Jornal

Foto de Carmen Vervloet

Verde de Amor

Ontem, voltava da minha bucólica Santa Teresa, quando dei carona a uma conhecida que vinha para Vitória, a cidade que me adotou. Minha Ilha do Mel! Uma viagem tranquila, transitando entre matas preservadas, vigiadas pelos olhos atentos dos bravos descendentes de italianos que guardam e cuidam de suas origens e cultura e resguardam com amor e gratidão, principalmente a terra que acolheu seus antepassados, hoje considerada uma das melhores qualidades de vida do país. Mas minha conhecida não era uma teresense e muito menos uma cidadã sustentável. Logo no começo da viagem atirou pela janela do carro uma garrafa de água mineral que havíamos acabado de beber. Parei o carro imediatamente e fui lá recolher a garrafa colocando-a no lixinho do mesmo. Vi-a espantada com meu gesto e logo me perguntou:
- Qual o problema de se jogar uma garrafinha na beira da estrada?
- Tive que desfiar um rosário de inconveniências começando pela dengue e acabando com enchentes também causadas pelo lixo que não deteriora. Mas percebi, na minha sensibilidade, que ela não disse amém!
Depois deste incidente comecei a refletir o quanto o próprio cidadão, com pequenos gestos como o que acabara de ocorrer, é responsável pelas catástrofes que estão acontecendo por todo o mundo, ceifando vidas, deixando tantos desabrigados, derramando rios de lágrimas, causando tanto sofrimento. E pensei:
- Por que não começar pela internet uma conscientização do cidadão sustentável? Já que as indústrias e as empresas não deixam de poluir porque não abrem mão de seus lucros, já que os meios de comunicação nem sempre denunciam porque precisam dos anúncios dos mesmos, já que o governo pouco faz, por que então, nós cidadãos que pagamos nossos impostos e que não temos nada a perder, (a não ser nosso próprio planeta que a cada dia reage com mais violência às agressões dos homens, além de nossa saúde, nossa alegria, nossas vidas) por que não iniciarmos uma educação do cidadão sustentável?!
Chegando em casa vi um artigo no jornal A Gazeta, falando sobre o profissional sustentável. Tomei então conhecimento que na minha querida cidade de Vitória, vários profissionais estão fazendo sua parte. O gerente de uma empresa, por exemplo, que mora relativamente próximo ao seu trabalho, aproveita seu “hobby” que é andar de “skate” para chegar até lá. Junta prazer e saúde à sustentabilidade, pois deixando seu carro na garagem evita a poluição causada pelo automóvel, além de se exercitar e economizar combustível, assim evitando desperdícios. Se não vai de “skate”, vai de bicicleta, e segue os ensinamentos de sua mãe que sempre lhe dizia para não deixar a porta da geladeira aberta por muito tempo e apagar a luz ao sair de um ambiente. Fica aqui um alerta, para as mães, que desejam um futuro mais seguro e mais alegre para seus filhos. Educação começa no berço, torne seu filho um cidadão sustentável, principalmente com seu exemplo.
Talvez, alguns perguntem:
- O que é um “cidadão verde” ou um cidadão sustentável?
- O “cidadão verde” é aquele que tem comprometimento com a consciência ambiental, reduzindo o impacto do planeta, transformando-se num exemplo para os outros. Poderia listar uma série de hábitos do nosso dia a dia que precisam urgentemente ser mudados, como comer carne bovina, usar copos descartáveis e sacolas plásticas, separar o óleo utilizado em nossas cozinhas para ser reciclado, da mesma forma que o lixo, deixar mais vezes o carro na garagem, dentre outros procedimentos. Deixo aqui meu apelo para que os cidadãos pesquisem, planejem e alterem seus hábitos, pois estamos assassinando o PLANETA TERRA. Terra que nos dá o alimento, a água que bebemos, enfim, a vida! Amo esse nosso Brasil, de verdes matas, rios caudalosos, límpidas cachoeiras, flores multicoloridas, praias morenas e povo gentil. Vamos salvar “Gaia” e assim estaremos salvando o Brasil e em consequência, aos nossos descendentes. Fica aqui meu apelo de amor!

