Olhos

Foto de Ozeias

Indesejada

Vou começar por onde a minha história deveria ter terminado. Se a nossa vida realmente é escrita por algum deus, este não quis me dar o ponto final naquele momento. Ainda faltavam papéis, linhas tortas e muita tinta no tinteiro.
Sempre achei que a história de ver a vida diante de seus olhos, antes de sua tragédia, fosse coisa de filme. Mas naquele momento, enquanto aquela carreta se aproximava desgovernada e impiedosamente do meu veículo, pude me ver ainda menino de cócoras olhando para o meu cachorrinho de estimação, as pipas perdidas que caiam mansas e tortuosas pelo céu enquanto eu e meus amigos corríamos e pulávamos os muros dos quintais para pegá-las; depois vi o sorriso de Isabel, que me olhava timidamente no pátio da escola, depois o beijo, o arroz caindo sobre nós sob aplausos e gargalhadas, o seu corpo despido...
– Seu marido teve muita sorte. É a primeira vez que direi isso, mas foi justamente a imprudência que salvou a vida dele. Pouco depois da batida, o carro pegou fogo. Se ele tivesse usado o cinto de segurança, não teria sido arremessado para fora do veículo e... Bem, ele teve muita sorte. Comparado ao que poderia ter acontecido, seu marido está bem. Um braço quebrado, três dentes perdidos, alguns hematomas e arranhões.
– Quanto tempo ele ficará internado?- Ouvi Isabel perguntar. Sua voz soava preocupada, trêmula.
– Três ou quatro dias. Precisamos realizar alguns exames para nos certificarmos de que seu marido realmente não sofreu nada grave. Os pré-exames apontaram nada, mas preciso ter a mais absoluta certeza, pois algumas lesões apenas aparecem horas ou até mesmo dias depois do acidente. Esqueci de mencionar a forte pancada que seu marido sofreu na região da cabeça. Oito pontos.
Senti a mão de Isabel apertando a minha.
– E como está o outro motorista?
– Infelizmente, morto. Mas a causa da morte não foi este acidente, foi outro. A família já foi notificada do ocorrido.
– A morte veio buscar um e aproveitou a viagem para carregar o meu marido com ela.
O médico riu, embora a voz de Isabel tivesse soado solene. Aquele devia ser daqueles que encaravam o fim da vida como um simples fim de ciclo vital, deixando de lado o ar poético da criatura encapuzada e sua enorme e inseparável foice. Ainda assim, tomei simpatia por ele. Diferente dos outros, tinha uma voz amigável, como se minha esposa fosse uma conhecida, deixando de lado aquele ar áspero e autoritário.
– Então neste momento ela está irada. Bom, a senhora...
– Você, por favor.
– Você- Disse enfático, como se a ênfase estivesse se desculpando por ele- me dê licença, pois agora preciso olhar outros pacientes. Depois volto, e se precisar de alguma coisa é só usar o telefone.
- Antes, posso te fazer uma pergunta? É que o senhor...
– Você.
Isabel riu, desculpando-se.
– Você acredita em Deus?
Houve uma pausa. Senti-me tentado a abrir os olhos, mas decidi permanecer na falsa inconsciência. Pude ouvir as folhas das árvores lá fora se agitarem seguido de uma tímida trovoada.
– Já vi coisas que as pessoas consideram como um milagre creditado a Deus ou a algum santo- Disse o médico, agora sério- mas também vi coisas horríveis, difíceis até para mim que tenho experiência. Isso me faz perguntar onde está Deus, seu amor, sua clemência. Se ele ama todos da mesma maneira, por que uns recebem o milagre e outros não? Uma vez, uma criança com câncer morreu segurando a minha mão enquanto um estuprador sobreviveu a dezoito tiros. Há tantos motivos para sua crença quanto para a descrença.
Isabel permaneceu calada. Se bem a conhecia, ela estava olhando para o chão, movendo os lábios como se estivesse reproduzindo as palavras do médico, reflexiva. Ouvi a porta se fechar, depois eu pude ouvir o que pareceu ser a chuva, que foi ficando cada vez mais distante. Então adormeci.
Abri meus olhos. O quarto estava vazio, frio e escuro. Chovia com tanta braveza que pareciam cair pedras ao invés de gotas. Tentei me sentar, mas não tinha força, como se meu corpo pesasse uma tonelada.
– Cadê a enfermeira?
Como se ela estivesse esperando eu chamá-la, a porta se abriu. Mas não era nenhuma daquelas moças vestidas de branco com seus decotes propositais. Aquela era maior, e vestia um enorme capuz negro. Ao invés de uma bandeja, trazia consigo uma foice, que quase tocava o teto. Ao passar sob o ventilador, sua foice tocou a hélice que soltou algumas fagulhas parando de girar sob um incômodo barulho de metal em atrito.
– Merda! – Assustou-se a figura, pulando para trás. Não pude conter o meu riso. – Do que você está rindo?
A ponta da foice agora roçava o meu nariz. A lâmina era fétida e fria. Trêmulo de medo, olhei para ela. A princípio o seu rosto era um borrão negro, mas logo foi tomando forma. Os olhos eram grandes, vermelhos, e me olhavam com fúria; sua boca era miúda e arroxeada; o nariz era tão minúsculo que eu mal podia vê-lo. A morte era extremamente magra e feia. Não fosse aquele volumoso capuz que dava volume à sua pessoa e aquela foice ameaçadora, eu teria sentido pena. Sentia-me nauseado por aquele cheiro podre que invadia o quarto.
– Me desculpe. ENFERMEIRA! – Gritei. A morte gargalhou, mas de sua boca pareciam sair mais de um som, como se uma multidão gargalhasse.
– Pensou mesmo que ia escapar de mim? Tudo bem, você não é o único. Sempre repito essas sete palavras para outros tolos, seja em francês, grego, inglês, russo, indígena. Pode me dizer a vantagem de sobreviver quando você sabe que é só uma questão de tempo? Você vê o corpo em um caixão e pensa “coitado”, como se somente ele fosse o único ser mortal, deixando de lado a ideia de que um dia você também estará na mesma situação.
– Prefiro morrer a ficar velho e feio como você!
– Sou feia, mas sou eterna e invencível!- Bradou ofendida- A vida é linda, mas de nada serve toda a sua beleza. Ela não é eterna, muito menos invencível. E é a mim que vocês recorrem na dor quando a vida prova por si só que a beleza não é o suficiente, quando a dor, a solidão, a loucura os assolam. Veja.
A morte apontou para a ponta do cabo de sua foice. De lá saia um fino fio de fumaça que em direção à porta. Com seu enorme e esquelético indicador, ela puxou para si a fumaça. Apoiou o cabo no chão e então começou a puxar o fio. Então comecei a ouvir gritos, lamentos e choros. De repente surgiu um senhor, cabisbaixo, preso ao fio por uma algema. Depois um menino, que lançava seu olhar curioso para a morte.
– O que é isso?
– As duas últimas almas que recolhi. Um velho conformado e uma criança. Aposto que você está sentindo pena do garoto, mas não se esqueça que ele um dia seria um velho e que esse velho já foi uma criança. Não vê? A vida é ilusão, apenas uma aparência.
Olhei novamente para o menino que mantinha agora um olhar de fascínio para a morte.
– O que ele está vendo?
– Um palhaço. Nossa conversa chega aos ouvidos dele como uma história, a sua preferida em vida.
– Mas então você só é feia para mim porque apenas eu a vejo assim?
– Sou feia e velha para você fisicamente, e feia e velha para o mundo filosoficamente.
– E este velho?
– Não consegue me olhar por vergonha. Precisamos ir.
Ela caminhou em minha direção. Em pânico, tentei me debater, mas estava eu ainda permanecia pesado. Tentei gritar, mas as gargalhadas da morte abafaram o meu grito.
