Rosto

Foto de Maria Flor e Rabiscos

Eu Vivi...

Viajo na esperança,
abraçada com a vontade,
sem olhar para trás.
.
Sinto desejo de voar,
soprar como o vento,
correr o mundo com a
velocidade do pensamento,
e amarrar a vida em mim.
Possuí-la,
fazer dela a minha loucura
e torná-la escrava do meu querer.
.
Quero ser liberdade,
sol,
transfigurar-me em amor,
ser alma de profundo sentir,
e tornar-me assim inesquecível,
para quando chegar a hora da minha partida,
poder deixar transparecer um tênue sorriso
no meu rosto e dizer:
e
u

v
i
v
i

Foto de CarmenCecilia

VIDEOPOEMA: UM TOQUE DE SENSIBILIDADE

UM TOQUE DE SENSIBILIDADE

Hoje estou meio assim...
Tudo em mim faz plinnnnn!
Dias há que se acorda taciturno...
Em desacordo com a vida e soturno...

Mas dias há que o sol brilha...
Com tamanha intensidade e a tudo fulmina
Sua luz é como guia para todas as trilhas
E o rosto da gente instintivamente se ilumina...

Dias há que tudo parece rotina...
Que tudo parece envolto em neblina...
Mas eis que entre as nuvens um raio dourado
Faz com que a gente sonhe acordado.

Então esse meu jeito de quem não tem jeito
Essa minha matemática do cotidiano insano
Empalidece perante a esse feito...
Esse mundo colorido que me deixa suspirando!

Mesmo a mais calculista criatura rende-se ao encanto
E é banhada por essa espontaneidade...
Essa brandura...candura que perdura...
E que nos traz a tona esse toque de sensibilidade!

Carmen Cecília

Foto de Kelsey Cerbaro

DOUGLAS... MEU AMOR...

A cada momento que me deparo com um espelho, quer seja pra arrumar os cabelos, escovar os dentes, ou qualquer outra coisa, me pego me sentindo a mulher mais bela de todas, com o sorriso mais encantador, com o olhar mais penetrante, não que eu seja realmente essa mulher de tamanho poder, mas sim porque você meu amor me faz a mulher mais feliz e mais completa desse mundo, me faz uma pessoa melhor a cada dia, faz com que eu me sinta ótima pelo fato de saber que tenho e sempre terei você, sei que às vezes não ajo como a mulher dos seus sonhos, que às vezes tenho minhas crises; tudo em ti me encanta totalmente, mas tens tu uma capacidade imensa de me deixar ótima quando triste me sinto, apenas com um abraço renova meu dia, arranca a tristeza que comigo havia, me fazendo a pessoa mais feliz. Nossos planos são os mais perfeitos, os mais concretos, os mais belos, há quem diga que planos não levam a nada, pode até ser que não leve a nada os planos, mas o nada leva ao nada, pois o amor nos leva ao tudo, afinal, você é meu tudo, é por você que reflito a cada momento como posso me tornar melhor, como fazer pra te deixar mais feliz, aliás, quero retribuir a altura do és que do que representas pra mim, talvez eu deixe a desejar, mas quero que saibas que tudo que faço é porque te amo e muito. Não há nada melhor que ter você, saber que nosso amor é eterno, puro, verdadeiro e muito mais forte a cada minuto. Não sei como existem pessoas que não reconhecem o poder do amor, talvez seja porque elas não creiam nele, ou porque nunca o sentiram, mas também, elas não tiveram a sorte de ter você, isso só eu quem posso, só eu que sei o que é ter o MELHOR HOMEM do mundo; muitas mulheres acham que um homem que a sustente e que lhe agrade de vez em quando é o homem dos sonhos de cada mulher, mas, pobres destas, um homem dos sonhos passa vergonha perto do que eu tenho, um homem é muito mais que ser aquele que te chama de linda e te satisfaça, eu vos direi o que é ter um HOMEM de VERDADE, afinal, não existe no mundo uma pessoa que o melhor descreva a não ser eu que o tenho... É aquele que te chama de linda sim, mas não porque você tem um rostinho bonito, mas sim, porque ele ama-te e sabe observar suas qualidades mesmo se tendo muitos defeitos, ele sabe fazer com que as qualidades se sobressaia acima dos defeitos, ele te abraça não pelo fato de querer te fazer segura, mas sim porque ele realmente te faz segura e que ele sabe disso, ele te beija não pelo fato de que você beija bem, mas sim porque seu beijo transmite amor, carinho, afeto, paixão... Ele a fala TE AMO minutos a fio por cada hora não para te enganar e te deixar depois a ver navios, mas sim porque ele realmente a ama e tem você como a mulher do sempre, aquela que sempre estará ao lado dele, não importando a ocasião, e ele sabe que você o ama e muito; ele beija seu rosto não porque não quer beijar-lhe a boca, mas sim porque um beijo no rosto significa carinho eterno e amizade verdadeira; ele lhe conta seus problemas não porque ele acha que você sirva de psicóloga, mas sim porque ele sabe que além de tudo és tu uma pessoa em quem ele confia muito e que você fará de tudo pra ajudá-lo; ele ouve atentamente você falar sem parar, não é porque ele tem muita calma, mas sim porque para ele tudo o que você pensa e sente tem valor inestimável; ele sai te abraçando e girando em plena avenida, não é porque ele quer fingir gostar de sua companhia, mas sim porque ele a ama profundamente e se sente tão feliz quando vocês estão juntos que ele não consegue esconder sua explosão de felicidade; ele a apresenta a todos que conhece não porque ele quer mostrar mais uma bonitinha que ele pegou, mas sim porque ele quer que todos saibam quem é a mulher da vida dele; ele passeia com você de mãos dadas, não porque todos fazem isso, mas sim porque ele sente uma alegria profunda de poder segurar suas mãos; ele a escolheu dentre tantas para ser a mulher dele, não que você seja a mais bonita, mas sim porque ele viu o amor traçado no primeiro olhar; ele fala que não vê a hora de te ver novamente, não que ele não tenha nada melhor pra fazer, mas sim porque ele realmente te quer junto dele em todos os momentos; ele não faz nada sem você, não que ele não consiga, mas sim porque quando se ama nada tem graça se a pessoa amada não está por perto; ele se arrisca por você, não que ele seja masoquista ou goste de fazer caridade, mas sim porque você é a pessoa mais importante para ele, ele quer seu bem acima de tudo custe o que custar; ele quer que você vá junto ao futebol não para que Você se sinta deslocada e sozinha caso estiver sem companhia enquanto ele joga, mas sim porque a ama a ponto de querer poder olhar para você a cada gol e saber que você sempre estará ao lado dele o amando em tudo o que ele fizer; ele fala que sua família a acha encantadora, não pelo fato de que você seja mesmo isso, mas sim porque ele disse tanto de ti, tantas coisas belas, que fez com que todos a gostassem mesmo não sendo tudo o que ele disse; ele quer se casar e ter filho, não porque ele acha que é o dever de cada homem, mas sim porque ele tem certeza do amor que sentem, e que não a nada mais feliz e satisfatório que se poder dormir e acordar todos os dias ao lado de quem se realmente AMA!!
Meu AMOR, tu és muito mais que palavras possam expressar, TE AMO MUITO e continuarei amando a cada minuto muito mais ao que se passou, és TUDO para mim!
Hahahaha se fu... vai casah cumigu, hsuahsuhashahs
TE AMOOOOOO

