Roupas

Foto de Ivone Boechat

Para quem tem mais de 65 anos

1 - Tome posse da maturidade. A longevidade é uma bênção! Comemore! Ser maduro é um privilégio; é a última etapa da sua vida e se você acha que não soube viver as outras, não perca tempo, viva muito bem esta. Não fique falando toda hora: “estou velho”. Velho é coisa enguiçada. Idade não é pretexto para ninguém ficar velho. Engane a você mesmo sobre a sua idade, porque os psicólogos dizem que se vive de acordo com a idade declarada!

2 - Perdoe a você antes de perdoar os outros. Se você falhou, pediu perdão? Deus já o perdoou e não se lembra mais. Mas você fica remoendo o passado... Não se importe com o julgamento dos outros. Só há dois times no Universo: o do Salvador e o do acusador. Neste último você sabe quem é goleiro. Continue no time do Salvador.

3 - Viva com inteligência todo o seu tempo. Viva a sua vida, não a do seu marido, dos filhos, dos netos, dos parentes, dos vizinhos... Nem viva só pra eles, viva pra você também. Isto se chama amor próprio, aquilo que você sacrificou sempre! Nunca viva em função dos outros. Faça o seu projeto de vida!

4 - Coma muito menos; durma o suficiente; não fique o dia inteiro, dormindo, dando desculpa de velhice. Tenha disciplina. Fale com muita sabedoria. Discipline sua voz: nem metálica, nem baixinha; seja agradável!

5 - Poupe seus familiares e amigos das memórias do passado. Valorize o que foi bom. Experiências caóticas, traumas, fobias, neuroses, devem ser tratadas com o psicoterapeuta. Não transforme poltrona em divã, ouvido em descarga.

6 - Não aborreça ninguém com o relatório das suas viagens. Elas são interessantes só pra quem viaja. Ninguém aguenta ouvir os relatórios e ver fotografias horas e horas. Comente apenas o destino e a duração da viagem, se alguém perguntar. Aprenda a fazer uma síntese de tudo, a não ser que seus amigos peçam mais detalhes. Se alguém perguntar mais alguma coisa, seja breve.

7 - Escolha bons médicos. Não se automedique. Não há nada mais irritante do que um idoso metido a receitar remédio pra tudo o que o outro sente. Faça uma faxina na sua farmácia doméstica.

8 - Não arrisque cirurgias plásticas rejuvenescedoras. Elas têm prazo curto de duração. A chance de você ficar mais feio é altíssima e a de ficar mais jovem é fugaz. Faça exercícios faciais. Socorra os músculos da sua face. Tome no mínimo oito copos de água por dia e o sol da manhã é indispensável. O crime não compensa, mas o creme compensa!

9 - Use seu dinheiro com critério. Gaste em coisas importantes e evite economizar tanto com você. Tudo o que se economizar com você será para quem? No dia em que você morrer, vai ser uma feira de Caruaru na sua casa. Vão carregar tudo. Não darão valor a nada daquilo que você valorizou tanto: enfeites, penduricalhos, livros antigos, roupas usadas, bijuterias cafonas, ouro velho... prataria preta, troféus encardidos, placas de homenagens. Por que não doar as roupas, abrir um brechó ou vender todas as suas bugigangas, apurar um bom dinheiro e viajar?

10 - A maturidade não lhe dá o direito de ser mal educado. Nada de encher o prato na casa dos outros ou no self-service (com os outros pagando); falar de boca cheia, ou palitar os dentes na mesa de refeições (insuportável).

11 - Só masque chiclete sem testemunhas. Não corra o risco de acharem que você já está ruminando ou falando sozinho.

12 - Aposentadoria não significa ociosidade. Você deve arranjar alguma ocupação interessante e que lhe dê prazer. Trabalhar traz muitas vantagens para a saúde mental, além do dinheiro extra para gastar, também com você.

13 - Cuidado com a nostalgia e o otimismo. Pessoas amargas e tristes são chatíssimas, as alegres demais, também. Elogie os amigos, não fique exigindo explicações de tudo. Amigo é amigo.

