Pedras

Foto de Carmen Vervloet

Violetas Silvestres

Violetas Silvestres

Debruço-me sobre meu coração
Que canta de alegria...
Indago de tanta euforia a razão
E entre questionamentos e analogias
Encontro entre as pequenas violetas
A resposta desta feliz reação...
O segredo desvenda-se...
Junto ao nascer do sol no infinito...
Ecoa dentro de mim como um grito
Banhando minha alma
Com lágrimas cristalinas
Que evoluem como bailarinas...
Prendo a respiração...
Liberto a tensão...
E anuncio o porquê
De tanto benquerer...
É o prazer do dar...
Do realizar...
O sonho de uma criança carente...
Oferecendo-lhe a dádiva...
O presente...
Sem alarde... No anonimato...
Às delicadas violetas do asfalto
Em nome de papai Noel.
O bom velhinho
Lá do céu
Que atende aos seus pedidos
Escritos a lápis...
Num pedaço qualquer de papel...
Onde desenharam seus sonhos
Em versos de esperança...
E ansiosas aguardaram...
Nas asas da sua louca fantasia
Que concretiza com poesia a magia...

E a confiança desta criança
Trouxe-me a paz... A bonança...
E a lembrança
Da minha longínqua criança...
Que me devolveu o brilho...
A luz... O sentido da vida...
Encontrado entre as silvestres violetas
Que teimam em florescer
Nesta selva de pedras!
Esmagadas pela indiferença de tantos!...

(Projeto Papai Noel)
Carmen Vervloet

Foto de Paulo Marcelo Braga

"OPERAÇÃO PAZ NOS RIOS"

“OPERAÇÃO PAZ NOS RIOS”

“Quem oculta o crime tem culpa,
quem ocupa o trono também...”.
(Engenheiros do Hawai).

De 09 a 28 do mês de novembro de 2007, uma ação integrada do Governo do Estado, fez a “operação paz nos rios”, sob o comando ponderado do coronel PM Barbosa. A população sentiu os brios da briosa equipe de funcionários públicos de várias secretarias, levando segurança, cidadania e saúde às periferias ribeirinhas, durante vinte dias inteiros, à bordo do navio Grão Pará, do Corpo de Bombeiros.
Nas localidades beneficiadas pela referida “operação”, alguns alcaides, influenciados pela atrevida oposição, perderam as oportunidades de uma integração com o poder estadual. Pode ser que o relatório do coronel, comandante da missão fluvial, sirva para desfazer o escarcéu reinante em alguns municípios visitados e atendidos no cumprimento da “operação” determinada pela governadora Ana Julia Carepa. Como integrante efetivo da SESPA, com passagens traumáticas pelo interior deste Estado, não estranhei as defasagens enfáticas, promovidas por um e outro gestor empossado, cujo prazer maior é deixar um trabalhador caloteado e o povo sofredor desamparado.
Durante a viagem, o trabalho foi estressante, sem atalho, mas teve um atenuante: felizmente, a Guarnição de Saúde dos Bombeiros tem (isso eu pude comprovar) a potente vocação, além da boa virtude de verdadeiros profissionais solidários. Eles são guerreiros sociais comunitários, cuja parceria com a SESPA foi importante para me manter atuante, sem esmorecer ao cansaço e atender com desembaraço. Deixo minha gratidão registrada àquela guarnição bem treinada que esfacela qualquer articulação complicada com uma atuação bem organizada.
O expressivo aprendizado adquirido na viagem teve o incentivo inspirado inserido na bagagem. A embarcação saiu fora do horário pré-determinado. Então, quem chegou na hora fez um comentário exaltado, sem perder o requinte. O trajeto navegado foi o seguinte: Gurupá, Melgaço, Breves, Bagre, Curralinho, São Sebastião da Boa Vista e Ponta de Pedras. Em Gurupá, após dois dias trabalhados, a embarcação seguiu viagem. Quem lá compôs poesias guardou a composição na bagagem. Melgaço é uma cidade com discrepâncias marcantes e um traço de atividade com importâncias atuantes. Em Breves, há desrespeito pela saúde da população. Sem greves, não haverá feito que mude tal situação. Bagre é uma cidade pequena, hospitaleira e organizada, que não tem gestão plena, mas a saúde é bem tratada. Curralinho, pobre município, onde muito poderia ser realizado, se o caminho do benefício fosse o intuito do poder empossado. Em São Sebastião da Boa Vista, os desafetos da ditadura oficial não estão parados à toa na pista, são corretos e têm postura social. Em Ponta de Pedras, os exames são aprazados para o mês seguinte. Há tantas refregas e vexames: muitos são prejudicados pelo acinte.
Breves é exemplo de município com gestão plena e recursos adequados, porém não utilizados em prol da população. Lá, graças aos abusos confirmados a doença social não tem cura e merece uma prensa judicial dura. Vários pacientes denunciaram, durante o atendimento médico, que devido o fingimento antiético de quem deveria fornecer passagens fluviais, guias de TFD (Tratamento Fora do Domicílio) e casa de apoio para as consultas especializadas em Belém, ao invés de se ater às molecagens, sem respeito por ninguém. No Hospital Municipal de Breves, consultas são desmarcadas sem justificativas. Pacientes passam madrugadas na expectativa do atendimento e, no dia seguinte, são informados, com atrevimento e acinte, de que as esperas não serão compensadas, nem com aprazamento, quando as consultas são desmarcadas. O sofrimento clama por lutas organizadas, respaldo jurídico e alento ao estorvo considerado crítico.
Resta esperar que as discrepâncias sejam solucionadas pelas instâncias legalizadas. O intento do Governo do Estado em dar alento ao povo desamparado do interior deve ser mantido, aprimorado, e serve para ser instituído, caso seja bem programado, sem que o pagamento dos funcionários saia atrasado. Passei vinte dias trabalhando, enfim, no navio Grão Pará e o meu pagamento ainda não saiu. Assim não dá... Nem a propósito, as diárias e os plantões, devidos e não quitados, são sectárias embromações dos partidos burocratizados, que deixam trabalhadores populares aborrecidos e desestimulados. Apesar dos pesares, é tão bom voltar pra casa, após cumprir o dever em paz e conseguir cortar a “asa” de um algoz “poder” fugaz.