Foto de carlosmustang

"SOB FACES"

Nem mesmo neste pequeno(mesquinho) caminho
Saberei quem sou
Porque aqui, tudo é mesmo pequeno!
E tudo querendo, tão imenso, tão intenso
Nada será.

Eu não sei mesmo, quem sou!!!
Posso até parecer pra você
Mas sei o que fazer até aqui.

E o retrato na parede, preso por um prego pequenino?
Aquela rachadura na parêde, encobrindo-a!
Pois se me veres, a mim mesmo, beijar!
Seu rosto pode corar!!
Mas ao sentir um ludibriante perfume no ar...
Compreenderás esse desejo.
Pelo seu rosto!!!

Foto de NiKKo

É natural te amar.

Hoje a saudade me acordou de mansinho
Fazendo lágrimas pelo meu rosto rolar.
Ela sussurrou seu nome em meu ouvido
e me disse baixinho: ela não vai mais voltar.

O sol que nascia colorindo azul do infinito
Com pena de mim, seu brilho escondeu.
Grossas nuvens escuras se formaram no céu
e junto com meu pranto, a chuva verteu.

O vento que estava calmo e suave
vendo como era grande a minha amargura,
forçou as arvores arrancando suas folhas,
varrendo a terra, tornou a paisagem escura.

As aves que saudavam o dia que nascia alegre,
Refugiaram-se, apressadas em seus ninhos.
Guardaram sob suas asas seus filhotes e pelo medo
a aflição dava para ver em seus olhinhos.

A flor que banhada de orvalho desabrochou,
com o peso das gotas da chuva que sobre ela caiu,
deixou que suas pétalas maltratadas e feridas
fossem levadas pelo vento forte que a terra cobriu.

O dia então retratou a minha amargura
e fez que meu coração, no pranto se acalmasse.
E eu fiquei olhando a chuva que batia na janela
até que de meus olhos nenhuma lágrima restasse.

No entanto meu coração no fim se acalmou
Por reconhecer que teu amor minha vida preencheu
Ele devolveu-me a esperança que eu já não possuía
Por isso eu reconheço, viver esse amor, muito valeu.

E assim como a tempestade que se foi
Minha alma encontra a paz após tanto chorar.
Eu te amo e não me envergonho desse sentimento
e mesmo que você não volte, eu continuarei a te amar.

Foto de carlosmustang

DE ALGUÉM... PRA ALGUÉM!

Seu rosto, a alcear tanta beleza!!!!!!!!!
Á entoar os cantigos dos meu desejos...
Flutuar-me sobre as nuvêns dessa paixão
Não é luxúria, algo mais, um coração!

De tão distante que estás
Quase que me impedes de sonhar!
Cerceando minha vontade carnal
E apenas ter o capricho de te amar.

Mas assim será!
Nos seus braços virtuais
Vou delirar!

Vaga-se no mais puro sentimento esse amor
E tudo és tão belo!!!
Vou dormir, e acordar nesse mistério.

Foto de noturno_alfa

paixao

redijo estas palavras sobre um amor nao respondido.

este amor devora-me,como os ratos devoram o papel.

tu choras por outro,e eu choro por ti;tuas lagrimas molham o seu rosto todo o teu rosto,e faz-te ficar ainda mais bela,mas ao ti ver chorar faz-me odiar-te e ao mesmo tempo amar-te,te odeio porque tu amas ele,e te amo porque te desejo.
muitas vezes pensei em mata-lo,mas tu sofreria ainda mais,entao deixarei que o tempo apaque o teu amor por ele.

o tempo passou e o teu amor desfez-se,mas com ele omeu amor tambem,porque o que estavamos sentindo era somente paixao.

Foto de Civana

Vídeo-poema "Você"

Você

Pensar em você
é poder ouvir o mar,
sentir a areia molhada nos pés,
o vento batendo no rosto,
tirar som do silêncio...

Pensar em você
é dançar nas estrelas,
brincar com os anjos,
caminhar na luz,
cavalgar incansável no sol...

Pensar em você
é sentir o coração disparar,
os olhos incendiarem,
as mãos gelarem,
o corpo tremer...

Pensar em você
é poder amar,
sonhar,
brilhar...

Pensar em você
é saber que estou viva!

(Civana)