14 - Leia. Ainda há tempo para gostar de aprender. A maturidade pode lhe trazer sabedoria. Coloque-se no grupo sempre pronto para aprender. Não se apresente em lugar nenhum dizendo: sou muito experiente!

15 - Não acredite nas pessoas que dizem que não tem nada demais o idoso usar roupas de jovens, cuidado. Vista-se bem, mas com discrição. Cuidado com a maquiagem, se for pesada, você vai ficar horrível.

16 - Seja avó do seus netos, não a mãe nem a babá. Por isso nem pense em educá-los ou comprometer todo o seu tempo com as tarefas chatas de ir buscar na escola, levar a festinhas, natação, inglês, vôlei... Só nas emergências. Cuidado com aquela disponibilidade que torna os outros irresponsáveis.

17 - Se alguém perguntar como vão seus netos, não precisa contar tuuuuuuuudo! Evite discorrer sobre a beleza rara e a inteligência excepcional deles. Cuidado com a idolatria de neto e o abandono dos filhos casados...

18 - Não seja uma sogra chata. Nunca peça relatório de nada. Seu filho tem a família dele. Você agora é parente! Nunca, nunca, nunca mesmo, visite seus filhos sem que seja convidado. Se o filho ligar pra você, não diga: ah! lembrou finalmente da sua mãe? É melhor dizer: Deus o abençoe meu filho.

19 - Cuidado em atender ao telefone: se a pessoa perguntar como você vai e você responder “estou levando a vida como Deus quer”; “a vida é dura”; “estou preparando a partida”; “estou vencendo a dureza”; você vai ver que as ligações dos amigos e dos parentes vão rarear, cada vez mais.

20 - A maturidade é o auge da vida, porque você tem idade, juízo, experiência, tempo e capacidade para se relacionar melhor com as pessoas. Então delete do seu computador mental o vírus da inveja, do orgulho, da vaidade, promiscuidades, cobranças, coisas pequenas e frustrantes para tomar posse de tudo o que você sempre sonhou: a felicidade.

