Roupas

Foto de José Herménio Valério Gomes

UM REGRESSO PREMEDITADO

Estou de regresso na rua de todos
Para trocar impressões recusadas
Onde o incêndio se apaga com fogo
Abandonando reflexões na madrugada

O que tanto e demais amaria
Priva-me de beijar esta vontade
De estar de volta mais que um dia
Para viajar a minha cidade

Hoje de olhos sóbrios,nela
Parte de mim já não vive ali
E quero estar um pouco mais por ela
Desfolhar as suas ruas até ao jardim

Procurar uma resposta
Com quem formalizo o assunto
Que foi?quem fez tal aposta?
Que a deixou tão de luto

Pois sei que ao abrir a sua porta
Este reencontro me vai magoar
O povo até nem se importa
De como grande é o homem a chorar

Sou pois,aquele modo pausa-parou
Que não vai nunca esquecer
Como ela me olhava-amou
Sorrindo para eu não perceber

E quando de volta à taberna das emoções
Me embriagava num dilúvio
Escrevia esboços das recordações
Até desmaiar sem menor ruído

Acordando em aplausos por algo escrito
Que eu acho muito imérito de mim
Porque me vesti nas roupas de Cristo
Nos desenhos de uma dôr tão grande assim

As pessoas vão gostando de como escrevo
Há sempre algo que nos une sempre
Serei de todas as palavras um servo
Sem nunca ficar indiferente

Pois sou do tempo da lavoura
Anos que nunca esqueci
Infância na minha vila de Moura
Mesmo se breve,eternamente feliz....

zehervago

Foto de RenataSchwengber

Desordem.

Não tenho mais a paixão, a faísca, a dor
aquela que me inspirava em sofrer de certa maneira.
saudade daquele amor virtual,
daqueles tormentos, daquela dor verdadeira.

Agora eu tenho o efetivo, o cru, o cruel
o que vem com toalha molhada em cima da cama
o que vem com roupas sujas e cheio de drama.

Não tenho mais aquele amor perfeitinho, maquiado,
arrumado para sair num encontro rápido e descompromissado.
Agora é amor de pé no chão, roupa rasgada e cabelo molhado.

Não tenho mais aquele amor escondido, às escuras,
tão discreto, misterioso, sempre prestes a se revelar.

Tenho o amor escancarado, desmaquilado
à vista de todos e em nenhum lugar.

Tenho amor estacionado, parado,
que não avança nem regressa.
Que não vai nem vem

Não mais aquele amor movimentado, tão aguardado,
com desconhecidos tão inexplorados,
no meio de tantos e com ninguém.

Cheguei num amor passivo, inativo, resguardado
de um amor ativo, ligado e não nomeado.

Não sei pronunciar teu nome,
sai estranho, sai alheio.
Supostamente não te chamei
e quem sabe por isso tu nunca veio.

Nunca vou ter certeza, pois não sei.
Já perguntei, mas não ouvi.
O amor que tu sentia era por mim ou só por ti?

Foto de Lorenzo

Faz Tempo

Faz tempo que não sou
Tempo que foi, passou
E já não fantasio ir tão longe na vida
A vida bonita, quase sempre sofrida

Atleta duas décadas atrás
Decadente nos dias atuais
Arcando com escolhas erradas
E algumas bem acertadas

Porrada vai, porrada vem
Problemas que parecem vir do além
E o desânimo bate à porta
A vida de outrora parece morta

Ao seu lado aquela moça de rugas
Reclamando das roupas sujas
Enfrentando o mundo ao seu lado
Enquanto sorri do boleto atrasado

E a vida não precisa ser tão calma
Porque se tem o outro lado da alma
O sangue de dentro do seu coração
O braço que tem a sua mão

E dá gosto viver cada luta ao seu lado
Da garra desse espírito determinado
Tanto orgulho de acreditar em mim
Mesmo que eu não creia tanto assim

No meio de tanta turbulência inesperada
Agradeço a Deus por ter minha amada
E penso em tantos que não tem
Que quando busca ao lado, ninguém

Sei que vamos passar por tudo
Vamos casar e dominar o mundo
Sei que quer, e também quero
Fazer igual o Pink e o Cérebro

Todo dia acordar pra novamente
Planejar e executar só a gente
E mesmo quando tudo der errado
Sempre terá alguém ao lado

A gente tá abusando da sorte
Com tanto sexo sem camisinha
Quero ver depois como pode
Porque nossa proteção é só divina

Pelo menos a gente trabalha
Não é avó que vai criar
A gente tem nível superior
Só não tem salário pra ostentar

Mas aí eu acordo mais cedo
Durmo mais tarde todo dia
Pra nunca faltar nadica de nada
Pro motivo da nossa alegria

Eu sei que o casamento tá marcado
Que agora que não rola gravidez
Que já tá quase tudo pago
Pro nosso sonho de "era uma vez"

Só queria dizer que eu te amo
Que você é meu bem e meu mal
Porque você soube como ninguém
Como tocar no meu coração.

