Graça

Foto de cathy correia

Encontro

Voltei a encontrar-te
No meu mundo de sonho.
Presença constante nas ruas onde passo
E de novo recebi o sol e a alegria.
Voltaram a colorir a minha vida tão cinzenta...
Sem graça!
Voltei a encontrar-te
E a ouvir de novo
A música da tua voz
E a enfeitar as meninas dos meus olhos
Com o teu corpo...
Viril...
Sedutor...!
Voltei a encontrar-te
E fiz das minhas madrugadas
Uma festa dos sentidos.

Foto de Nana ´De Má

O meu amor é lindo.

O meu amor é lindo,
Lindo como um passarinho, simples como o vento.
O meu amor me faz sorrir, meus olhos se enchem de brilho a olhar figura tua,
É lindo o meu amor, é perfeito em cada detalhe, é único como um diamante,
O meu amor é lindo, tenho orgulho de mostrar o meu amor, sua beleza é maior que qualquer uma já conhecida, como é lindo o meu amor.
Até nos defeitos é lindo, e cada imperfeição te põem mais graça, mesmo que não goste, eu adoro, porque te faz único, não canso de dizer o quanto é lindo o meu amor, me envaidece te olhar, até um orgulho bate dentro de mim, e tenho a satisfação em falar pra quem quiser ouvir o quanto o meu amor é lindo, ai de quem discordar, sou surda a estes, porque pra mim não existe ninguém mais lindo e perfeito que o meu amor.
Mas o meu amor não tem consciência de sua beleza, não sabe o quanto foi agraciado,
Tem uma alma bela, um coração generoso, fala mansa e amigável não faz feio na figura,
Há como lhes belo o meu amor, um uffi é um aff.
Como podes não ver isso? Serás tão cego assim? Pobre do meu amor.
E egoistamente falando, que bom pra mim, narcisismo não é o teu forte, pois nasceu em humildade, nem sabe que me tira o fôlego, e que me deixa em fim de primeiro e ultimo sopro de vida, ai, como é lindo o meu amor.
Posso até tolamente te comparar as coisas que acho belas, mas nenhuma será digna de comparação, pois o meu amor é único, sua beleza é de dentro pra fora, e se estende em profusão por todo o seu ser, como é lindo o meu amor e não me canso de dizer.

Foto de Izaura N. Soares

Sonhos Jogados Ao Ar

Sonhos jogados ao ar

Izaura N. Soares

Quando os meus sonhos resolveram dar o ar de sua graça
Não imaginaram que corriam um grande perigo.
Não imaginaram por nenhum instante que seriam abandonados.
Foram tantos sonhos jogados ao ar.
E eu, apesar de saber, continuava a sonhar um sonho
impossível.
Nada mais seria perfeito enquanto meu coração não dissesse
não. Foram tantos dissabores apertando meu peito, tanta espera
contada no relógio da saudade que nada conseguia convencer meu
pobre coração que tudo não passou de uma grande ilusão.
Com apenas um sorriso levaste minha alma que sem pensar te
seguiu cegamente sem se dar conta que estava caindo num abismo.
Houve momentos felizes? Sim. Momentos reveladores, momentos
de êxtases, de beijos ardentes, abraços apertados e constantes
declarações de amor.
Ensinaste-me a amar apenas para o seu mero prazer.
Hoje sofro calada amando-te silenciosamente meus pensamentos divagam em noites escuras sem luar.
Estou só, tristonha, sem nada a esperar, apenas com a lembraça,
com a recordação de que um novo amanhecer irá chegar!

Foto de Cesare

Menininha

Menininha

A menininha cresceu
E com ela seus sonhos e crenças
Hoje, ela é uma mulher
Com desejos, anseios e medos
Essa é a diferença
A vida já pregou-lhe peças
Mas é necessário enfrentá-la
Rasgando as vestes infantis
Vestiu-se de mulher e partiu
Rumo, incerto
Destino, felicidade
Chega de olhar os outros primeiro
Olha para dentro de si própria
Sem egoísmo ou piedade
Precisa se amar para poder amar
E é por isso que ela vai lutar
Na vida existem momentos para tudo
E chegou o dia da criança dar lugar
À fêmea bonita e forte que existe nela
Sem perder a graça faceira da menina
Ganhando a sensualidade da mulher
Chegou o momento de amar e ser amada
E assim, as duas se completam
As duas se unem, rumo ao mundo
As duas se unem, rumo ao amor
A menininha virou mulher

