Chão

Foto de Ivone Boechat

Círculo vicioso

Círculo vicioso

Ivone Boechat

Um dia, milhões de bebês choraram na liberdade uterina do milagre da vida: nasceram. Não vestiram seus corpos, não lhes calçaram sapatos nem lhes deram o conforto do seio materno, antes da posse do sonho infantil, foram rejeitados, ao rigor do abandono.
Um dia, mãozinhas trêmulas, inseguras, sem afeto, bateram na porta do vizinho, procurando abrigo. Não havia ninguém ali para oferecer afeto nem portas havia na pobreza do lado. O menino escorregou na direção da rua.
Um dia, a criança anêmica foi eleita à marginalidade da escura noite e disputava papelões e pães no lixo do depósito público. Aos tapas, cresceu como grão perdido no vão das pedras, sem a mínima possibilidade de sobreviver: sem teto, sem luz, sem chão.
Um dia, o adolescente esperto teve alucinações de vida e o desejo de conferir a sociedade: candidatou-se à luta amarga do subemprego. Alvejado pela falta de habilitação, foi condenado como vagabundo, recebendo etiqueta oficial de mendigo.
Um dia, o adulto desiludido, amargurado, sem emprego, sem referencial, saiu à procura do amor. No escuro, mas cheio de esperanças, foi colecionando portas fechadas pelo caminho. Sem Deus, sem nome, sem avalista, sem discurso, acreditou no "slogan" das campanhas sociais.
Um dia, o menino mal nascido, mal amado, mal educado, não soube cuidar do filho que nem chegou a ver. Não ouviu seu choro. Imaginou apenas que, após nove meses de duríssima gestação, alguém brotara de um rápido encontro, irresponsável, assustado e vazio que sempre ouviu dizer que se chamava amor.

Foto de Nailde Barreto

Perfeito Amor.

Andarilho, sem rumo, sem chão, invisível!
Sem prumo, sem rima, fora de mão...
Falsos motivos, egoísmo nas emoções, passível!
Máscaras de dublê, sem saber, cega os olhos e congela o coração...
Deus acerta o prumo da vida, remove as vendas que limita a visão.
Pare de fugir, pois, quando Deus te alcançar, você vai sentir esse feito com precisão.

Foto de Arnault L. D.

Ícaro

Voa ave no cantar do vento,
em espirais, deixa-se levar...
aos caprichos que guia-lhe o ar
sobe a girar no firmamento.

Livre, como é de seu feitio,
o pássaro faz parte do ar.
Que abraça, a laços desatar,
o embala, longe, ao vazio.

O vazio, ao vôo nos convida
e em seus braços nos enleva,
ao planar, liberto da longeva
caminhada no chão desta vida.

E deste mesmo ar me completo,
a cada respirar nos confundo,
no sopro expiro o céu moribundo
deste voar que n’alma aquieto.

Foto de Lou Poulit

Não Viverei Para Sempre

NÃO VIVEREI PARA SEMPRE

Não viverei para sempre.
Não do brilho de ideais.

Não esperarei respostas,
não quebrarei seus segredos,
mesmo não lhes dando as costas,
nem aos ígneos nem aos ledos.

Não farei deles escola
nem predarei dissidentes,
dê-se, dada, uma esmola
que não se guarde nos dentes...

Às sombras eles pertencem
e jamais cabem nos egos,
os bichos da seda tecem
e grãos lutam, como cegos.

Tudo que há depois é graça,
a manhã de amor sem prazo,
mas o amor, que é uma garça,
toma sopa em prato raso.

Não morrerei para sempre.
Não pelos meus ideais.

Se decerto há em mim o artista,
deserdo do meu rocio
minha prole idealista,
em favor do ideal cio.

Porque a morte é sua noiva
pela vida prometida,
e um ideal é uma goiva
nas mãos do Artista da Vida.

Morrerei até que o sempre
de quedas meu tempo seja,
e destino seja, dentre
tudo que derruba a peja.

Mas sempre é também uma ideia,
tal e qual os himeneus...
Dos nubentes céu de Réia.
Dos casados, chão de Zeus.

(Passarinho, 2015
Direitos Reservados)

Foto de Arnault L. D.

Dolorosa

Minha alma anda tão triste
que apagou as luzes,
desligou o som.
Que buscou o canto da parede,
o chão do canto da parede
e ali se encolheu.

Respirando de pouquinho,
quase como esquecendo,
a chorar lágrimas mornas,
a engasgar de boca aberta.
Só querendo junto a luz,
apagar a dor.
Ou se fazer invisível,
inalcansável fim do mundo.