Foto de Lou Poulit

TROVÃO E O SABIÁ SERENO

CONTO: TROVÃO E O SABIÁ SERENO
AUTOR: LOU POULIT

Sentada sob o alpendre da mansão colonial, sua fortaleza de toda a vida, Sinhá havia se perdido em seus pensamentos. O dia havia se despedido há pouco, com a apoteose fugaz de um céu prestante de cores e texturas, que de tudo o que pode tentou fazer para merecer a atenção da moça. Nem a sinfonia da passarada fez efeito. Tudo em vão, restaram as estrelas que nem sequer se aventuraram. A passarada se calou para dar a vez aos grilos, sapos e outros barulhentos notívagos. Sinhá revirava mecanicamente os fartos rendados da saia à sua volta, pois em espírito não estava de fato ali.
Então, passos arrastados vindos de dentro precipitaram-na do etéreo em que vagava, de volta ao corpinho magoado pela posição pouco cômoda. De tão surpresa e assustada, não teve coragem de se virar. E esperou apenas, assim como seu coraçãozinho, que esperava dentro do peito prestes a lhe saltar pela boca. Aos poucos uma luz tênue, mas capaz de expulsar soberanamente a escuridão, se aproximou. A moça temeu que se aproximasse ainda mais e explodiu em gritos nervosos: Saia já daqui! O que quer de mim, demônio? Eu não lhe chamei aqui!
A pouca distância estava parado um caboclo mulato de aspecto impressionante. Pele muito morena e os olhos claríssimos de uma onça enterrados no rosto embrutecido, como pequenas gemas raras no emboço úmido da terra, adubada pelos séculos. O velho Sereno segurava a candeia, tentando compreender, tão próxima, a moça que à distância vira crescer, como flor única naquelas glebas. Durante algum tempo Sinhá não conseguiu balbuciar mais uma palavra. Tentava decifrar como aquela figura estranha havia invadido seu silêncio, que significado poderia haver nele e se seria perigoso para as coisas ricas que guardava no segredo das suas lembranças. Porém, achando em seguida que o silêncio era ainda mais  insuportável, a moça voltou à carga: Quem lhe deu o direito de estar aqui?... Ele tentou explicar: Vim só alumiá o negrume da noite pra vosmicê, Sinhazinha... Carecia de se assustá não... Não tenho medo de nada... — Ela empinou orgulhosamente a própria fragilidade. Como poderia temer um empregado dentro da casa do senhor meu pai? Ademais, estava aqui com meus pensamentos...
O homem olhava com segurança os olhos escorridos de lágrimas da moça, cheios de brilhos amarelados pela chama da candeia. Sentia pena dela, mas sabia pelas décadas de convívio, que não se devia manifestar piedade para com os senhores. Sereno sabe que está triste, Sinhá. Ma num pode fazê nada não... — Disse ele abaixando os olhos. Mas como pode saber disso? Não lhe dou esse direito. De onde você saiu?... Ainda com os olhos baixos, ele respondeu: Sempre estive aqui, Sinhazinha. Vim pra essas terras do senhor seu pai na barriga da minha mãe, que se foi embora amarrada naquele pé-de-jurema-branca, bem ali na direção onde a lua vai nascer não demora nada. Eu era desse tamanhinho quando ela descansou, cabia no cesto onde os cavalos comiam o mio que ela dava com gosto. Naquele tempo o capataz era um homenzinho muito do ruim... Ela só queria alimentar a sua cria...
A moça ficou perplexa. Mas se refez da letargia porque lembrou-se do seu alazão, tornando a gritar: Não me fale do meu alazão. Eu amava o Trovão como se fosse uma pessoa! Ninguém montava nele além de mim! E acabaram de trazê-lo num arrasto de pau-de-mangue... Ele estava morto! Eu vou matar quem fez isso com ele... E a chorar convulsivamente ela recostou-se no portal, até sentar-se de novo no degrau do alpendre. Sereno continuou calado, imóvel, com os olhos cravados nas lajes do chão. Como se sua alma cansada procurasse uma brecha para um imenso arrependimento.
Tentando descobrir em seu próprio silêncio o que poderia fazer naquela situação triste e constrangedora, o velho caboclo foi lentamente até a arandela pendurar a candeia. Não sabia o que fazer a mais. Durante quase vinte anos quisera ajudá-la em muitas situações de perigo, mas sempre chegava alguém antes. Sereno trabalhara sempre na plantação, por vezes tratando dos cavalos doentes e por outras como mateiro. Amava a menina, antecipava os riscos que ela corria, mas haviam outros mais próximos dela. Agora o mesmo sentimento de proteção lhe parecia palpável de tão denso. E ironicamente, embora estivessem ali apenas os dois, simplesmente não sabia o que fazer.
Passados alguns poucos e imensos minutos, a moça quebrou o silêncio, mais calma, porém sem perder a altivez da voz: Como se chama?... Sereno, Sinhazinha — Disse ele. E porque está aqui, nunca lhe vi dentro de casa?... O velho empurrou a aba do chapéu para trás e coçou a calva rala da carapinha branca, como sempre fazia quando se sentia inseguro. Demorou um pouquinho mas respondeu: Eu vim de pés lá de trás da serra dos pastos... O senhor seu pai mandou que me alimentasse e ficasse por aqui até amanhecer. Ela insistiu: Mas por que veio de pés? Ah, Sinhazinha, parei no meio da mata para ouvir o sabiá-da-mata, tava cantando bem em cima de mim. Desde menino adoro os sabiás, num gaio da mangueira, por cima da minha palhoça tem um que fez ninho agora. Quando passo o café da tarde ele ta arrebentando os peitos, de tanto chamá uma fêmea pro seu ninho novinho e arrumadinho. Mas me distraí, meu cavalo assustou-se com a onça e saiu desembestado, nem sei pra onde. Mas vou lá buscar, pro seu pai meu senhor num ficá num prejuízo maió. Não é um bicho caro, é até meio capenga. Mas é um bom companheiro, num sabe?... Vendo a perplexidade dela, ele perguntou: Que foi Sinhá, com essa boca aberta, quem nem peixe morto?... A moça sussurrou: Onça? Que onça é essa, Sereno?
O velho respirou profundamente. Não haveria mais de esconder. Ela que soubesse a verdade e que fizesse o que achasse justo. Disse a ela com segurança: A mesma que pegou o Trovão... Aquele sangue todo foi porque quando cheguei ela já tinha garrado no pescoço dele... — Disse o caboclo, limpando instintivamente as mãos grosseiras nas calças. A moça mostrou-se inconformada: E você não fez nada para ajudar o coitado? Não tinha uma arma, Sereno? Sinhazinha, ele caiu por cima da bicha, esperneava como um porco endemoninhado... Endemoninhado é você, miserável! Ele era o alazão mais valente que conheci. Só que havia uma onça mordendo o seu pescoço. E um homem medroso e inútil assistindo a sua morte desesperada! Que queria que o Trovão fizesse?... Sereno, se calou constrangido e ela quis saber mais: E depois, Sereno?... Sinhazinha, num é nada fácil chegar perto de dois bichos grandes e raivosos... E eu só tinha mesmo o meu facão de mato e não queria ferir ainda mais o Trovão... Sim, mas o que você fez?... — Ela estava implacável. Eu nada, Sinhazinha, a onça é que resolveu desaparecer. Onça é um bicho covarde. Só pega pelas costas, sangra e espera morrer. Mas se sentindo insegura, ela larga e fica de longe só espiando. Esperando a hora de comer sossegada. E o outro, que também é bicho, sabe que vai morrer e que ela vai vir lhe rasgar as tripas. É só uma questão de tempo. O mundo dos bichos é assim mesmo, Sinhá. Ninguém muda não. Vosmicê ta triste e eu também. Mas o Trovão ta não... Ah, não... Ta não. Só ta esperando os primeiros lampejos do dia, pra correr por essas terras sem fim, pelos campos e pelas matas fechadas, num tem mais nada que lhe impeça... Vai conhecer todos os lugares onde nunca tinha ido, vai beber água do rio grande e vai saltar nas ondas da praia. Enquanto isso nós vai ficar aqui chorando de tristeza, porque num pensa que ele ta livre como nunca foi. É que como nós só sente o sentimento da gente, só pensa com a cabeça da gente, então acha que o Trovão ta sentindo e pensando a mesma coisa que a gente, Sinhazinha... Não tenha raiva não... Que ele não pode aparecer pra vosmicê e lhe contá como que é lá, pronde ele foi. Ele vai ficar triste por causa da sua tristeza, Sinhá...