Paulo Marcelo Braga
Belém, 02/12/2007

"OPERAÇÃO PAZ NOS RIOS":
AS IMAGENS DAS VIAGENS


Foto de Coyotte Ribeiro

Culpado, o Inocente

maldito seja o dia que foi conhecido!!!
ele é digno de morte.
não serve à nada
não merece clemência

este mundo não lhe tem
o universo não lhe cabe
rejeitado entre as nações
intruso entre os povos

seu nascimento não foi glorioso
o ventre que o concebeu a luz
não abençoou seu respirar
deixou-o para traz

por amar foi julgado
condenado sem culpa
seu crime escrito em lágrimas
está entre os perversos

essa é a hora de sua senteça
morrerá sem perdão
sem honra ao coração
será seu galardão

seu refúgio não vem das montanhas
o abismo o aguarda
sem manchas será lançado
sua raiva guiará seu rosto

cada lágrima derramada
será lembrada em mágoas
raiva guiará seu ódio
e não terá primórdio

sem manchas
o imaculado
sem pecado
incriminado

coração impuro
alma destilada
espírito sem vida

pedras sejam lançadas
espada lhe fira a alma
flecha aponte seu coração
seja sua morte sem perdão

Noturno...el Coyotte

Foto de Daemon Moanir

O Mundo não é perfeito

O mundo não é o que desejamos.
O mundo não é sonhos nem esperanças.
O mundo somos nós,
Promessas de melhoras e vaidades passageiras.
Somos pedras em penhascos destinadas a cair.

Quantos de nós choram por um mundo melhor?
Quantos de nós fazem algo para a realidade não doer?
Sejamos sinceros...
Quantos de nós se ralam com a dor alheia?
Quantos de nós trocam a cidade pela aldeia?
Quantos de nós amam e deixam amar?
Quantos de nós reflectem e juram não pecar?

Oh! Deus meu, tanta é a chuva!
Que se abate sobre nossas enfezadas almas.

Ao deixar-se corromper pela apatia e mal
Poucos são os fortes e fartos de coração,
Para Eles um pedido de salvação!
Lutem pelo mundo!
Mesmo não sendo ele um lugar
De paz e amor profundo.

