Três

Foto de Arilton Bronze

QUE HORAS SÃO?

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As pessoas sempre estão atrasadas e à procura de alguém para perguntar as horas. Outro dia, uma moça de blusa amarela e azul que passava próximo da onde eu estava dirigiu-se ao um senhor distinto, que estava parado ao lado de uma lanchonete. Falo distinto, pois esse senhor era um pouco calvo e estava comportadamente de mãos nos bolsos, usando um terno azul com uma camisa branca. Ele ficou indiferente.

- Psiu! Hem moço, que horas são? Já deu quatro? Indagou a moça mais uma vez.

Achei estranho e ao mesmo tempo curioso como às pessoas perguntam as horas. O senhor calmamente lhe respondeu:

- Já é quase quatro.

Como minha condução demorava muito nesse dia, resolvi caminhar até o centro da cidade. Logo hoje que o Sol está tão quente, reclamava comigo mesmo. De repente, aparece uma senhora abafada e com a voz um tanto cansada diz:

- Moço, já deu cinco?

- Já!

Não entendo, porque às mulheres perguntam as horas dessa maneira. Sei lá... Já fui abordado várias vezes por elas, que me fazia essa mesma pergunta. Há pouco tempo, quando passava perto do mercado, uma senhora trajando um vestido vermelho e calçada em tamanco, um daquele enorme, você sabe né! Essa mulher indagou-me:

- Senhor, já deu dez aí?

Por um instante fiquei sem saber o que dizer. É... Sim, quer dizer, ainda não, senhora. Com certeza você não sabe por que eu fique nervoso, eu também não.

Já na semana passada, eu estava no Banco do Brasil, quando se aproximou de mim, uma mulher com um chapéu cor-de-rosa e usando uma canga toda colorida...

- Quanto falta pras três?

Rapidamente falei quinze. Sei que você pode achar estranho, ora, como pode faltar quinze para três, mas...

- Tá, obrigado!

Não há de quer, eu respondi sorridente.

Eh! Parece que não adianta fugir; sempre tem alguém querendo saber as horas. Nem quando estou no barzinho amarelo lá perto de casa, não me dão sossego, nem nessas horas!

- Por favor, já são dez horas?

Dez e cinco respondi apreensivo.

- Obrigado cavalheiro!

No dia seguinte, acordei bem cedo para poder caminhar, eu precisava perder uns quilinhos. Sabe como é. Tenho uma calça linda na cor preta que ganhei no natal e estou sem condição de usá-la. Bom, mas no momento isso não interessa. Como eu estava falando...

- Você tem horas aí? Perguntou um cavaleiro que usava um tênis na cor violeta.

Tenho, respondi com voz um pouco embolada.

Ora bolas, por que todo o santo dia, alguém sempre me faz essa maldita pergunta. Ora, não sei mais o que responder. E você o que responderia?

Neste instante, quando eu estava vindo do trabalho, entrei no ônibus e vi um grupo de alunos lá no fundão, lá... Onde sempre eles gostam de ficar. De repente, o ônibus para, entra um adolescente, com certeza era um estudante e fez àquela pergunta que você já sabe: que horas são? Não pensem que foi para mim, se pensou se enganou.

- Pai nosso, que estais no céu...

Responderam os jovens do grupo do fundão. Logo depois, começaram a dar gargalhadas do colega, ele não sabia se ria ou ficava sem graça. Eu também aproveitei o momento disfarçadamente. Há, há, há...

Eh, depois dessa chega. Preciso descer no próximo ponto. Acho que estou atrasado. Mais afinal que hora é essa?

Arilton E. Bronze

Foto de rbgero

" Eternizando "