A moça relutava, porém se esforçava para aceitar aquela sabedoria estranha que quase desdenhava os seus mais puros sentimentos. Embora não tivesse coragem de dizê-lo, até que gostava muito de imaginar seu querido Trovão suando da correria que tanto amava, brilhando ao sol e ao luar. Ele amava o vazio dos espaços, os obstáculos que vencia, amava o vento revirando as suas crinas, enchendo-lhe os pulmões no peito enorme e musculoso, e depois expirava com força fazendo seu próprio vento, era quase um deus da natureza. Ah, como ele gostava disso... — Pensou consigo. Alagada da própria ternura, disse então ao velho: Ele lutou até o último instante não foi, Sereno?
Ele era valente demais, eu o conhecia desde que era um potrinho muito abusado, sinhá... Já mais calma, finalmente ela tornou-se amigável: Sou lhe muito grata, quero que fique, se alimente bem e descanse bastante. E depois vá buscar o pangaré, antes que essa onça o coma, já que não comeu o Trovão, pois que os homens foram buscá-lo antes disso... Sereno sentia-se mais à vontade agora, já sentado também, mas no degrau de baixo como lhe convinha. E completou: Vou Sinhazinha, antes de clariá vou atrás dele. E ai dela que se meta, pois vou levar um trabuco... Faça isso por mim, Sereno... — Ela pediu ainda com raiva.
Não posso prometer, Sinhazinha... Não Sereno, não se arrisque... E se ela lhe pegar pelo pescoço, como fez com o Trovão?... Vosmicê num fique triste não, Sinhá... Também sou meio bicho, já fiz muita coisa nesse mundo de meu Deus... Já matei oito onças, seu pai meu senhor pode lhe dizer... Uma delas ia morder era o pescoço dele... É que de uns anos pra cá elas estavam sumidas, que os cachorros farejam a catinga delas de longe... Gato tem raiva de cachorro e vice-versa, num sabe?
Eu prometo, Sereno. Vou contar para os meus netinhos essa estória. E vou me lembrar de dizer que você foi um herói, que não pode salvar o Trovão, mas veio de pés buscar homens, para que ele tivesse um enterro digno. Meus netinhos vão aprender a odiar todas as onças, porque essa matou o Trovão... Mas eis que tais palavras indignaram o velho filho-do-mato, e ele quis ser exato: Não, Sinhazinha. Isso não é certo, não é verdade não... Como, Sereno? Se ela não matou o meu alazão, então quem foi?... Fui eu mesmo, Sinhazinha... A moça de um pinote ficou de pé, com o dedo em riste, e novamente enfurecida lhe disse: Seu traidor! Vá embora, suma daqui! Nunca mais quero ver sua cara! Não vou lhe perdoar jamais! Vá logo. Antes que eu grite por alguém para lhe surrar no pé-de-jurema, desgraçado! Naufragados novamente em profunda tristeza, ambos se foram. Ela se foi para chorar na cama e ele no mato. Mas nenhum dos dois conseguiu dormir.
A moça rolou na cama, sobre o lençol úmido das suas lágrimas, até que lhe viessem chamar para o almoço no dia seguinte. À tarde, na hora da refeição também não quis sair do quarto, deixando a todos apavorados. Seu pai começou a preocupar-se, vendo que as mucamas não paravam de cochichar pelos cantos. Resolveu-se a sacudi-la. Entrou no quarto como um furacão para intimidá-la e foi querendo saber o porque daquele drama. Sabia o porque, também sentia muito pelo alazão, sabia o valor que tinha, mas não queria perder também a filha. Sinhá estava desolada e não apenas pelo seu Trovão. As horas lentas da madrugada lhe convenceram de que havia sido injusta com o Sereno. Estava agora claro que quisera apenas poupar o animal de mais sofrimento. Não podia carregá-lo nas costas e com certeza não quis que o alazão assistisse a desgraçada da onça comer-lhe as carnes ainda vivas. Ela estava soterrada de remorso e com muito jeito fez o velho concordar em mandar buscá-lo quando voltasse do mato. Assim também concordou em levantar-se.
Alguns dias depois estava novamente sentada no alpendre, mas dessa vez assistiu a obra da natureza, que se comprazia em dispor da sua atenção. O dia terminou. Escureceu por completo. Ela se lembrou da noite em que se assustou com Sereno. Dessa vez queria imensamente que ele lhe trouxesse a candeia. Havia preparado algumas palavras para lhe pedir que perdoasse a grosseria. Ninguém lhe dissera uma palavra durante esses dias, tinha a impressão cada vez mais densa de que não lhe queriam falar a respeito. Uma luz veio de dentro, mas pelo andar sem botas não poderia ser Sereno. Era uma mucama, que foi dispensada. Sinhá só queria a luz do velho caboclo, como naquela noite. Agora queria gostar dele, da sua sabedoria e da sua paz. A lua começou a aflorar, derramando seu prateado pelas colinas, que abraçavam em segurança a mansão. De repente, algo se mexeu nas folhas do pé-de-jurema-branca, que pareciam lhe acenar variando o reflexo do luar.
Então, para sua imensa surpresa ouviu com nitidez o canto mavioso de um sabiá. Mas como? Sabiá cantando há essa hora? Não pode ser, já é noite... Não queria aceitar o que seu próprio silêncio lhe dizia, lutava contra com todas as suas forças. Então ouviu de novo, logo ouviu outra vez e de novo tornou a ouvir. As defesas que havia erguido em si própria foram ruindo a cada canto, como se fossem rojões de poderosos canhões. Até que não pode mais sustentar a própria razão. O sabiá só podia estar feliz. Tão feliz que nem se importava com a noite, não queria esperar o amanhecer! Se quisesse vê-lo sempre feliz, devia afastar a tristeza. Libertá-lo do próprio peito para que fosse completamente livre, para que cantasse onde quisesse e quando quisesse. E ainda voar sobre as matas e as ondas do mar. Seu canto não era triste como o de outros, mas sim vigoroso e doce como o de uma flauta da natureza.
A mucama voltou com um semblante pávido, porque viera lhe dar uma notícia. Mas quedou-se quando à luz da candeia viu que o de sua Sinhazinha sorria para a lua, já em seu esplendor. A mucama lhe disse: Sinhazinha, o seu pai mandou meu irmão e meu primo buscar o Sereno. Mas eles não querem falar, estão com medo. Medo de que? Diga logo... Não fica brava comigo não Sinhazinha... Fala de uma vez, mulher... É que a onça pegou o Sereno também, Sinhazinha...
Completamente perplexa, a mucama ouviu a Sinhá lhe dizer com doçura: Não fique assim tão triste. Há essa hora ele deve estar bem assobiando por aí... Por onde, Sinhazinha?... Pela natureza, pelo céu, pelo rio grande, ou se lavando nas ondas do mar... A pobre mucama não conseguia atinar com aquelas palavras surpreendentes e Sinhá completou: Anda, pode deixar a candeia na arandela e vá pra dentro. Se precisar eu lhe chamo, agora vá. Quando mais tarde seu pai veio lhe buscar para dentro, aliviado pelas falas da mucama, encontrou-a bem disposta, quase feliz para aquelas circunstâncias. Sinhá aproveitara o tempo para fazer uma prece emocionada, repleta de gratidão e amizade, pela alma do velho Sereno. Durante toda vida estivera bem ali e nem o havia notado. Mas havia sido de grande valia justo no momento que mais precisou. Se estava feliz a ponto de assobiar no galho do pé-de-jurema àquelas horas, então deviam estar todos felizes: O Sereno, sua pobre mãe e também o Trovão. Não, não queria mais pensar em tristezas.
Foi quando seu orgulhoso pai, sentindo necessidade de participar daquele momento lhe disse: Deixe estar, querida... Aquela maldita onça não irá longe... Eu me encarregarei disso pessoalmente.
 