Foto de YUSTAV

CRIME DE SONHAR

Vídeo-Poético:"Crime de Sonhar" by Gustavo Adonias;

CRIME DE SONHAR

"Alma
Sentinela eterna
Dos caminhos sem luar
Sempre vagando
Sem descanso
Protegendo um forte abandonado
Castelo de pedras da ilusão
Permeando o corpo
Prisão de carne
Resgatar a alma
Recuperar a chama
Abrir a cela
Libertar o espírito
Mantido trancado
Totalmente isolado
Como perigoso criminoso
Pelo crime insano de sonhar..."

(Gustavo Adonias)

Foto de Carmen Lúcia

Senhora (Tributo à Cora Coralina)

As marcas no rosto não denotavam desgosto,
Nem vinham do cansaço,
Mas de caminhos percorridos e vividos
Sem nunca haver desistido.
As mãos calejadas, rudes, deformadas
Lembravam cânticos da terra...
Mãos que cavoucaram, plantaram, roçaram,
Prepararam terrenos para o cultivo
Sem ambicionarem os frutos a serem colhidos,
Mas pra quem quisesse neles semear...e sonhar!
Mãos que merecem um poema-emoção,
A ser imortalizado, eternamente lembrado!
Seus cabelos brancos representavam desafios...
As lutas e desenganos, no decorrer dos anos,
Retrato de sua presença-terra,
Exemplo de coragem aos inconformados...
Em sua escalada pela vida,
Driblou dores, removeu pedras, plantou flores...
Deixou um rico legado, precioso aprendizado...
E mesmo no tarde da vida, poetizou a sua história,
Recriou seus sonhos, gravou-os em sua memória,
À sertaneja, meu tributo e toda a glória,
A ela, Cora Coralina, Aninha, Cora...
E denominada por mim, agora...
...Senhora!

Foto de Marta Peres

Leitura

Leitura

Ando com os olhos cansados
Das leituras dos jornais,
Infectam mentes esclarecidas
Ou não, deixam olhos sem esperança!

Vejo as águas do rio correndo para o mar,
Flores que crescem no jardim, matas
campinas e nas pedras das montanhas,
O céu azul e o verde das árvores e relvas
E samambaias da varanda, a renovação
Das montanhas.

De nada vale leituras sarcásticas!
Perco tempo deixando de ouvir o cantar dos
Pássaros, notícias que os pombos nos trazem,
O vôo das andorinhas, anúncio em folhas verdes
Das minhas mangueiras.

Não quero informações perniciosas,
Pervertidas e mentirosas,
Cansei-me de notícias enganosas!

Marta Peres

Foto de Edson Cumbane

Tristeza

Eu vi-te triteza! Eu mergulhei
No reflexo obscuro que tu trazes
Na alma de quem tu vitimizas.

Eu vi-te tristeza!
No verde da esmeralda.
Eu vi-te desesperada,
Na mentira da beleza.

Eu refractei o amarelo brilhante
Do ouro que vitimizou milhares
De homens por causa do seu brilho,
Na tristeza que virou resíduo da ganância.

Eu vi-te nas pedras preciosas.
Na alma ociosa que veemente busca
O brilho das preciosidades sem maneiras.
Eu vi-te no homem que a verdade, ofusca.

Afinal, eu vi-te triste porque o homem
Autodestroi-se por causa de minas
De petróleo, minas de pedras preciosas
Que transforma o homem em lobisomem.

Foto de Dirceu Marcelino

O PRIMEIRO BEIJO DE UMA ROSA

Lembro-me que não era um jardim!
Um simples cercado, um canteiro.
Rodeado de pedras brancas, enfim.
Nele plantado belo jasmineiro.

Lembro-me de um botão de jasmim!
Tiras-te com o galho todo, inteiro,
Cheiras-te e ofereces-te a mim!
Senti o perfume e algo altaneiro,

Cresceu e avolumou-se em mim!
Direcionava-me como ponteiro
A ti, que orienta e diz: _ “Vem é assim”!

Tu me beijas. Eu te beijo e teu cheiro
Impregna-se até hoje em mim:
É o perfume feminino brasileiro!