Acordei com a trovoada e o coração ribombando. Isabel, que lia uma revista ao meu lado, guardou-a e sorriu para mim.
– Que susto! – Disse-me beijando a bochecha.
Ainda assustado, sentia o alívio que me invadia ao perceber que o encontro com a morte fora apenas um pesadelo. Toda aquela conversa com a morte, aquela sua imagem feia, aqueles sons perturbadores, aquelas duas almas presas ao fio pertenciam à minha mente.
Sentir os lábios de Isabel me trouxe novamente à vida. Ainda com o corpo dolorido e com o braço esquerdo quebrado, consegui puxá-la para junto de mim. Queria prová-la, senti-la novamente, pois queria provar mais uma vez o gosto da vida. E era bom.
Terminado os exames, voltei para casa. Como se o céu estivesse sendo gentil comigo, Guandu estava nublado e frio. Em frente ao portão de casa, uma faixa dizia: BEM VINDO DE VOLTA. Assim que pus meus pés na varanda, uma onda de aplausos e assovios quebrou o silêncio. Rostos familiares foram emergindo da casa e do quintal, sorridentes.
- Não foi dessa vez, hã? – Disse-me Eustáquio com leves tapinhas nas costas- Você, hein?
Depois vieram outros. Eu estava feliz por rever aqueles meus amigos, mas uma pequena ponta de tristeza havia crescido em mim. Enquanto os observava comendo o bolo, conversando, rindo, lembrava da morte e suas palavras em meu sonho. Por mais que a situação tivesse sido apenas uma imaginação minha, aquelas palavras não deixavam de ser uma verdade. Naquele momento estávamos comemorando o fato de eu ter sobrevivido ao acidente, mas no fim eu morreria, bem como todos os que estavam ali. Ninguém parecia ter noção daquilo, ou então não se importavam.
– Está bem, amor?
– Sim.
Isabel estava mais linda do que de costume naquele dia. Olhava-me com ternura a mais. Seus lábios ágeis e sorridentes pareciam esconder alguma coisa dos outros, que era só pra mim. Eram quase sete da noite quando os últimos amigos presentes se despediram de nós. Éramos apenas nós dois novamente. Então seus olhos e lábios se confessaram. Seu vestido azul caiu, deixando-a apenas de lingerie vermelha.
– Agora sou eu quem vai cuidar de você.
Fizemos amor na varanda, no quarto e na sala.
Quanto ao meu carro, era óbvio que eu estava um pouco ressentido. Não pelo prejuízo, pois havia o seguro, mas é que aquele meu veículo tinha um valor que se compreendia além do material. Por exemplo, foi nele que eu conheci a maravilha do sexo oral ao som de Jimi Hendrix. Ali conheci também pela primeira vez a textura da boceta umedecida pelo tesão que eu proporcionava a ela.
Discretamente, limpei o canto do olho onde uma lágrima teimava em escapulir. Estava diante do meu carro. Não era mais azul. A parte dianteira estava irreconhecível. Vendo-o ali é que tive noção da minha “sorte”. É entre aspas mesmo. Para mim, a sorte não é você não escapar de um acidente ileso, ou com vida, sorte é você não se envolver em nenhum acidente.
– É difícil. A gente trabalha pra ter as coisas da gente. Às vezes o carro é o meio de a gente conseguir o sustento da família.
– É.
– Mas graças a Deus que você tá vivo, não é?
Seu hálito fedia a cachaça. Seus cabelos grandes, brancos e encardidos esvoaçavam com o vento quente. Com uma mão engraxada protegendo o olho do sol, olhou para o céu.
– Acho que amanhã chove. Pode olhar aí despreocupado, tá? Precisando é só chamar. Juca!
Pensei que algum rapaz fosse aparecer, mas logo vi um cachorro da raça vira lata, acinzentado, surgir na porta de sua oficina. Com o rabo eufórico, seguiu o seu dono.
Aproximei-me do meu carro, toquei o metal distorcido.
– É isso aí, companheiro.
Dei meia volta e saí dali.
– Ó o picoléééé! – Gritou um moleque descendo o morro com seu carrinho. Para proteger a cabeça, usava um boné que estampava um vereador acenando com o dedo polegar e um sorriso amarelado; sua camisa excessivamente grande da seleção brasileira terminava pouco acima do joelho. Os picolés não eram muito bons, mas as pessoas compravam para ajudá-lo. Seu pai era aleijado, mas conseguia alguns trocados anunciando ofertas em portas de lojas e farmácias. Sua mãe falecera de dengue quando ele tinha ainda cinco anos de idade.
– Me vê um de milho verde. – Pedi enquanto caminhava em sua direção. Ele parou, abriu a tampa do carrinho e começou a remexer sua mão à procura do picolé.
– O último – Estendeu-me o picolé com um sorriso no rosto. Depois ficou sério novamente– Você não é o moço que bateu de carro vindo de Colatina?
– Foi.
Mostrei-lhe meu braço engessado. O menino assentiu, fechou tampou novamente o carrinho e estendeu sua mãe.
– Cinqüenta centavos.
Retirei do bolso uma nota amassada de dois reais e disse-lhe para ficar com o troco. Olhou para a nota, depois para mim.
– Obrigado, moço – Pegou o seu carrinho e continuou a andar, olhando-me novamente com um sorriso no rosto que parecia agradecer mais uma vez. – Ó o picolééé!
Cheguei em casa e encontrei Isabel adormecida no sofá. Sua cabeça repousava sobre as mãos em concha e suas pernas estavam encolhidas. Lembrava uma menina que, depois de fazer muita arte, decide descansar um pouco no sofá da avó. O aparelho de som estava ligado em volume ambiente e tocava La mer. Estava ouvindo o cd de clássicos franceses que eu havia comprado para ela numa loja de CDs certa vez em São Paulo.
Criada com a avó, que havia passado grande parte da vida na França, Isabel tomou gosto pela música francesa. Morria de tesão quando ela cantarolava pela casa suas músicas preferidas, fazendo aqueles biquinhos franceses.
Despertou sorrindo para mim. Fui até ela, beijei-lhe e perguntei se queria tomar um banho comigo. Ela aceitou de prontidão, pois estava sentindo muito calor. Aumentou o volume do som e fomos para o banheiro.
Nem aquela água fresca conseguia apagar aquele fogo que nos envolvia naquele momento. Como se já não bastasse o sol, nos incendiamos. Minha boca indecisa não sabia se beijava o seu corpo ou se o mordia. Sua mão percorria pelo meu corpo me ensaboando com delicadeza enquanto nos beijávamos. O sabonete escapuliu de sua mão.
- Pega. -Ordenei.
Ela abaixou-se lentamente enquanto eu observava o seu gesto gracioso esperando o momento certo. Então me apoderei de seu corpo.
Quase tudo foi ficando normal como antes. Meu dentista me devolveu os dentes que faltavam, as pequenas dores que ainda assombravam o meu corpo haviam desaparecido quase que por completo, e retirei os pontos de minha cabeça. Faltava apenas o gesso, mas ainda não era tempo. Tinha que ficar mais uma ou duas semanas com o braço engessado.
Como ainda estava impossibilitado de voltar ao meu trabalho, passava a maior parte do tempo em casa. Já estava sentindo falta das máquinas de escrever do cartório. Algumas vezes, sentado no sofá imaginando formas nas manchas do azulejo, tinha a impressão de ouvir as teclas das máquinas. Já estava começando a ficar chateado com toda aquela ociosidade. Não, não estava enjoado de ficar o dia todo com Isabel, jamais. É que também queria sentir novamente aquela vontade de voltar para casa e tê-la de volta para mim. Fazia falta a falta dela.
- Que você acha de um bolo de banana?- Indagou-me Isabel, fechando o livro e olhando para mim com um sorriso de quem acaba de ter uma grande ideia. E de fato era. A tarde estava nublada e fria. Dias assim sempre me deixavam com mais fome do que de costume.