Foto de Lou Poulit

SÃO JORGE E O DRAGÃO

CONTO: SÃO JORGE E O DRAGÃO
AUTOR: LOU POULIT

Sentados em bancos tipo meia-bunda, Hermes e Cuia haviam acabado de chegar ao balcão da birosca. Cuia era bebedor dos bons. Mulato quase negro, de fala mansa e bigodinho de chinês. Bom malandro, natural da favela, sobrevivente a tudo. Em vez do calção e dos chinelos-de-dedo, de terno e gravata daria um excelente relações públicas. Só bebia cachaça e tinha preferência: “Ô Portuga, dá meu marimbondo aí!” Já seu amigo Hermes era letrado. O Vela, como era chamado desde a adolescência, era megérrimo, branco como um defundo, e parecia meio lento em tudo. Havia se afastado dali por alguns anos e nesse tempo fez faculdade, arrumou emprego, casou, separou, casou de novo, separou de novo, casou mais uma vez... Continuava mal bebedor, pedindo a mesma marca de uísque: “Ah... Bota qualquer um aí, Portuga”.

O Cuia só observando. Em sua cabeça um silêncio era bom conselheiro: gozado, o tempo passa e as pessoas vão se modificando. Aquela que conhecemos desde dos tempos das pipas e peladas, agregam-se com outras que não conhecemos ainda, mas parecem tão importantes quanto as antigas, senão mais. E todas se dão muito bem umas com as outras, dentro do mesmo corpo. Era manhã de domingo, dia de decisão no campeonato local de futebol. A birosca na encosta da favela já estava quase lotada. Se a polícia chegasse de repente, com certeza ganharia o dia, porque já era quase impossível aos de dentro vigiar os que viessem de fora, e alguns ali eram desejados pelos homens da lei. O tumulto pacífico da birosca era como o Hermes. Com o passar dos anos alguns não arredam pé. Outros, desconhecidos, chegam, depois voltam e vão ficando. E outros tantos somem, por algum tempo ou definitivamente. Mas a birosca ainda era a birosca do Portuga e as alterações individuais não modificavam muito a mistura. Fora a fauna birosqueira, tudo mais parecia continuar nos mesmos lugares: as garrafas de bebidas mais caras, os salames e enlatados cobertos de poeira. No nicho de táboa a lâmpada devia estar iluminando o São Jorge que, a despeito da ausência da sua lança, não fora ainda comido pelo dragão, apesar de tantos anos de luta. O próprio Portuga sempre se dizia desconfiado de que aquele dragão enchia a cara durante a madrugada, depois que fechava as portas, e que só por isso não conseguira ainda comer o santinho.
 
