Ao telefone caminho, ouço uma voz de mansinho, a anunciar: Ele morreu. Então dou um sorriso, e paralisada, a desfaço em câmera lenta...
Sorriso desfeito, uso preto por hábito, para seguir a etiqueta. Passo o meu perfume e caminho para a Av. Angélica, sentido Cemitério do Araçá.
Mas na esquina famosa, Angélica x Higienópolis, os meus pés já não querem caminhar. Levanto o direito para a frente, mas para a direita ele insiste em ficar. O esquerdo com força movida, também sai destemida, para a direita então.
Paro, respiro, acendo o cigarro, sem lembrar que já tenho outro aceso na mão, e deixo-me movimentar aleatóriamente seguindo meus passos. Jogo um dos cigarros no chão, ao primeiro olhar e ao falar da senhora: vício igual nunca vi.
Meus pés me conduzem, e o coração acelera, até a perfeita visão.
São pelo menos trezentos outros como ele, que vejo na tarde de shopping, uma multidão.
Só então compreendo, que quero sua imagem viva, ainda que na memória para sempre, a sorrir, simplesmente ou de forma forçada, para mim.
Que enterro que nada, nunca velar o amado, eis uma grande lição.
Caminho no shopping, tarde inteira, sorrindo para os moços faceiros, sorveteiros,pipoqueiros.
Quem disse que não há vida após a morte, quem disse que não somos fortes, que imortalidade não há?
Vejo-te inteiro onde quero, rompendo todo o mistério, do interior de um caixão.
E danço demasiada, toda enlutada, de uma cor de dor.
Ganho cachecóis pois é frio, e os homens de verdade, só por caridade, tentam me cobrir. Verde, azul, rosa, roxo, amarelo, infinita caixa de lápis de cor.
Já não tenho o preto na veste, sou arco íris celeste, pós chuva, em dia de calor.
Hoje tua memória é varal, multicolorido afinal, que sequer é um adeus, pelo silêncio e pelo tu, tu, tu, tu... do telefone após anunciar... morreu "tu"!