Foto de Sirlei Passolongo

A Saudade do Caipira

Seu moço
Eu vim da roça
Lá deixei minha palhoça
Esposa em estado de graça
E cinco filhos pra criá

Deixei uma vaca no pasto
Quase sem leite nas tetas
Uns pezinhos de mandioca
Que a seca não deixou vingá

Antes de sair de lá
Comprei sarilho pro poço
Esperança da água de novo
Quem sabe nele brotá.

Lá, deixei meu violão
Um papagaio espoleta
E tudo que pus na maleta
Foi à esperança de vortá

Aqui na cidade grande
A solidão me invade
Quase morro de saudade
Vendo ano a ano passá

Sem saber da minha terra
Se meus filhos já são homens
Ou se morreram de fome
E minha mulher como tá?

Não sou homem de leitura
Paguei pra escrever as linhas
E sem resposta alguma
Minha esperança definha.

Seu moço
Essa minha história
Já se foram vinte anos
e eu nesse desengano
Sem nunca vortá pra lá.
Mas a fé em Padrim Ciço
Não me deixa desanimá.
(Sirlei L. Passolongo)

Direitos Reservados a Autora.

Foto de Dileno

Desabafo...

Olha, passei estes anos todos vivendo na desilusão,
E você, não me dava chance, zombava do meu amor!
Quantas Vezes, nas noites frias sonhava com teu calor!
Rasgava-me em dois para ter sua atenção.

Meu coração foi secando de tanto calor,
Foi perdendo o encanto pelo teu olhar de mel!
É triste ver um amor se acabar sem que nada começou;
Sem você, estou num inferno, por você, não vou pro céu!

Agora, disseste que me ama? Agora é tarde demais,
Mesmo se quisesse, já não a encontro em mim!
Cheguei ao meu extremo, to pra lá do fim!
Tente fazer de bobo, o coração de um outro rapaz!

Há algum tempo atrás eu vivia sonhando com este momento...
Mas, foi por culpa sua que... Morri! Você me deixou ás traças!
Implorando por um pouco de amor! Também daria o meu! É de graça!
Mas tu moravas em meu coração e eu no relento!

O que aconteceu com você para vir dizer que me ama?
Está com saudades do tempo em que vivia aos teus pés?
Ou então daquelas flores na porta de sua casa!
As flores? É fácil, eu posso lhe comprar algumas;
Mas, o meu coração secou junto com aquelas!

Aquelas que você dava pouca atenção!
E sem saber, menina, não era somente flores que secavam!
Eu ia perdendo o pique, vivia sempre transtornado, todos me olhavam!
Senti que secava também meu coração!

Agora é tarde garota, não te quero mais...
Cansei de sofrer, coração faliu,
Agora, é você quem corre atrás,
Vá atrás do meu coração, ele partiu!

Em busca de algo que você não quis me dar!
Apenas um pedido vou lhe fazer:
É algo que me prometi antes de morrer,
Pelo menos, por um minuto tua boca beijar!

De: Odileno Lima Ribeiro

Foto de Giovani Rodrigues

Lástimas de sua Ausência

Desembarquei do trem, como sempre!
Porém, agora não conto mais com seu apoio.
Agora me sinto só. Tão só que não quero mais viver.
E porque deveria querer?

Passei pela sua antiga casa,
E como eu imaginava, você não está mais me esperando.
Agora passo reto. Passo reto para não chorar mais.
Pois já chorei tudo o que devia.

Meu bem, eu sinto sua falta
Assim como os desertos sentem a falta da chuva.

Não estou pedindo compreensão de ninguém,
Já que ninguém iria me compreender mesmo.
O que eu espero e só meu amor, meu amor de volta!
Aquele mesmo que chegou de repente e nem me pediu licença.

Assim como vieste, meu bem, tu foste.
Sem me avisar, sem me abraçar uma última vez.
Isso me entristece, mas não me corrompe.
Sei que vou te ver mais uma vez. Eu sei.

Meu bem, eu sinto sua falta
Assim como os desertos sentem a falta da chuva.

