Sangue

Foto de Evandro Machado Luciano

Ressurreição

O nome dele era Coronel Mendonça Filho. Grande estrategista militar, sempre fora considerado um dos nomes de maior importância no terreno bélico. Sua atitude ríspida, duramente agressiva, ofensiva, contrastava com seus anseios, seus sonhos. Seria impossível viver seus sonhos, do alto da torre de marfim em que Coronel Mendonça Filho vivia.

Tinha dois filhos, ambos do sexo masculino. Sempre exigira uma masculinidade exacerbada de suas crianças. Masculinidade, esta, que por vezes fora confundida com uma ideologia sexista ultrapassada, reacionária. Criara seus filhos como ideólogos machistas. Ao menos, tentara.

A carreira de Coronel Mendonça Filho fora construída durante longos e prestigiosos anos. Trinta, ao todo. Hoje, Coronel Mendonça Filho, contabiliza 20 primaveras, 5 verões, 10 outonos e 30 invernos. Não é mais nenhum menino, por assim dizer.

Seu caráter, sempre fora alvo da opinião pública. Sim, porque Coronel era uma figura pública. Considerado por muitos, o sucessor no plenário nacional, fora duramente criticado pelo telejornal das oito horas, o que era muito significativo, pois este jornal emanava opiniões que desmantelavam o nível intelectual da população. Mas em nenhum momento teve seus delitos comprovados legalmente.

Tudo estava como deveria ser na vida de Coronel Mendonça Filho. Até que um belo dia – nem tão belo assim, uma tragédia assolara a vida deste sujeito. Seus filhos, ao mesmo tempo, foram alvo de um acidente de trânsito. Veja você, tamanha ironia do destino. Mortos, vítimas de um atropelamento. Coronel Mendonça Filho perdera seus herdeiros. Os herdeiros de sua virtude. Os herdeiros de sua índole. Os herdeiros de sua fortuna.

Agora, nada mais restava na vida de Coronel Mendonça Filho.

Como se não bastasse esse fato catastrófico, Coronel sofrera imensuráveis acusações de crimes de guerra, oriundos do conflito entre Brasil (sim, por que caso não tenha notado, caro leitor, estes fatos ocorreram no Brasil) e França. Sua fortuna estava prestes a ir pelo ralo. Não obstante, nosso Oficial não via mais utilidade para sua quantia monetária exorbitante, visto sua idade avançada e falta de herdeiros. Não se importaria mais em perder seu dinheiro.

Advogados, processos, subornos. Tudo lhe roubava o ouro, conquistado a sangue, suor e retórica. Ao fim, empobrecera.

Sem vintém algum, sem filho algum, com uma mulher que não amava, o Coronel resolveu que não admitiria mais em seus restantes dias de vida, compartilhar com o mundo uma vivência desonesta e fútil. Partiria em rumo de seus sonhos, honestamente, vivendo plenamente as poucas horas vitais que lhe sobraram. Antes tarde, do que mais tarde.

Nascia, assim, Mendonça Filho.

Foto de carlosmustang

RECONCILIOS

Eu estou vivendo a procura
De andar numa estrada que foi
Senti aos meus pés, e tive um dia!
Ver a vida, cada vez mais escorrer

E meu sangue que a mais corre intensamente
Ama, interage verossilmente, te venera
Debulho em lágrimas fieis pra ti ver
Sentir-te no modo fiel de gratidão

Rouba me o ar, deixa me em loucura
Vaza meu sangue, tolhe meus desejos
Revolva minha liberdade