Foto de Lou Poulit

O CONDE GAGUINHO

CONTO: O CONDE GAGUINHO
AUTOR: LOU POULIT

Quando chegou a sua vez de jogar, o Bacalhau bateu a pedra marfim na mesa de cimento armado, das que haviam na calçada da praça, e disse espargindo saliva e cerveja para todos os lados: A minha mulher é a melhor. Sabe porque eu sempre ganho? Porque ela é falófaga ...— E desatou sua gargalhada mais destrambelhada. A estranha palavra feriu os ouvidos de todos que a escutaram, despertando curiosidade e calando o burburinho dos que jogavam em outras mesas. Todos queriam saber o que poderia significar aquela palavra, mas como todos já conheciam o jeito do Bacalhau, limitaram-se a rir, vindo alguns em seguida fazer uma roda em torno da sua mesa. Ainda restavam pedras nas mãos dos demais jogadores de dominó, mas eles sabiam que a partida estava selada. O velho Baca tinha a última quina e fecharia aquela partida na próxima rodada, sem que os adversários o pudessem fazer algo para impedir.

À sua direita, o Herculano Fraga apoiou o cotovelo mais à frente sobre a mesa, erguendo um pouco o traseiro suado da cerâmica que espelhava o assento dos bancos da praça, e coçou largamente a sua genitália, num típico gesto de auto-afirmação machista. Como não conseguiu atrair a atenção dos demais, que ainda olhavam para o Bacalhau como se houvessem sido ludibriados no jogo, em seguida o Herculano ajeitou os fios grossos do bigode sobre os lábios e levantou o braço para o garçom, enquanto asseverava em tom de brincadeira para o Bacalhau: Se a dona Marilda sabe disso você ta morto, Baca... A dona Marilda era a mulher do Bacalhau. Era uma mulata peituda, nova ainda mas surrada da vida difícil de criar oito filhos. Era uma mulher forte e tinha fama de valente e de mão pesada, que não havia por ali quem não o soubesse. Do outro lado da rua, um negrinho acenou da calçada do bar, confirmando que já levaria para eles mais duas cervejas. Depois, o Herculano falou com impaciência, mostrando que também nas suas veias o sangue já derrapava nas curvas: Acabou senhores, não adianta chorar o leite derramado. A quina com o terno está com o Baca... É, tem jeito não, mas na próxima vou estar de olho em você, Bacalhau — O “seu” Charuto acrescentou, do alto dos seus mais de oitenta anos... Ô, Cha-charuto, vê se, se não começa aí, o meu parceiro ta be-bêbo, já nem tem, já nem tem condição de roubar no, no jooo-jôgo.

O parceiro do Bacalhau era o Conde Gaguinho, que só bebia uns goles e no copo dos outros, para que sua mulher não visse ou fossem lhe contar. Mas noutros tempos bebera muito e de tudo que contivesse álcool, “menos perfume, não gosto não” dizia sempre. Até que depois de uma bebedeira despretensiosa foi parar no hospital, de onde saiu 45 dias e noites depois, muito pálido, todo de branquinho, parecia um defunto, apoiado no braço companheiro da sua esposa e enfermeira, Josefina. Ficara manco, meio lento e gago, porém ainda estava vivo! Razão da sua contumaz alegria. Era mesmo descendente de um conde argentino, que recebera o título pelo casamento com uma alemã, mas o Gaguinho fazia o tipo canalha-engraçado sem a menor cerimônia, e quando queria fazer com que todos rissem se passava por enfezado, falando palavrões gaguejados. A despeito da piedade carinhosa que despertava, era o mais ladino de todos.

As pedras foram embaralhadas e redistribuídas para uma nova partida. Olhando as pedras que escolheu e fazendo cara de desgosto, o negro velho e malandro, que parecia mesmo um charuto, coçou a calva dos cabelos crespos e brancos e tornou a implicar com o Bacalhau: Mas peralá, voltando à vaca-fria, ô Bacalhau, a gente estava falando de mulher boa, né? — O outro confirmou com a cabeça — Então você disse que a sua era a melhor, mas não explicou o porque... Mas eu disse, “seu” Charuto... Não, você usou de propósito uma palavra que, pelo jeito, ninguém entendeu, ou fez que entendeu... — O Herculano sorriu e o Gaguinho também queria entender, o Charuto insistiu — Vamos logo, Baca, explica isso aí que ela é, que agora todo mundo quer saber...