Você bem que poderia ter morrido,
A dor poderia ter sido mais amena.
Pertenceria só a mim, para sempre!
Mas isso seria injusto demais para eu aceitar.

Agora, não conto mais contigo para nada.
E que graça isso vai ter,
Se era só você,
Com quem eu podia contar.

Meu Deus! Eu sinto sua falta.
Assim como os desertos sentem a falta da chuva.

Os dias têm provado.
Não sou mais ninguém sem você do meu lado.
Nós éramos um quando estávamos juntos.
Ainda se lembra?

Sinceramente, poderia sair correndo atrás de você nesse momento.
Mas não sei onde está agora.
Não sei onde esteve ontem.
Não sei onde estará amanhã.

Meu bem, eu sinto sua falta
Assim como os desertos sentem a falta da chuva.

E assim, vou levando minha triste existência
Sem graça, sem vida.
Até, quem sabe, te reencontrar.
E continuar de onde paramos.

Estou pegando o trem de novo.
Estou indo para minha casa,
Sonhar com você, como sempre!
E como sempre , e sempre, e sempre...

Meu bem, eu sinto sua falta
Assim como os desertos sentem a falta da chuva.

Foto de Lou Poulit

São Jorge e o Dragão

Sentados em bancos tipo meia-bunda, Hermes e Cuia haviam acabado de chegar ao balcão da birosca. Cuia era bebedor dos bons. Mulato quase negro, de fala mansa e bigodinho de chinês. Bom malandro, sobrevivente a tudo. De terno e gravata daria um excelente relações públicas. Só bebia cachaça e tinha preferência: Ô Portuga, dá meu marimbondo aí! Já seu amigo Hermes era letrado. O Vela, como era chamado na adolescência, era magérrimo, branco como um defunto, parecia meio lento em tudo. Havia se afastado dali por alguns anos e nesse tempo fez faculdade, arrumou emprego, casou, separou, casou de novo, separou de novo, casou mais uma vez... Continuava mal bebedor, pedindo a mesma marca de uísque: Ah... Bota qualquer um aí, Portuga.

O Cuia só observando. Em sua cabeça um silêncio era bom conselheiro: gozado, o tempo passa e as pessoas vão se misturando. Aquela que conhecemos desde dos tempos das pipas e peladas, agregam-se com outras que não conhecemos ainda, mas parecem tão importantes quanto as antigas, senão mais. E todas se dão muito bem umas com as outras, dentro do mesmo corpo.

Era manhã de domingo, dia de decisão no campeonato local de futebol. A birosca na encosta da favela já parecia lotada. Se a polícia chegasse de repente, com certeza ganharia o dia, porque já era quase impossível aos de dentro vigiar os que viessem de fora. O tumulto pacífico da birosca era como o Hermes. Com o passar dos anos alguns não arredam pé. Outros, desconhecidos, chegam, depois voltam e vão ficando. E outros tantos somem, por algum tempo ou definitivamente. Mas a birosca ainda era a birosca do Portuga e as alterações individuais não modificavam muito a mistura. Fora a fauna birosqueira, tudo mais parecia continuar nos mesmos lugares: as garrafas de bebidas mais caras, os salames e enlatados cobertos de poeira, no nicho de táboa a lâmpada devia estar iluminando o São Jorge que, a despeito da ausência de uma lança, não fora ainda comido pelo dragão, apesar de tantos anos de luta. O próprio Portuga sempre se dizia convencido de o aquele dragão enchia a cara de madrugada, depois que fechava as portas, e que só por isso não conseguira ainda comer o santinho.

O Hermes agora tinha uma identidade virtual, a julgar pelo palavriado que estava usando e que provocava a indignação dissimulada dos bebuns mais próximos: sabe, Cuia, o Portuga devia deletar aquele mictório compactado... Como é que é? – Espantou-se o amigo. É verdade, mermão... Aquilo é um banco de vírus! O Portuga é meio lento mesmo. Ele quer que esses caras acertem uma latinha daquelas. Já viu bêbado bom de mira?... Não – Cuia achou melhor não interromper – Nunca vi não... Então, Cuia, pra começar você tem que se espremer pra passar na portinhola. Só nisso já vai um risco. Depois tem que segurar a bebida, o cigarro, a portinhola... A portinhola?... Claro, mermão, vai que alguém deixa pra última hora e entra lotado. É uma senhora “portada”!... Riram-se os dois e o Cuia completou: É o que chamo de um arranca-rabo!... E o cara que não queria encostar em nada... Vai chegar em casa todo molhado – Hermes interrompeu - e a dona encrenca vai inserir o cara na casinha do quintal, vai passar a noite junto com o Totó!