"Uma noite, um passeio. Cumplicidade à beira do mar, conversa solta, sorrisos livres, pensamentos voantes. Um cenário perfeito. Um palco montado para algo que se eternizaria. Um momento agora profundamente marcante em minha vida. Parecia simples, mas foi muito além disso. A areia macia sob nossos pés. Nossas mentes viajando no azul daquele céu estrelado. O mar a embalar com aquela sinfonia mágica nossos olhares. Todo esse cenário naturalmente disposto, e num complemento dos deuses, abençoado pelo néctar mais sagrado: um maravilhoso vinho. Mas nada disso tinha importância. Tudo era apenas complemento. Sei que os deuses invejaram-me por estar diante da companhia mais bela e doce de todo o paraíso. Tua presença era o ato principal daquele encontro. Teu sorriso inocente, tuas palavras soltas, teus carinhos espontâneos, teu olhar meigo. Tenho certeza que fui abençoado pelos céus por poder estar diante de um anjo em forma de menina. E mil vezes bendigo o efeito daquele vinho que soltou-me as amarras da timidez e fez-me beijar aqueles lábios morenos. De outra forma não teria coragem. Não por mim, mas por você. Bendito atrevimento. E naquele momento pude sentir o quanto pode ser simples a felicidade. Sem complicações; sem artificialismos. Num simples beijo abriu-se naquele momento as portas do paraíso. O que te disse, o que ouvi foi apenas detalhes de uma felicidade sem limites. Não é exagero. Não estou valorizando. É a pura verdade. Ouviu-me; ouvi-te. Confissões de nossos corações. Momentos de nossas vidas. Histórias de nós. Nossas histórias. Segredos agora revelados, pela primeira vez sem o menor pudor, pois tornastes a coisa tão simples que, na complicação de minha vida, nunca tinha passado por uma experiência tão gostosa. E mais beijos, mais confissões. Minha vida agora era tua, sem portas, sem paredes. Aberta e plena. E te faço mais uma confissão agora: já me entreguei de corpo algumas vezes, em alguns momentos. Mas pela primeira vez alguém pôde ter em suas mãos minha alma. Minha verdadeira essência. Confesso que me assustei de início, mas teu jeito cativante me deixou tão solto que não pude resistir. Minha alma agora era tua. Caminhar entre as nuvens; estar no limbo; sonhar entre as estrelas. E as Três-Marias não estavam no céu, porque naquele momento o brilho destas estrelas estava em teus olhos. Podia ver através deles tua doce alma, e lá fiquei por toda a noite, embalado por tuas palavras murmuradas como numa prece pagã. Bendigo aquele beijo que me abriu as portas do paraíso, e o vinho sagrado que abençoou nosso momento. Em teus braços senti-me tão seguro e amparado. Papéis invertidos. Tu a me proteger como criança desamparada, a dar carinhos e afeto. E me entreguei como jamais havia feito antes. Teus gestos tão simples e nem imaginas o quanto significaram para mim. Estar ao teu lado, juntos, por toda a noite. Nove horas tão rápidas. Tempo voante. Pena que rápido demais. Queria que fosse eterno, sem limites. Ainda procuro palavras para descrever aqueles beijos ardentes, mas meigos. Aqueles olhares provocantes, mas inocentes. Aqueles abraços calorosos, mas suaves. Aquela magia etérea, mas tão simples. Não encontro palavras, mas na verdade nem quero, para não quebrar a magia. A magia dessa tua discrição, dessa tua compreensão do que está acontecendo comigo, dessa minha condição. Amo-te por isso. És linda, e acima de tudo maravilhosa. Gostaria de termos para poder descrever-te, mas esses seriam muito aquém do que realmente representas. Doce anjo; anjo desta noite inesquecível. E não adianta eu colocar aqui mil 'obrigados' que seriam infinitamente poucos para que pudesse agradecer-te por tudo: os olhares, os beijos, o carinho, o afeto, as palavras, a companhia, a compreensão, a paciência, a cumplicidade, os afagos, o sorriso, as confissões, os segredos, a confiança, a amizade, a parceria, o zelo, a preocupação, a maturidade, tudo, tudo, tudo, e mais um montão de tudo. Nesse momento posso confessar que durante aquelas nove horas estive apaixonado por você, de uma maneira única, sem precedentes. Conseguisses coisas que ninguém até aquele momento jamais chegou perto de conseguir. Noite mágica; nossa noite. E agora só tenho uma coisa que poderia te dizer: ow dellííícccciiiiiiiiiaaaaaaaaaaaaa..."