O chão do canto da parede
tem um quê de fim do mundo,
como o umbral de uma cova.

O corpo teso, cada músculo
queimando em estafa.
Testa vincada, pulmões travados,
olhos vazios de esperança,
olhos de naufrágio...
No canto escuro, no silêncio,
solitário, das almas doloridas.

Um grito fibrilante é o silêncio.

Foto de Carmen Lúcia

Outono

Tempos dourados outorgam novo ciclo,
Outonam caminhos, regam a esperança,
douram folhas, desnudam paisagens
que nuas perambulam, a contento,
bailando sem pudor entre o calor e o frio
e de mansinho desaparecem com o vento.

Acordam a nostalgia com acordes de magia
a tecer um tapete de ouro pelo chão
por onde passará com nobreza e distinção
a doce trilogia: beleza, poesia e emoção,
fazendo o tempo deslizar bem devagar, sem precisão.

Da terra brotam sulcos, alcovas das sementes
e silenciosa, a germinação procede vagamente,
acalentando o sono das flores adormecidas,
enquanto o frio do inverno cumprir sua missão.

Mas hoje é outono, tempo de espera,
as folhas jazem mortas... até a primavera,
que cobrirá de cores o cenário amarelado,
de flores e de vida o momento esperado.

_Carmen Lúcia_

Foto de Valeria Sampaio

SUFOCO

Sem condição
Eu fui embora sem me despedir
Fui porque não suportei
Viver assim

A dor no peito
Aumentando quando
Não a vi
Então, eu fugi...

Chorei sem parar
Fiquei no silêncio
Tentei me esconder
Não consegui

Gritei para o céu
Pedi ajuda
E hoje eu encontrei
Estou com você.

Agradeci,
Retratei-me
Pedi perdão!

Não era eu
Quando escolhi
Cair no chão

Era uma pessoa
que não tinha
o amor próprio
e tivera que reaprender

Foto de Kiss_Kiss

Pensei...

Pensei

Pensei que voce seria forte,destemido,eu pensei imaginei,desejei
que vc me salvasse de mim,que me tirasse do chão, me segurasse pela mão
que me daria asa para voar, me ensinaria a planar,cortar o vento
sentir livre de mim...
Livre dos meus medos... me faria ser forte...que me ensinaria a lutar vencer,crescer .eu pensei,desejei ser livre com vc
kiss_kiss
beijo tão amargo quanto fel

Foto de Rosamares da Maia

Está Tudo Bem

Está tudo bem

Permitam-me ficar só no meu canto,
Deixem-me chorar todo o meu pranto.
Preciso do espaço para gastar toda a dor.

Talvez ninguém entenda este amor.
Não importa!

Não necessito de compreensão, só quero respeito.
Somente necessito de espaço e solidão.
Palavras de conforto não me confortam. Não agora.
Acentuam apenas o que se parte em meu peito.

Qualquer ato de solidariedade é sem efeito.
Deixem-me ficar só, na presença de mim mesma,
Olhando no meu espelho.

Preciso encontrar o eixo, meu centro de gravidade.
Deixem-me valorizar cada lágrima salgada,
Destilar a magoa e o veneno,
Beber o vinho desperdiçado do meu amor.

Depois, quando o tempo passar,
Quando a dor finalmente for passado,
Fraqueza latente, mas, da vida presente ausente,
Experimentarei gritar teu nome aos quatro cantos.
Ao vento, como um lamento contido e maduro.

Depois, quando a distancia esfriar meu coração,
Espalharei os teus retratos pelo chão da sala,
E friamente remontarei as cenas em cada cenário,

Racionalmente enlouquecida representarei,
Como sempre desempenharei o meu papel.

Direi simplesmente que está tudo bem.

Rosamares da Maia – 11/02/2014

Foto de Dirceu Marcelino

SONHOS DE MENINO IV - Sonhos transformados em lembranças - Saudade. Homenagem de um PAI e AVÔ aos filhos e netos

MEU CAMINHÃO DE MADEIRA
Eu me vejo em cada um de vocês!
Cada um de vocês me traz lembranças...
Gosto tanto, tanto eu amo vocês!
Fazem me recordar quando criança...

Brincando com meu belo caminhão
Um caminhão vermelho de madeira
Com o qual puxava cargas do chão
Ora pequenos gravetos ou areia...

Ora toras imensas e pesadas...
Fruto de minha imaginação
Ora plumas leves misturadas

Com capim arrancado com a mão
Que com flores belas e arranjadas
Visavam criar o nosso coração.

Dirceu Marcelino

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