Foto de Jardim

te busco em todas as outras

te busco em todas as outras
no áspero, sinuoso rio dos abraços.
às vezes vejo tuas mãos
outras são teus pelos, outras
teus lábios iguais ao teu sexo.
a vida explode
por todas as frestas da cidade:
pernas, bocas, seios, bundas.
sou apenas carne e osso.

como era teu nome?
helena, vera
sara, daniela?

perdeu-se na desordem
de tantas noites e tantos dias,
perdeu-se na enxurrada
dos acontecimentos.

que importa um nome
a esta hora da noite?
que importa um nome
sob este teto
diante dos copos e talheres
e lâmpadas e torneiras?

quanta coisa se perde
nesta vida,
este deslumbramento que me conduz
por avenidas e vaginas
a me consumir
em noites subterrâneas.

caminhavas comigo
por esquinas de assombro,
teu fogo perpétuo
aguardando que o dia viesse
enquanto nos perdíamos
em sorrisos, em carícias,
em conversas, no amor
feito sem pressa.

desvelo, promessas,
e os carinhos mais doces
e mais devassos a explodir
no centro de tuas coxas,
no profundo de tua noite ávida.

gosto de orelha e de vagina
em minha boca,
língua no cu,
nos pentelhos.
sua maciez chegava
voando por sobre o instante,
por sobre o mar, por sobre o fumo,
sobre a primavera,
quando colocavas
tuas mãos em meu peito
como duas asas.
quando tuas mãos tocavam as minhas
se detinham
como se muito antes
já as tivessem tocado,
como se antes de aqui estar
já houvessem chegado.

nesta cama, selvagem e doce,
eras entre o prazer e o sonho,
entre a fúria e a calma.
ainda quando não existias
eu já te buscava,
buscava em tua boca
o sabor de tua íntima vida.

longe de ti
sigo pulsando como um relógio
entre automóveis e motos ,
entre outdoors,
nos shoppings,
nos bares,
pulsando no meio da noite.
sob o sol, sob a chuva,
debaixo das roupas,
debaixo da pele.

que importa um nome?
posso te chamar nuvem.
posso te chamar horizonte.

Poema do livro Amores Possíveis
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Foto de Jardim

provo teu negro amor

provo teu negro amor,
teus lábios amargos
na escuridão de nosso beijo.
o espelho reflete nossos corpos nus
e o negrume que nos acompanha.

púbis clara,
lua rara,
nossa roupas
pelo chão
da sala.

teus olhos imóveis
são pedras preciosas
a comprar o vazio da cama.
uma mulher vazia de sonhos.

tua beleza,
que me fez te desejar
acabou por sublimar
as outras tantas
que já desejei
como se todas as outras
tivessem em ti se consolidado.

rosa
escarlate
banhada
no orvalho
das minhas lágrimas.
rosa a me ferir
com seus espinhos.

tua voz
branca,
descrente,
como uma anêmona
entoa num cântico profano
o desalento deste amor
numa longa e triste canção.
o espelho refletindo nossos sexos
e a triste constatação de teu olhar imóvel
como pedras preciosas
a comprar o vazio da cama.

no escuro do quarto
sinto o calor de tuas mãos
e da urgência com que gozas.
a te chupar,
a lambuzar meu rosto
com o teu suco.

a sentir os teus dedos
que me acariciam
cada um de meus sentidos entorpecidos
como o despertar de um sonho
que insiste em não terminar.

diante de teus lábios amargos
me torno tua sombra,
um cão fiel,
um obsceno fruto, teu mel
a tornar amarga a minha vida.

atmosfera escura,
lua obtusa,
acredito em tua mentira
mais uma vez: sou tua.