Foto de Emilio Ferraciolli

Sexta de Labuta

Assim que o galo canta a cidade já levanta.
Tudo certo, o João e o Norberto vão trabalhar.
E de olho meia vida seguem rumo em sua lida.
O João de macacão, o Norberto relaxado,
nem amarro os trapo que carrega na mochila.
A marmita vai quentinha,
abafada quando abre, já é quase meio dia...
A comida que da vida,
é engolida com vontade,
mais deixando a metade pra depois das três da tarde.
É encima do andaime que a labuta continua,
poe a massa arrasta e puxa, e a parede se afirma.
Bate o sino das seis horas,
espreguiçam de alegria,
já chego a sexta feira tem samba no boteco
O Norberto já afirma:
_ Leva a Marta, eu levo o resto!
A vida continua com cachaça doze dupla
O samba reboando, o sol já vai descendo,
que já, já o galo canta á alegria de vive...

Foto de Alvaro Sertano

Alvaro Sertano"CONSTELAÇÃO"!

Da coletânea
"Eu, Poeta"! De pedaço em pedaço,
me faço um todo.

CONSTELAÇÃO!

Na mansidão da noite
no sibilar dos ventos,
setença de mandamentos
estrêla-maga dos ciganos.

No céu estrelado
do corpo carente,
o pranto sem lágrima
e estrêla cadente.

No sintoma fraqueza
da gente inocente
a rara beleza,
estrêla reticente.

No mar é cheia
no céu é anil,
estrêla Dalva
na terra brasil,
papaceias, estrêla guia.
No passar dos anos
mesmo a ermo,
sob estrêla matutina
coração, três Marias.

Alvaro Sertano.
http://pt.netlog.com/alvarosertano
Direitos do autor\"Ed.Eco's".

Foto de Carmen Vervloet

Boa Semente

Boa Semente

Semeei boa semente.
Em terra fértil
plantei a árvore da esperança,
pari com amor
três belas crianças!
Teci poemas de alegria...
Semeei,
pari,
teci,
sonhei...
Entreguei minha semente,
boa semente,
para três homens valentes
para que a entregassem
aos seus descendentes,
para que a levassem
na bagagem
da longa viagem.
Pedi que a espalhassem
pelos caminhos,
junto a minha obstinação
em plantar valores
mais profundos
mudando o perfil do mundo.
Trabalhei,
lutei,
plantei,
observei.
Amei tantos quanto encontrei,
amei outros por quem lutei,
ofereci meu sorriso
para todos com quem cruzei.
Amei,
sorri,
cruzei,
ofereci.
E acendi uma chama
no coração
que brilha em meu olhar!

Carmen Vervloet
Todos os direitos reservados à autora.

Foto de lua sem mar

Passado

“Passado”

Paro mais uma noite,
Ouço o coração,
Abro a gaveta da memoria,
Investigo tudo,
Relembro o mais pequeno alfinete,
Como um pedaço tirado de mim,
Não falta muito,
Quase nada mesmo,
Três anos, está quase.
Abro uma pequena caixa,
A caixa do primeiro ano,
As flores no aniversario,
Os jantares, as praias,
O vinho, o hotel,
Aquele que tão bem conhecemos.
Quase tão bem como nossas casas.
Os sonhos, os desejos,
Num simples café,
As brincadeiras na praia,
As muitas vezes que fui feliz,
Criança era eu juntamente com outra,
Hoje vivo apenas disso,
Recordações cravadas em mim,
Memorias de um tempo alegre,
Alegria que se transformou,
Virou uma simples palavra,
Solidão!
Hoje dou valor a tudo que tive,
Valor ao mais pequeno grão de arroz,
Que antes era insignificante,
Tanto que perdi, tanto que quero recuperar…
Jnh
Lua sem mar

Foto de Fernanda Queiroz

Poemas de Amor divulga oportunidades - Concurso Literário em Minas Gerais

Prefeitura de Belo Horizonte abre inscrições para o Concurso Nacional de Literatura
Publicado em 03/07/2009 15:14:13

Revelar novos talentos e promover a literatura são propósitos do Concurso. Este ano, os vencedores, além do prêmio em dinheiro, terão a obra publicada

A Literatura contemporânea brasileira tem seu destaque na cidade de Belo Horizonte. Mais uma vez, a Prefeitura da capital mineira lança o Concurso Nacional de Literatura com o prêmio “Cidade de Belo Horizonte”, que este ano contempla três categorias Ensaio, Poesia – Autor Estreante, Dramaturgia e o prêmio “João-de-Barro”, destinado à literatura infantil. As inscrições estão abertas e podem ser feitas até o dia 07 de agosto. Os regulamentos e fichas de inscrição dos prêmios, que estão entre os mais importantes e tradicionais do país, podem ser encontrados no site www.pbh.gov.br/cultura. A realização do Concurso Nacional de Literatura é da Prefeitura de Belo Horizonte, por meio de sua Fundação Municipal de Cultura.