Eu estou apaixonado
Meu bem é eterno
Grudou em mim Amar

Foto de Carmen Lúcia

Hoje é carnaval

Hoje o dia está triste. Chove lágrimas de um céu cinzento e hostil, em discrepância com o carnaval. Ainda há carnaval!
A alegria descabida e camuflada de um cenário não convincente onde protagonizam a vida vestida de dourado, teima em desfilar pela avenida em desagravo às sanguinolentas feridas.
Querem curá-las a qualquer custo...mesmo arrancando suas cascas com as unhas para sangrá-las de uma só vez. Ou quem sabe estancar o sangue no intuito de reverter a dor e viver intensamente, no sentido mais amplo da palavra, o real carnaval, pois é ele que corre nas veias de um povo sonhador, que não se curva, não se abate, não desiste de fazer desse momento um canal gigantesco, surreal, por onde possam extrapolar todas as mazelas sofridas e dar vazão ao sonho de ser rei, rainha, deus, destaque, bateria, samba, enredo... de até voar, voar... concretizando o "Sonho de Ícaro".
Três dias que valem por uma vida! Momentos a serem relembrados e aclamados durante o ano inteiro!Felicidade que alivia a infelicidade das desigualdades e injustiças sociais. Momentos que anestesiam os ais e energizam para a luta de cada dia.

_Carmen Lúcia _

Foto de Bruno Silvano

O Hotel

Eram 19h, a noite a noite começava a chegar, o vento fazia barulhos desconfortáveis que aliados a tempestade que estava chegando dava tons aterrorizantes para aquela pequena e isolada cidade, esquecida no meio do mapa.
Não era dali, mas estava hospedado em dos mais nobres hotéis da região, era bastante antigo e lembra em muito um cortiço, o que reforçava ainda mais o cenário bucólico. Era as férias de julho e chegará ali por um antigo sonho de meu pai, o de viver em um lugar calmo e seguro, ou que ao menos acreditava-se de lá.
Tínhamos mapas antigos e meus pais haviam ido a uma vendinha da região atrás de mapas atualizados quando a tempestade começou. O céu escureceu rápido e estava lá, sozinho, preso naquele fúnebre e bucólico quarto, sentado em uma cadeira que mais parecia um balanço, sendo embalado sorradeiramente pelo vento que se atrevia a abrir a janela, e sendo seduzido pelo barulho ensurdecedor do assobio do vento. As ruas, os campos, o ceú da cidade, ficaram ainda mais desertos, até os menores seres se retiraram. O vento se intensificava cada vez mais, foi quando em um só solavanco a janela se abre por inteira, e mais embaixo vejo vindo do infinito uma bela garota ao meu encontro, se aproximando, e quanto mais ela se aproximava mais vultos se criavam ao meu redor.
A noite acará de possuir por completo o sol e a cidade toda estava sem energia. Havia conseguido arrancar a porta que trancava o quarto, comecei a ouvir sussurros e gemidos, que começavam baixos e iam aumentando, sai desesperadamente em direção a recepção, mas estava tudo trancado, corri em direção a cozinha em busca de velas, mas estava fechada, não havia mais ninguém dentro do hotel. O ar-condicionado havia ligado de repente e consigo começaram a escorrer sangue pela parede. Os gemidos aumentavam e vinham do ultimo andar, fiquei receoso em subir até lá. As escadas haviam suado e estava escorregadias, mas com bastante esforço cheguei até lá em cima, encontrei uma garota bastante pálida e chorando apontando para o quarto 666 – Não era muito ligado a crenças, mas mesmo assim me custei a entrar no quarto -. Ao entrar quase não pude ver nada, achei não ser tratar de nada, até que a porta do quarto bate e se tranca, bati desesperado para abrir, mas os gritos de choro da criança sumiu, e eu estava mais uma vez trancado.
Minha respiração começava a ficar aguniada, sentia cianeto no ar. Não enxergava nada até que duas lâmpadas vermelhas se acenderam rapidamente no quarto, via muitas mariposas, e dois corpos amarrados em pé, totalmente ensangüentados, começaram a sair sanguessugas de dentro deles, até que em um deles solta um grito sorrateiro e acabado batendo na parede e desmaiando.
Fiquei em coma por alguns dias, quando acordei recebi umas das piores noticias da minha vida, que a do meu pai havia sido atacado por sanguessugas e morreu lentamente.
Minha mãe me fazia companhia no hospital, porém teve que sair e fiquei trancado dentro daquele quarto de hospital, esta convencido de que lá era seguro. Quando de repente de algum lugar surge misteriosamente uma enfermeira, com uma espécie de Teres medicinal para mim tomar, dentro dele formaram-se as palavras “Sangue”, “Choro,”Menina”,”Missão”, “Sanguessuga”, “Morte” e “Cemitério Funerário das Capivaras”. Achei ser coisa da minha cabeça, e continuei tomando, até que meus olhos ficaram todo branco e meus dedos todo cortados.
O Tempo passou sem sobre naturalidades, até que tomei coragem pra ir ao cemitério onde meu pai estava, procurei por vários túmulos até eu o achar na lapide de numero 666, e ao seu lado havia três mulheres enterradas, uma menina de aparência pálida, uma adolescente e uma enfermeira, que coincidentemente morreram em ataques de sanguessugas, que foram provocadas por causa do desmatamento ilegal, que meu pai estava comandando na região.