Ivone Boechat
Extraído do livro Educação-a força mágica de Ivone Boechat

Foto de MISS DAISY

Indignação

O Brasil jamais será uma super potência, um país de primeiro mundo, com cidadãos culturalmente evoluídos em sua maioria a ponto de reconhecer o que é bom ou ruim para sua descendência!" Vejamos: Observemos a natureza para termos as respostas de que precisamos. Na natureza tudo que puro e original é lindo, é divino. Tudo o que percorre seu curso normal, assim como as águas de um rio, é sublime, é maravilhoso. No Brasil, tudo o que é sublime, é destruído, quase que imediatamente pela grande vilã, a MÍDIA. Os valores morais foram terrivelmente deturpados pela funesta casta midiática que imprime valor em tudo o que é inútil e fútil mas que está "na moda". Foi-se o tempo em que uma mulher receber adjetivos pejorativos, baixos e vis era tido como desrespeito. Hoje é ELOGIO para a maioria das mulheres. As mulheres e seus corpos, são expostos nas vitrines televisivas como carne no grande açougue da mídia, esperando serem classificadas de acordo com as formas, com as poucas roupas que vestem, com o apelo sexual que apresentam. Os homens, por sua vez, afastados cada dia mais dos conceitos e pré-conceitos de moralidade, sucumbem mais e mais, desvalorizando suas esposas e partindo para os prazeres fáceis e os convites explícitos da rua. Nossas meninas, crescem explorando tais vitrines com curiosidade inocente e mentes abertas ao desconhecido. Nossas adolescentes deslumbram-se com os chamamentos do admirável mundo novo, mas... com que base? Nossos jovens, deleitam-se num mundo de tantas possibilidades, sexo fácil e verdejante nas esquinas, nas ruas, nos bares. Os adultos - muitos já corrompidos pela exposição midiática - cada vez mais convencem-se de que o mundo como está hoje reflete a MODERNIDADE tão esperada, tão inofensiva ... Outros, diante da impotência, contentam-se em pertencer ao rol dos desistentes. Nossos idosos escandalizam-se com tamanha falta de moralidade. Em tempos remotos, jamais seria admitido ofender a mulher. A MULHER era o esteio da família, advinda dela, a vida. O início de tudo - a Mulher. Que tão vilmente é denegrida. Figura destroçada, a Mulher. A mídia quer dinheiro, e o busca muito visivelmente nos dias de hoje explorado a figura da Mulher. Porque se permite, porque se quer permitir. Nossos bebês cantarolam as canções mais pejorativas que nem nós adultos temos coragem de balbuciar... Mas as crianças cantam... e dançam.. imitando nossas rebolativas representantes da cultura nacional. Os bons... ah os bons... raramente desfrutam da mídia. Mas o inútil, o fútil, o podre, o perverso, o imoral... ah esses sim povoam e dominam a mídia mercenária. Quando poderíamos imaginar que chegaríamos a tal ponto de não censura. Nada mais é proibido, a cultura do tudo pode toma conta de nossos lares todos os dias - basta que liguemos nossos televisores. Poucas são as programações que acrescem valor e poucos também lhe são os expectadores. A degradação a céu aberto é o que vemos nas ruas, ao sairmos de casa, o medo de sermos violados em nossos direitos, a insegurança de sabermos o que vamos encontrar na esquina da João XXIII por exemplo. A céu aberto. Ao dia claro, pra todo mundo ver. Degradação. Nossas crianças vão à escola, e voltam ... vazias. Até mesmo nossos professores, foram destituídos de sua função. É proibido proibir! A formação global que é incutida nas crianças desde pequenas nos chamados "países de primeiro mundo", com aulas extras que valorizam suas habilidades, no Brasil... simplesmente não acontece. A cultura é dançar funk no intervalo das aulas, identificar se a merenda escolar será boa e voltar pra casa... complementando seu currículo com o que? mais degradação televisiva. É raro ouvir uma criança dizer que tem talento para moda, decoração... medicina, engenharia mas... se ligar o rádio... logo se dirá que ela tem talento para o funk. Enquanto não utilizarmos nossos cérebros para a função para a qual ele foi especialmente desenvolvido... bye bye Brasil! Lá fora sempre seremos conhecidos e tachados como sendo o país do futebol, do sexo fácil e da cultura chula. Jamais teremos orgulho de sermos BRASILEIROS. Os bons ... se manifestem... porque os maus fazem isso o tempo todo! E fazem com tamanha veemência que os bons são tidos como tolos. Quem discorda não precisa terminar de ler... Não é meu tipo de público. Mas quem concorda, bota a boca no trombone pois nosso país está sem freio descendo um despenhadeiro e só os hipócritas não enxergam isso.

Foto de Marilene Anacleto

Amor é amor

Nestes dias quentíssimos
Debulho-me em suor.

Lavo menos roupas,
Uma vez por dia, a louça,

No banho, economizo,
Pra poder molhar minha flor.