Carmen Vervloet

Foto de Ozeias

Indesejada

Vou começar por onde a minha história deveria ter terminado. Se a nossa vida realmente é escrita por algum deus, este não quis me dar o ponto final naquele momento. Ainda faltavam papéis, linhas tortas e muita tinta no tinteiro.
Sempre achei que a história de ver a vida diante de seus olhos, antes de sua tragédia, fosse coisa de filme. Mas naquele momento, enquanto aquela carreta se aproximava desgovernada e impiedosamente do meu veículo, pude me ver ainda menino de cócoras olhando para o meu cachorrinho de estimação, as pipas perdidas que caiam mansas e tortuosas pelo céu enquanto eu e meus amigos corríamos e pulávamos os muros dos quintais para pegá-las; depois vi o sorriso de Isabel, que me olhava timidamente no pátio da escola, depois o beijo, o arroz caindo sobre nós sob aplausos e gargalhadas, o seu corpo despido...
– Seu marido teve muita sorte. É a primeira vez que direi isso, mas foi justamente a imprudência que salvou a vida dele. Pouco depois da batida, o carro pegou fogo. Se ele tivesse usado o cinto de segurança, não teria sido arremessado para fora do veículo e... Bem, ele teve muita sorte. Comparado ao que poderia ter acontecido, seu marido está bem. Um braço quebrado, três dentes perdidos, alguns hematomas e arranhões.
– Quanto tempo ele ficará internado?- Ouvi Isabel perguntar. Sua voz soava preocupada, trêmula.
– Três ou quatro dias. Precisamos realizar alguns exames para nos certificarmos de que seu marido realmente não sofreu nada grave. Os pré-exames apontaram nada, mas preciso ter a mais absoluta certeza, pois algumas lesões apenas aparecem horas ou até mesmo dias depois do acidente. Esqueci de mencionar a forte pancada que seu marido sofreu na região da cabeça. Oito pontos.
Senti a mão de Isabel apertando a minha.
– E como está o outro motorista?
– Infelizmente, morto. Mas a causa da morte não foi este acidente, foi outro. A família já foi notificada do ocorrido.
– A morte veio buscar um e aproveitou a viagem para carregar o meu marido com ela.
O médico riu, embora a voz de Isabel tivesse soado solene. Aquele devia ser daqueles que encaravam o fim da vida como um simples fim de ciclo vital, deixando de lado o ar poético da criatura encapuzada e sua enorme e inseparável foice. Ainda assim, tomei simpatia por ele. Diferente dos outros, tinha uma voz amigável, como se minha esposa fosse uma conhecida, deixando de lado aquele ar áspero e autoritário.
– Então neste momento ela está irada. Bom, a senhora...
– Você, por favor.
– Você- Disse enfático, como se a ênfase estivesse se desculpando por ele- me dê licença, pois agora preciso olhar outros pacientes. Depois volto, e se precisar de alguma coisa é só usar o telefone.
- Antes, posso te fazer uma pergunta? É que o senhor...
– Você.
Isabel riu, desculpando-se.
– Você acredita em Deus?
Houve uma pausa. Senti-me tentado a abrir os olhos, mas decidi permanecer na falsa inconsciência. Pude ouvir as folhas das árvores lá fora se agitarem seguido de uma tímida trovoada.
– Já vi coisas que as pessoas consideram como um milagre creditado a Deus ou a algum santo- Disse o médico, agora sério- mas também vi coisas horríveis, difíceis até para mim que tenho experiência. Isso me faz perguntar onde está Deus, seu amor, sua clemência. Se ele ama todos da mesma maneira, por que uns recebem o milagre e outros não? Uma vez, uma criança com câncer morreu segurando a minha mão enquanto um estuprador sobreviveu a dezoito tiros. Há tantos motivos para sua crença quanto para a descrença.
Isabel permaneceu calada. Se bem a conhecia, ela estava olhando para o chão, movendo os lábios como se estivesse reproduzindo as palavras do médico, reflexiva. Ouvi a porta se fechar, depois eu pude ouvir o que pareceu ser a chuva, que foi ficando cada vez mais distante. Então adormeci.
Abri meus olhos. O quarto estava vazio, frio e escuro. Chovia com tanta braveza que pareciam cair pedras ao invés de gotas. Tentei me sentar, mas não tinha força, como se meu corpo pesasse uma tonelada.
– Cadê a enfermeira?
Como se ela estivesse esperando eu chamá-la, a porta se abriu. Mas não era nenhuma daquelas moças vestidas de branco com seus decotes propositais. Aquela era maior, e vestia um enorme capuz negro. Ao invés de uma bandeja, trazia consigo uma foice, que quase tocava o teto. Ao passar sob o ventilador, sua foice tocou a hélice que soltou algumas fagulhas parando de girar sob um incômodo barulho de metal em atrito.
– Merda! – Assustou-se a figura, pulando para trás. Não pude conter o meu riso. – Do que você está rindo?
A ponta da foice agora roçava o meu nariz. A lâmina era fétida e fria. Trêmulo de medo, olhei para ela. A princípio o seu rosto era um borrão negro, mas logo foi tomando forma. Os olhos eram grandes, vermelhos, e me olhavam com fúria; sua boca era miúda e arroxeada; o nariz era tão minúsculo que eu mal podia vê-lo. A morte era extremamente magra e feia. Não fosse aquele volumoso capuz que dava volume à sua pessoa e aquela foice ameaçadora, eu teria sentido pena. Sentia-me nauseado por aquele cheiro podre que invadia o quarto.
– Me desculpe. ENFERMEIRA! – Gritei. A morte gargalhou, mas de sua boca pareciam sair mais de um som, como se uma multidão gargalhasse.
– Pensou mesmo que ia escapar de mim? Tudo bem, você não é o único. Sempre repito essas sete palavras para outros tolos, seja em francês, grego, inglês, russo, indígena. Pode me dizer a vantagem de sobreviver quando você sabe que é só uma questão de tempo? Você vê o corpo em um caixão e pensa “coitado”, como se somente ele fosse o único ser mortal, deixando de lado a ideia de que um dia você também estará na mesma situação.
– Prefiro morrer a ficar velho e feio como você!
– Sou feia, mas sou eterna e invencível!- Bradou ofendida- A vida é linda, mas de nada serve toda a sua beleza. Ela não é eterna, muito menos invencível. E é a mim que vocês recorrem na dor quando a vida prova por si só que a beleza não é o suficiente, quando a dor, a solidão, a loucura os assolam. Veja.
A morte apontou para a ponta do cabo de sua foice. De lá saia um fino fio de fumaça que em direção à porta. Com seu enorme e esquelético indicador, ela puxou para si a fumaça. Apoiou o cabo no chão e então começou a puxar o fio. Então comecei a ouvir gritos, lamentos e choros. De repente surgiu um senhor, cabisbaixo, preso ao fio por uma algema. Depois um menino, que lançava seu olhar curioso para a morte.
– O que é isso?
– As duas últimas almas que recolhi. Um velho conformado e uma criança. Aposto que você está sentindo pena do garoto, mas não se esqueça que ele um dia seria um velho e que esse velho já foi uma criança. Não vê? A vida é ilusão, apenas uma aparência.
Olhei novamente para o menino que mantinha agora um olhar de fascínio para a morte.
– O que ele está vendo?
– Um palhaço. Nossa conversa chega aos ouvidos dele como uma história, a sua preferida em vida.
– Mas então você só é feia para mim porque apenas eu a vejo assim?
– Sou feia e velha para você fisicamente, e feia e velha para o mundo filosoficamente.
– E este velho?
– Não consegue me olhar por vergonha. Precisamos ir.
Ela caminhou em minha direção. Em pânico, tentei me debater, mas estava eu ainda permanecia pesado. Tentei gritar, mas as gargalhadas da morte abafaram o meu grito.
Acordei com a trovoada e o coração ribombando. Isabel, que lia uma revista ao meu lado, guardou-a e sorriu para mim.
– Que susto! – Disse-me beijando a bochecha.
Ainda assustado, sentia o alívio que me invadia ao perceber que o encontro com a morte fora apenas um pesadelo. Toda aquela conversa com a morte, aquela sua imagem feia, aqueles sons perturbadores, aquelas duas almas presas ao fio pertenciam à minha mente.
Sentir os lábios de Isabel me trouxe novamente à vida. Ainda com o corpo dolorido e com o braço esquerdo quebrado, consegui puxá-la para junto de mim. Queria prová-la, senti-la novamente, pois queria provar mais uma vez o gosto da vida. E era bom.
Terminado os exames, voltei para casa. Como se o céu estivesse sendo gentil comigo, Guandu estava nublado e frio. Em frente ao portão de casa, uma faixa dizia: BEM VINDO DE VOLTA. Assim que pus meus pés na varanda, uma onda de aplausos e assovios quebrou o silêncio. Rostos familiares foram emergindo da casa e do quintal, sorridentes.
- Não foi dessa vez, hã? – Disse-me Eustáquio com leves tapinhas nas costas- Você, hein?
Depois vieram outros. Eu estava feliz por rever aqueles meus amigos, mas uma pequena ponta de tristeza havia crescido em mim. Enquanto os observava comendo o bolo, conversando, rindo, lembrava da morte e suas palavras em meu sonho. Por mais que a situação tivesse sido apenas uma imaginação minha, aquelas palavras não deixavam de ser uma verdade. Naquele momento estávamos comemorando o fato de eu ter sobrevivido ao acidente, mas no fim eu morreria, bem como todos os que estavam ali. Ninguém parecia ter noção daquilo, ou então não se importavam.
– Está bem, amor?
– Sim.
Isabel estava mais linda do que de costume naquele dia. Olhava-me com ternura a mais. Seus lábios ágeis e sorridentes pareciam esconder alguma coisa dos outros, que era só pra mim. Eram quase sete da noite quando os últimos amigos presentes se despediram de nós. Éramos apenas nós dois novamente. Então seus olhos e lábios se confessaram. Seu vestido azul caiu, deixando-a apenas de lingerie vermelha.
– Agora sou eu quem vai cuidar de você.
Fizemos amor na varanda, no quarto e na sala.
Quanto ao meu carro, era óbvio que eu estava um pouco ressentido. Não pelo prejuízo, pois havia o seguro, mas é que aquele meu veículo tinha um valor que se compreendia além do material. Por exemplo, foi nele que eu conheci a maravilha do sexo oral ao som de Jimi Hendrix. Ali conheci também pela primeira vez a textura da boceta umedecida pelo tesão que eu proporcionava a ela.
Discretamente, limpei o canto do olho onde uma lágrima teimava em escapulir. Estava diante do meu carro. Não era mais azul. A parte dianteira estava irreconhecível. Vendo-o ali é que tive noção da minha “sorte”. É entre aspas mesmo. Para mim, a sorte não é você não escapar de um acidente ileso, ou com vida, sorte é você não se envolver em nenhum acidente.
– É difícil. A gente trabalha pra ter as coisas da gente. Às vezes o carro é o meio de a gente conseguir o sustento da família.
– É.
– Mas graças a Deus que você tá vivo, não é?
Seu hálito fedia a cachaça. Seus cabelos grandes, brancos e encardidos esvoaçavam com o vento quente. Com uma mão engraxada protegendo o olho do sol, olhou para o céu.
– Acho que amanhã chove. Pode olhar aí despreocupado, tá? Precisando é só chamar. Juca!
Pensei que algum rapaz fosse aparecer, mas logo vi um cachorro da raça vira lata, acinzentado, surgir na porta de sua oficina. Com o rabo eufórico, seguiu o seu dono.
Aproximei-me do meu carro, toquei o metal distorcido.
– É isso aí, companheiro.
Dei meia volta e saí dali.