O Bacalhau se fez de rogado e, aproveitando a passagem por perto do garçon pediu mais cerveja. O Gaguinho arriscou: Ele qui-quis dizer que ela é fa, fa-fa-ladeira... Nem pode, Gaguinho — Replicou o Herculano com um risinho sarcástico — Nem tem como... As jogadas se sucediam e, alheio ao falatório, o velho Charuto não tirava os olhos do Bacalhau, cismou que o pegaria de gato ainda naquela tarde. O Gaguinho arriscou outra: Então só, só pode ser pó-porque na hora a, ‘aaaa-ga’ ela fa-falha – Disse escondendo o olhar por detrás das pedras que tinha nas mãos... Dessa vez todos os demais acharam que não podia ser e caíram juntos numa grande gargalhada. O velho negro fechou o jogo, mas foi o Gaguinho quem anotou numa papeleta o traço correspondente àquela partida (ou pelo menos fez que estava anotando), porque todos riam muito ainda. Enxugando as próprias lágrimas com o dorso da mão, o Herculano explica: Não, senhor conde, nesse caso ela seria ‘fa-falhófaga’ – Mais risadas... E voltaram a uma nova partida. No momento mais decisivo desta partida, na sua vez de jogar o Bacalhau pôs seu dominó na mesa com algum barulho, fazendo um gesto discreto, mas que não escapou ao olhar e aos ouvidos atentos do Charuto. Ó, ‘seu’ Baca, pode parar... Que foi Charuto?... Eu vi, tu ta fazendo sinal com a pedra pro Gaguinho, ta pedindo o carroção do terno pra tu ficar batido... Eeeeuuu? Ocê ta bebo, eu nem to vendo terno aqui... Ah, não né. Então eu vou esperar até esse terno aparecer, porque se o terno com a ás não ta na mesa tem que estar na mão de alguém, e se estiver na tua eu vou te botar no lixo – Prometeu o negro, convicto de que dessa vez pegaria o Bacalhau de jeito. Compreendendo o verdadeiro sentido da expressão usada pelo Charuto, o Herculano completou com sarcasmo: Baca, meu camarada, vai abrindo o teu olho, porque o Charutão aqui escolheu você pra botar no lixo, e eu acho que você não está em condições de sair correndo não...

Novamente foi a vez do Bacalhau, mas ele não se mexeu. Os segundos passam e ele não se decide, olha para o jogo e para as pedras na sua mão diversas vezes, porém nada de colocar uma pedra na mesa. O charuto se esforçou para parecer irritado, coisa impossível de se imaginar para quem o conhecesse, e exigiu que o outro deixasse os demais jogarem. O Bacalhau ouviu impassivelmente. Sabendo que a dupla que perdessem mais uma partida perderiam também o jogo e teriam que sair da mesa, Herculano pôs lenha na falsa fogueira do seu parceiro, aproveitando-se do seu potente timbre de voz: Ta fugindo da charutada, né. Mas não vai adiantar, ou você joga ou levanta da mesa e deixa os outros jogarem... Pressionado, o Bacalhau acabou por ceder, mas não sem antes fazer também a sua cena, olhando desafiadoramente com os seus olhos baços e estreitos para os dois adversários, tentando fazê-los crer que tinha duas pedras válidas naquele momento. Mal o Bacalhau acabara de deixar a sua pedra na mesa, imediatamente e com um sorriso largo, cheio de dentes amarelados sob o bigode grosseiro, o Herculano Fraga fechou as duas pontas em ternos, e o Charuto deu um tapa na mesa de satisfação. Agora era a vez do Gaguinho, e ele tinha a impressão de que todos os olhares da praça e das janelas dos edifícios em volta estavam esperando impacientemente pela sua jogada. Tentou pensar em uma saída para impedir que jogassem seu parceiro aos urubus. Mas não havia. Estavam todos prestando atenção e, naquele momento, não seria possível usar uma trapaça sem que a percebessem. Expirou todo o ar do seu pulmão frágil e num gesto de desânimo jogou o tão esperado carroção de ternos sobre a mesa, sem a gentileza de encaixá-lo em uma das pontas. Na sua vez, o velho negro apontou o dedo indicador grande e cheio de nós para o Bacalhau, “Sua hora ta chegando, meu neném...”, e estendeu a mão para encaixar a sua pedra. A chegada do garçom com a cerveja não interrompeu a risada geral provocada pelo alerta do negro, mas quando o rapaz estava servindo Bacalhau fingiu se acomodar no banco, e assim fez com que o garçom derramasse cerveja no colo do Charuto. O negro deu um pulo ágil mas inútil para trás, reclamou, chamou o adversário de desastrado, porém não demorou para que voltassem ao jogo, que estava no seu clímax. Mas assim que recomeçaram chegou a vez do Bacalhau, que disse apenas “passo”. O Herculano foi o primeiro a escapar da surpresa: Como “passo”? A gente sabe que você pediu o terno, agora vem com essa de “passo”...
Mas eu não tenho terno aqui, uai. O que você quer que eu faça, Herculano?... – O Bacalhau tentou se justificar. Todos se entreolharam, procurando uma pista para entender o que estava acontecendo ali.
Determinado a pegar o Bacalhau, o negro levantou-se e fez com que ele abrisse as mãos. Todos viram que nelas faltava uma pedra. Então, afastando as pessoas da roda para procurar a pedra que faltava pelo chão da praça, para sua surpresa e dúvida o Charuto se viu diante da Marilda, e aos pés desta a tal pedra. Sem saber ainda o que estava acontecendo no jogo, a mulata respeitosamente agachou-se para pegar a pedra e entregá-la ao velho negro, que assim sentiu-se embaraçado. Até um segundo antes queria provar que o marido dela era um trapaceiro safado, mas agora já não tinha certeza de que devia fazer isso. Sentindo a tensão provocada pela chegada inesperada da Marilda, o Gaguinho quis fazer uma graça para descontrair: Ó, “se-seu” Baca, chegou a fa, fa-falófaga... A mulher não entendeu, mas sentiu-se convencida de que não devia ser coisa boa e foi logo dando a cara emburrada: Quem é o que aqui, “seu” moço?... O Bacalhau não movia nem um dedo, quietinho, com o pescoço já enterrado no tronco. E o conde, deveras assustado, quis se eximir de qualquer culpa: Sei não, dona Maaa-marilda. Quem fa-falou foi aqui o seu, ma-marido Baaa-baca!

