Aquela nunca vista formosura,
Aquela viva graça e doce riso,
Humilde gravidade e alto aviso,
Mais divina que humana real brandura.
Aquela alma inocente e sábia e pura
Que entre nós cá fazia um paraíso,
Ante os olhos a trago e lá a diviso
No céu triunfar da morte e sepultura.
Pois por quem choro, triste? Por quem chamo
Sobre esta pedra dura a meus gemidos,
Que nem me pode ouvir nem me responde?
Meus suspiros nos céus sejam ouvidos;
E enquanto a clara vista se me esconde,
Seu despojo amarei, amei e amo.
António Ferreira (1528-1569)