Ô Hermes, por falar nisso, cadê a Laurinha?... Laura? Ô Cuia, que estória é essa de “por falar nisso”? Eu nunca dormi com o Totó não. Você precisa ler as atualizações do meu perfil... Ler as atualizações... – Repetiu o outro perplexo. E faz isso rapidinho, porque eu tô saindo, Cuia... Você tá saindo... Já vai embora?... Que vou embora, cara? Quis dizer que tô desistindo das mulheres dos outros... – e aproximou-se do ouvido do amigo – Estou apostando todas as fichas na mentirinha... Que mentirinha, Hermes?... Ô rapaz, aquela gata gorducha, que trabalha na “lan house”, vai dizer que nunca viu?... Sei, da loja de internet ali no fim da ladeira. Mas não era a Laurinha a razão da sua vida?... Laurinha nada... Se arrumou com o dono da firma, agora desfila de gerente... Ô meu irmão... – O Cuia mostrou-se penalizado – Que azar... Azar? Você não sabe da missa a metade. Depois dela já tive a Mariazinha, a Teresinha e a Socorrinho... É mesmo Hermes?... Tô te falando, Cuia, mulher dos outros agora pra mim é homem!... Nenhuma delas deu certo, né?... Não podia dar: A Mariazinha só queria saber de ganhar coisas caras... Ih, mermão, isso ia te deixar na miséria... Deixou mesmo. A Teresinha no início era uma santinha, o marido tinha sido atropelado, vivia numa cama, e ela passava o dia fazendo sexo pelo computador... Mas isso não resolve, Hermes... Não, a gente saía toda semana... Então, qual foi o problema?... Ela acabou viciada, Cuia. Perdeu a fibra... Como assim, não era a sua mulher?... Não!! Era mulher do computador!!... Ô Portuga, dá mais um aqui pro Hermes!

Cuia precisou pedir mais bebida para dissimular. Tinha muita gente em volta olhando, querendo saber quem era aquela tal mulher do computador. Sem se dar conta e parecendo soterrado de alguma culpa, Hermes foi se explicando: Mas a Laura, ô Cuia, ela não foi a única culpada, sabe? Porque quando comecei a desconfiar dei de ficar deprimido. Depois, sabe... Eu não dava mais cem por cento, depois nem oitenta, e foi diminuindo, diminuindo a transmissão dos dados... Entende?... Os dados? Ah, sim, acho que entendo. Mas e a outra?

Quem, Cuia? Já te falei, depois foi a Mariazinha... Me deixou numa miséria de dar gosto. Ô acesso caro aquele, sô... Aí eu não podia mais fazer outras coisas das quais gostava e sentia falta, não tinha grana pra nada. Estourei o cartão de crédito. Ninguém olhava mais pra minha cara, mermão... Tentando entender melhor, o Cuia perguntos pelos dados... Ah, a transmissão voltou a cair, né? Chegou a menos de um quilobite por segundo! Ô desespero o meu... Por que você não fez uns programas, pra variar?... Programa, não fiz nenhum, Cuia. Mas baixei tudo que pude baixar. Todo dia era dia de “down”... E nada de “up”... Nem um cachorrinho? – O Cuia perguntou brincando, para tentar levantar o astral do amigo... Nem um, era só cavalo-de-tróia!... Essa eu não conheço ainda, mermão... Nem queira, Cuia. Depois você tem que fazer uma faixina geral. É muito chato mesmo. E se perdesse o HD nunca mais vinha aqui beber com você. Em falar nisso, ô Portuga! Cadê o meu uisquinho?... Já vos dei, ó pá!... Tão dá outro!