– Ó o picoléééé! – Gritou um moleque descendo o morro com seu carrinho. Para proteger a cabeça, usava um boné que estampava um vereador acenando com o dedo polegar e um sorriso amarelado; sua camisa excessivamente grande da seleção brasileira terminava pouco acima do joelho. Os picolés não eram muito bons, mas as pessoas compravam para ajudá-lo. Seu pai era aleijado, mas conseguia alguns trocados anunciando ofertas em portas de lojas e farmácias. Sua mãe falecera de dengue quando ele tinha ainda cinco anos de idade.
– Me vê um de milho verde. – Pedi enquanto caminhava em sua direção. Ele parou, abriu a tampa do carrinho e começou a remexer sua mão à procura do picolé.
– O último – Estendeu-me o picolé com um sorriso no rosto. Depois ficou sério novamente– Você não é o moço que bateu de carro vindo de Colatina?
– Foi.
Mostrei-lhe meu braço engessado. O menino assentiu, fechou tampou novamente o carrinho e estendeu sua mãe.
– Cinqüenta centavos.
Retirei do bolso uma nota amassada de dois reais e disse-lhe para ficar com o troco. Olhou para a nota, depois para mim.
– Obrigado, moço – Pegou o seu carrinho e continuou a andar, olhando-me novamente com um sorriso no rosto que parecia agradecer mais uma vez. – Ó o picolééé!
Cheguei em casa e encontrei Isabel adormecida no sofá. Sua cabeça repousava sobre as mãos em concha e suas pernas estavam encolhidas. Lembrava uma menina que, depois de fazer muita arte, decide descansar um pouco no sofá da avó. O aparelho de som estava ligado em volume ambiente e tocava La mer. Estava ouvindo o cd de clássicos franceses que eu havia comprado para ela numa loja de CDs certa vez em São Paulo.
Criada com a avó, que havia passado grande parte da vida na França, Isabel tomou gosto pela música francesa. Morria de tesão quando ela cantarolava pela casa suas músicas preferidas, fazendo aqueles biquinhos franceses.
Despertou sorrindo para mim. Fui até ela, beijei-lhe e perguntei se queria tomar um banho comigo. Ela aceitou de prontidão, pois estava sentindo muito calor. Aumentou o volume do som e fomos para o banheiro.
Nem aquela água fresca conseguia apagar aquele fogo que nos envolvia naquele momento. Como se já não bastasse o sol, nos incendiamos. Minha boca indecisa não sabia se beijava o seu corpo ou se o mordia. Sua mão percorria pelo meu corpo me ensaboando com delicadeza enquanto nos beijávamos. O sabonete escapuliu de sua mão.
- Pega. -Ordenei.
Ela abaixou-se lentamente enquanto eu observava o seu gesto gracioso esperando o momento certo. Então me apoderei de seu corpo.
Quase tudo foi ficando normal como antes. Meu dentista me devolveu os dentes que faltavam, as pequenas dores que ainda assombravam o meu corpo haviam desaparecido quase que por completo, e retirei os pontos de minha cabeça. Faltava apenas o gesso, mas ainda não era tempo. Tinha que ficar mais uma ou duas semanas com o braço engessado.
Como ainda estava impossibilitado de voltar ao meu trabalho, passava a maior parte do tempo em casa. Já estava sentindo falta das máquinas de escrever do cartório. Algumas vezes, sentado no sofá imaginando formas nas manchas do azulejo, tinha a impressão de ouvir as teclas das máquinas. Já estava começando a ficar chateado com toda aquela ociosidade. Não, não estava enjoado de ficar o dia todo com Isabel, jamais. É que também queria sentir novamente aquela vontade de voltar para casa e tê-la de volta para mim. Fazia falta a falta dela.
- Que você acha de um bolo de banana?- Indagou-me Isabel, fechando o livro e olhando para mim com um sorriso de quem acaba de ter uma grande ideia. E de fato era. A tarde estava nublada e fria. Dias assim sempre me deixavam com mais fome do que de costume.
Outro detalhe em Isabel que me deixava excitado era o seu quadril em movimento enquanto ela batia os ovos para o bolo. Por muitas vezes no banheiro fantasiei aquela imagem. Observando-a do sofá, tive uma ideia: iria realizar minha fantasia.
Levantei-me e caminhei em sua direção lentamente. Agarrei-a por trás.
- Ai, que susto.
Beijei-lhe o pescoço, apertei sua cintura e deslizei com minha mão por sua coxa. Rindo, pediu que a deixasse fazer o bolo, mas havia dito por dizer. Estava tão derretida quanto a manteiga caseira sobre a pia. Minha mão encontrou a sua boceta, que já estava molhada. O ritmo da colher diminuiu, mas logo aumentou novamente. O som da colher de pau batendo na bacia de plástico misturado ao gemido de Isabel estava me deixando tão excitado que eu corria o risco de a qualquer momento explodir em gozo. De repente a velocidade da batida aumentou tanto que parecia ser uma batedeira a executar o serviço ao invés de Isabel. Seus gemidos estavam aumentando. Podia senti-la tremendo de prazer, até que por fim ela não agüentou. Empurrou a bacia, largou a colher, soltou um grito orgástico e ergueu-se na ponta dos pés, caindo de costas para mim, que sorria satisfeito com a cueca molhada.
Embora estivesse fazendo frio, ambos estávamos suados. Era como se a casa tivesse aumentado quarenta graus. Isabel ainda não havia conseguido se recompor, tendo ainda leves espasmos.
- Vá tomar um banho e me deixe terminar esse bolo, homem de Deus!- Expulsou-me Isabel em meio ao riso.
- Não quer vir comigo?
- Não- Voltou-se para a bacia, dando um longo suspiro.
Apesar dos quatro anos de casados e do sexo abundante, não tínhamos nenhum fruto gerado. Também nunca chegamos a ter uma discussão sobre filhos. Para nós, estava bom do jeito que estava. Algumas pessoas, quase todas, têm a mania de achar que filho é a obrigação de um casal. Mas, tanto para mim quanto para Isabel, a obrigação de um casal é nada mais do que o amor e o prazer. Não usávamos camisinha, portanto, se por acaso uma criança fosse gerada ela seria aceita.
Finalmente o bolo havia assado. O cheiro fez com que eu despertasse do meu cochilo quase que instantaneamente. Da cozinha, ela olhava para mim sorridente. Retribuí o sorriso, mas dessa vez com um misto de decepção. É que durante esse breve sono eu vislumbrei um bebê em nossa sala. Enquanto espalhava os brinquedos no tapete, olhava para Isabel, que tirava do forno o bolo. Era tomado por uma sensação boa, calorosa, de gozo. Quando despertei e não notei aquela pequena figura ali, foi estranhamente triste.
- Tive um sonho diferente, hoje.
- Como foi?
- Nós tínhamos um bebê. Ele estava ali no tapete brincando enquanto você assava o bolo. Estranho, é que mesmo não sabendo como é ser pai, senti falta.
Minha confissão pegou Isabel de surpresa. Pude ver nos olhos dela uma faísca de tristeza. Sorri para ela, que olhou para o tapete.
- Às vezes também vejo bebês pela casa, durante o sono. Quando vejo alguma grávida exibindo sua barriga, fico imaginando quando for a minha vez, se ela chegar.
Ficamos em silêncio por um tempo. Ambos mantínhamos os olhos no tapete, absortos em nossos anseios ocultos. Percebi nos olhos de Isabel as lágrimas se formando. Seus lábios que há pouco jaziam imóveis agora tremiam vacilantes. Em quatro anos aquela foi a primeira vez que vi a vi chorar de aparente tristeza. Talvez fosse hora de compreender que um filho era algo além de uma obrigação, como uma unificação de dois amantes; um ser sagrado. Não ter filho é uma ferida que, quando não tocada, é indolor. Naquele momento estávamos sentindo, e era ruim. Eu queria dizer alguma coisa para confortá-la, mas havia um nó em minha garganta. Sentia que, se começasse a falar, também choraria. Decidi permanecer em silêncio, até que por fim ela voltou a falar.
- Não somos culpados de nada. – Forçou-me um sorriso, servindo-nos de mais bolo.
Voltamos ao nosso silêncio reflexivo. Mastigávamos mecanicamente. Nosso café já estava morno. Havíamos nos esquecido que dias nublados e frios tinham melancolia também.
- Podemos ir ao médico e ver se há um problema em nós- Sugeri.
- Vamos deixar assim. Se tiver que vir, virá. A ciência pode dar esperança, mas também pode arrancá-la.
- Do que está falando?
- Sabe a Madalena? O médico disse que ela não podia ter filhos, nem com os mais modernos tratamentos. Sabe o que é uma mulher que sonha ter um filho ouvir isso do médico?
Assenti com a cabeça, mas no fundo eu não sabia como era. Há sensações e sentimentos intrínsecos aos gêneros. Por exemplo, um chute no saco. Uma mulher nunca vai saber como é a dor. Talvez aquela notícia que Madalena recebera fosse um chute no saco da esperança. Isabel queria conviver com a incerteza da esperança de ter um filho. A angústia de uma espera esperançada era muito menor do que a certeza de que o que se anseia nunca virá.
O resto do dia foi silencioso. A noite chegou depressa, mas o sono não. Os grilos no quintal, os latidos dos cães vadios, os passos lerdos dos velhos crentes, o motor da geladeira ecoava pelo nosso quarto. Levantei-me, fui para o quintal, acendi meu cigarro. Olhei para o céu que já não estava mais nublado bem no instante em que uma estrela cadente riscou o negro. Sorri, pois havia me lembrado da infância quando estrelas cadentes, quando vistas e não alarmadas, davam sorte. Ou que contar estrelas dava verruga. Mas o que custava um pedido? Então pedi à estrela um filho. Quem sabe Deus, se ele existisse mesmo, não ficaria sensibilizado e nos desse um filho?
- Pensei que tivesse largado o cigarro- Surpreendeu-me Isabel, sentando-se ao meu lado, tomando o cigarro da minha boca e dando um trago. Abracei-a.
- As pessoas falam que o cigarro mata. Sabe de uma coisa? Um dos poucos luxos dado ao homem é poder escolher a forma como vai morrer. Se eu quero morrer porque fumei muito, ótimo.
Isabel gargalhou, aquecendo-me. Um vento gélido fez com que o cabelo dela roçasse em minha nuca. O cheiro de cigarro misturado ao de xampu era uma combinação interessante. E lá estávamos nós dois no quintal, conversando banalidades, rindo um do outro, contando estrelas, fumando o terceiro cigarro como se aquele dia houvesse começado naquela noite.
Finalmente chegara o dia de arrancar o gesso. Pedi ao médico que me desse de recordação, pois nele havia marcas de batom de cores variadas que Isabel deixara. Por mais que Isabel teimasse em me levar a Colatina em sua Brasília azul que herdara de sua avó, preferi ir de ônibus. Há tempos sentia vontade de me sentar em meio a estranhos com seus rostos e cheiros distintos. Gostava de ver os velhos cochilando, ouvir as conversas na tentativa de captar sentido nas histórias que se entrelaçavam. Mas naquele dia apenas uma pessoa falava. De pé, olhando para todos com severidade, sacudindo a bíblia enfaticamente acompanhando as palavras, uma mulher pregava para todos nós.
- O senhor, nosso salvador, está chegando. E vocês pensam que ele veio buscar pessoas pecadoras como vocês? Não! Ele quer pessoas de bem, que dedicaram suas vidas a ele. Vagabundos, prostitutas, viciados, adúlteros e assassinos não terão lugar no reino de Deus.