Outro detalhe em Isabel que me deixava excitado era o seu quadril em movimento enquanto ela batia os ovos para o bolo. Por muitas vezes no banheiro fantasiei aquela imagem. Observando-a do sofá, tive uma ideia: iria realizar minha fantasia.
Levantei-me e caminhei em sua direção lentamente. Agarrei-a por trás.
- Ai, que susto.
Beijei-lhe o pescoço, apertei sua cintura e deslizei com minha mão por sua coxa. Rindo, pediu que a deixasse fazer o bolo, mas havia dito por dizer. Estava tão derretida quanto a manteiga caseira sobre a pia. Minha mão encontrou a sua boceta, que já estava molhada. O ritmo da colher diminuiu, mas logo aumentou novamente. O som da colher de pau batendo na bacia de plástico misturado ao gemido de Isabel estava me deixando tão excitado que eu corria o risco de a qualquer momento explodir em gozo. De repente a velocidade da batida aumentou tanto que parecia ser uma batedeira a executar o serviço ao invés de Isabel. Seus gemidos estavam aumentando. Podia senti-la tremendo de prazer, até que por fim ela não agüentou. Empurrou a bacia, largou a colher, soltou um grito orgástico e ergueu-se na ponta dos pés, caindo de costas para mim, que sorria satisfeito com a cueca molhada.
Embora estivesse fazendo frio, ambos estávamos suados. Era como se a casa tivesse aumentado quarenta graus. Isabel ainda não havia conseguido se recompor, tendo ainda leves espasmos.
- Vá tomar um banho e me deixe terminar esse bolo, homem de Deus!- Expulsou-me Isabel em meio ao riso.
- Não quer vir comigo?
- Não- Voltou-se para a bacia, dando um longo suspiro.
Apesar dos quatro anos de casados e do sexo abundante, não tínhamos nenhum fruto gerado. Também nunca chegamos a ter uma discussão sobre filhos. Para nós, estava bom do jeito que estava. Algumas pessoas, quase todas, têm a mania de achar que filho é a obrigação de um casal. Mas, tanto para mim quanto para Isabel, a obrigação de um casal é nada mais do que o amor e o prazer. Não usávamos camisinha, portanto, se por acaso uma criança fosse gerada ela seria aceita.
Finalmente o bolo havia assado. O cheiro fez com que eu despertasse do meu cochilo quase que instantaneamente. Da cozinha, ela olhava para mim sorridente. Retribuí o sorriso, mas dessa vez com um misto de decepção. É que durante esse breve sono eu vislumbrei um bebê em nossa sala. Enquanto espalhava os brinquedos no tapete, olhava para Isabel, que tirava do forno o bolo. Era tomado por uma sensação boa, calorosa, de gozo. Quando despertei e não notei aquela pequena figura ali, foi estranhamente triste.
- Tive um sonho diferente, hoje.
- Como foi?
- Nós tínhamos um bebê. Ele estava ali no tapete brincando enquanto você assava o bolo. Estranho, é que mesmo não sabendo como é ser pai, senti falta.
Minha confissão pegou Isabel de surpresa. Pude ver nos olhos dela uma faísca de tristeza. Sorri para ela, que olhou para o tapete.
- Às vezes também vejo bebês pela casa, durante o sono. Quando vejo alguma grávida exibindo sua barriga, fico imaginando quando for a minha vez, se ela chegar.
Ficamos em silêncio por um tempo. Ambos mantínhamos os olhos no tapete, absortos em nossos anseios ocultos. Percebi nos olhos de Isabel as lágrimas se formando. Seus lábios que há pouco jaziam imóveis agora tremiam vacilantes. Em quatro anos aquela foi a primeira vez que vi a vi chorar de aparente tristeza. Talvez fosse hora de compreender que um filho era algo além de uma obrigação, como uma unificação de dois amantes; um ser sagrado. Não ter filho é uma ferida que, quando não tocada, é indolor. Naquele momento estávamos sentindo, e era ruim. Eu queria dizer alguma coisa para confortá-la, mas havia um nó em minha garganta. Sentia que, se começasse a falar, também choraria. Decidi permanecer em silêncio, até que por fim ela voltou a falar.
- Não somos culpados de nada. – Forçou-me um sorriso, servindo-nos de mais bolo.
Voltamos ao nosso silêncio reflexivo. Mastigávamos mecanicamente. Nosso café já estava morno. Havíamos nos esquecido que dias nublados e frios tinham melancolia também.
- Podemos ir ao médico e ver se há um problema em nós- Sugeri.
- Vamos deixar assim. Se tiver que vir, virá. A ciência pode dar esperança, mas também pode arrancá-la.
- Do que está falando?
- Sabe a Madalena? O médico disse que ela não podia ter filhos, nem com os mais modernos tratamentos. Sabe o que é uma mulher que sonha ter um filho ouvir isso do médico?
Assenti com a cabeça, mas no fundo eu não sabia como era. Há sensações e sentimentos intrínsecos aos gêneros. Por exemplo, um chute no saco. Uma mulher nunca vai saber como é a dor. Talvez aquela notícia que Madalena recebera fosse um chute no saco da esperança. Isabel queria conviver com a incerteza da esperança de ter um filho. A angústia de uma espera esperançada era muito menor do que a certeza de que o que se anseia nunca virá.
O resto do dia foi silencioso. A noite chegou depressa, mas o sono não. Os grilos no quintal, os latidos dos cães vadios, os passos lerdos dos velhos crentes, o motor da geladeira ecoava pelo nosso quarto. Levantei-me, fui para o quintal, acendi meu cigarro. Olhei para o céu que já não estava mais nublado bem no instante em que uma estrela cadente riscou o negro. Sorri, pois havia me lembrado da infância quando estrelas cadentes, quando vistas e não alarmadas, davam sorte. Ou que contar estrelas dava verruga. Mas o que custava um pedido? Então pedi à estrela um filho. Quem sabe Deus, se ele existisse mesmo, não ficaria sensibilizado e nos desse um filho?
- Pensei que tivesse largado o cigarro- Surpreendeu-me Isabel, sentando-se ao meu lado, tomando o cigarro da minha boca e dando um trago. Abracei-a.
- As pessoas falam que o cigarro mata. Sabe de uma coisa? Um dos poucos luxos dado ao homem é poder escolher a forma como vai morrer. Se eu quero morrer porque fumei muito, ótimo.
Isabel gargalhou, aquecendo-me. Um vento gélido fez com que o cabelo dela roçasse em minha nuca. O cheiro de cigarro misturado ao de xampu era uma combinação interessante. E lá estávamos nós dois no quintal, conversando banalidades, rindo um do outro, contando estrelas, fumando o terceiro cigarro como se aquele dia houvesse começado naquela noite.
Finalmente chegara o dia de arrancar o gesso. Pedi ao médico que me desse de recordação, pois nele havia marcas de batom de cores variadas que Isabel deixara. Por mais que Isabel teimasse em me levar a Colatina em sua Brasília azul que herdara de sua avó, preferi ir de ônibus. Há tempos sentia vontade de me sentar em meio a estranhos com seus rostos e cheiros distintos. Gostava de ver os velhos cochilando, ouvir as conversas na tentativa de captar sentido nas histórias que se entrelaçavam. Mas naquele dia apenas uma pessoa falava. De pé, olhando para todos com severidade, sacudindo a bíblia enfaticamente acompanhando as palavras, uma mulher pregava para todos nós.
- O senhor, nosso salvador, está chegando. E vocês pensam que ele veio buscar pessoas pecadoras como vocês? Não! Ele quer pessoas de bem, que dedicaram suas vidas a ele. Vagabundos, prostitutas, viciados, adúlteros e assassinos não terão lugar no reino de Deus.