Prefeitura de Belo Horizonte abre inscrições para o Concurso Nacional de Literatura

Desejando a todos os participantes desta casa de poetas, muita inpiração e participação.

Grande abraço

Fernanda Queiroz

Foto de the girl with kaleidoscope eyes

Devaneios Juvenis

Mas, afinal somos bons amigos. Certo?
Porque a gente fala de qualquer coisa e um pouco mais. Porque a gente faz três piadas por segundo. E a gente concorda que coisas loucas é que nos mantêm sãos. E que a guitarra é melhor que a festa de formatura.
Porque a gente não sente a hora passar. Porque a gente sonha junto. Porque a gente fala de qualquer assunto. Porque a gente se entende.
Porque a gente ouve o mesmo rock, a gente usa o mesmo tênis. A gente é parecido e totalmente diferente.
Porque eu gosto do jeito envergonhado que ele faz com o canto da boca. Porque a voz dele me dá arrepio. Porque gosto de como ele mexe no cabelo. E gosto do jeito como ele tranca a risada.
Porque eu odeio quando ele me corrige. Porque eu odeio quando ele está de mau humor. Porque eu tenho raiva dele - muita raiva. Até ele contar uma piada.
Porque eu fico feliz sem motivo, fico louca, fico confusa; e caio de novo em desespero bom. E eu preciso. E penso. E sonho.
Porque eu sinto aquela vontade de sair de bicicleta por aí, de inventar uma música. Porque eu sinto aquela agonia inexplicável, porque eu quero gritar bem alto.
Por que então? Por que duvido de mim? Por que travo este jogo comigo mesma? Por que amo? Ou não amo?
Por que? Seria eu mera desconhecida de mim mesma? Quem é essa que escreve afinal?
Pois aquela outra de outros anos não precisava amar. Ou não conhecia o amor.
E se o amo...e se realmente o amar? O que faço? Bom ou ruim? Certo ou errado? Somos bons demais em ser amigos, mas desconhecidos de ser amantes.
Porque a gente vive em um mundo a parte. E a gente se provoca, e a gente discute e a gente não vive sem. E é tudo o que eu preciso. Ou preciso de algo a mais? E ele...será que precisa?
Mas foi sempre assim.
Porque eu dependo dele, e ele de mim. Porque eu amo o que temos. Porque às vezes o odeio. Porque não quero que acabe. E não quero que continue.
E eu odeio, adoro, preciso, respeito, admiro, amo. Sim, está bem, eu amo. Ou acho amar, porque o amar dito pelos outros parece conter este mesmo sofrimento, essa mesma euforia.
Pois se for isso amar, então amo mais que tudo, amo sem ter como explicar, sem palavras bastantes para isso. Amo e amo demais, amo doentio, amo louco.
Amo porque amo. Amo, e só.