Enquanto ela falava, algumas crianças olhavam para elas com ar de medo. Outros olhavam pela janela as vacas subindo os morros, pastando. Uma senhora gorda na poltrona ao lado olhava para ela com cumplicidade, concordando com a cabeça em cada palavra da mulher. Seus olhos intimidadores iam de um passageiro ao outro, até que, percebendo que eu a encarava, eles pararam em mim.
- A morte é o preço que paga o pecador! Deus vê tudo o que você faz aqui e anota tudo em seu caderno para que no dia do juízo ele possa te julgar.
Desviei meus olhos para a janela. Tornei a olhar para ela, que ainda me encarava. Pigarreei, levantei-me e fui ao banheiro. Seus olhos me seguiram, seu tom de voz aumentou.
- Os pecadores pensam que podem se esconder de Deus, mas aos olhos dele nada escapa! Eu estou aqui a pedido dele, pois ele me deu a missão de avisar a sua chegada. Sou fiel a ele, pois sei que sua promessa se cumprirá. DEUS É FIEL!
- E feliz é a esposa dele!- Gritou um garoto.
- Menino! – Advertiu sua mãe, ou tia. Pude ouvir as gargalhadas e não me contive. Dei a descarga e saí, vendo que a mulher havia se sentado, cálida.
- Você teve uma boa enfermeira- Brincou o médico, enquanto tirava de meu braço o gesso. Disse-me depois que eu poderia sentir uma dificuldade em esticar o braço, mas que logo, logo ele voltaria a ter a sua flexibilidade natural.
Já na rodoviária de Guandu, uma cigana me abortou.
- Homem bonito, de bom coração, é amado e invejado. Por um real te falo o nome das amadas e outras coisas que a sua mão mostrar.
Como havia justamente uma moeda de um real em meu bolso, tirei-a e entreguei à cigana, dizendo-lhe que não era preciso ler a minha mão, pois sabia bem o nome da minha amada.
- Não estou mendigando, não, moço. Não posso aceitar a moeda se o moço não me deixar ler a mão. Moço acredita que a mão da gente traz a nossa história?
- Não.
- Então moço não perde nada se me deixar ler. Vejo que tempo pro senhor não é preocupação no momento.
Olhei em volta, mas a rodoviária já estava deserta, salvo um vira lata magricela que se abrigava sob um banco de cimento. Coloquei minha sacola no chão e estendi-lhe a mão.
- Moço tem tanta linha na mão! Essa linha aqui, ó, diz que sua felicidade ainda não é completa. Hum, essa linha está em branco, então quer dizer que moço não tem filho, ainda. Ainda, porque vejo a aproximação dessa outra. Moço tem vontade de filho?
- Até que tenho.
- Pois moço terá. - Olhou-me com um sorriso, depois voltou para a minha mão, voltando ao seu ar de concentração, como se realmente houvesse alguma coisa em minha mão- É tanta coisa escrita e falha nessa sua mão! Tem uma linha falhando... Moço passou por uma situação difícil? Perda na família, acidente ou alguma coisa assim? Seja o que for, foi algo que te afetou diretamente.
Olhei para ela com certo ar de incredulidade. Mas ainda não me convencia. Qualquer um que morasse em Baixo Guandu ou estivesse por lá nos últimos tempos saberia do meu acidente. As notícias por lá corriam rápido.
- Qual o seu nome?- Perguntei-lhe, interrompendo-a. Ela me olhou, sorriu mais uma vez e fez um gesto para que eu me sentasse ao banco.
- Moço precisa saber que não sou de dizer meu nome assim para os estranhos.
- Perguntar seu nome é tão indecente quanto pedir para ler a minha mão.
A cigana gargalhou batendo as mãos, fazendo com que o cachorro sob nós se assustasse, saindo ao galope para a rua.
- Moço de língua afiada. Já, já, vou dizer, assim que eu terminar sua mão. Moço me interrompeu numa linha muito importante. Deixe-me ver. Moço ama a esposa?
- Sim.
- Moço também é muito amado pela mulher. Mas isso o moço já sabe, não é?
Assenti com a cabeça, rindo para ela.
- Mas o moço vai ter que se preparar. Está vendo aqui, ó?- Indicou-me a cigana uma linha quase imperceptível. – É a linha da paixão.
Paixão? Ri mais uma vez diante do absurdo. A cigana estava indo muito bem em seu número de adivinho, mas envolver paixão foi um erro que a maioria dos ciganos comete. Sempre paixão, dinheiro e rosas vermelhas. Reparei que ela havia se calado. Olhei para ela, que olhava fixamente para a minha mão. Sua boca avermelhada jazia entreaberta, sua respiração quase que havia cessado. Tentei fazer um movimento para retirar minha mão, mas ela a segurava com força.
- O que há de errado?
A cigana parecia não me ouvir. Fiz um pouco mais de força, fazendo com que ela despertasse. Lentamente suas mãos se afrouxaram, deixando a minha livre. Seus olhos fixos encontraram os meus, que a olhavam curiosos. Senti um leve arrepio na nuca.
- Chavela.
- O quê?
- É o meu nome- Disse a cigana, levantando-se. Seu rosto assumia um ar preocupado.
- A leitura acaba em paixão?
- Algumas coisas estão confusas. Melhor moço ter cuidado.
- Acidente?- Sorri-lhe, como se tivesse contado uma piada.
- Tem muita coisa que moço desconhece nessa vida. Hoje é moço quem ri, amanhã é o destino. Mas não sei se moço acredita nessas coisas.
A cigana virou as costas. Antes do terceiro passo, virou-se para mim.
- Coloque um copo com água debaixo da lua no seu terreiro e beba da água ao meio dia. É bom pro moço.
Seja lá o que for que a cigana tenha visto, não parecia ser bom. Repreendi-me por estar preocupado com aquilo. Não acreditava naquelas coisas, havia feito por distração. No fim era tudo a mesma coisa. Até que para um real, a cigana havia feito muita coisa: entretenimento e receita para simpatia.
Cheguei em casa ávido por um banho. O dia estava muito quente. Chamei por Isabel, que não respondeu. Então reparei na geladeira um bilhete.
Fui á casa da Ana. Fiz suco de acerola.
Beijo, Isa.
Ana era uma grande amiga nossa. Foi ela quem nos apresentou, ainda no colegial. Morava no centro da cidade, e era casada com o dono do supermercado. As pessoas na cidade diziam que o casamento era por interesse, pois o homem era desprovido de beleza. Baixo, calvo e barrigudo. Já Ana era linda. Tinha longos cabelos ruivos, era alta e de corpo invejável. Eu me masturbei pensando nela por muito tempo até a chegada de Isabel. Com a morte do marido, Ana se casou com um entregador do mercado. Com esse casamento, as pessoas diziam que o casamento fora arquitetado por Ana e pelo pobre rapaz, que nada tinha a ver com o destino infeliz do falecido.
Sabia que as visitas de Isabel à casa de Ana eram longas. As duas sempre saiam para assistir a algum filme no cinema, ou preparavam algum bolo ou coisa parecida. Tomei o meu banho, servi-me de um pouco de suco, peguei um pedaço que ainda restava do bolo, liguei o som, deitei no sofá e adormeci.
Estava no ônibus. Não havia ninguém ali exceto a cigana, que me olhava com um olhar intimidador, que me pareceu familiar. Trajando seu longo vestido vermelho, segurava uma grande bíblia. Esbravejava coisas que eu não podia compreender. Tentei me levantar, mas não conseguia. Embora o ônibus estivesse parado na estrada, podia senti-lo sacolejar. Uma vaca que pastava defecou. Mas ao invés de sua bola de fezes esverdeada cair, caiu um bebê. Olhei novamente para a cigana, cujo vestido agora começava a se incendiar. Tentei alertá-la, mas não conseguia movimentar minha boca. O fogo de seu vestido correu pelo chão do ônibus, subindo pelas poltronas em direção ao teto. Meus pés começaram a queimar, mas não podia fugir. A cigana estava derretendo como se fosse feita de parafina. Reparei que meus pés também derretiam. O líquido denso que outrora fora a mulher começou a rastejar pelo chão incendiado em minha direção, envolvendo-se em meu braço, transformando-se em gesso. De repente, o ônibus começou a derreter. Todo o veículo havia derretido, exceto a parte onde eu estava. Agora podia ver a estrada, onde uma enorme carreta surgiu em minha direção, desgovernado. No carona, um homem que parecia ser o motorista agonizava. Ao volante, sorridente, a criatura encapuzada me encarava. A ponta da foice saltava da janela. Desesperado, levantei-me. Mas meus pés estavam tão moles que afundaram no chão carbonizado do ônibus.
Acordei no chão da sala, com a mão na testa.
- Mal tirou o gesso do braço e já quer colocar de novo?
Levantei-me enquanto Isabel retirava do congelador a forma de gelo. Embolou alguns cubos no pano de prato e os trouxe, agachando-se diante de mim, que havia me sentando no sofá, com a mão na testa.
- Caramba.
- Deixa eu ver.
Afastou minha mão, colocando o pano com o gelo no local. Massageou-o por uns minutos, dando leves sopros no galo que havia crescido em minha testa. Reparei que sua boca formava um bico trêmulo, como se já não mais agüentasse segurar o riso que teimava em sair. Então ela vacilou, soltando a gargalhada. Também ri dando um leve tapa em sua testa.
- Acho melhor a gente fazer um plano de saúde. – Brinquei. Isabel concordou ainda aos gargalhos.
Vi que ainda não havia anoitecido, e que nem passavam das cinco e meia. Estava molhado de suor, então decidi tomar um banho. Do banheiro podia ouvir os meninos lá fora brincarem de pique bandeira. Quando era menino, também brinquei naquela rua. Morrer era uma coisa que só acontecia à gente grande. E não éramos gente grande, por isso corríamos, ríamos como se a vida fosse uma eterna brincadeira. Lá estava eu, ouvindo o passado, absorto no presente perturbador. Aquele segundo pesadelo, bem como o acidente, me lembrava mais uma vez que eu não era imortal.
Para quebrar o silêncio que se instalava durante o jantar, perguntei a Isabel como estava Ana. Respondeu-me que Ana estava bem, e que ela viajaria com o marido para o Rio de Janeiro na semana que vem. Ficariam por lá durante um mês inteiro hospedados na casa de praia de um primo.
- Ela chamou a gente pra ir junto.
Parei de mastigar por um momento. A ideia era interessante, e eu tinha férias a serem tiradas. Por um raio de segundo, minha boca se abriu para dizer que havia adorado a ideia, e que ela fizesse as malas. Mas estava precisando trabalhar, ocupar minha cabeça. Disse-lhe que, se quisesse, ela poderia ir. Isabel discordou, disse que também não estava muito a fim de ir, e que até havia recusado o convite na mesma hora. Insisti que ela fosse viajar com a amiga um pouco.
- Você não duraria duas semanas.
Rimos. Ela consultou o relógio, levantou-se da mesa e foi para o quintal, deixando o prato ainda na metade. Voltou com um copo de água na mão, colocando-o sobre a mesa.
- O que é isso?
- Simpatia. - Respondeu-me, virando copo o copo de uma vez. – Receita que uma cigana me deu hoje. Pediu para ler minha mão por um real.
- Você aceitou?
Isabel deu de ombros, voltando ao seu prato.
- Apesar de eu não acreditar muito nessas coisas, aceitei a ideia.
- E o que ela disse?
- Que “moça” vai ter um filho, que marido de “ moça” ama ela, que minha mão tinha muitas linhas, essas coisas. No fim, disse para eu ter mais cuidado com meu marido, e que eu colocasse um copo de água sob o sol ao meio dia, e que depois o retirasse à meia noite e bebesse a água. Mais cedo, quando você caiu do sofá, lembrei da cigana.
Pensei em dizer a Isabel que uma cigana, provavelmente a mesma, havia me abordado hoje, e que havia me dito quase que as mesmas coisas. Mas preferi assentir sorridente, como se estivesse achando graça de tudo aquilo.