Foto de Rosamares da Maia

CRÔNICAS DA SAUDADE - O Cantar do Galo

CRÔNICAS DA SAUDADE – O cantar do Galo.
De repente ouço um cantar de galo ao longe e o inusitado no mundo urbano abre uma porta para uma enorme nostalgia. Instalada no meu peito sem pedir licença, ela dói de forma aguda. Fecho os olhos, encho o peito de ar num suspiro profundo e como num filme, vejo caminhos de terra batida, dourados pelo sol em claridade tão intensa e morna que quase consigo materializar o momento. Vejo laranjeiras, goiabeiras, sinto o cheiro do mato orvalhado pelo sereno das madrugadas e flores e folhas se embebedando. O galinho que canta ao longe de forma repetida, insistente faz meu peito se abrir sem quer, ardendo de uma saudade com gosto de infância, de avó lavando roupa na tina de madeira do fundo da casa.
Tina de madeira para lavar roupas. - Alguém mais já viu isto? Eu lembro nitidamente, tinha um pedaço de madeira com costelinhas que se enfiava dentro da tina para o esfregaço. Vejo a enorme pedra arredondada bem no meio do terreiro desafiando o tempo. A pedra instalara-se ali, como prova material de que algum dia tudo naquele espaço fora um oceano.
Todos nós crianças e netos ou não, adorávamos brincar naquela pedra, e certamente ela, testemunhou muitas outras infâncias. Subíamos, pulávamos e caiamos. Meu irmão que sempre quis ser super-herói improvisava uma capa nas toalhas de banho ou algum outro pedaço de pano que estivesse para lavar e voava da pedra com sua espada de cabo de vassoura para salvar o Mundo.
A cantoria do galinho indigente que agora escuto, somente no sentido de remexer as entranhas da saudade, trouxe-me neste exato momento o cheiro da madeira queimando no fogão de lenha e do feijão, cozendo na panela de ferro, feijão que meu irmão um dia mexeu com um pedaço de pau em brasa, lenha do fogão. Minha mãe quis pegá-lo de tapas, mas minha avó, somente riu com as bochechas avermelhadas e mandou que ele fugisse para não apanhar dizendo: “Ora deixa o menino, isto é coisa de criança”. Ela protegia todos os netos, perto dela ninguém levava tapas palmadas, surra então, nem pensar.
Tenho saudade do meu irmão que hoje sequer fala comigo, mesmo estando ao alcance do meu abraço, pois ambos esquecemos como se abrem os braços e se abraçam fraternamente os irmãos. Do menino franzino que não conseguiu salvar o Mundo, nem mesmo o nosso pequeno mundinho. Estou com saudades da minha avó conciliadora, que jamais deixaria isto acontecer, mas ela, não está mais aqui e tudo mudou. Tem uma eternidade que não vou ao terreiro dos fundos da casa de minha avó, nem sei se aquela pedra existe mais. - Será que virou concreto? Sei que há muito deixou de existir a cozinha feita de “barro a sopapo”, com o fogão de lenha e as panelas de ferro em cima, cozendo com amor para a família.
O sol nasce a cada dia e continua banhando os caminhos. São ruas asfaltadas, cimento e concreto e ele, queima de forma impiedosa e dolorida a minha pele, não me faz carícias como no tempo de criança. De repente o cantar insistente do galinho me desperta do mundo para o qual me levou, lembrando abruptamente, num suto, de que eu também deixei de ser criança.
Rosamares da Maia

Foto de P.H.Rodrigues

Joia rara, cadê você?!

Sinto saudades, de quando olhava nos olhos
e me perdia, perdia a cara, que ficava vermelha.
Sinto falta da curiosidade, do diferente, da diferença,
de quebrar as regras, das simples e cotidianas negligencias.

Sabe, tenho energia para queimar,
mas não vejo uma área para decolar!
É frustante enxergar esse mar de gente desgovernado!

Dinheiro, bens, roupas, compras, pra tudo quanté lado!
Mulher, cadê o brilho teu nos olhos que encanta
o rapaz que lhe estende a mão, e lhe pede uma dança?!

Eu devo estar bugado! Ou o server está defeituoso!
Não sou cachorro, não quero um pedaço de osso!
Mas também não sou tão carnal, não é necessário muita carne...
Apenas... apenas uma boa dose de mistério e charme!

Foto de Carmen Lúcia

Indagações à vida

Onde está o meu entusiasmo?
As coisas que me faziam estremecer?
A vaidade a me bater,
o espelho a me ver
sempre impecável,
irretocável?
Batom, blush, rímel, esmalte, laquê?
As roupas da moda,
os saltos dos sapatos
que me elevavam
a ver lá de cima
a vida acontecer embaixo?

O amor próprio, onde foi parar?
O amar a mim mesma, em primeiro lugar?
Os sorrisos, as gargalhadas,
as noitadas, as baladas,
as danças improvisadas,
o desejo irrefreável de viver?
O coração descompassado,
o rubor destemperado,
o sorriso dissimulado,
o meu sim apaixonado...