Enquanto ela falava, algumas crianças olhavam para elas com ar de medo. Outros olhavam pela janela as vacas subindo os morros, pastando. Uma senhora gorda na poltrona ao lado olhava para ela com cumplicidade, concordando com a cabeça em cada palavra da mulher. Seus olhos intimidadores iam de um passageiro ao outro, até que, percebendo que eu a encarava, eles pararam em mim.
- A morte é o preço que paga o pecador! Deus vê tudo o que você faz aqui e anota tudo em seu caderno para que no dia do juízo ele possa te julgar.
Desviei meus olhos para a janela. Tornei a olhar para ela, que ainda me encarava. Pigarreei, levantei-me e fui ao banheiro. Seus olhos me seguiram, seu tom de voz aumentou.
- Os pecadores pensam que podem se esconder de Deus, mas aos olhos dele nada escapa! Eu estou aqui a pedido dele, pois ele me deu a missão de avisar a sua chegada. Sou fiel a ele, pois sei que sua promessa se cumprirá. DEUS É FIEL!
- E feliz é a esposa dele!- Gritou um garoto.
- Menino! – Advertiu sua mãe, ou tia. Pude ouvir as gargalhadas e não me contive. Dei a descarga e saí, vendo que a mulher havia se sentado, cálida.
- Você teve uma boa enfermeira- Brincou o médico, enquanto tirava de meu braço o gesso. Disse-me depois que eu poderia sentir uma dificuldade em esticar o braço, mas que logo, logo ele voltaria a ter a sua flexibilidade natural.
Já na rodoviária de Guandu, uma cigana me abortou.
- Homem bonito, de bom coração, é amado e invejado. Por um real te falo o nome das amadas e outras coisas que a sua mão mostrar.
Como havia justamente uma moeda de um real em meu bolso, tirei-a e entreguei à cigana, dizendo-lhe que não era preciso ler a minha mão, pois sabia bem o nome da minha amada.
- Não estou mendigando, não, moço. Não posso aceitar a moeda se o moço não me deixar ler a mão. Moço acredita que a mão da gente traz a nossa história?
- Não.
- Então moço não perde nada se me deixar ler. Vejo que tempo pro senhor não é preocupação no momento.
Olhei em volta, mas a rodoviária já estava deserta, salvo um vira lata magricela que se abrigava sob um banco de cimento. Coloquei minha sacola no chão e estendi-lhe a mão.
- Moço tem tanta linha na mão! Essa linha aqui, ó, diz que sua felicidade ainda não é completa. Hum, essa linha está em branco, então quer dizer que moço não tem filho, ainda. Ainda, porque vejo a aproximação dessa outra. Moço tem vontade de filho?
- Até que tenho.
- Pois moço terá. - Olhou-me com um sorriso, depois voltou para a minha mão, voltando ao seu ar de concentração, como se realmente houvesse alguma coisa em minha mão- É tanta coisa escrita e falha nessa sua mão! Tem uma linha falhando... Moço passou por uma situação difícil? Perda na família, acidente ou alguma coisa assim? Seja o que for, foi algo que te afetou diretamente.
Olhei para ela com certo ar de incredulidade. Mas ainda não me convencia. Qualquer um que morasse em Baixo Guandu ou estivesse por lá nos últimos tempos saberia do meu acidente. As notícias por lá corriam rápido.
- Qual o seu nome?- Perguntei-lhe, interrompendo-a. Ela me olhou, sorriu mais uma vez e fez um gesto para que eu me sentasse ao banco.
- Moço precisa saber que não sou de dizer meu nome assim para os estranhos.
- Perguntar seu nome é tão indecente quanto pedir para ler a minha mão.
A cigana gargalhou batendo as mãos, fazendo com que o cachorro sob nós se assustasse, saindo ao galope para a rua.
- Moço de língua afiada. Já, já, vou dizer, assim que eu terminar sua mão. Moço me interrompeu numa linha muito importante. Deixe-me ver. Moço ama a esposa?
- Sim.
- Moço também é muito amado pela mulher. Mas isso o moço já sabe, não é?
Assenti com a cabeça, rindo para ela.
- Mas o moço vai ter que se preparar. Está vendo aqui, ó?- Indicou-me a cigana uma linha quase imperceptível. – É a linha da paixão.
Paixão? Ri mais uma vez diante do absurdo. A cigana estava indo muito bem em seu número de adivinho, mas envolver paixão foi um erro que a maioria dos ciganos comete. Sempre paixão, dinheiro e rosas vermelhas. Reparei que ela havia se calado. Olhei para ela, que olhava fixamente para a minha mão. Sua boca avermelhada jazia entreaberta, sua respiração quase que havia cessado. Tentei fazer um movimento para retirar minha mão, mas ela a segurava com força.
- O que há de errado?
A cigana parecia não me ouvir. Fiz um pouco mais de força, fazendo com que ela despertasse. Lentamente suas mãos se afrouxaram, deixando a minha livre. Seus olhos fixos encontraram os meus, que a olhavam curiosos. Senti um leve arrepio na nuca.
- Chavela.
- O quê?
- É o meu nome- Disse a cigana, levantando-se. Seu rosto assumia um ar preocupado.
- A leitura acaba em paixão?
- Algumas coisas estão confusas. Melhor moço ter cuidado.
- Acidente?- Sorri-lhe, como se tivesse contado uma piada.
- Tem muita coisa que moço desconhece nessa vida. Hoje é moço quem ri, amanhã é o destino. Mas não sei se moço acredita nessas coisas.
A cigana virou as costas. Antes do terceiro passo, virou-se para mim.
- Coloque um copo com água debaixo da lua no seu terreiro e beba da água ao meio dia. É bom pro moço.
Seja lá o que for que a cigana tenha visto, não parecia ser bom. Repreendi-me por estar preocupado com aquilo. Não acreditava naquelas coisas, havia feito por distração. No fim era tudo a mesma coisa. Até que para um real, a cigana havia feito muita coisa: entretenimento e receita para simpatia.
Cheguei em casa ávido por um banho. O dia estava muito quente. Chamei por Isabel, que não respondeu. Então reparei na geladeira um bilhete.
Fui á casa da Ana. Fiz suco de acerola.
Beijo, Isa.
Ana era uma grande amiga nossa. Foi ela quem nos apresentou, ainda no colegial. Morava no centro da cidade, e era casada com o dono do supermercado. As pessoas na cidade diziam que o casamento era por interesse, pois o homem era desprovido de beleza. Baixo, calvo e barrigudo. Já Ana era linda. Tinha longos cabelos ruivos, era alta e de corpo invejável. Eu me masturbei pensando nela por muito tempo até a chegada de Isabel. Com a morte do marido, Ana se casou com um entregador do mercado. Com esse casamento, as pessoas diziam que o casamento fora arquitetado por Ana e pelo pobre rapaz, que nada tinha a ver com o destino infeliz do falecido.
Sabia que as visitas de Isabel à casa de Ana eram longas. As duas sempre saiam para assistir a algum filme no cinema, ou preparavam algum bolo ou coisa parecida. Tomei o meu banho, servi-me de um pouco de suco, peguei um pedaço que ainda restava do bolo, liguei o som, deitei no sofá e adormeci.
Estava no ônibus. Não havia ninguém ali exceto a cigana, que me olhava com um olhar intimidador, que me pareceu familiar. Trajando seu longo vestido vermelho, segurava uma grande bíblia. Esbravejava coisas que eu não podia compreender. Tentei me levantar, mas não conseguia. Embora o ônibus estivesse parado na estrada, podia senti-lo sacolejar. Uma vaca que pastava defecou. Mas ao invés de sua bola de fezes esverdeada cair, caiu um bebê. Olhei novamente para a cigana, cujo vestido agora começava a se incendiar. Tentei alertá-la, mas não conseguia movimentar minha boca. O fogo de seu vestido correu pelo chão do ônibus, subindo pelas poltronas em direção ao teto. Meus pés começaram a queimar, mas não podia fugir. A cigana estava derretendo como se fosse feita de parafina. Reparei que meus pés também derretiam. O líquido denso que outrora fora a mulher começou a rastejar pelo chão incendiado em minha direção, envolvendo-se em meu braço, transformando-se em gesso. De repente, o ônibus começou a derreter. Todo o veículo havia derretido, exceto a parte onde eu estava. Agora podia ver a estrada, onde uma enorme carreta surgiu em minha direção, desgovernado. No carona, um homem que parecia ser o motorista agonizava. Ao volante, sorridente, a criatura encapuzada me encarava. A ponta da foice saltava da janela. Desesperado, levantei-me. Mas meus pés estavam tão moles que afundaram no chão carbonizado do ônibus.