A Marilda até costumava dar uns tapas no Bacalhau, de vez em quando. Porém achava que isso fazia parte da privacidade deles, e não julgava aceitável que sequer o tratassem de “babaca”, ou de qualquer outra forma pejorativa. A perder tempo explicando a sua intenção inocente, o Gaguinho preferiu levantar-se, e se preparar para correr o quanto pudesse. E a mulata já ia dando a volta na mesa, na sua direção. Peraí, dona Marilda. O seu marido aqui ta roubando no jogo. Essa pedra que a senhora pegou no chão bem ali, foi ele mesmo que deixou cair de propósito... – O Charuto argumentou. Conhecendo bem o próprio marido e sentido-se na condição de ser respeitosa para com a severidade do negro octogenário, a mulata estancou por um instante, até decidir o que fazer. Herculano tentou dar um jeito no aperto do amigo Bacalhau: Pode deixar, a gente já conhece esse pilantra e gosta dele assim mesmo... Mas a Marilda não quis saber de conversa, pegou o marido pelo cotovelo e foi puxando aos trancos, dizendo que queria ver se a pilantragem dele funcionava em casa. Não houve quem conseguisse ficar sério.

Fim de confusão, o Charuto pediu ao Gaguinho a papeleta de marcação dos pontos: Gaguinho, passa a papeleta e deixa a outra dupla sentar na mesa... Mas a paaa-partida não te-terminou! -- O conde protestou. Como não? – Herculano quis ver o rasgo de papel – Só faltava uma, o seu parceiro roubou, o ponto é nosso... Pooo-pode ver bem aí na, na paaa-pa-pa-peleta que ainda fa-falta uma paaa-partida!... Falta nada não, seu conde canalha! Eu estou contando desde o início. Você deixou de anotar aqui a batida do Charuto... Eee-euuuu?... Você mesmo, com esse seu jeitinho de pobre coitadinho, seu Gaguinho, sei que é o maior larápio... O Gaguinho pretendia rechaçar a acusação do Herculano, mas como todos em volta riam com certeza concordavam, e o jeito foi rir também. Para não perder a dignidade ponderou, para delírio dos demais: Ora, aaamigo, se eu não tenta-tasse, como podia saaa-saber se você presta aaa-tenção no jo-jogo?

Páginas

Subscrever Pedras

anadolu yakası escort

bursa escort görükle escort bayan

bursa escort görükle escort

güvenilir bahis siteleri canlı bahis siteleri kaçak iddaa siteleri kaçak iddaa kaçak bahis siteleri perabet

görükle escort bursa eskort bayanlar bursa eskort bursa vip escort bursa elit escort escort vip escort alanya escort bayan antalya escort bayan bodrum escort

alanya transfer
alanya transfer
bursa kanalizasyon açma