Foto de Rosinéri

PARA TODOS OS CASAIS

Aos casados há muito tempo
aos que não casaram, aos que vão casar,
aos que acabaram de casar,
aos que pensam em se separar,
...aos que acabaram de se separar,
aos que pensam em voltar...Por mais que o poder e o dinheiro tenham conquistado
uma ótima posição no ranking das virtudes,
o amor ainda lidera com folga.
Tudo o que todos querem é amar.
Encontrar alguém que faça bater forte o coração
e justifique loucuras.
Que nos faça revirar os olhos, rir à toa,
cantarolar dentro de um ônibus lotado.
Tem algum médico aí???
Depois que acaba esta paixão retumbante,
sobra o que?
O amor.
Mas não o amor mistificado,
que muitos julgam ter o poder de fazer levitar.
O que sobra é o amor que todos conhecemos,
o sentimento que temos por mãe, pai, irmão, filho.
É tudo o mesmo amor, só que entre amantes existe sexo.
Não existem vários tipos de amor,
assim como não existem três tipos de saudades,
quatro de ódio, seis espécies de inveja.
O amor é único, como qualquer sentimento,
seja ele destinado a familiares, ao cônjuge ou a Deus.
A diferença é que, como entre marido
e mulher não há laços de sangue,
a sedução tem que ser ininterrupta.
Por não haver nenhuma garantia de durabilidade,
qualquer alteração no tom de voz nos fragiliza,
e de cobrança em cobrança acabamos por sepultar
uma relação que poderia ser eterna.
Casaram. Te amo prá lá, te amo prá cá.
Lindo, mas insustentável.
O sucesso de um casamento
exige mais do que declarações românticas.
Entre duas pessoas que resolvem dividir o mesmo teto,
tem que haver muito mais do que amor,
e às vezes nem necessita de um amor tão intenso.
É preciso que haja, antes de mais nada, respeito.
Agressões zero. Disposição para ouvir argumentos alheios.
Alguma paciência... Amor, só, não basta.
Não pode haver competição. Nem comparações.
Tem que ter jogo de cintura para acatar regras
que não foram previamente combinadas.
Tem que haver bom humor para enfrentar imprevistos,
acessos de carência, infantilidades.
Tem que saber levar. Amar, só, é pouco.
Tem que haver inteligência.
Um cérebro programado para enfrentar tensões pré-menstruais,
rejeições, demissões inesperadas, contas pra pagar.
Tem que ter disciplina para educar filhos,
dar exemplo, não gritar. Tem que ter um bom psiquiatra.
Não adianta, apenas, amar.
Entre casais que se unem visando à longevidade do matrimônio
tem que haver um pouco de silêncio, amigos de infância,
vida própria, um tempo pra cada um. Tem que haver confiança.
Uma certa camaradagem, às vezes fingir que não viu,
fazer de conta que não escutou.
É preciso entender que união não significa,
necessariamente, fusão.
E que amar, 'solamente', não basta.
Entre homens e mulheres que acham que o amor é só poesia,
falta discernimento, pé no chão, racionalidade.
Tem que saber que o amor pode ser bom, pode durar para sempre,
mas que sozinho não dá conta do recado.
O amor é grande mas não é dois.
É preciso convocar uma turma de sentimentos
para amparar esse amor que carrega o ônus da onipotência.
O amor até pode nos bastar, mas ele próprio não se basta.
Um bom amor aos que já têm!
Um bom encontro aos que procuram!
E felicidades a todos nós.

Foto de cafezambeze

JOÃO PIRISCA E A BONECA LOIRA (POR GRAZIELA VIEIRA)

ESTE É UM CONTO DA MINHA DILETA AMIGA GRAZIELA VIEIRA, QUE RECEBI COM PEDIDO DE DIVULGAÇÃO. NÃO CONCORRE A NADA. MAS SE QUISEREM DAR UM VOTO NELA, ELA VAI FICAR MUITO CONTENTE.