Acordei no chão da sala, com a mão na testa.
- Mal tirou o gesso do braço e já quer colocar de novo?
Levantei-me enquanto Isabel retirava do congelador a forma de gelo. Embolou alguns cubos no pano de prato e os trouxe, agachando-se diante de mim, que havia me sentando no sofá, com a mão na testa.
- Caramba.
- Deixa eu ver.
Afastou minha mão, colocando o pano com o gelo no local. Massageou-o por uns minutos, dando leves sopros no galo que havia crescido em minha testa. Reparei que sua boca formava um bico trêmulo, como se já não mais agüentasse segurar o riso que teimava em sair. Então ela vacilou, soltando a gargalhada. Também ri dando um leve tapa em sua testa.
- Acho melhor a gente fazer um plano de saúde. – Brinquei. Isabel concordou ainda aos gargalhos.
Vi que ainda não havia anoitecido, e que nem passavam das cinco e meia. Estava molhado de suor, então decidi tomar um banho. Do banheiro podia ouvir os meninos lá fora brincarem de pique bandeira. Quando era menino, também brinquei naquela rua. Morrer era uma coisa que só acontecia à gente grande. E não éramos gente grande, por isso corríamos, ríamos como se a vida fosse uma eterna brincadeira. Lá estava eu, ouvindo o passado, absorto no presente perturbador. Aquele segundo pesadelo, bem como o acidente, me lembrava mais uma vez que eu não era imortal.
Para quebrar o silêncio que se instalava durante o jantar, perguntei a Isabel como estava Ana. Respondeu-me que Ana estava bem, e que ela viajaria com o marido para o Rio de Janeiro na semana que vem. Ficariam por lá durante um mês inteiro hospedados na casa de praia de um primo.
- Ela chamou a gente pra ir junto.
Parei de mastigar por um momento. A ideia era interessante, e eu tinha férias a serem tiradas. Por um raio de segundo, minha boca se abriu para dizer que havia adorado a ideia, e que ela fizesse as malas. Mas estava precisando trabalhar, ocupar minha cabeça. Disse-lhe que, se quisesse, ela poderia ir. Isabel discordou, disse que também não estava muito a fim de ir, e que até havia recusado o convite na mesma hora. Insisti que ela fosse viajar com a amiga um pouco.
- Você não duraria duas semanas.
Rimos. Ela consultou o relógio, levantou-se da mesa e foi para o quintal, deixando o prato ainda na metade. Voltou com um copo de água na mão, colocando-o sobre a mesa.
- O que é isso?
- Simpatia. - Respondeu-me, virando copo o copo de uma vez. – Receita que uma cigana me deu hoje. Pediu para ler minha mão por um real.
- Você aceitou?
Isabel deu de ombros, voltando ao seu prato.
- Apesar de eu não acreditar muito nessas coisas, aceitei a ideia.
- E o que ela disse?
- Que “moça” vai ter um filho, que marido de “ moça” ama ela, que minha mão tinha muitas linhas, essas coisas. No fim, disse para eu ter mais cuidado com meu marido, e que eu colocasse um copo de água sob o sol ao meio dia, e que depois o retirasse à meia noite e bebesse a água. Mais cedo, quando você caiu do sofá, lembrei da cigana.
Pensei em dizer a Isabel que uma cigana, provavelmente a mesma, havia me abordado hoje, e que havia me dito quase que as mesmas coisas. Mas preferi assentir sorridente, como se estivesse achando graça de tudo aquilo.
Terminamos o jantar em silêncio. Como havia tirado um longo cochilo naquela tarde, não estava com sono. Já Isabel, com a cabeça recostada em minha coxa, bocejava incessantemente diante da televisão. Logo adormeceu, enquanto eu, olhando para a TV, ruminava a história que ela havia me contado. Por coincidência ou não, uma cigana havia abordado nós dois no mesmo dia, dizendo quase que as mesmas coisas. Depois a mulher disse para Isabel tomar cuidado com “o seu marido”. O que ela quis dizer com isso? Eu estaria prestes a me apaixonar por outra mulher, o que era impossível, ou eu novamente corria um risco de morte? “Deixe de bobeira”, pensei, “ você nunca acreditou nessas coisas, não vai ser agora que você vai acreditar”. Desliguei a TV, acordei Isabel e fomos nos deitar.
- Desse jeito que vamos ter filho?- Sussurrei beijando-lhe o pescoço. Ela retribuiu, puxando minha bermuda.
Acordei com uma batida na janela. Abri-a e dei com os meninos lá fora, olhando para mim, de ombros erguidos, como se estivessem com medo. Vi então a bola sobre a grama, encostada no nosso muro gradeado.
- Podem pegar a bola- Disse a eles, que logo relaxaram, agradecendo e se desculpando. Fechei a janela e fui para a cozinha. Eram dez e meia da manhã.
- Bom dia, dorminhoco. Você ouviu a pancada na janela?
Disse-lhe que eram os meninos brincando lá fora, e que, sem querer, haviam acertado a janela com uma bola. Era sábado, dia em que a rua se infestava de crianças. Nada mais natural do que algazarra e coisas voando pela sua janela.
Propus a Isabel que saíssemos à noite. Poderíamos comer uma pizza, assistir a um filme ou alguma coisa assim. Isabel aprovou a ideia com um largo sorriso no rosto. Passamos o resto do dia na sala. Eu, lendo um romance; Isabel, pensativa com a tampa da caneta na boca a espera de uma luz para completar a cruzadinha. Para quebrar o silêncio incômodo, Isabel havia ligado o toca discos que pertencera à sua avó. Como era de esperar, o disco era de uma cantora francesa que, segundo Isabel, era um dos maiores ícones do cenário musical da França, e até do mundo. Dentre todas as cantoras que Isabel me apresentara, aquela era a minha preferida.
Padam... Padam... Padam...
Fomos ao cinema, mas largamos o filme na metade. A história não era muito boa, mas desistimos ao ver que o que jorrava do pescoço do personagem mais parecia suco de morango do que sangue. Enquanto saíamos da nossa fileira para ir embora, passei por uma mulher que me olhava com um meio sorriso. Seu olhar soava maldoso. Antes de sair, olhei novamente para ela, que ainda me encarava. Moveu os lábios num gesto que interpretei como um beijo.
Do cinema fomos a uma pizzaria, onde encontramos com outro casal amigo nosso. Juntamos nossas mesas e comemoramos a descoberta de que eles seriam pais. No caminho de volta, Isabel não falou nada. Respeitei o seu silêncio abraçando-a. Compreendia o seu ressentimento. Assim que chegamos em casa, Isabel foi para o quarto. Pensei tivesse ido se deitar e chorar até adormecer. Demorei um pouco para entrar, mas assim que entrei, ela avançou em minha direção. Puxou minha camisa com força, fazendo com que alguns botões caíssem no chão. Não sabia se aquele ato era o desespero de ter um filho ou se ela realmente estava com vontade de transar comigo.