As sessões de cinema,
o amor sentado ao meu lado,
os beijos disfarçados,
os tremores tresloucados...

Quando deixei de viver?
Em qual ancoradouro aportou minha autoestima?
Qual livre- arbítrio assinou a minha sina?

_Carmen Lúcia_

Foto de Maria silvania dos santos

Possuída pelo desejo de amar e ser amada!

Possuída pelo desejo de amar e ser amada!

_ Enquanto penso em te, possuída pelo desejo de ser amada e ser amada, deito-me maliciosamente em meu leito de amor...
Desejando sentir-te teu corpo quente e atraente sobre o meu em chama enlouquecente, começo eu chamar-te pelo seu nome pedindo-te que me ame:
Diante do que sinto em relação a te, começo a me despir, desejando teus carinhos, tuas mãos fortemente me segurando me algemando, sim, sim me algemando, tudo será aceito é que quero que tudo seja perfeito!...
Quero que rasgue minhas roupas e me possua loucamente de corpo inteiro...
Quero que de prazer me faça gemer, nos seus braços quero me enlouquecer!

Autora; Maria silvania dos santos

Foto de poetisando

Morte VI

Muito esperta é a morte
Até como vem vestida
Para tentar levar aqueles
Que estão já fartos da vida

Usa roupas bem garridas
Que mais parecem arraiais
Assim ela engana todos
Nós uns simples mortais

Muito esperta é a morte
Até mostra sentido de humor
Com as suas vestes garridas
Com ela só vem muita dor

Vem sempre bem disfarçada
De lindos fatos vem vestida
Mostrando sentido de humor
Leva quem está farto da vida

Morte como ela é tão esperta
Como anda sempre disfarçada
Para levar os fartos da vida
Mas que alma mais danada

Vem com trajes de cerimónia
Sempre muito bem vestida
Como engana toda a gente
Até os que estão fartos da vida

De: António Candeias

Foto de Priscila Maia

Amor eterno amor

Sou pedaço de ti
Sou pedaço de mim
Misturados bem assim
Entre lábios molhados
Olhares ardentes
Abraços apertados
No roçar de nossas roupas
Sinto seu peito
Coração a mil
É amor!
Suave desejo
Quero seu colo
Intenso prazer
Possua meu ser
Domina meus pensamentos
Invade-me por inteira
Diga que és meu
Que te direi que sou sua
Eternamente entre corpos e almas
Unidas em um só destino
Todos sentidos aguçados
Gritam seu nome
Clama por você
Uma sintonia esplêndida
Suspiros a cada toque
Todo detalhe
Cada palavra
Especial no seu jeito de ser
Quero deitar-me
E olhar-te a cada amanhecer
Sentir seus olhos sobre mim
Avaliando cada curva, cada gesto
O paraíso é nosso
A felicidade é uma dádiva
Me encontre
Me busque em seus sonhos
Meu amado, minha vida

Foto de João Victor Tavares Sampaio

Setembro - Capítulo 8

E o gueto seguia a sua sina. Agosto continuava. De um lado, haviam uns pobres-diabos, de sangue quente e ralo, fracos como sua carne. De outro, os de sangue frio, os nobres, os prostituídos. É impressionante como esse universo em que vivemos sempre apresenta dualidades. O bem e o mal, a ordem e o caos, o positivo e o negativo. A vida e a morte. O destino e a discórdia. Parece que a chave da nossa existência, consciente, até que prove o oposto, é o puro e estúpido conflito entre um lado e outro. Como o branco e o preto, o homem e a mulher, eu e você. O amor e o ódio. A indiferença... As aparências enganosas...
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Clarisse, puta e fresca, mandava e desmandava após a morte do déspota Justo. Ela o envenenara, diziam os mais ácidos. De todo jeito, exercia seu poder de forma objetiva, sem rodeios para punir ou matar. A fome crescia. As rixas entre uns e outros esquentavam a frieza da antítese coletiva do buraco onde estávamos. Os tons variavam, para Clarisse, cinza e vampiro, para o povo, vermelho e sombrio. As facções tomavam conta do que o poder não se importava. E a turba, tarada e convulsiva, cantava assim:

- Morte aos infiéis! Aos traidores da fé e radicais! Morte aos sujos, aos virais! Que Deus abençoe os puros de espírito e só eles!

