Sabe o que é ser vazio?
Se sentir oco por dentro?
O peito implodindo
No silêncio do cio
Que reje o desencontro
À tudo que se deseja criar
E só se vê fugindo?
Sabe o que é ser vazio?
É alimentar o fogo;
Fomentar tempestades.
E só ter estio
Ou da recíproca devasta
Ver casta
O que deseja incasta.
Sabe o que é ser vazio?
É não ter
O que se sabe que tem;
É ter de ser
Justo o contrário do bem;
Prender um coração
Que nasceu para ser vadio
Como a canção.
Sabe o que é ser vazio?
É ter o doce à boca
E só sentir o armago;
É ter sempre do cigarro
O último trago;
A casa como toca.
Sabe o que é ser vazio?
É omitir o poema;
Destruir o poeta;
Rasgar o fardão;
Quebrar a pena;
Dobrar a reta;
Alcançar horizontes,
Que continuam distantes
De antes, de antes
Das gentes...
Sabe o que é ser vazio?
É claro que sabe!
Pois que também tem
Desejo e sede
De beber remédios e venenos
Fortes ou amenos
Para curar a ferida
Ou supurar de vez;
Ser a mocinha do amor
Ou flor bandida
Ou talvez...
Ou talvez não:
Roi a corda
Fecha a mào...
Ou talvez...
Ou talvez sim,
Seja assim
Só a bonança.
Não suspire desvairada.
Mas, encantada ainda
Com algo que não encanta,
De que adianta?
Não volta a primeira vez
No brilho ou no cheiro da tez...
Quando o beijo morde;
O abraço enforca...
Se antepor a razão
É de ante mão
Cair em contradição.
Andlusan em 1988