Domingo, como quase sempre são os domingos, foi um dia enfadonho. Para piorar, havia a ânsia pelo próximo dia onde eu finalmente voltaria a trabalhar. Isabel me pediu que comprasse o frango assado. Na volta, dobrando a esquina da Dez de Abril, dei de cara com o carro da funerária, seguido de outros carros lentos, e pessoas com seus pesares. Uma senhora passou de mãos dadas com um garoto, que me olhava com seus olhos que pareciam me perguntar por que eu também não os seguia. Tropeçou mas mal teve tempo de cair, pois a senhora, provavelmente sua avó, já o havia erguido pelo braço. Sempre achei que domingo fosse um dia para morrer. Durante a volta, fiquei imaginando o cortejo seguindo o meu caixão.
Acordei com o despertador e Isabel puxando o cobertor. Levantei da cama quase que no mesmo instante, ansioso. Até havia sonhado com meus dedos ágeis sobre as teclas da máquina de escrever, que produziam sonoros claps. Mal tomei café, despedindo-me de Isabel com um beijo. Peguei sua Brasília emprestada e fui trabalhar.
Fui recebido com aplausos calorosos. Mariana, nossa rechonchuda e simpática ajudante, surgiu de trás da cabine com um pequeno bolo com meu nome em glacê vermelho. Não esperava toda aquela agitação pela minha volta. Agradeci a todos pela surpresa, dizendo que estava feliz em poder voltar trabalhar com meus colegas e amigos.
Foi logo que me sentei em minha cadeira que a vi entrar. Tinha longos cabelos cacheados e louros. Seu vestido era de excessivo decote, e seus lábios eram carnudos e avermelhados. Andava como se estivesse em um concurso de beleza. Era alta, mas apenas sob o efeito das plataformas de seu sapato. Então reconheci aquela figura graciosa que acabara de se sentar diante de mim, desejando-me bom dia com sua voz mansa e hálito bom. Ela era a mulher que me olhava no cinema. Havia até me esquecido dela e de seu gesto com os lábios, que me pareceram um beijo.
- Bom dia. – Respondi por fim, pigarreando, olhando para a minha máquina de escrever.
- Gostaria de fazer uma certidão de óbito.
O falecido era um senhor de setenta e cinco anos, vítima de uma pneumonia. Era o seu único tio, e ela, sua única sobrinha que havia vindo de Santa Tereza para cuidar dele. Lágrimas correram de seus olhos. Ela sorriu para mim, desculpando-se. Disse-lhe que não havia por que se desculpar, e ela, sorrindo-me mais uma vez, disse que eu era gentil.
Assim que ela saiu, pensei comigo se ela realmente havia olhado para mim e me mando um beijo ou se aquilo não passou de uma impressão. Era meiga, de ar inocente. Era sensual, hipnotizava com os olhos, mas parecia não ter consciência do seu poder de sedução.
Era hora do almoço, e eu seguia para casa. Passei em frente à praça, e lá estava a sensual figura desfilando. Vi que de sua bolsa uma pequena agenda caiu. Como ninguém pareceu notar o acontecido, encostei a Brasília. Peguei sua agenda e corri para alcançá-la.
- Oi. – Sorriu-me.
- Sua agenda.
- Ah, obrigada. Ando tão distraída...
Esticou o braço para pegar sua agenda, tocando rapidamente a minha mão. Estava excitado.
- Tudo bem. Acontece. – Disse, enxugando minha mão suada na calça.
Ia me retirando, quando ela me perguntou se eu estava indo almoçar. Respondi que sim, e então ela me perguntou se eu não gostaria de almoçar com ela.
- Deixei na panela de pressão uma carne com batata. Já deve estar pronta.
Não sabia ao certo se deveria aceitar. Certamente Isabel estava me esperando para almoçar em casa com algum prato especial para comemorar a minha volta. Mas aquela criatura encantadora ali me encantou de tal maneira que acabei aceitando. A casa onde seu tio morava era logo na esquina.
Além de tudo era boa cozinheira. Acabei repetindo a carne, o que ela tomou como elogio. Durante o almoço, contou-me que o velho falecido era o seu único parente vivo. Mais uma vez chorou, então afaguei suas mãos para confortá-la. Esse gesto fez com que ela me olhasse surpresa. Desculpei-me, mas então ela sorriu dizendo que quem deveria se desculpar era ela por estar se lamentando para um convidado em plena hora de almoço.
Quando saí, ela me disse que prepararia outro prato ainda melhor se eu prometesse almoçar com ela no dia seguinte. Prometi que voltaria sem nem pensar.
- Eva. - Estendeu-me a mão. Cumprimentei-a, dizendo o meu. Atravessei a rua em direção à praça. Entrei na Brasília e voltei para o trabalho.
Quando cheguei em casa, Isabel me esperava no portão. Parecia estar mais ansiosa do que brava. Veio ao meu encontro, abraçando-me. Disse que havia me esperado para almoçar em casa, e que havia feito uma carne cozida na panela de pressão. Depois me encheu de perguntas, que respondi brevemente. Na janta, comi da carne cozida que não era tão boa quanto a que eu havia comido mais cedo. Antes de dormir, lembrei da cigana que havia profetizado uma paixão. Eva, só podia ser. Até então, nunca havia olhado para outras mulheres com aquele olhar desejoso. Adormeci, pela primeira vez, desejando outra mulher.
No outro dia, cheguei ao trabalho pensando logo no horário de almoço. Como havia dito a Isabel, o serviço estava com alguns assuntos pendentes e eu deveria resolvê-los naquele mesmo dia, ficando no serviço direto, comendo alguma coisa lá mesmo. Ela propôs levar o almoço, mas disse que não precisa se preocupar. Relutante, Isabel concordou.
Meio dia, já estava na Brasília seguindo para o meu encontro com Eva. Enquanto dirigia, imaginava minhas mãos deslizando por suas coxas, seus lábios carnudos chupando o meu pau, que depois penetraria sua boceta de pelos louros. Estacionei a Brasília em frente à praça. Sentada no banco, olhando para mim, Chavela, a cigana, fez sinal. Ignorei-a, indo em direção à casa.
- É ela! É ela, moço. A paixão e o perigo. Destino vai rir, moço!- Gritava-me a cigana.
Algumas pessoas assistiam à cena, curiosas.
- Maluca. – Disse, enquanto abria ao portão da casa.
Eva me esperava sorridente, ainda com um avental. Ao ouvir a gritaria que a cigana arrumava lá fora, perguntou-me o que era. Disse-lhe que era uma cigana maluca que estava me perseguindo. Reparei que não havia nenhuma panela sobre o fogão, nem sobre a mesa.
- O prato de hoje é frio. – Explicou-me, apontando o dedo para a geladeira. – Pode pegar para mim enquanto me troco?
A energia caiu. Ouvi um rosnado e pensei que fosse o cachorro do velho que eu não havia notado no dia anterior. Abri a porta da geladeira ouvindo o barulho de vidro se quebrando.
- Filha da Puta!- Xinguei, dirigindo-me para fora. Tive a impressão de sentir um cheiro de gás. Do lado de fora, com uma pedra na mão e o dedo no relógio, a cigana me encarava.
- Sua louca!- Avancei em sua direção. Antes que eu pudesse tocá-la, ela ativou novamente a energia do relógio.
- NÃO!- Foi a última coisa que ouvi de Eva antes da casa explodir, produzindo um barulho ensurdecedor. Caí no chão, ferido por alguns estilhaços. Chavela também rolava no chão, ferida. As pessoas corriam para ver a cena, assustadas.
- Era ela, a Indesejada. – Contou-me a cigana, diante de mim no leito do hospital. – Não aceitou te perder da outra vez. Mas agora ela sabe que não é a sua hora. Não agora.
Acordei e vi Isabel ao meu lado, sentada, com a mão acariciando a barriga, como faziam as grávidas.
O jornal do dia seguinte trazia a matéria sobre uma casa que havia explodido pouco depois da morte de seu proprietário, ferindo duas pessoas que passavam no local. No cartório, Jairo afirmava que nenhuma mulher com a aparência que eu descrevia apareceu por lá na segunda feira, e que a certidão de óbito do tal falecido já havia sido feito por um sobrinho, que havia morrido há dois dias.