Terminamos o jantar em silêncio. Como havia tirado um longo cochilo naquela tarde, não estava com sono. Já Isabel, com a cabeça recostada em minha coxa, bocejava incessantemente diante da televisão. Logo adormeceu, enquanto eu, olhando para a TV, ruminava a história que ela havia me contado. Por coincidência ou não, uma cigana havia abordado nós dois no mesmo dia, dizendo quase que as mesmas coisas. Depois a mulher disse para Isabel tomar cuidado com “o seu marido”. O que ela quis dizer com isso? Eu estaria prestes a me apaixonar por outra mulher, o que era impossível, ou eu novamente corria um risco de morte? “Deixe de bobeira”, pensei, “ você nunca acreditou nessas coisas, não vai ser agora que você vai acreditar”. Desliguei a TV, acordei Isabel e fomos nos deitar.
- Desse jeito que vamos ter filho?- Sussurrei beijando-lhe o pescoço. Ela retribuiu, puxando minha bermuda.
Acordei com uma batida na janela. Abri-a e dei com os meninos lá fora, olhando para mim, de ombros erguidos, como se estivessem com medo. Vi então a bola sobre a grama, encostada no nosso muro gradeado.
- Podem pegar a bola- Disse a eles, que logo relaxaram, agradecendo e se desculpando. Fechei a janela e fui para a cozinha. Eram dez e meia da manhã.
- Bom dia, dorminhoco. Você ouviu a pancada na janela?
Disse-lhe que eram os meninos brincando lá fora, e que, sem querer, haviam acertado a janela com uma bola. Era sábado, dia em que a rua se infestava de crianças. Nada mais natural do que algazarra e coisas voando pela sua janela.
Propus a Isabel que saíssemos à noite. Poderíamos comer uma pizza, assistir a um filme ou alguma coisa assim. Isabel aprovou a ideia com um largo sorriso no rosto. Passamos o resto do dia na sala. Eu, lendo um romance; Isabel, pensativa com a tampa da caneta na boca a espera de uma luz para completar a cruzadinha. Para quebrar o silêncio incômodo, Isabel havia ligado o toca discos que pertencera à sua avó. Como era de esperar, o disco era de uma cantora francesa que, segundo Isabel, era um dos maiores ícones do cenário musical da França, e até do mundo. Dentre todas as cantoras que Isabel me apresentara, aquela era a minha preferida.
Padam... Padam... Padam...
Fomos ao cinema, mas largamos o filme na metade. A história não era muito boa, mas desistimos ao ver que o que jorrava do pescoço do personagem mais parecia suco de morango do que sangue. Enquanto saíamos da nossa fileira para ir embora, passei por uma mulher que me olhava com um meio sorriso. Seu olhar soava maldoso. Antes de sair, olhei novamente para ela, que ainda me encarava. Moveu os lábios num gesto que interpretei como um beijo.
Do cinema fomos a uma pizzaria, onde encontramos com outro casal amigo nosso. Juntamos nossas mesas e comemoramos a descoberta de que eles seriam pais. No caminho de volta, Isabel não falou nada. Respeitei o seu silêncio abraçando-a. Compreendia o seu ressentimento. Assim que chegamos em casa, Isabel foi para o quarto. Pensei tivesse ido se deitar e chorar até adormecer. Demorei um pouco para entrar, mas assim que entrei, ela avançou em minha direção. Puxou minha camisa com força, fazendo com que alguns botões caíssem no chão. Não sabia se aquele ato era o desespero de ter um filho ou se ela realmente estava com vontade de transar comigo.
Domingo, como quase sempre são os domingos, foi um dia enfadonho. Para piorar, havia a ânsia pelo próximo dia onde eu finalmente voltaria a trabalhar. Isabel me pediu que comprasse o frango assado. Na volta, dobrando a esquina da Dez de Abril, dei de cara com o carro da funerária, seguido de outros carros lentos, e pessoas com seus pesares. Uma senhora passou de mãos dadas com um garoto, que me olhava com seus olhos que pareciam me perguntar por que eu também não os seguia. Tropeçou mas mal teve tempo de cair, pois a senhora, provavelmente sua avó, já o havia erguido pelo braço. Sempre achei que domingo fosse um dia para morrer. Durante a volta, fiquei imaginando o cortejo seguindo o meu caixão.
Acordei com o despertador e Isabel puxando o cobertor. Levantei da cama quase que no mesmo instante, ansioso. Até havia sonhado com meus dedos ágeis sobre as teclas da máquina de escrever, que produziam sonoros claps. Mal tomei café, despedindo-me de Isabel com um beijo. Peguei sua Brasília emprestada e fui trabalhar.
Fui recebido com aplausos calorosos. Mariana, nossa rechonchuda e simpática ajudante, surgiu de trás da cabine com um pequeno bolo com meu nome em glacê vermelho. Não esperava toda aquela agitação pela minha volta. Agradeci a todos pela surpresa, dizendo que estava feliz em poder voltar trabalhar com meus colegas e amigos.
Foi logo que me sentei em minha cadeira que a vi entrar. Tinha longos cabelos cacheados e louros. Seu vestido era de excessivo decote, e seus lábios eram carnudos e avermelhados. Andava como se estivesse em um concurso de beleza. Era alta, mas apenas sob o efeito das plataformas de seu sapato. Então reconheci aquela figura graciosa que acabara de se sentar diante de mim, desejando-me bom dia com sua voz mansa e hálito bom. Ela era a mulher que me olhava no cinema. Havia até me esquecido dela e de seu gesto com os lábios, que me pareceram um beijo.
- Bom dia. – Respondi por fim, pigarreando, olhando para a minha máquina de escrever.
- Gostaria de fazer uma certidão de óbito.
O falecido era um senhor de setenta e cinco anos, vítima de uma pneumonia. Era o seu único tio, e ela, sua única sobrinha que havia vindo de Santa Tereza para cuidar dele. Lágrimas correram de seus olhos. Ela sorriu para mim, desculpando-se. Disse-lhe que não havia por que se desculpar, e ela, sorrindo-me mais uma vez, disse que eu era gentil.
Assim que ela saiu, pensei comigo se ela realmente havia olhado para mim e me mando um beijo ou se aquilo não passou de uma impressão. Era meiga, de ar inocente. Era sensual, hipnotizava com os olhos, mas parecia não ter consciência do seu poder de sedução.
Era hora do almoço, e eu seguia para casa. Passei em frente à praça, e lá estava a sensual figura desfilando. Vi que de sua bolsa uma pequena agenda caiu. Como ninguém pareceu notar o acontecido, encostei a Brasília. Peguei sua agenda e corri para alcançá-la.
- Oi. – Sorriu-me.
- Sua agenda.
- Ah, obrigada. Ando tão distraída...
Esticou o braço para pegar sua agenda, tocando rapidamente a minha mão. Estava excitado.
- Tudo bem. Acontece. – Disse, enxugando minha mão suada na calça.
Ia me retirando, quando ela me perguntou se eu estava indo almoçar. Respondi que sim, e então ela me perguntou se eu não gostaria de almoçar com ela.
- Deixei na panela de pressão uma carne com batata. Já deve estar pronta.
Não sabia ao certo se deveria aceitar. Certamente Isabel estava me esperando para almoçar em casa com algum prato especial para comemorar a minha volta. Mas aquela criatura encantadora ali me encantou de tal maneira que acabei aceitando. A casa onde seu tio morava era logo na esquina.
Além de tudo era boa cozinheira. Acabei repetindo a carne, o que ela tomou como elogio. Durante o almoço, contou-me que o velho falecido era o seu único parente vivo. Mais uma vez chorou, então afaguei suas mãos para confortá-la. Esse gesto fez com que ela me olhasse surpresa. Desculpei-me, mas então ela sorriu dizendo que quem deveria se desculpar era ela por estar se lamentando para um convidado em plena hora de almoço.
Quando saí, ela me disse que prepararia outro prato ainda melhor se eu prometesse almoçar com ela no dia seguinte. Prometi que voltaria sem nem pensar.
- Eva. - Estendeu-me a mão. Cumprimentei-a, dizendo o meu. Atravessei a rua em direção à praça. Entrei na Brasília e voltei para o trabalho.
Quando cheguei em casa, Isabel me esperava no portão. Parecia estar mais ansiosa do que brava. Veio ao meu encontro, abraçando-me. Disse que havia me esperado para almoçar em casa, e que havia feito uma carne cozida na panela de pressão. Depois me encheu de perguntas, que respondi brevemente. Na janta, comi da carne cozida que não era tão boa quanto a que eu havia comido mais cedo. Antes de dormir, lembrei da cigana que havia profetizado uma paixão. Eva, só podia ser. Até então, nunca havia olhado para outras mulheres com aquele olhar desejoso. Adormeci, pela primeira vez, desejando outra mulher.
No outro dia, cheguei ao trabalho pensando logo no horário de almoço. Como havia dito a Isabel, o serviço estava com alguns assuntos pendentes e eu deveria resolvê-los naquele mesmo dia, ficando no serviço direto, comendo alguma coisa lá mesmo. Ela propôs levar o almoço, mas disse que não precisa se preocupar. Relutante, Isabel concordou.
Meio dia, já estava na Brasília seguindo para o meu encontro com Eva. Enquanto dirigia, imaginava minhas mãos deslizando por suas coxas, seus lábios carnudos chupando o meu pau, que depois penetraria sua boceta de pelos louros. Estacionei a Brasília em frente à praça. Sentada no banco, olhando para mim, Chavela, a cigana, fez sinal. Ignorei-a, indo em direção à casa.
- É ela! É ela, moço. A paixão e o perigo. Destino vai rir, moço!- Gritava-me a cigana.
Algumas pessoas assistiam à cena, curiosas.
- Maluca. – Disse, enquanto abria ao portão da casa.
Eva me esperava sorridente, ainda com um avental. Ao ouvir a gritaria que a cigana arrumava lá fora, perguntou-me o que era. Disse-lhe que era uma cigana maluca que estava me perseguindo. Reparei que não havia nenhuma panela sobre o fogão, nem sobre a mesa.
- O prato de hoje é frio. – Explicou-me, apontando o dedo para a geladeira. – Pode pegar para mim enquanto me troco?
A energia caiu. Ouvi um rosnado e pensei que fosse o cachorro do velho que eu não havia notado no dia anterior. Abri a porta da geladeira ouvindo o barulho de vidro se quebrando.
- Filha da Puta!- Xinguei, dirigindo-me para fora. Tive a impressão de sentir um cheiro de gás. Do lado de fora, com uma pedra na mão e o dedo no relógio, a cigana me encarava.
- Sua louca!- Avancei em sua direção. Antes que eu pudesse tocá-la, ela ativou novamente a energia do relógio.
- NÃO!- Foi a última coisa que ouvi de Eva antes da casa explodir, produzindo um barulho ensurdecedor. Caí no chão, ferido por alguns estilhaços. Chavela também rolava no chão, ferida. As pessoas corriam para ver a cena, assustadas.
- Era ela, a Indesejada. – Contou-me a cigana, diante de mim no leito do hospital. – Não aceitou te perder da outra vez. Mas agora ela sabe que não é a sua hora. Não agora.
Acordei e vi Isabel ao meu lado, sentada, com a mão acariciando a barriga, como faziam as grávidas.
O jornal do dia seguinte trazia a matéria sobre uma casa que havia explodido pouco depois da morte de seu proprietário, ferindo duas pessoas que passavam no local. No cartório, Jairo afirmava que nenhuma mulher com a aparência que eu descrevia apareceu por lá na segunda feira, e que a certidão de óbito do tal falecido já havia sido feito por um sobrinho, que havia morrido há dois dias.