Foto de Alexandre Montalvan

Desatinos & Devaneios

Desatinos
A dor estampada em vermelho
A recusa como nuvem inesperada
Presente desta vida ingrata
A dor refletiu-se em mil espelhos.

As marcas encardiam os céus
Gravadas na gola desbotada
Gotejavam das mãos mal amadas
Gotas de sangue sabor de mel

Embriagada com seu ódio
No suor cheio de vingança
Num sorriso quase eufórico

Escutou o fim da dança
percebeu o tom neurótico
Mas era tarde para mudança

Sacerdotisa

Devaneios
Era de um carmim intenso
As gotas que desta nuvem brotavam
Era tão ingrata a vida, que as feridas
Abriam-se, não fechavam

Você roubou a alma do poeta
Ele perdido na noite, vagava
Na boca o gosto amargo do fel
Procura você, cadê você meu anjo cruel

Eu que tudo assistia tive sorte
Tenho por companhia o sorriso da morte
Como presente do teu ódio

Mas ao teu sinal me ajoelho
Pelo teu adeus. . .Solidão!
Por ti chorar, tenho meus olhos vermelhos
E dor de imensa em meu coração

Alexandre Montalvan

Foto de P.H.Rodrigues

Lareira

Se soltou, nem pensava em sentar-se.
Para o lado olhou, e com as brasas se deparou.
Vivas! Ardentes! Não por sangue, mas famintas.

Como navalhas se pôs a despir, em movimentos rasos,
Insanos e provocantes, com força maior que o maior dos gigantes,
mas tão delicados quanto as mãos de um artista, sorrateiro, com dedos safados...

Consumia com a língua o gosto do corpo em seus braços.
Virava-se de lado, ou em pé, na parede apoiado.
E as chamas saiam por todos os lados.

Queimando e consumindo todo o oxigênio.
Fazendo faltar o ar, parecia desejo concebido por um gênio.
Porém, sem restrições de quantidade.

Foto de Carmen Vervloet

O Perfume do Amor

A vida plantou no coração
uma linda roseira!
Botões perfumados que floresceram
adubados por propósitos e sonhos.
Pétalas delicadas simbolizando
alegrias, realizações, apreço,
determinação e muita dedicação.
Hoje as flores secaram
ficando apenas os espinhos.
Mas mesmo entre gotículas de sangue
que escorrem de tantas feridas,
sinto o perfume do amor
que se entranhou na alma
e me faz prosseguir na luta.

Foto de João Victor Tavares Sampaio

Muito Além da Rede Globo - Capítulo 22

Hoje, eu acordei às seis da manhã e fui trabalhar. Depois, lá pelas três, fui buscar o meu parco salário mínimo com o qual pago as contas e a mistura aqui em casa. Da Lapa fui para o Lauzane, para o shopping, onde o banco para o qual ainda devo o cartão de crédito que usei enquanto estava desempregado funciona até às oito da noite. Lá, eu vi um pequeno circo que me chamou a atenção. Estava em cartaz o curioso e gratuito espetáculo do Big Brother.