Poema do livro Amores Possíveis
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Foto de Jardim

o anjo

o anjo que pego em meu colo
tem um pouco mais na memória
do que a sua infância e me conta
na vastidão do seu tempo
a sua breve história.

um anjo em um corpo de mulher,
as asas das horas nos informam
a transgressão e o tempo
que em desejos alados
logo se transformam.

o anjo que ponho em minha cama
é uma parte aventura e outra romance,
prevê na tarde quieta a noite
e o destino que voa além
dos nossos olhos e do nosso alcance.

um anjo que menstrua,
que tem sexo e vagina que me provoca,
entreaberta ela desvenda
o clitóris que a ponta dos meus
dedos e da minha língua toca.

faço de seu corpo o meu endereço
e no meu colo ela me embala,
revela nos espelhos e no esperma
sua santidade e as roupas
que ficaram no chão da sala.

o anjo que beijo a testa
nem parece a mesma pessoa
que estuda, canta, dança, namora.
com suas asas inquietas
antes que anoiteça voa.

Poema do livro Filhas do Segundo Seo
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Foto de Jardim

um dia

um dia
e mais outro dia.
a mesa posta,
os copos, talheres, o amor
de antes agora em algum
canto da casa escondido,
quem sabe talvez
em algum hotel
nas últimas férias
esquecido.

um dia,
outro dia.
os filhos que crescem,
novas intrigas;
o mesmo canal,
uma outra novela;
o carro novo,
os mesmos caminhos.

um dia
e depois
outro dia.
a data esquecida,
novas dívidas,
os mesmos compromissos.
novos comprimidos
e os pratos
sobre a pia.

outro dia,
o relógio, de manhã,
implacável
em sua sentença:
somente um banheiro,
o café, a manteiga fria,
o cigarro,
a porta que bate
e a água que cai
do chuveiro.

um dia
e mais outro dia.
comprar presentes,
escolher verduras,
escolher um vestido.
visitar parentes
que há algum tempo
não se via.
em suas vidas
um espelho,
uma estranha simetria.
antigas mágoas
não movem,
emperram moinhos.

mudar os móveis de lugar,
mudar a cor do cabelo.
a menstruação que não vem,
a tabelinha
e as camisinhas
dos filhos.
e as roupas sujas
de mais um dia.
o amanhã parecia tão distante,
muito adiante
da próxima esquina.

Poema do livro Filhas do Segundo Sexo
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Foto de Eliana Lopes

<3 <3 Porta e Coração

Ao tentar abrir a porta do guarda-roupas percebi que havia algo errado, a porta não se movia pois estava for do seu lugar e foi assim que descobri: quando algo em nós não está no devido lugar a vida não segue como deveria, assim como a porta o coração precisa estar aonde deve.

Foto de Costa e Abrantes

Soneto da virgem

Soneto da virgem

Narrarei minha história
O beijo ardente e a glória
A virgem que fui outrora

Fora bom como disse a senhora
Sensação imensa na hora
Minhas roupas arrancadas fora

Morrendo de prazer antes e agora
Quisera eu que o tempo parasse
O movimento continuasse
O momento não acabasse

E que o deleite em mim se personificasse
Que a noite perdurasse
Que o falo não faltasse
É gostoso perder a virgindade!

Foto de Ivone Boechat

Para quem tem mais de 65 anos

1 - Tome posse da maturidade. A longevidade é uma bênção! Comemore! Ser maduro é um privilégio; é a última etapa da sua vida e se você acha que não soube viver as outras, não perca tempo, viva muito bem esta. Não fique falando toda hora: “estou velho”. Velho é coisa enguiçada. Idade não é pretexto para ninguém ficar velho. Engane a você mesmo sobre a sua idade, porque os psicólogos dizem que se vive de acordo com a idade declarada!

2 - Perdoe a você antes de perdoar os outros. Se você falhou, pediu perdão? Deus já o perdoou e não se lembra mais. Mas você fica remoendo o passado... Não se importe com o julgamento dos outros. Só há dois times no Universo: o do Salvador e o do acusador. Neste último você sabe quem é goleiro. Continue no time do Salvador.

3 - Viva com inteligência todo o seu tempo. Viva a sua vida, não a do seu marido, dos filhos, dos netos, dos parentes, dos vizinhos... Nem viva só pra eles, viva pra você também. Isto se chama amor próprio, aquilo que você sacrificou sempre! Nunca viva em função dos outros. Faça o seu projeto de vida!

4 - Coma muito menos; durma o suficiente; não fique o dia inteiro, dormindo, dando desculpa de velhice. Tenha disciplina. Fale com muita sabedoria. Discipline sua voz: nem metálica, nem baixinha; seja agradável!

5 - Poupe seus familiares e amigos das memórias do passado. Valorize o que foi bom. Experiências caóticas, traumas, fobias, neuroses, devem ser tratadas com o psicoterapeuta. Não transforme poltrona em divã, ouvido em descarga.