O Hermes agora tinha uma identidade virtual, a julgar pelo palavreado que estava usando e que provocava a indignação dissimulada dos bebuns mais próximos: Sabe, Cuia, o Portuga devia deletar aquele mictório compactado... Como é que é? — Espantou-se o amigo. É verdade, mermão... Aquilo é um banco de vírus! O Portuga é meio lento mesmo. Ele quer que esses caras acertem uma latinha daquelas. Já viu bêbado bom de mira?... Não. Nunca vi não... Então, Cuia, pra começar você tem que se espremer pra passar na portinhola. Só nisso já vai um risco. Depois tem que segurar a bebida, o cigarro, a portinhola... A portinhola?... Claro, mermão, vai que alguém deixa pra última hora e entra lotado. É uma senhora portada!... Riram-se os dois e o Cuia completou: É o que chamo de um arranca-rabo! E o cara que não queria encostar em nada... Vai chegar em casa todo molhado – Hermes interrompeu - E a dona encrenca vai inserir o cara na casinha do quintal, vai passar a noite junto com o Totó!... Ô Hermes, por falar nisso, cadê a Laurinha?... Laurinha? Ô Cuia, que estória é essa de “por falar nisso”? Eu nunca dormi com o Totó não. Você precisa ler as atualizações do meu perfil... Ler as atualizações... – Repetiu o outro perplexo. E faz isso rapidinho, porque eu to saindo, Cuia... Você ta saindo. Já vai embora?... Que vou embora, cara? Quis dizer que to desistindo das mulheres dos outros... — E aproximou-se do ouvido do amigo — Estou apostando todas as fichas na Mentirinha... Que Mentirinha, Hermes?... Ô rapaz, aquela gata gorducha, que trabalha na “lan house”, vai dizer que nunca viu?... Sei, da loja de internet ali no fim da ladeira. Mas não era a Laurinha a razão da sua vida?... Laurinha nada. Se arrumou com o dono da firma, agora desfila de gerente... Ô meu irmão... — O Cuia mostrou-se penalizado — Que azar... Azar? Você não sabe da missa a metade. Depois dela já tive a Mariazinha, a Teresinha e a Socorrinho... É mesmo Hermes?... Tô te falando, Cuia, mulher dos outros agora pra mim é homem!... Nenhuma delas deu certo, né?... Não podia dar: A Mariazinha só queria saber de ganhar coisas caras... Ih, mermão, isso ia te deixar na miséria... Deixou mesmo. A Teresinha no início era uma santinha, o marido tinha sido atropelado, vivia numa cama, e ela passava o dia fazendo sexo pelo computador... Mas isso não resolve, Hermes... Não, a gente saía toda semana... Então, qual foi o problema?... Ela acabou viciada, Cuia. Perdeu a fibra... Como assim, não era a sua mulher?... Não!! Era mulher do computador!!... Ô Portuga, dá mais um aqui pro Hermes!

Cuia precisou pedir mais bebida para dissimular. Tinha muita gente em volta olhando, curiosa por saber quem era aquela tal mulher do computador. Sem se dar conta e parecendo soterrado de tanta culpa, Hermes foi se explicando: Mas a Laura, ô Cuia, ela não foi a única culpada, sabe? Porque quando comecei a desconfiar dei de ficar deprimido. Depois, você sabe. Eu já não dava mais cem por cento, depois nem oitenta, e foi diminuindo, diminuindo a transmissão dos dados. Entende?... Dos dados? Ah, sim, acho que entendo. Mas e a outra?... Quem, Cuia? Já te falei, depois foi a Mariazinha. Me deixou numa miséria de dar gosto. Ô acesso caro aquele, sô... Aí eu não podia mais fazer outras coisas das quais gostava e sentia falta, não tinha grana pra nada. Estourei o cartão de crédito. Ninguém olhava mais pra minha cara, mermão... Tentando entender melhor, o Cuia arriscou meio sem jeito: Ah, a transmissão voltou a cair, né?... Chegou a menos de um quilobite por segundo! Ô desespero o meu... Por que você não fez uns programas, pra variar?... Programa, não fiz nenhum, Cuia. Mas baixei tudo que pude baixar. Todo dia era dia de “down”. E nada de “up”... Nem um cachorrinho? — O Cuia perguntou brincando, para tentar levantar o astral do amigo... Nem um, era só cavalo-de-tróia!... Essa eu não conheço ainda, mermão... Nem queira, Cuia. Depois você tem que fazer uma faixina geral. É muito chato mesmo. E se perdesse o HD nunca mais vinha aqui beber com você. Em falar nisso, ô Portuga! Cadê o meu uisquinho?... Já vos dei, ó pá!... Tão dá outro!
Da posição em que estava, Cuia percebia o interesse crescente dos bebuns em volta na estória do Hermes, mas achou melhor não interromper. O amigo devia estar precisando desabafar. Depois, eles não poderiam mesmo entender aquele dialeto de informática. E o Vela continuava falando: Agora a Teresinha, Cuia, nas primeiras vezes aquilo chegava sem jeito, olhando pro chão... Mas dali a pouco a santinha virava o demônio com rabo e tudo. Caraca, mermão! – O Cuia completou – Você só no piloto-automático... É isso, Cuia, o navegador era dela. Ela que escolhia a página. E num tinha anúncio não!...
 
Ao ouvir tais palavras, um dos bebuns já bastante calibrado, amigo dos tempos das pipas, chegou-se ao ouvido do Cuia e perguntou: Ele tava vendo televisão?... O Cuia dissimulou: Ainda não sei, mermãozinho. Fica na tua aí, na moral. Deixa o cara acabar de falar, valeu?... O bebum voltou meio inconformado pro canto dele e o Hermes falando: Mas foi assim só nas primeiras vezes. Pôxa, Cuia, eu já tava apaixonado por ela quando, numa tarde, começou a balbuciar umas arrôbas diferentes... Que arrobas, Hermes?... Endereços, Cuia... Ah, dos outros amantes dela?... Que outros amantes? Amante era eu, o resto era virtual! — Hermes indignou-se, deu um murro na táboa do balcão e pediu mais uísque. Do seu canto, sentindo-se desprezado pelo Vela, o bebum disse com a voz lenta: Taí, que machão que ele é... E recebeu um olhar enviezado do Cuia.
 
O Vela nem se dava conta do que acontecia à sua volta, ia desfiando o seu rosário enquanto a audiência dos bebuns aumentava: Eu não queria bloquear nem excluir a Teresinha, mas a cada nova tentativa ficava pior. Aí conheci a Socorrinho, que também era Maria, Maria do Socorro... E qual era o problema dela, mermão?... Não era ela não, Cuia. O problema era o marido dela... Ué, por que?... Porque o cara tinha mais de dois metros de altura, era muito forte e ruim que só o cão... E ele sabia que era chifrudo?... Sabia, mas era apaixonado pela Socorrinho e já tinha mandado dois pra lixeira, cara!... Ih, canoa furada, Hermes... Então uma tarde ela me chamou na casa dela... E você foi, maluco?!... Fui, ela me disse que estava precisando de um desencanador... Ocê é doido... É foi doidice mesmo. Quando eu pensei que ia carregar o arquivo, a um megabyte por segundo... O cara te deu o flagrante... Não, tocaram a campanhinha... Ô mermão, ninguém toca a campanhia pra entrar na própria casa... Pois é, mas já derrubou a velocidade, né? Era o filho da vizinha. Ela despachou o moleque e a gente voltou pro matadouro...

