No meu verdejante jardim,
descuidadamente abandonado,
crescem em desordem entrelaçados,
arbustos de urze, alfazema e alecrim.
Gladíolos e jarros esmagados,
sob a grandeza de patas de veado,
envolvidos com rebentos de jasmim.
Ervas daninas viçosas de orvalho,
manto de azedas, amarelo limão,
desenho sombreado de um carvalho,
projectado, em movimento lento, no chão.
Buchos não aparados cercam a hortelã,
trinco a maçã caída da fortalecida macieira,
debaixo dela, durmo em silêncio, a tarde inteira,
eternizando o sono quebrado, pelo romper da manhã.
Acácias, orquídeas, manjericão,
por borboletas constantemente beijadas,
sardineiras em vermelho misturadas,
com rosas virgens, ainda em botão,
desfolhadas por barulhento escarevelho,
que procura sobreviver à sua solidão.
Cardos de tristeza envelhecidos,
trevos de quatro folhas perdidos,
entre rastejantes craveiro e chorão.
De pétalas abertas, sorridentes,
brilhando a céu aberto, em cor garrida,
desnudada, aprumada, de corpo inteiro,
ornamentada de beleza de margarida.
Folhas rasgaram-me o caule e abraçaram-me,
impregnando-me a alma de doce cheiro,
preso à terra pela raíz da sua raça,
senti-me estame e em graça,
pelo sabor do seu atractivo e sensual gineceu.
Fecundamo-nos mutuamente,
para parir o fruto da sabedoria consciente,
que dentro do nosso ventre em união cresceu.
Senti a cor do verde, o azul do céu,
o odor da terra e dos medos,
senti a vida, medi o tempo, olhei para o fim,
perdido no caminho que estava traçado dentro de mim.
Dancei aos ventos, bebi da chuva, tremi de frio,
sofri de amor, sangrei de dor, guardei segredos...
No meu jardim pouco cuidado, de natura bravia,
germinaram poucas, mas fecundas margaridas.
Nunca murcharam.
Tenho dentro de mim várias vidas.
O buquê das minhas vidas
é composto por tinta e quatro margaridas.