JOÃO PIRISCA E A BONECA LOIRA

Numa pequena cidade nortenha, o João Pirisca contemplava embevecido uma montra profusamente iluminada, onde estavam expostos muitos dos presentes e brinquedos alusivos à quadra festiva que por todo o Portugal se vivia. Com as mãos enfiadas nos bolsos das calças gastas e rotas, parecia alheio ao frio cortante que se fazia sentir.
Os pequenos flocos de neve, quais borboletas brancas que se amontoavam nas ruas, iam engrossando o gigantesco manto branco que tudo cobria. De vez em quando, tirava rapidamente a mão arroxeada do bolso, sacudindo alguns flocos dos cabelos negros, e com a mesma rapidez, tornava a enfiar a mão no bolso, onde tinha uma pontas de cigarros embrulhadas num pedaço de jornal velho, que tinha apanhado no chão do café da esquina.
Os seus olhitos negros e brilhantes, contemplavam uma pequena boneca de cabelos loiros, olhos azuis e um lindo vestido de princesa. Era a coisa mais linda, que os seus dez anos tinham visto.
Do outro bolso, tirou pela milésima vez as parcas moedas que o Ti‑Xico lhe ia dando, de cada vez que ele o ajudava na distribuição dos jornais. Não precisou de o contar... Demais sabia ele que, ainda faltavam 250$00, para chegar ao preço da almejada boneca: ‑ Rai‑de‑Sorte, balbuciava; quase dois meses a calcorrear as ruas da cidade a distribuir jornais nos intervalos da 'scola, ajuntar todos os tostões, e não consegui dinheiro que chegue p'ra comprar aquela maravilha. Tamén, estes gajos dos brinquedos, julgam q'um home não tem mais que fazer ao dinheiro p'ra dar 750 paus por uma boneca que nem vale 300: Rais‑os‑parta. Aproveitam esta altura p'ra incher os bolsos. 'stá decidido; não compro e pronto.
Contudo não arredava pé, como se a boneca lhe implorasse para a tirar dali, pois que a sua linhagem aristocrática, não se sentia bem, no meio de ursos, lobos e cães de peluxe, bem como comboios, tambores, pistolas e tudo o mais que enchia aquela montra, qual paraíso de sonhos infantis.
Pareceu‑lhe que a boneca estava muito triste: Ao pensar nisso, o João fazia um enorme esforço para reter duas lágrimas que teimavam em desprender‑se dos seus olhitos meigos, para dar lugar a outras.
‑ C'um raio, (disse em voz alta), os homes num choram; quero lá saber da tristeza da boneca. Num assomo de coragem, voltou costas à montra com tal rapidez, que esbarrou num senhor já de idade, que sem ele dar por isso, o observava há algum tempo, indo estatelar‑se no chão. Com a mesma rapidez, levantou‑se e desfazendo‑se em desculpas, ia sacudindo a neve que se introduzia nos buracos da camisola velha, enregelando‑lhe mais ainda o magro corpito.
‑ Olha lá ó miúdo, como te chamas?
‑ João Pirisca, senhor André, porquê?
‑ João Pirisca?... Que nome tão esquisito, mas não interessa, chega‑te aqui para debaixo do meu guarda‑chuva, senão molhas ainda mais a camisola.
‑ Não faz mal senhor André, ela já está habituada ao tempo.
‑ Diz‑me cá: o que é que fazias há tanto tempo parado em frente da montra, querias assaltá‑la?
‑ Eu? Cruzes credo senhor André, se a minha mãe soubesse que uma coisa dessas me passava pela cabeça sequer, punha‑me três dias a pão e água, embora em minha casa, pouco mais haja para comer.
‑ Então!, gostavas de ter algum daqueles brinquedos, é isso?
‑ Bem... lá isso era, mas ainda faltam 250$00 p'ra comprar.
‑ Bom, bom; estás com sorte, tenho aqui uns trocos, que devem chegar para o que queres. E deu‑lhe uma nota novinha de 500$00.
‑ 0 João arregalou muito os olhos agora brilhantes de alegria, e fazendo uma vénia de agradecimento, entrou a correr na loja dos brinquedos. Chegou junto do balcão, pôs‑se em bicos de pés para parecer mais alto, e gritou: ‑ quero aquela boneca que está na montra, e faça um bonito embrulho com um laço cor‑de‑rosa.
‑ ó rapaz!, tanto faz ser dessa cor como de outra qualquer, disse o empregado que o atendia.
‑ ómessa, diz o João indignado; um home paga, é p'ra ser bem atendido.
‑ Não querem lá ve ro fedelho, resmungava o empregado, enquanto procurava a fita da cor exigida.
0 senhor André que espiava de longe ficou bastante admirado com a escolha do João, mas não disse nada.
Depois de pagara boneca, meteu‑a debaixo da camisola de encontro ao peito, que arfava de alegria. Depois, encaminhou‑se para o café.
