Carta do perdão
Hoje repensei bem antes de escrever para ti, falar de ti, da tua solidão, ânsias e dor. Pois é meu irmão de sangue, pela primeira vez consigo te perdoar, nas noites mal dormidas e agitadas, recordava a tua vida, agressiva mal acomodada pela nossa família, quanta diferença fez na tua vida a falta de compreensão, da dor, da traição e do teu estado de espírito. Quantas vezes eu fui conduzida a tua casa, onde estavas trancado, com medo de te encontrar sem vida, mas mesmo assim eu ia repleta de medo de abrir a porta e ser a última vez de falar contigo, lembro de tremer de medo, mas abria na esperança de te encontrar vivo.
Muitas vezes mesmo eu sendo uma filha diferente dos irmãos, pois cresci em outro mundo, noutra família eu passei estar presente na ânsia de poder ajudar e compreender, quantas noites eu e minhas filhas ficávamos horas, falando contigo para que não ingerisses comprimidos com álcool e chegasses ao teu limite.
Lembro de uma vez me ligarem a chorar que o teu filho mais velho deu contigo numa garagem comum, com uma corda ao pescoço e ainda pior com uma senhora grávida em seu ultimo mês gritando por socorro para te salvar.
Escusado será falar do trauma que aquela senhora terá até aos últimos dos seus dias não falando do teu filho com nove anos que assistia a tudo.
Depois o teu dilema o amor que sentias a dor que jazia em teu coração deveras apaixonado pela tua esposa e não conseguindo lidar com a exclusão da tua família por uma suposta traição.
Quanta dor, desespero, solidão eu vi, ainda lembro de uma vez conversar contigo, tu me falares que sem ela não conseguias viver, dos teus olhos, caiam lágrimas agrestes, sombrias.
Falava a ti, meu querido irmão, vive, deixa os outros, sejas feliz não temas, pois quem ama sempre chega lá, afinal ela e mãe dos teus filhos.
Na minha dor eu tentei de tudo, te ajudar, salvar, guiar, mas fui impotente, talvez incapaz de vencer todos estes preconceitos, as minhas palavras não foram o suficientes,
Não foram tuas amigas e nem entraram no coração, lamento meu irmão, peço desculpa, por ser tão fraca nos meus argumentos, na tua dor que agora sei que era só tua.
Ainda lembro com precisão aquele dia, onde ligam desesperados, dizendo que a ambulância já vinha a caminho, embora eu sentisse dor, não sentia a surpresa, algo dizia que isso iria acontecer mais dia, menos dia.
Naquele momento o mundo desabou, caiu a meus pés, senti frio, medo, revolta e dor, tanta dor que nem conseguia demonstrar. Segui de um hospital para outro, mas já ciente da tua partida, pois o tiro na tua cabeça já tinha feitos danos irreparáveis, somente deixaram ligados a maquina para te despedires e a nós também.
Ainda lembro de querer ficar sozinha contigo, a vontade de te bater era tanta, como podia um homem estudado, cheio de planos com dois filhos lindos e com a vida já definida fazer tal atrocidade a si próprio, cometer o suicido.
Lembro que as lágrimas saltavam entre a minha voz tremula sem querer dizer que sabia que era a nossa despedida, eu te questionar pedindo que Deus e tu fizésseis um milagre e agarrasses a vida, pois eram tantos que te amavam, não o sabias,o quanto era.
Falei dos teus filhos da tua mulher e dos teus pais e irmãos, que tudo iria ficar bem, lembro que do teu coma, correram lágrimas, a tua mão apertou a minha, ainda sinto aquele momento neste coração.
Eu sabia que estavas de partida, mas a minha revolta era tanta que hoje sei onde foi buscar as minhas forças para fazer tudo o que me foi destinado, soube quando foste para outro plano, senti a brisa e o frio da tua despedida, acho que jamais apagarei isso da minha memória.
Tive que ir reconhecer o teu corpo, falar de ti ao medico legista, lembro-me que foi comprar uma camisa branca, para te vestirem, pois esqueceram dela, nesse momento lembrei da tua comunhão, do teu casamento e daquele momento atroz.
De tudo que mais esta na minha memória e a minha raiva de ter deixado partir um irmão novo, na melhor parte da vida, era tanta a raiva que eu em teu caixão falei isto:
- Meu irmão se eu pudesse te dava uns tabefes pela tua falta de amor a vida.
Eu não conseguia chorar, lamentar a tua partida, pois a revolta era tão grande que a magoa estava mais forte do que a dor.
Hoje meu irmão, quero te pedir perdão, pois já consegui me perdoar a mim mesma pela dor que causei a ti nesse teu plano tão confuso, quero te dizer que Deus te ilumine esses caminhos já de si tão sofridos em amor.
Eu não entendi o teu sofrimento, essa dor, essa solidão de estares sozinho, hoje consigo entender e me perdoar pelos meus pensamentos revoltados e pedir a ti perdão pelos meus pensamentos, pois primeiro eu tive que me perdoar e olha que não foi nada fácil...
Perdoa-me, onde queres que tu estejas meu irmão, peço a Deus que sejas um anjo de luz e que saibas seguir o caminho da luz e do amor.
Hoje por tua causa meu irmão, aprendi a ser mais branda e mais comedida em meus julgamentos e na minha forma de amar.
Esta foi a minha última carta para ti depois de ler a tua carta de despedida antes de dares um tiro na tua cabeça. Que todos nós aprendamos a ver os sinais de desespero e dor e possamos dar alento e amor a todos os que precisam de nós.
Betimartins
Esta foi a minha última homenagem ao meu irmão José Antonio
Falecido em 2006