Foto de betimartins

Poema do povo!

Poema do povo!

O povo é o maior poeta da nossa humanidade
Ele consegue em vez das rimas e das estrofes
Sorrindo, ele se transforma de forma capaz
No pouco pão e nas suas magras economias!

Então ele em vez de lindas palavras, floridas
Ele! Apenas se deixa morar em lugares frios
Em morros, em favelas e nas ruas, esquinas
Sorrindo!Alegre para a vida e as estatísticas...

As mães! Essas apenas ficam apenas aflitas
Pelas mãos, que traja uma arma apontada
Em vez de uma caneta de tinta e um caderno
E um simples tiro acerta aquele que fica na mira!

A mulher essa apenas é mais um desabafo
Do homem mal encrencado, mal resolvido
Que a estupra sai da cadeia em indulto, premiado
E logo encontra e desfaz inocência de uma criança...

E este poema é do povo, poema de desamor e de dor
Onde apenas! Na minha escrita correm rios de sangue
Onde não existe respeito, onde apenas existe!A heroína!
E logo, alguém morre ou é roubado pelo maldito vicio...

E que venha daí as leis, os indultos e os ladrões
Será a nossa maquina judiciária a maior punição?
Que na tinta do jornal corre a dor dos que já partiram
E nos telejornais apenas servem para níveis de audiência!

Mas o meu poema é do povo do que usa havaiana
Dos que correm para festas do funk, samba e outros
Onde a cerveja é a nota da rima do coração sofrido
Que apenas quer esquecer seu triste fado da vida aqui...

Pois é e na mesa deste poema aqui, o poema do povo
Apenas se vê feijão, com arroz aquecido numa panela
Já tão velha e gasta que nem sabe a cor dela! Um dia!
Ao som do batuque, das crianças chorando com fome...

Pois é meu poema! Apenas traja retalhos de sentimentos
Onde as palavras caem num esquecimento e se vestem
De um vermelho vivo, que corre pelas ruas e casas e esquinas
De uma justiça adormecida e desumana neste meu Brasil!

Foto de João Victor Tavares Sampaio

Super Humano

Abre-se o gibi. A primeira página está colorida por tons fantásticos, criaturas flamejantes saltavam aos olhos sem sair do papel. Um herói, na sua superioridade, resguardava seus poderes das identificações em um segredo. Voava feito pássaro ou avião, era forte como uma manada inteira, via o que só as máquinas perfeitas tinham alcance.

Nos mais recentes dias da sua jornada, lutando contra os piores tipos de adversários maléficos, rasgando os céus da metrópole recebendo aplausos da população em peso, o herói de ritmo automático persistia em manter a justiça na cidade que amava. Não havia tempo hábil sequer para pensar. A velocidade lhe empurrava ao próximo desafio.

Mal reparava no que rodeava sua existência magnífica. Os pais de família se apertando nas conduções, as mães solteiras entregando panfletos nos faróis, os avós vigiando os netos. Não havia reparado que na prática a importância de uma pessoa não se determina pelo seu cargo, mas pela sua dedicação. A embriaguez de seus poderes o induziria à tragédia.

Desta vez, o que se abria era a primeira página do jornal da trama. Os cidadãos se apinhavam para ler as fofocas do incrível astro. Incompleto nas conquistas afundava no existencialismo frívolo e no doce dos ópios. Sua cabeça não suportava mais a consciência, pesada pelas derrotas nas quais falhava. Seu ideal era a perfeição.

Mas, a mais humilde das pessoas lhe ensinaria a lição mais valiosa. Era um chefe de família. Ele, que sempre observara com certo desdém quem estava nessa posição, que parecia não aproveitar o que a vida tem de bom, viu em um ato de heroísmo que só um pai faria o sentido que faltava ao seu preciosismo, sua coragem inabalável.

O heroísmo aqui citado chama-se sacrifício. É o ato de levantar-se cedo, trabalhar, ser honesto em um mundo repleto de trapaça, continuar humano, aliás, nunca deixar de ser humano, e do mesmo jeito ter ações extraordinárias. Sacrifício de ser de verdade em um mundo de mentiras. O herói, humano na sua essência, era humano também no seu heroísmo.

Enfim, a superioridade dos poderes deu lugar à simplicidade dos afazeres, e o herói finalmente decidiu sê-lo na realidade. O herói, agora um também um patriarca, sabia que a felicidade é como uma plantação, que se semeia na menor dos grãos e se colhe na maior das árvores. Esse foi o seu alimento, a fé dos que acreditam que o bem resolve os problemas.