Clarisse ouvia e fingia que não.

- Esse bando de idiotas... Pensam até que fazem alguma diferença no mundo...

Clarisse se enfeitara de todas as jóias, roupas, perucas e os mais escandalosos adornos. Maria Antonieta sentiria inveja dela, se hoje possuísse a cabeça no lugar. Ela fizera um acordo com os dominantes, que poderiam explorar o que e quem bem entendessem do gueto sem interferências, desde que mandassem o mínimo de dinheiro e suprimentos para baixo. Uma troca perfeita. Bugigangas por ouro. Espelhos, pentes, pelo Pau-Brasil. Água potável por celulares. Qualidade de vida pela favela, e por aí vai. Enfim, tudo ia calmo e sossegado, até que os seres superiores decidiram controlar o crescimento populacional do gueto. Seu plano era jogar cocaína nas fontes de beber aos babacas de sangue quente. Marginalizar, culpar, destruir. Mas o efeito que obtiveram foi muito diferente do esperado.
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Pois bem, um Belo dia os dominantes jogaram o pó na água:

- É o pagode!

E o povo continuava:

- É o pagode!

O mantra se espalhava como a sangria de um cordeiro indesejado. Barrabás sorria. O reino dos homem resplandecia em alegria e empolgação.

- É o pagode!

Os dominantes jogavam o pó, jorravam, Clarisse deixa o canibalismo rolar solto. A massa é burra. Mas por ser massa, é manipulável. Quero dizer, todos ali tinham vontade própria, mas podiam ser condicionados. Outra hora eu estava falando com o Skinner, e foi isso o que ele me disse. O Planck discordou, mas o Planck discorda até dele mesmo. Já o Zeca Pagodinho assinou embaixo. Eu gosto do Zeca. Ele é legal.

Não se sabe bem como, mas em determinado avanço do batuque, as macumbas se intensificaram e o fogo começou. Não sei se o fogo foi proposital, se foi um gaiato que tocou, ou se foi uma empreiteira. Eu só sei que a chama subiu pelas paredes, madeirites, celulares de tela plana. O fogo destruia os crediários, os baús da felicidade, as roupas de marca, toda a tristeza de barriga cheia que o gueto alimentava para continuar a receber esmolas. Uma pomba andava os telhados, indiferente à baderna, uma cabra vadia olhava a correria e nada entendia. Eu só sei que a favela pegava fogo e não queria ficar lá para pegar fogo também.
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Eu corria e a torta segurava a minha mão. Os colegas, apesar do amor que eu sentia por eles, tentavam me pisotear e jogar contra o fogo. A tragédia era mesmo anunciada. Clarisse tinha anunciado aos macumbeiros que não interrompessem seus rituais, ainda que fossem consumidos pelas labaredas. A torta me puxava e impedia que a tara de me matar se consumasse.

- Dimas, não deixa esses porcos te matarem!

Não sei bem porque, eu por uns três milésimos de segundo valorizei minha vida. Me imaginei bem e feliz, realizado, sem medo de porra nenhuma. Obedeci a mulher que me amava e segui em frente.
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O fogo carbonizava colegas que eu sabia o nome e que não sabia. a cena era muito feia. As pessoas não tinham onde ficar, crianças choravam, vigaristas encenavam uma tristeza de forçar um choro inexistente, catárticos e sadicos apreciavam a ruína. O lixão da novela parecia um cenário de ficção, se bem que o lixão da novela é um cenário de ficção mesmo. Uma voz de olhos laranjas paralizou a escapada que a torta havia pensado com tanto cuidado.

- Calma lá, seus condenados! Chegou a hora da queima de arquivo.

Dona Clarisse queria nos mandar para o micro-ondas.

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