso molhado
Sem a taça na mão
Ficou o vidro espalhado
Entre o vermelho do vinho
E o sangue jorrado
Foi só o que restou
Deste romance
Que jaz
Então aqui acabado