Foto de betimartins

O jovem lenhador e o ancião

O jovem lenhador e o ancião

Durante meses e farto de maus tratos um filho de um lenhador ainda novo, resolveu sair de casa e caminhar pelo mundo fora. Era um rapaz robusto, forte, sempre gentil e educado, apenas com uma muda de roupa, um velho cobertor, um prato de barro, dois talheres, uma panela pequena, e um copo de lata já tão torto que nem se reconhecia.
Tudo isso eram as suas posses, dinheiro ele não tinha, mas pensava que seus dois braços eram fortes e sua vontade de trabalhar era grande também.
Logo ele caminhou por caminhos nunca antes vistos por ele, tudo era completamente novo e até a saudade dos irmãos ficava para trás, apenas lembrava-se de sua mãe cansada e desgastada e sentia compaixão de ter a deixado, respirando fundo desviou os seus pensamentos e seguiu em frente. Sorrindo sempre, ele ia lembrando-se dos bons momentos passados e parecia que estava também se despedindo deles também. Por momentos a dor dos maus tratos do seu pai veio à mente e apertou seu coração, era melhor ter vindo embora que lhe faltar ao respeito.
Tudo que sua vista visualizava era algo que ele nem podia descrever, a paisagem estava mudando, logo estaria perto de uma cidade coisa que ele nunca viu na sua vida apenas numa folha de um jornal velho que achou pelo bosque e que teve que esconder, pois seu pai proibia tudo que fosse livros ou algo ligado a eles, dizia que era coisa do diabo e das tentações.
Passados dias de caminhar, dormir em locais variados, comer o que dava a natureza ele sentia um homem feliz e liberto da escravidão, tudo valia a pena por novos horizontes afinal ele tinha sonhos e o seu maior sonho era aprender a ler. Aquele bocado de jornal sempre o deixava ansioso, que queria dizer todas aquelas letras se ele nem o seu próprio nome saberiam escrever.
Apenas sabia que se chamava João Rodrigues, era o nome do seu avô que morreu muito novo era ele ainda um menino com tuberculose apenas lembrasse-se da tosse compulsiva nada mais.
Ele sabia o que queria e logo chegou à cidade, cheio de esperança, ele procurou trabalho e logo achou numa estalagem que veio mesmo a cair bem, os donos o deixavam dormir nos estábulos dos cavalos. Não era muito pior que sua casa, ele aprendeu a trabalhar com ferro, o velho da estalagem ensinou a tratar dos cavalos, ver e reparar as ferraduras e fazer novas também.
Como ele era educado e gentil depressa aprendeu o novo oficio logo todos gostaram dele até a filha mais nova dos donos da estalagem, logo ele descobriu os encantos do amor, entregando-se aos desejos da luxuria e depois conheceu o ciúme e afagou suas dores em copos de vinho retardado e azedo. Deixou-se afundar por mais de cinco anos, entre bebedeiras, brigas, até seu trato com as pessoas piorou ao ponto de ser despedido.
De novo ele pegou nas suas coisas que eram ainda mais leves, pois perdeu tudo e até a sua dignidade e voltou a caminhar pelo mundo fora.
O ar frio, do inverno gelava suas veias, as poucas vestes pareciam colar em seu corpo magro e maltratado pelo álcool e má nutrição. A sede secava sua boca e a fome era pouca, apenas queria um copo que aquecesse a alma e fizesse esquecer a vida sofrida.
Caminhou por montanhas, pensando na sua vida, nunca parava, aprendeu a comer o que a natureza dava, seja o pouco que para ele, era muito.
Cansado de mais um dia a caminhar, a tarde estava indo embora e ele tinha que arranjar lenha e um lugar abrigado para ficar. Estava no alto de uma grande montanha, não resistiu e sentou-se bem no pico ela, olhando para o horizonte.
Por instantes ele pareceu ver sua família, por instantes ele parecia ter saudades dos maus tratos do seu pai, era tudo tão estranho, parecia que estava sonhando, caiu uma lágrima pelo rosto e chorando ele sabia que tinha perdido tantos anos sem alcançar seu sonho.
Adormeceu ali, quase que poderia cair, bastava ele desequilibrar, sentiu uma mão quente em seu ombro abanando-o suavemente, uma voz doce e segura seria que estava a sonhar.
Depressa abre seus olhos inchados, assustado, olhando-o o homem que ali estava, era estranho, tinha umas vestes estranhas um pano enrolado no seu corpo e que deixando entrar frio. Lentamente saiu do lugar com muita calma para não cair, escuta a voz do homem estranho:
- Vamos para minha caverna que lá estará quentinho e mais confortável.
Acenando com a cabeça se deixa conduzir, mas seu corpo estava cansado, muito cansado e sua alma doente e triste.
Calado apenas observava o velho que estava a sua frente, magro de cabeça rapada, seus olhos grandes e um sorriso amplo. Observou a caverna, ampla, cheia de pedra, tinha uns desenhos estranhos tipo sinais, ele não compreendia era tudo estranho.
O velho ancião leva-lhe um pouco de sopa quente, era uma magra sopa, mas quente confortava a alma e suas energias. Tudo estava no mais repleto silencio apenas se escutava o crepitar da lenha e olhava para suas chamas, logo o sono fazia suas pálpebras fecharem contra a sua vontade.
Entendendo tudo isso o velho ancião ajuda-o a levantar e leva-o para um canto que estava repleto de folhas secas e dá ordem que se deite ali. Já há muito que não se sentia tão bem tratado e adormeceu.
A noite foi estranha, sonhos e sonhos, sonhava com seus pais e irmão sonhava com a vida que teve na estalagem, parecia que tudo estava a flor da pele, assustado ele voltou a sonhar, mas ai viu a sua mãe morta num caixão, acordou a gritar.
O velho ancião tranqüilizou dizendo que era só um pesadelo que estava com muita febre, dando de beber e colocando compressas frias da única camisa que ele tinha ganhado com o seu suor.
Ali ele travou a sua luta entre a vida e morte, sabia-o, ele sentia que era tudo estranho muito estranho, apenas pedia desculpa pelos seus erros, o velho ancião sorria e dizia, teremos tempo para falar de tudo isso com calma, agora vês se dormes e sossegas.
Logo se recuperou, agradecendo ao ancião a sua ajuda, pensando voltar a colocar a caminho para novo rumo.
O velho ancião o chamou e pelo seu nome João, pedindo-lhe que o escutasse por momentos:
- João na vida não existe acasos, não te encontrei por acaso, tu foste enviado por Deus para que fosses preparado, educado e aprendesses o que eu sei. Sei que teu sonho é aprender a ler e vais aprender a ler e escrever, deixar que tu aprendas tudo o que eu aprendi e assim estarei pronto a partir daqui em breve.
João por momentos ficou quieto, pasmo, sem saber que falar que pensar, ele tanto queria aprender, mas que seria que aquele velho poderia ensinar. Olha para o céu furtivamente afinal ele queria saber mais da vida e porque não arriscar afinal ele se importou com ele ali quase morrendo. Pensou será a minha forma de agradecer o que ele fez por mim.
O velho ancião leu seu pensamento e olhando em seus olhos e em voz forma exclama:
- João se for assim por agradecimento parte e vai embora. Apenas te quero aqui por vontade própria, para que possas receber os meus ensinamentos.
De repente algo acontece, parecia um sonho o João teve uma visão, clara como água cristalina, viu a sua mãe, orando ajoelhada nos pés de sua antiga cama, pedindo pelo seu filho, com as lagrimas caindo de seu rosto. Ele viu que era ali que deviria ficar Deus a ouviu e o conduziu até ali o salvando dos pecados mundanos.
Agradeceu ao seu ancião ajoelhando-se e beijando suas mãos com sinal de respeito e amor.
Assim João aprendeu a escrever e rapidamente assimilou todos os conhecimentos do seu amigo ancião. Tornando-se um conhecedor da natureza e aprendendo a ligar-se com seu maior mestre Deus.Aprendendo que agradecer é a maior maravilha do homem terreno.

Foto de betimartins

Sinais dos tempos confusos.

Sinais dos tempos confusos.

Durante a minha caminhada eu já vi muito sofrimento, vi muita dor, vi amor e muito desamor também. Por vezes fico a pensar que levam um ser agüentar sofrimento, dor, punição e escravidão de outrem, complicado observar tudo isso, tentar entender mais ainda. Que levará um jovem que teve quase tudo e nada serviu para seu crescimento, tornando-se revoltado, confuso e sempre violento na sua forma incrível de amar.
Um jovem que viva sobre pressão, sobre violência do seu parceiro e sentindo-se ninguém, sem ele não vive apenas sobrevive., quase uma panela de pressão, explode
Certamente mais dia menos dia.
Será um jovem que se saiba amar? Que tipo de amor ele conhece? Será que no seu entendimento ele tem algo além de si, alguma espiritualidade, regras, limites?
Não tem qualquer um deles, nem amor a si mesmo, nem sabe o que é limites, muito menos as regras e pior ele não acredita em absolutamente nada apenas que vive e nada mais.
Hoje vemos mortes violentas, casais onde a violência é prato do dia, roubos, estupros, violências nas crianças de vários tipos e quem geraram tudo isto? Falar na velhice, melhor nem falar, pois me envergonho por isso...
A sociedade, onde os valores familiares caíram por terra, onde já não existe mais dialogo compreensão, não existe mais tempo de lazer juntos, país e filhos e por ai fora. A sociedade começou a dar valor aos bens materiais, as comunicações, seja pela via da televisão ou internet, apenas têm que viver de acordo com os padrões da moda impostos pela sociedade consumista.
No meio disso eu me pergunto quem somos que estamos fazendo aqui? Porque estamos compactuando com tudo isto e ficar de boca calada. Para muitos apenas pensam que podemos fazer nada, absolutamente nada, engano total, podemos fazer tudo e tudo mesmo.
Podemos começar a nos mudar, mudar dentro de nós, agindo certo, caminhando certo repondo valores, mudando visões e fazer uma vistoria dentro de nós onde estamos errando, consentindo-nos a ver algo errado e ficamos calados por medo de repressão, erramos quando um filho nos desrespeita e ficamos calados por vergonha e falta de pulso, erramos quando permitimos que nós desvalorizássemos e ficar calados, tristes, chorando pelos cantos.
Tenho um marido que hoje me ensinou melhor “é chorar ela, que tu daqui a uns anos por ela”, ele estava certo, certíssimo, pois se ela errar quem vai chorar é eu, por vários motivos.
Hoje acho que a educação é imposição de regras, limites e aprendizagem com outros irmãos, aprendendo, a saber, compreender e respeitar seus limites e suas opiniões.
Claro que muitos falam de amor, amor isto amor aquilo, que acham que é o amor? Amor é criar um ser inteligente, compreensível, humano e com verdadeiros sentimentos.
Amor é saber dizer não, não mesmo, amor é orientar e conduzir nos trilhos da vida, onde existem leis, existem os que tudo tem tudo e os que nada têm, mas todos eles têm que ser respeitados e compreendidos.
Talvez a minha linguagem seja simples, sem grandes palavras caras, eu sou uma filha de Deus que ama a vida e o que ela me oferta, gosto de escrever, gosto de observar, sentir e deixar as emoções falar comigo. Como eu acredito em Deus SEM QUALQUER SOMBRA DE DUVIDA, eu apenas pergunto o que é que serão os nossos filhos no amanhã, que eles esperam da vida?
Que será dos nossos netos, que perspectiva eles terão da vida e do que ela nos ensina e oferece?
Sinceramente eu não sei e sinceramente eu gostaria de acreditar que o mundo esta a mudar, mudar seus valores a começar pelos governantes, mas tu e eu sabemos que isso é impossível, sabemos que todos hoje em dia não gostam de suar a camisa, fazer sacrifícios, apenas tirar proveito de tudo. Alguns o fazem na mais descarada forma, por isso vemos mercados a inflacionar, poderosos e mexer com preços e fazer cair um país e por ai fora. Não sou economista apenas sou responsável pela gerência de minha casa e família, sabendo até onde posso ir ou não.
Hoje vemos e vamos ver coisas bem piores, que pais matarem filhos, filhos matarem pais, alunos bater nos professores, uns nos outros, outros matando tudo que esteja a sua frente e no final veremos coisas ainda piores.
Vemos Católicos, Evangélicos, Judaísmo, Hinduísmo, Islamismo, Budismo, Xintoísmo e por ai fora, acho que hoje já perdi a conta a tanta religião, mas o que mais me intriga neste momento é com tanta religiosidade ninguém tem Deus dentro de si. Apenas querem fazer valer quem está certo e quem não está eu diria que é uma corrida através do tempo e da vida.
Uma corrida direta ao precipício dos fins dos tempos, tempos cheios de dor, culpa e arrependimento e vamos fazer parte dele sim, pois foi nossa geração e geração anterior que permitiu que errássemos na forma de educar e amar. A nossa culpa e estamos a pagar muito caro mesmo basta ver os crimes hediondos na TV, no jornal e a corrupção que avança de forma incrível pelo mundo fora.
Poderia falar muito mais aqui, mas seria chata, terrivelmente chata, hoje ninguém gosta de literatura que nos “encha o saco” como se fala na linguagem de hoje.
Apenas lamento tanto sofrimento que semeamos e estamos a colher quando deveríamos viver no amor, na partilha e na igualdade da humanidade.
Pausa para reflexão!

Foto de Ednaschneider

Nostalgia

Que saudades do tempo das palavras!
As imagens eram formadas na mente,
Que saudades das poesias!
E ao amanhecer um scrap de Bom dia.