O bebum desprezado era um bebum respeitado. Toda hora fazia uma careta, ou um gesto, e os demais bebuns, formando já uma meia-lua às costas do Hermes, trocavam impressões. Percebendo tudo, o Cuia tentou levantar a moral do amigo: Aí você fez o couro comer... O bebum balançou o dedo indicador e fez beiço, querendo dizer que não acreditava. O Hermes respondeu: Mais ou menos, Cuia... Os bebuns metidos a jurados dissimularam uma risada, quando o bebum desprezado saiu da birosca fazendo uma porção de gestos. Mas não demorou muito, alguns minutos depois lá estava ele novamente, pedindo licença para passar e voltar ao seu canto. Que mais ou menos é esse? – Perguntou o Cuia... Eu disse mais ou menos porque quando o programa estava quase carregado, ela me sussurrou que ouvira um barulho na cozinha. Quase que não deu tempo. De repente o cara entrou no banheiro, já tirando a roupa, e quando me viu perguntou o que eu estava fazendo ali... E você, mermão, por que não pulou a janela?... Que janela, Cuia? Primeiro porque não tinha uma por onde eu pudesse passar. Segundo porque o banheiro era tão pequeno e o cara tão grande, que eu tinha a impressão de que éramos duas sardinhas numa lata. Ou melhor, uma sardinha e um tubarão!... Que coisa, rapaz... Ele entrou tirando a roupa e eu tentando vestir a minha!... E aí?... Ai eu disse que já sabia qual era o problema... Como assim, Hermes?... É, mermão, foi o que ele também perguntou. Vou explicar: Quando corri pro banheiro, logo vesti a cueca. Aí ouvi o cara falando que havia chegado o caça-vírus. Então, em vez de por a roupa, eu desenrosquei o sifão da pia e abri a torneira. Só não deu tempo de abotoar as calças... E o cara caiu nessa? Mas que otário!... Bem isso eu não sei. Porque eu disse a ele que no dia seguinte voltava pra tirar o entupimento. Ele me pediu que saísse do banheiro porque queria olhar o serviço. Enquanto ele olhava eu fui saindo. Quando pus o pé na rua, mermão, desembestei que nem a mula-sem-cabeça! E ainda passei uma semana correndo. Vendo o cara atrás de tudo que era poste.
 
A turma de bebuns já não dissimulava mais as risadas e os julgamentos. E já não era composta apenas de bebuns, nem somente de homens. Haviam chegado mais torcedores e algumas prostitutas mas, devido a bebida já em conta alta e ao peso das lembranças, o Vela não se importava. Expunha-se ao ridículo, despertando a piedade de alguns. Cuia não sabia mais o que fazer. Pensava em como levar o amigo para casa, enquanto ele ainda pudesse andar com as próprias pernas. Mas de repente o Hermes se empolgava e recomeçava a falar, sem tramelas na lingua já melosa. Estava claro que ele não se submeteria a nenhum conselho: E tudo por causa daquela piranha, Cuia! A gente era feliz. Eu percebi muito antes e falei com ela. Disse que o Afrânio ia querer lotar o disco, secretária novinha, com tudo no lugar, se sentindo importante... É, o cara foi esperto... Ela é que foi uma vagabunda! Eu avisei antes, ela aceitou porque se entusiasmou com as gentilezas do Dr. Afrânio — Disse o Hermes com desdém... Mas calma, mermão, isso agora já é passado. Esquece essa estória e vai em frente. Você não quer pegar agora a Mentirinha? Então pega e esculacha, mermão. Vai te fazer esquecer as outras. Inclusive a Laurinha... Ah, a Laura não, Cuia. Eu não consigo esquecer o que ela me fez. Nunca, jamais vou perdoar aquela mulher. Se encontrar com ela na rua eu arrebento aquela piranha de porrada.
 
Sem sair do seu canto, o bebum desprezado balançava o dedo e fazia beiço. Os demais, já em franco debate, se dividiam. As prostitutas, em grupo, se defendiam. Alguns torcedores defendiam as prostitutas, para que tivessem o que fazer depois do jogo, afundar a mágoa em caso de derrota. O Portuga não tomava partido, bastava-lhe vender bebidas para todos. No fundo todos se divertiam, aproveitavam o fim-de-semana. Até o dragão se divertia com aquele São Jorge sem lança! Menos o Vela. Estava realmente consternado, não parava de imaginar formas alternativas de trucidar a Laura. E usava as opiniões dos bebuns para reorientar as suas tramas, curtindo a dramatização da sua desgraça, como se isso lhe causasse prazer. Numa dessas, ao dirigir-se ao grupo de prostitutas para ver sua reação, percebeu que uma delas saia de trás do grupo e atravessava em sua direção. Ele não queria falar com ela, era apenas uma puta, como dizia ser também a Laura. Tudo farinha do mesmo saco! Era assim que dizia a si mesmo. Quando o Hermes escutou aquela voz de mulher lhe dizendo um curtíssimo “Oi” pelas costas, imaginou que o mundo havia parado de repente. Um silêncio palpável preencheu o ambiente. O Vela tentava decidir o que fazer, sob o peso de muitos olhares. Quando se voltou para trás, viu que havia uma mulher muito bonita no centro de um pequeno espaço, obviamente aberto para ela. Apesar do congelamento generalizado, apenas o bebum desprezado balançava a cabeça, mas agora positivamente. O Hermes não conseguia articular uma só palavra. Dentro do seu íntimo encharcado de uísque da marca “qualquer um”, tudo era escuridão, uma multidão de vultos ia e vinha, sem que ele pudesse organizar o pensamento. Não teve coragem de dizê-lo, mas não podia pensar noutra, só podia ser a Laura. Queria olhar dentro dos seus olhos, pois conhecia-lhe o olhar, mas a bebida já não o permitia. E quando a mulher lhe estendeu docemente a mão, com um sorriso calmo e soberano no rosto, o Vela não conseguiu fazer resistência.. Atravessando um silêncio galhudo e o farfalhar dos julgamentos de cada um dos presentes, sumiram os dois entre os torcedores que, na rua, preparavam-se empolgados para tomar o caminho do estádio. Como se houvessem ali dois mundos paralelos, o casal e os torcedores não se confundiam, mal se notavam. Era de se pensar que não estivessem no mesmo tempo e no mesmo lugar. Uma mão imensa e irresistível parecia abrir aquele mar de gente, enquanto o Vela, como um bicho dócil levado pela coleira, sentia-se seguro a ponto de não se perguntar se ela viera a mando de São Jorge ou do Dragão.
 