Dentro de um domo de plástico se encontravam seis jovens. Todos belos, sadios e arrumados. Uma pequena fila se reunia ao entorno da barreira transparente, e os transeuntes saudavam os até então desconhecidos, que efusivamente retribuíam os agrados conforme a sua energia abundante possibilitava.

Ao ver os jovens glamourosos, do alto de um lucro anual de quatrocentos milhões de reais, me senti ao mesmo tempo empolgado e constrangido. Empolgado, pois em poucas vezes na minha vida vi tamanha comoção midiática por esses lados distantes da Zona Norte. Pensei na rua Friburgo, no Peri, no povo todo que vive abaixo da visão da silenciosa Pedra Branca. Pensei nas crianças do Flamengo, insolentes e quase inocentes. Pensei em Mariporã, no Horto, em todas as coisas simples e bonitas que já vi nesse matagal sem fim. Pensei na minha mulher e em Minas, no estado que ela fala com tanto carinho e o qual não conheço nem a sombra de dúvida.

No entanto, fiquei empolgado, mas constrangido. Lembrei que larguei o Serviço Social por migalhas. Lembrei que esses moços muito mais capazes do que eu, e podiam estar fazendo alguma coisa mais útil, nem que fosse uma matéria doando sangue. Lembrei do nióbio que passa debaixo do pano, das pessoas que vi morrer nos corredores, e nem me mexi, do apagão que a Dilma insiste em dizer que é desnecessário, mesmo com o país gastando o dobro da luz que usava há dez anos e sem construir uma usina sequer, nem a polêmica do Belo Monte. Lembrei que não se fala mais do PCC desde que o Corinthians foi campeão. Lembrei do Boninho e do Bial. O Bial, o poeta Bial, o que viu o muro cair e falou com o Mick Jagger.

Da jaula do Lauzane, aquele zoológico, aqueles meninos nem fazem ideia que um operador de telemarketing pensou neles como humanos, e não os bichos que eles pareciam dando tchauzinhos para os maloqueiros.

Espero que a Globo também me dê um milhão.

Foto de carlosmustang

RESTROPECTOS

Parede branca estendida
A espera da marca do meu sangue
Não podes conter, bruxa
Amor eterno amor, sempre em perdão

Aos seus joelhos sou perfeito
Então sou feliz em morar aqui
Ontem não me vale, amanhã
Quem dirá, emoções de verdade

Eternamente, suplações!
Olhando ao seu lado, opiniões
Vivendo, blasfemando, emoções

Em meu espaço, faço mundo
Em invasões imunda!
Cheiro de amor haverá

Foto de Carmen Lúcia

Não queria que fosse assim...

Não queria...
sofrer duras consequências,
atar-me de abstinências,
ter que roer os ossos,
captar dores e lamentos
meus, teus, nossos...

Não queria ...
ser tão incontingente,
rebelar-me com problemas de toda gente,
ser um pouco mais complacente;
bradar alto o que sinto, o que sentes...

Não queria...
Ter esse sangue quente
que corre nas veias, borbulha inerente,
tropeça, recomeça
e segue sempre em frente.

Não queria...
Ser apenas uma voz ou porta-voz,
mas o coral de uma orquestra sinfônica
e em volume máximo deixar as pessoas atônitas.

Não queria que fosse assim...
Gentes se afastando,
amores se desgastando,
flores se fechando,
continentes se desagregando,
oceanos se revoltando,
planeta pedindo fim.

Não queria que fosse,
mas está sendo assim...
Aos poucos vão tragando
a vida que há em nós, em ti, em mim,
e toda a inconsciência se revela
nessa inconsequência que impera.

_Carmen Lúcia_

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