Foto de Diario de uma bruxa

Lua e Sol

*Lua*

Meia lua no céu
Clareia seus olhos de mel
Às vezes esconde-se por traz das nuvens
E seu brilho se estende no horizonte
Traduzindo o universo
Em uma única palavra
Amor

Confusa e tímida
A lua não se expõe
Esconde seu amor por ti
Apenas pra lhe proteger

Pois na terra ninguém sabe
Que o sol que brilha no céu
Todos os dias
É você

*Sol*

O sol por sua vez
Nada o faz temer
É grande o amor que sente
Enfrenta tudo por você

Não teme a humanidade
É forte o bastante pra se defender
E defender você

Nasceu para amar você
A lua
E por você eternamente ira viver

Poema as Bruxas

Foto de andre solid

"Se você pudesse me ver"

Esse texto é sobre aquela situação que todo mundo já viveu: querer quem não te quer. texto antigo na minha cabeça, mas só de uns dias pra cá as idéias foram tomando forma. Bem casual e informal, apenas algumas coisas que me vêm à cabeça.

Se vc pudesse me ver - by Andresolid
" Enquanto arruma as malas, ainda com um mar nos olhos. Eu poderia trazer a calmaria pra suas águas revoltas, se vc pudesse me ver. E enquanto vc conta quantos vestidos vai levar, Eu conto as estrelas que caem em desespero, só mais uma das minhas idiotices sem importância. Eu poderia fazer aqui ser o melhor lugar, seu lugar... se vc pudesse me ver. Mesmo com um mar nos olhos, com meu céu desabando diante de mim. Eu poderia ser o q vc tanto procura... Pode parecer besteira pra vc, mas essa estrada é tão escura pra andar sozinha. A vida pode ser mais bela e florida... Se vc pudesse olhar pra mim e me ver como eu vejo você... Até o fim do mundo por vc.... se vc pudesse me ver.
E mesmo com a escuridão silenciosa dos seus olhos fechados a tristeza continua a escorrer pelos seus olhos... Perdida em pensamentos nos quais minha presença é desnecessária, mesmo assim eu poderia ser o elo entre vc e a harmonia q procura, se vc pudesse me ver. Ser a estrada q você precisa. A que te levaria à felicidade. Mas você não me vê, não jeito q eu vejo você.
Porque vc não encontrará nunca o q te ofereci... um porto, um lugar só seu onde todos os braços organizam-se para abraços totalmente seus. Não com tal pureza de alma. Nem dedicação. Nada como eu.
Vc desce as escadas e cada degrau parece ter um quilômetro...
Até vc sabe q partir não muda nada. E ainda assim se vai.
Eu vejo o táxi te levar pra onde deseja ir... um lugar onde não possa me ver.
Mas os ventos q trazem as flores na primavera,
Um dia desses eles me trarão vc.
Sempre por vc. Até o fim do mundo por vc. Se vc pudesse me ver.
Eu fecho a porta do quarto e agora eu desço as escadas...
Não há nada q eu possa fazer aqui sem pensar em nós, assim como você.
E nem posso culpar ninguém...
Mas a luz q tocou meus olhos quando te conheci, não teve o mesmo encanto para os seus.
Estradas nos levam por caminhos que as vezes não devíamos percorrer, mas eu nunca me arrependi ou olhei pra trás.
Era o destino encontrar você... e não há nada o q dizer.
Até o fim do mundo por você. Se você pudesse me ver.”

Foto de JORMAR

Ninho

Estava eu a dormir, e escutei tua voz a me chamar
abri os olhos para te admirar, onde estás que não te posso tocar
o meu consolo é o celular, leio tuas mensagens que ficam no teu lugar
meu coração aquece, e um frio percorre o estomago que arrefece
sinto teu amor em meu corpo, teu beijo e abraço aconchegante
penso que estás bem, o que estarás fazendo, porque estás tão distante
mas para o coração não há distância, tempo ou velocidade
e eu me desloco para te encontrar, retribuo todo esse carinho
sinto teu corpo, escuto tua respiração e não se fala mais em saudade
recebo teu abraço, sinto o teu beijo e no teu colo faço o meu ninho

Foto de KAUE DUARTE

Passos da fé

A coragem nada mais é
Do que o medo na ousadia da fé
É fazer sem entender
É aprender com o próprio feito
É se deixar conduzir pelo inesplicável
Humanamente falando
É caminhar de olhos fechados
Dentre um covil de pesonhentos
Sabendo que nossos passos não são nossos
São do senhor.