6 - Não aborreça ninguém com o relatório das suas viagens. Elas são interessantes só pra quem viaja. Ninguém aguenta ouvir os relatórios e ver fotografias horas e horas. Comente apenas o destino e a duração da viagem, se alguém perguntar. Aprenda a fazer uma síntese de tudo, a não ser que seus amigos peçam mais detalhes. Se alguém perguntar mais alguma coisa, seja breve.

7 - Escolha bons médicos. Não se automedique. Não há nada mais irritante do que um idoso metido a receitar remédio pra tudo o que o outro sente. Faça uma faxina na sua farmácia doméstica.

8 - Não arrisque cirurgias plásticas rejuvenescedoras. Elas têm prazo curto de duração. A chance de você ficar mais feio é altíssima e a de ficar mais jovem é fugaz. Faça exercícios faciais. Socorra os músculos da sua face. Tome no mínimo oito copos de água por dia e o sol da manhã é indispensável. O crime não compensa, mas o creme compensa!

9 - Use seu dinheiro com critério. Gaste em coisas importantes e evite economizar tanto com você. Tudo o que se economizar com você será para quem? No dia em que você morrer, vai ser uma feira de Caruaru na sua casa. Vão carregar tudo. Não darão valor a nada daquilo que você valorizou tanto: enfeites, penduricalhos, livros antigos, roupas usadas, bijuterias cafonas, ouro velho... prataria preta, troféus encardidos, placas de homenagens. Por que não doar as roupas, abrir um brechó ou vender todas as suas bugigangas, apurar um bom dinheiro e viajar?

10 - A maturidade não lhe dá o direito de ser mal educado. Nada de encher o prato na casa dos outros ou no self-service (com os outros pagando); falar de boca cheia, ou palitar os dentes na mesa de refeições (insuportável).

11 - Só masque chiclete sem testemunhas. Não corra o risco de acharem que você já está ruminando ou falando sozinho.

12 - Aposentadoria não significa ociosidade. Você deve arranjar alguma ocupação interessante e que lhe dê prazer. Trabalhar traz muitas vantagens para a saúde mental, além do dinheiro extra para gastar, também com você.

13 - Cuidado com a nostalgia e o otimismo. Pessoas amargas e tristes são chatíssimas, as alegres demais, também. Elogie os amigos, não fique exigindo explicações de tudo. Amigo é amigo.

14 - Leia. Ainda há tempo para gostar de aprender. A maturidade pode lhe trazer sabedoria. Coloque-se no grupo sempre pronto para aprender. Não se apresente em lugar nenhum dizendo: sou muito experiente!

15 - Não acredite nas pessoas que dizem que não tem nada demais o idoso usar roupas de jovens, cuidado. Vista-se bem, mas com discrição. Cuidado com a maquiagem, se for pesada, você vai ficar horrível.

16 - Seja avó do seus netos, não a mãe nem a babá. Por isso nem pense em educá-los ou comprometer todo o seu tempo com as tarefas chatas de ir buscar na escola, levar a festinhas, natação, inglês, vôlei... Só nas emergências. Cuidado com aquela disponibilidade que torna os outros irresponsáveis.

17 - Se alguém perguntar como vão seus netos, não precisa contar tuuuuuuuudo! Evite discorrer sobre a beleza rara e a inteligência excepcional deles. Cuidado com a idolatria de neto e o abandono dos filhos casados...

18 - Não seja uma sogra chata. Nunca peça relatório de nada. Seu filho tem a família dele. Você agora é parente! Nunca, nunca, nunca mesmo, visite seus filhos sem que seja convidado. Se o filho ligar pra você, não diga: ah! lembrou finalmente da sua mãe? É melhor dizer: Deus o abençoe meu filho.

19 - Cuidado em atender ao telefone: se a pessoa perguntar como você vai e você responder “estou levando a vida como Deus quer”; “a vida é dura”; “estou preparando a partida”; “estou vencendo a dureza”; você vai ver que as ligações dos amigos e dos parentes vão rarear, cada vez mais.

20 - A maturidade é o auge da vida, porque você tem idade, juízo, experiência, tempo e capacidade para se relacionar melhor com as pessoas. Então delete do seu computador mental o vírus da inveja, do orgulho, da vaidade, promiscuidades, cobranças, coisas pequenas e frustrantes para tomar posse de tudo o que você sempre sonhou: a felicidade.

Ivone Boechat

Extraído do livro Educação-a força mágica de Ivone Boechat

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