Já fui guerreiro,
Um bravo e habilidoso guerreiro.
Nunca perdi uma luta.
Sempre comemorei minhas vitórias.
A tribo se pintava e aguardava sempre
Minha esplendorosa chegada,
Cheias de aventuras.
Conquistei o mundo,
O meu mundo,
Da minha forma.
Conquistei o respeito
E a vontade de viver.
Alimentei meus filhos,
Minha família,
Minha tribo...
Mas, quando a noite chegava,
Eu tinha medo...
Sentia-me só.
Meu pajé,
Sempre me orientou:
Que o medo dava um sentido de alerta aos bravos guerreiros.
Mas eu, não tinha medo da noite,
Dos espíritos da floresta
Muito menos de outros guerreiros
Tinha medo da solidão
Do oposto, do sublime.
Tinha medo do sentimento,
Das emoções, do sofrimento.
Depois de tantas batalhas,
Exatamente uma batalha,
Perdi parte do meu coração.
Um guerreiro bravo e vistoso o cortou,
E carregou-o como um troféu.
Em sua aldeia todos comemoravam
Menos ela,
Com seu olhar parado
Em um perdido horizonte
Com sua pele queimada
E seus negros cabelos
Deixava rolar uma lágrima;
Apenas uma lágrima
No canto de seu olho esquerdo;
E apertava o seu peito
E seu ventre
Com tanto desespero
Que todos perceberam.
Então ela saiu correndo
Entranhou na profunda floresta
Clamando por meu nome
E eu, escutava
E me lembrava de nossas noites
Onde a mãe lua nos abençoava
E quando chovia
Era o suor de nossos corpos
Escorrendo para o rio.
Ela se perdeu,
Na imensidão da floresta,
Se perdeu.
E lá deixou
A metade de seu coração
Enterrada na mais profunda raiz de um carvalho
Onde muitas vezes foi o repouso de nossos corpos.
E se juntou,
Aos mais sublimes seres
Com sua tristeza.
Ainda hoje,
Várias vidas depois
Ainda sinto que ela está lá
E continua a derramar
Aquela única lágrima
Que escorre pela sua iluminada face
Que sempre foi radiante
Como o Deus sol.
Mas também, às vezes,
Vejo-a correndo por dentre as matas
Rindo, rindo, rindo
Como costumávamos a fazer
E quando ela chega à beira do rio
E fica nua como o mais encantador ser
Entra na água
E banha-se,
Só ela e a lua
E depois, desaparece,
Debaixo de uma imensa cachoeira.
Isso virou um ritual
E desde então,
Todas as noites são assim
Ela me ama...
E eu morro afogado nas águas cristalinas de um rio...
Debaixo de uma grande cachoeira.