‑ Quero um maço de cigarros daqueles ali. No fim de ele sair, o dono do café disse entre‑dentes: ‑ Estes miúdos d'agora; no meu tempo não era assim. Este, quase não tem que vestir nem que comer, mas ao apanhar dinheiro, veio logo comprar cigarros. Um freguês replicou:
‑ Também no meu tempo, não se vendiam cigarros a crianças, e você vendeu-lhos sem querer saber de onde vinha o dinheiro.
Indiferente ao diálogo que se travava nas suas costas, o João ia a meter os cigarros no bolso, quando notou o pacote das piriscas que lá tinha posto. Hesitou um pouco, abriu o pedaço do jornal velho, e uma a uma, foi deitando as pontas no caixote do lixo. Quando se voltou, deu novamente de caras com o senhor André que lhe perguntou.
‑ Onde moras João?
‑ Eu moro perto da sua casa senhor. A minha, é uma casa muito pequenina, com duas janelas sem vidros que fica ao fundo da rua.
‑ Então é por isso que sabes o meu nome, já que somos vizinhos, vamos andando que se está a fazer noite.
‑ É verdade senhor e a minha mãe ralha‑me se não chego a horas de rezar o Terço.
Enquanto caminhavam juntos, o senhor André perguntou:
- ó João, satisfazes‑me uma curiosidade?
- Tudo o que quiser senhor.
- Porque te chamas João Pirisca?
- Ah... Isso foi alcunha que os miúdos me puseram, por causa de eu andar sempre a apanhar pontas de cigarros.
‑ A tua mãe sabe que tu fumas?
‑ Mas .... mas .... balbuciava o João corando até a raiz dos cabelos; Os cigarros são para o meu avôzinho que não pode trabalhar e vive com a gente, e como o dinheiro é pouco...
‑ Então quer dizer que a boneca!...
‑ É para a minha irmã que tem cinco anos e nunca teve nenhuma. Aqui há tempos a Ritinha, aquela menina que mora na casa grande perto da sua, que tem muitas luzes e parece um palácio com aquelas 'státuas no jardim grande q'até parece gente a sério, q'eu até tinha medo de me perder lá dentro, sabe?
‑ Mas conta lá João, o que é que se passou com a Ritinha?
‑ Ah, pois; ela andava a passear com a criada elevava uma boneca muito linda ao colo; a minha irmã, pediu‑lhe que a deixasse pegar na boneca só um bocadinho, e quando a Ritinha lha estava a passar p'ras mãos, a criada empurrou a minha irmãzinha na pressa de a afastar, como se ela tivesse peste. Eu fiquei com tanta pena dela, que jurei comprar‑lhe uma igual logo que tivesse dinheiro, nem que andasse dois anos a juntá‑lo, mas graças à sua ajuda, ainda lha dou no Natal.
‑ Mas ó João, o Natal já passou. Estamos em véspera de Ano Novo.
‑ Eu sei; mas o Natal em minha casa, festeja‑se no Ano Novo, porque dia de Natal, a minha mãe e o meu avô paterno, fartam‑se de chorar.
‑ Mas porquê?
‑ Porque foi precisamente nesse dia, há quatro anos, que o meu pai nos abandonou fugindo com outra mulher e a minha pobre mãe, farta‑se de trabalhar a dias, para que possamos ter que comer.
Despedíram‑se, pois estavam perto das respectivas moradas.
Depois de agradecer mais uma vez ao seu novo amigo, o João entrou em casa como um furacão chamando alto pela mãe, a fim de lhe contar a boa nova. Esta, levou um dedo aos lábios como que a pedir silêncio. Era a hora de rezar o Terço antes da parca refeição. Naquele humilde lar, rezava‑se agradecendo a Deus a saúde, os poucos alimentos, e rogava‑se pelos doentes e por todos os que não tinham pão nem um tecto para se abrigar., sem esquecer de pedir a paz para todo o mundo.
Parecia ao João, que as orações eram mais demoradas que o costume, tal era a pressa de contar as novidades alegres que trazia, e enquanto o avô se deleitava com um cigarro inteirinho e a irmã embalava nos seus bracitos roliços a sua primeira boneca, de pronto trocada pelo carolo de milho que fazia as mesmas vezes, ouviram‑se duas pancadas na porta. A mãe foi abrir, e dos seus olhos cansados, rolaram duas grossas e escaldantes lágrimas de alegria, ao deparar com um grande cesto cheinho de coisas boas, incluindo uma camisola novinha para o João.
Não foi preciso muito para adivinhar quem era esse estranho Pai Natal que se afastava a passos largos, esquivando‑se a agradecimentos.
A partir daí, acrescentou‑se ao número das orações em família, mais uma pelo senhor André.
GRAZIELA VIEIRA
JUNHO 1995

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