Quando a imagem na mente não surgia
Os desenhos eram de pontinhos somente
Mas o diálogo mesmo virtual era mais constante
E mesmo diferente da gramática, se escrevia.

Agora...é vídeo, flv, wma
Imagens, sons: uma mistura
Até para esses recados apagar
O tempo dura...

Que tempo é esse que passa tão rápido!
Jogos, Apps, fazendas, roubos virtuais...
Que saudade da amizade de recadinhos engraçados
Da poesia, do mundo on line que nem no imaginário existe mais...

Minha página virou outdoor
Queria um recado pequeno mais pessoal
Não um enorme classificado de jornal.
Por isso deixo registrado meu dissabor.
Joana Darc Brasil
2011

Foto de Marilene Anacleto

Meu Outono - Círculos III

Sementes de épocas passadas
Em outras estações plantadas
Confirmam sua existência
Com natural exuberância.

No outono de minha vida
A árvore está carregada
Experiências deram frutos
Já estão todos maduros

No silêncio e quietude
Do entardecer, juventude
Da disputa, a energia
Ao silêncio e alegria

Na segunda adolescência
Serenidade é a aparência
Liberdade, tal porta aberta,
De medos sobrecarrega.

Transmutei os valores do ter
Para os valores do ser
A essência das sementes
São os frutos da experiência.

Foi necessário viver
As perdas do parecer
Empreender solitária viagem
Produzir uma nova ramagem.

Na argila do coração
Cada experiênciemoção
Ocorrida no passado
Tornou-me mais iluminada

Ora folha, ora flor,
Ora branco ou varicor
Ora tronco bem plantado
Ora amigo abençoado,

A colheita dá-me vida
Ritmo, luz e energia.
No outono amarronzado,
Abençôo o meu passado.

Mais um ciclo se encerra
Nesta exuberante Terra.

Marilene Anacleto

Publicado em: http://rotadaalma.spaces.live.com/
Publicado no site http://www.itajaionline.com.br/colunas/marilene/marilene.htm,
Publicado no Jornal Folha do Povo – Itajaí – SC

Foto de raziasantos

A Última Carta!

Há ultima carta.

Entre mil novecentos e trinta nove, quando estoura a segunda guerra mundial:
Estávamos com nosso casamento marcado, por opção de meu noivo com seu patriotismo, resolveu alista-se para a grande batalha, não sei se sabia o que o esperava...
Seus pais como eu tentamos persuadi-lo a desistir, de lutar, mesmo porque se abreviássemos nosso casamento ele não seria convocado.
Mas quando amamos verdadeiramente não podemos podar os sonhos de quem amamos seria como se quebrássemos as asas de um pássaro.
As famílias dos pracinhas reuniam-se para despedida:
Da cidade onde morávamos eles eram transportados por trens, para um destino que nem eles sabiam onde seria.

Marcos este empolgado e orgulhoso em sua farda engomada, e bem passada.
Marcha sorridentes em direção á estação, onde eu e seus pais já o esperávamos, juntamente com outras famílias.
Eu usava um vestido de organza florido, meu cabelo dourados solto:
Estava ali ansiosa e aflita me orgulhava de meu amor, mas sabia que nosso destino agora era incerto, neste momento Marcos perdia a solidez da família e nosso calor, mas ganhava os aplausos e solidariedade de todos como também
Os demais soldados.

A me ver Marcos corre ao meu encontro tira sua boina e coloca no bolso, me abraça forte depois me toma em seus braços, me levanta como seu fosse uma pena, tão forte vigoroso.
Estávamos apaixonados, e nosso coração confirmava nosso amor.
Beijamos-nos longamente um beijo com sabor de despedida, mas cheio de desejos.
Ao som do hino nacional os soldados embarcam em busca da vitoria.
Como crianças inocentes estão eufóricas, como quem se espera um presente cheio de surpresas.
O trem fecha as portas e os sonhadores, exibem suas boinas nas janelas do aglomerado trem:
Entre os apitos, e fumaça desaparecem nas curvas das montanhas.
Marcos prometeu-me que me escreveria todo mês que para mim seria uma eternidade.
Quando o barulho do tem cessa, meu coração também se silencia.
Ainda sinto em meus lábios o sabor de sua boca, mas jê é grande a saudade.

Os dias passam lentamente, e para minha alegria recebo a primeira carta.
Marcos me escreve, com entusiasmo, e positivismos, diz estar tudo ótimo

Diz minha amada não se preocupe estou bem instalado em uma humilde hospedaria, mas tenho lençóis, limpos e comida quente, a guerra não é tão mal como se dizem.
Ele só se torna melancólico ao falar do nosso amor da saudade que sente do desejo que arde em querer me abraçar, me beijar, estar ao meu lado.
Neste instante eu o vejo sorrindo ao nos despedirmos, mas apesar da tristeza de sua ausência, fico feliz ao saber que ele esta sob um teto limpo com comida quente.
Começo há contar os dias para receber a segunda carta.
Assim meus dias passam mais rápido.

Por doze meses recebia suas belas cartas, a cada trinta dias eu já esperava o carteiro, com um copo de refresco ou uma xícara de café.
Sentia meu coração disparar quando o carteiro gritava meu nome ele já estava habituado, a todo mês me entregar à carta tomava seu refrescou ou café e assobiava acenado feliz por me dar boas noticias.

Eu me sentava ao lado da cachoeira nos fundos de minha casa, e com os pés na água espumante eu lia e relia todas as cartas.

Ardia em meu peito à dor da saudade e uma longa e intensa espera.

Mas as cartas tão cheias de incentivos e positivismos me deixavam, mais animada por saber que me amado Marcos estava bem.
Na pequena cidade que morávamos nunca recebíamos jornal.
E eu não tinha radio.
Meu coração por vezes apertava e sentia meu amor em perigo
Às vezes sonhava com ele sujo, e chorando...
Um amigo de Marcos volta para casa mutilado, depois que seu acampamento foi torpedeando.
Com a chegada de Mauricio entendi a dor de meu coração e razoes de meus sonhos, Marcos mentiu para mim, por todos esses meses, não tinha hospedagem com lençóis limpos, nem comida quente, tudo era sujeira e rastro de destruição, sobrevier não era uma opção, mas sorte.
Marcos não sabia que Mauricio tinha voltado, e continuava a falar coisas boas sem nunca deixar de me declarar seu imenso amor.
Meu coração agora é só dor, e medo, de perder meu grande amor.
A espera de suas cartas já não me deixa feliz, pois sei que ele mente.
Meus dias passaram a ser eternos, pois nunca via o tempo passar.
Todos os dias eu orava por todos que lutavam nesta guerra sem propósito.

Depois de onze meses as cartas cessaram!
E o silencio-me fez adoecer de amor, a saudade e incerteza tomaram conta do meu viver.
No dia vinte e dois de março de mil novecentos e quarenta e dois depois de mais de um ano no silencio, ouço novamente chamar meu nome, corro para abrir o portão, mas sei pela voz que não é carteiro, logo que abro o portão vejo um carro oficial militar parado em frente á minha casa um comandante tira a boina e faz continência me cumprimentado meu corpo estremece algo dentro de mim me diz que vou ter a pior noticia de minha vida, mas por outro lado eu rejeito esse pensamento e penso__ ele meu amor esta dentro do carro esta é a surpresa, o comandante olha em meu olhos um olhar distante e frio, com voz tremulas me diz meus pêsames senhorita, estou aqui para lhe entregar estas duas cartas,em uma eu reconheci imediatamente a letra do meu amor,mas no momento não tive coragem de abrir.
A segunda abriu diante dos olhos do comandante era uma medalha de honra á um herói morto.
Senti um vazio tão grande seguido de grande revolta, pois me lembrei de Marcos entrando naquele trem cheio de esperanças, e orgulho, por ir lutar por seus pais.
Olhei para o comandante que insensível a minha dor começou a detalhar a morte de Marcos.
Sem me despedir do comandante fui para nossa cachoeira ali eu li minha última carta.

Minha querida hoje te escreve para te dizer que estou indo com uns amigos para um novo lar, ainda não sei como será viver neste lar, mas sei que para sempre irei te amar, jamais se esqueça que nasci pra te amar.
Quando a saudade te sufocar lembre-se estarei entre as nuvens, e por todo firmamento a te olhar.
Lembre-se minha ama da nossa cachoeira, como as águas espumantes estão sempre, a nos abraçar, amo-te amor, amo-te
Adeus meu grande amor.
Assinado Seu unicamente Marcos.

E assim eu recebi sua última carta!

Foto de Marilene Anacleto

Mulher Terra

O Céu semeia
A Terra fecunda.
A semente morre
A vida brota.

O homem semeia
A mulher fecunda.
O embrião desenvolve
A vida brota.

No chão da terra
Expande-se o broto.
Com muito esforço
Penetram raízes:
Luta para ver a luz.

No útero feminino
Expande-se o embrião.
Se não há espaço
Esticam-se braços:
Para ver a luz.

A terra se parte
O broto cresce.

A mulher se rasga
O embrião pesa, esmaga.

Varizes, inchaços, estrias.
Tudo acaba. O choro traz alegrias.

Marilene Anacleto

Publicado em: http://rotadaalma.spaces.live.com/
Publicado no site http://www.itajaionline.com.br/colunas/marilene/marilene.htm,
Publicado no Jornal Folha do Povo – Itajaí – SC, em 21/03/99

Páginas

Subscrever Jornal

anadolu yakası escort

bursa escort görükle escort bayan

bursa escort görükle escort

güvenilir bahis siteleri canlı bahis siteleri kaçak iddaa siteleri kaçak iddaa kaçak bahis siteleri perabet

görükle escort bursa eskort bayanlar bursa eskort bursa vip escort bursa elit escort escort vip escort alanya escort bayan antalya escort bayan bodrum escort

alanya transfer
alanya transfer
bursa kanalizasyon açma