Na birosca, foi o bebum desprezado que quebrou a perplexidade. Deu um tapa na lateral do balcão, fazendo um estrondo que deixou o Portuga furioso: Ô Portuga! Dá outro marimbondo aqui pro meu amigo Cuia, que ele está pagando o meu também... E virando-se para o mulato, que se mantinha pensativo, sussurrou: Como nos bons tempos, heim Cuia?.. Uma a uma as pessoas foram se reacomodando pela birosca. O bebum sentou-se no banco, que o Hermes deixara morninho, e filosofou com ar de sábio: Ah, o amor. Coisa mais linda é o amor... Encafifado, o Cuia não respondeu, mas quis saber: Olha, você até pode me achar com cara de panaca, mas eu não tenho idéia de quem era aquela mulher. Não a vejo há anos, mas acho que não era ela não... O bebum virou a sua cachaça toda de uma vez e depois ficou olhando para o chão, reflexivo, com um sorriso torpe nos lábios. Depois de um tempo, finalmente falou claramente: Não era ela mesmo, Cuia... Mas então, quem era ela?... Depois de fazer uma careta, como se rebuscasse o passado, explicou: Você não se lembra da Lalá, a menina que vendia bala na estação do trem... Não, não me lembro mesmo...

Eu ainda era um homem respeitado naquele tempo. Pois bem, eu sempre comprava umas balas pagando uns centavos a mais, mas a Lalá não pisou no meu laço. Anos depois meteu-se com aquele bandido, famoso por cortar as orelhas dos seus desafetos... O Pinga-Fogo... Isso, ele mesmo. Ele sustentava a ela e a outras molecas. A Lalá engravidou para se sentir mais segura, mas o cara apareceu cheio de buracos e pouco depois ela perdeu o bebê. Então andou na mão outros bandidos, vendida como mercadoria ou emprestada, para os mais valentes. E desapareceu de repente. Passou uns anos fazendo programas com gente endinheirada, gerentes de banco, diretores de empresa... Então, foi nesse tempo que ela conheceu o Vela... Não, Cuia. O tal do Afrânio começou a se sentir incomodado e, para mudar o cardápio, demitiu a Lalá. No desespero ela conheceu o Pinga-Fogo que, no início, deu guarita pra ela... Mas não deu pra reconhecer, mermão. Ta muito diferente... Por isso eu lhe disse que não era ela. Você acha que depois de passar por tudo o que ela passou, alguém pode continuar sendo a mesma pessoa de antes?... É, você tem razão... Tem três meses que ela reapareceu, ta morando num privé dividido com outra, no bairro aí de trás... Mas por que ela tomou aquela iniciativa? O Vela podia meter a mão na cara dela... Porque, como lhe disse amigo, coisa mais linda é o amor...
 
O Cuia custava a acreditar. Não vai me dizer que ela está apaixonada pelo Hermes?... Que apaixonada coisa nenhuma, Cuia... E como ela veio parar aqui na birosca?... Eu chamei, ora. Ela é puta, não é adivinha. Mas eu conheço ela muito bem. Você sabe que conheço as putas daqui. Não posso mais pagar pelos serviços delas, mas conheço bem várias delas e sou amigo delas... Que coisa de doido, quem vai pagar? Quando o Vela entender tudo não vai tirar um tostão do bolso... Nada de doido não, Cuia. Ela não veio receber dinheiro não... Como não?... O bebum parou, se ajeitou no banco e continuou: Cuia, meu velho Cuia, eu já vivi um pouco mais que você. E lhe digo com toda a convicção: As mulheres que vivem de programa não são todas iguais. Mas são seres humanos todas elas, têm sentimento. Eu não pedi, apenas perguntei se ela queria fazer isso. Ela confiou em mim e topou fazer... Mas o Hermes não ama essa mulher... Já deve estar amando, Cuia... Mas não é a Laurinha que ele ama... Que diferença faz, Cuia? Ele precisava amar, se regenerar, tirar o paredão de dentro dele. Você acha que o amor dele, que ele não podia exercer e não servia pra nada, é mais amor que o da Lalá, dado de graça, pela necessidade dele e por amizade a mim? E ademais ela não tem mais nada a perder, só tem a dar. Qual o pecado nesse caso?... Mas por causa dela o Vela podia ter perdido a vida, lá no banheiro do caça-vírus. E noutras vezes, porque ficar pegando as mulheres dos outros, se não for pecado com certeza é muito perigoso...
 
E será que o Vela vai segurar a peteca? Do jeito que saiu daqui, não sei não... Ora, Cuia, ela é uma mulher sofrida, experiente, com certeza vai dar o jeito dela... Mas ele não vai se casar com ela, né?... Casar? Acho que ela não ta pensando nisso, não. Não é esse o trato. Se você sair com uma puta e falar em casamento, nunca mais ela sai contigo, pra não apanhar do cafetão... Mas vai que a Laura pensa... Acho mais fácil que o doido do Vela queira isso... O Cuia pediu a conta ao Portuga, pagou a cachaça e pendurou a conta do uísque, reclamando do preço. Ó crioulo! Então meu estabelecimento virou agora a casa da sogra? Vais dependurar a conta do outro? — O Portuga fez-se de indignado... Ó Português, não virou agora não. E já saindo o mulato completou, para desespero do birosqueiro: Não virou porque sempre foi. Ou você pensa que eu esqueci de quando abriu aqui esse seu barraco? Eu fui dos primeiros a honrar sua birosca com a minha presença, seu ingrato. Nem água pra lavar os copos você ainda não tinha... Ora pois espere aí mesmo, que eu já mostro a sua honra... Para delírio da freguesia o Portuga sacudiu no ar uma garrafa vazia, porém o Cuia já se encontrava na calçada, a uma distância segura, fazendo gestos obcenos para irritar ainda mais o amigo birosqueiro. Vinde cá, ó crioulo! Vou mandar o meu São Jorge correr uma gira atrás de você!... Qual São Jorge? Esse aí cheio de poeira? Deixa de ser mão-de-porco, ó português, e dá uma lança nova pra ele. Ó que o dragão acaba comendo ele, heim...

Depois, já descendo a ladeira, com ar de satisfeito o Cuia disse ao seu amigo bebum: Bom, tomara que pelo menos você esteja certo e ela saiba acender velas. Senão, quando ele voltar aqui, vai dizer que de repente bateu um vento... Que nada, Cuia, você manja muito é de despacho, mas num entende nada de computadores. Ele vai dizer que justo quando o programa estava carregado, caiu a conexão!

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