Kaue Jessé
17.06.2011 //*

Foto de Hanilto josé Da Silva

POEMAS MEDIOCRES

As violetas choraram
nas asas do colibri,
adentraram os sonhos
que furtavam desejos,
se entorpeceram nas
carícias de pálidos
beijos.

E os ventos do norte
trouxeram a morte,
perdida ilusão chora
os sentidos nos requintes
da solidão,a palavra amarga
que espedaça explode coração.

Escondido poema sem
raiz,fria tristeza querendo
ser feliz,nos versos mediocres
que falam do rosto sereno
da bela imperatriz.

No ósculo do tempo
no lábio furioso,
assenta sombras de almas
banidas bandoleiras das selvas
da angústia,com gritos de astúcia.

É o amanhã caido
caiado em desespero,
num grito de alerta ou quase
apelo.

Querendo amor
sombreado de uns
olhos mareados,tão belos
ponteados.

Hanilto 17 06 2011

Foto de Edigar Da Cruz

***O Amor é Seu Sexto De Um Alfa Sentido***

***O Amor é Seu Sexto De Um Alfa Sentido***

Eu acho que talvez você nunca olhe o amor da formo que te olho no amor, mais confirmo e com um sim
EU TE AMO..
Em todos os sentidos da vida!..,
Se sua vida e viver do meu amor, ..
Do seu amor serei eterno apaixonado
Isso vai além da vida e do amor que tanto sinto
Pelo seu lindo Sexto Sentido de amor..
EU TE AMO mais que tudo se tudo fosse o mundo
Eu amaria mais ainda todo seu ser..
Minha boca ao encontro da sua,.
Tua boca e a lua,..
No eclipse do amor,..
Sentido bom disso e o seu belo beijar iluminado,
A verdadeira face do amor este escondido atrás de nos mesmo todo o sentido e exalado de paixão.
Nosso amor deve ser como água pura e cristalina e doce
Como a terra forte e bonita como livre e solto,..
O amor é como os teus olhos que se fascinam como a tua boca linda maravilhosa molhada que faz delirar..
Como tudo que te pertence, pois esse tudo foi tocado por você
Por suas delicadas mãos macias.
O AMOR É EM SI RESUMIDO em uma
Só palavra; ETERNAMENTE VOCÊ
MEU ECLIPSE APAIXONADO.

Autor: Ed.Cruz

Foto de Emerson PS

Triste Amor História Real: A Procura

Como lutar contra o que não se pode vencer?
Hoje em mais um dia frio e cinzento, de trabalho e labuta... mas agora estou em casa, mas não queria estar!
Todos os dias passo pelo mesmo processo, e todas as noites são realmente solitários, mas o que torna as noites tão duras é o fato de você não estar mais aqui.
Como pude te deixar partir? Como você conseguiu me deixar mesmo me amando?
Seu amor é tão grande quanto o meu.
Em muito reflito sobre tudo que passamos, o quanto aprendi, o quanto amei, o quanto fui feliz... Infelizmente também vi como o “imprevisto sobrevêm a todos” na pratica... você ficar doente e por isso se afastar de mim.
Desse dia em diante não sei mais o que é viver...!
Deus, Por quê?
Ah algum tempo não sei o que é dormir, também não me alimento bem, na realidade não acho que essas coisas sejam essenciais para minha vida... aliás parece que estou deixando de viver...
Deus, Por quê?
Sei que Deus não traz sofrimento assim, mas as vezes penso que sou alguém de tão pouco valor, que Ele à afastou de mim por não merecer tamanha benção... um verdadeiro amor... um alguém que valha apena fazer de tudo para vê-la feliz... um alguém que agora está tão longe e levou o meu coração...
Como posso eu viver sem meu coração?
Não sinto mais meu coração pulsar, não sinto minha mente trabalhando... pensando sempre em algo que à surpreendesse, que à deixasse sorridente e esplendidamente linda... deve ser por estes mesmos motivos que não me sinto vivo...
Agora entendo...
Eu não existo longe de você...!
O que devo fazer?
Deixar que o grande amor da minha vida se vá porque existe a possibilidade dela partir antes do que se denomina natural na vida, ou ir em busca dela e talvez presenciar a triste partida?
“Faz um tempo eu quis fazer uma canção pra você viver mais...”
Deus me ajude, por favor... EU À AMO!
Não posso ficar aqui definhando , sucumbindo, esperando apenas e sofrendo... afinal “o que o sofrimento para mim que estou jurado a morrer de amor...”
SE SEI QUE MORREREI SE NÃO A TIVER, ENTAO VOU DAR A MINHA VIDA PARA ESTAR COM ELA...
Se não sou bom o bastante, então vou dar o meu melhor para tê-la, se você se afastou com medo de me ver sofrer... então vou arriscar ter que sofrer, porque não existe sofrimento maior do que o que estou sentindo agora...
Finalmente percebo o que devo fazer!
É lutando que se vence... é buscando que se alcança... é amando que se é amado...
Obrigado Deus, e que o senhor me abençoe pelo caminho que escolhi, pois vou percorrer o mundo para encontrá-la, vou andar por lugares desconhecidos por mim ate achá-la, e quando este dia chegar vou olhar em seus olhos e dizer: EU TE AMO! Quero viver com você... Quero morrer por você... Quero te ter e para sempre te amar!!!

Foto de Melquizedeque

Olho da rua

Na espreita de um velório
Quando quis envenenar-me
Recuei por ver perigo
Em coleiras me guardastes

Da fogueira as bruxas fogem
Na madrugada em noites quentes
Um prevalente suor frio
Que enferrujam as correntes

Sangue nos olhos dos heróis
Reencarnados nas serpentes
Ascendem tochas de discórdia
Por seus medos contundentes

Corriqueiro navegante
No rio de gente enlouquecida
Da meretriz me torno amante
Sem ter água nem comida

Condenado sem ter provas
No julgamento misterioso
Encarcerado por instintos
Fui privado do meu gozo

Descalço e nu, na rua estou
Um pedinte humilhado
Desumano e desdentado
Pela angústia sou tragado

Tu condenas o meu não saber
Pensas ser mais do que eu
Mas nasci sem ser bebê
E agora bebo o que não é meu.

(Melquizedeque de M. Alemão, 15 de junto de 2011)

Foto de Arnault L. D.

Razões ( Felizes brinquedos )

O amor tem razões
que a nós esconde.
Quando faz segredos
em nossos corações,
quando não diz onde,
joga fora os medos...

Para impor grilhões
à razão que não responde
e do seguro solta os dedos
a busca das ilusões,
Sem haver quem sonde
o voar do passaredo.

O amor tem visões
que mostra não sei aonde.
E os olhos riem, ledos,
vislumbrando extensões...
Espalmadas qual a fronde
das copas dos arvoredos.

O amor tem lições
de esquecer assim que aprende.
Pois, não há dois enredos
iguais para as paixões.
Do amor o que se entende
é sermos felizes brinquedos.

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