Da posição em que estava, Cuia percebia o interesse crescente dos bebuns em volta na estória do Hermes, mas achou melhor não interromper. O amigo devia estar precisando desabafar. Depois, eles não poderiam mesmo entender aquele dialeto de informática. Também não entendia bem. E o Vela continuava falando: Agora a Teresinha, Cuia, nas primeiras vezes aquilo chegava sem jeito, olhando pro chão... Mas dali a pouco a santinha virava o demônio com rabo e tudo. Caraca, mermão! – O Cuia completou – Você só no piloto-automático... É isso, Cuia, o navegador era dela. Ela que escolhia a página... E num tinha anúncio não!...

Ao ouvir tais palavras, um dos bebuns já bastante calibrado, amigo dos tempos das pipas, chegou-se ao ouvido do Cuia e perguntou: Ele tava vendo televisão ou o que?... O Cuia dissimulou: Ainda não sei, mermãozinho. Fica na tua aí, na moral. Deixa o cara acabar de falar, valeu? O bebum voltou meio inconformado pro canto dele e o Hermes falando: Mas foi assim só nas primeiras vezes. Pôxa, Cuia, eu já tava apaixonado por ela quando, numa tarde, começou a balbuciar umas arrôbas diferentes... Que arrobas, Hermes?... Endereços, Cuia... Ah, dos outros amantes dela?... Que outros amantes? Amante era eu, o resto era virtual! - Hermes indignou-se, deu um murro na táboa do balcão e pediu mais uísque. Do seu canto, sentindo-se desprezado, o bebum disse com a voz lenta: Taí... Que machão que ele é... E recebeu um olhar enviezado do Cuia.

O Vela nem se dava conta do que acontecia à sua volta, ia desfiando o seu rosário enquanto a audiência dos bebuns aumentava: Eu não queria bloquear nem excluir a Teresinha, mas a cada nova tentativa ficava pior... Aí conheci a Socorrinho, que também era Maria, Maria do Socorro... E qual era o problema dela, mermão?... Não era ela não, Cuia. O problema era o marido dela... Ué, por que?... Porque o cara tinha mais de dois metros de altura, era muito forte e ruim que só o cão... E ele sabia que era chifrudo?... Sabia, mas era apaixonado pela Socorrinho e já tinha mandado dois pra lixeira, cara!... Ih, canoa furada, Hermes... Então uma tarde ela me chamou na casa dela... E você foi, maluco?!... Fui, ela me disse que estava precisando de um desencanador... Ocê é doido... É foi doidice mesmo. Quando eu pensei que ia carregar o arquivo, a trezentos kilobites por segundo... O cara te deu o flagrante... Não, tocaram a campanhinha... Ô mermão, ninguém toca a campaínha pra entrar na própria casa... Pois é, mas já derrubou a velocidade, né? Era o filho da vizinha. Ela despachou o moleque a agente voltou pro matadouro...

O bebum desprezado era um bebum respeitado. Toda hora fazia uma careta, ou um gesto, e os demais bebuns, formando já uma meia-lua às costas do Hermes, trocavam impressões. Percebendo tudo, o Cuia tentou levantar a moral do amigo: Aí você fez o couro comer... O bebum balançou o dedo indicador e fez beiço, querendo dizer que não acreditava. O Hermes respondeu: Mais ou menos, Cuia... Os bebuns metidos a jurados dissimularam uma estrondosa risada, quando o bebum desprezado saiu da birosca fazendo uma porção de gestos. Mas não demorou muito, alguns minutos depois lá estava ele novamente, pedindo licença para passar e voltar ao seu canto. Que mais ou menos é esse? – Perguntou o Cuia. Eu disse mais ou menos porque quando o programa estava quase carregado, ela me sussurrou que ouvira um barulho na cozinha. De repente o cara entrou no banheiro, já tirando a roupa, e quando me viu perguntou o que eu estava fazendo ali... E você, mermão, por que não pulou a janela?... Que janela, Cuia? Primeiro porque não tinha uma por onde eu pudesse passar. Segundo porque o banheiro era tão pequeno e o cara tão grande, que eu tinha a impressão de que éramos duas sardinhas numa lata. Ou melhor, uma sardinha e um tubarão! Que coisa, rapaz. Ele entrou tirando a roupa e eu tentando vestir a minha!... E aí?... Ai eu disse que já sabia qual era o problema... Como assim, Hermes?... É, mermão. Vou explicar: Quando corri pro banheiro, logo vesti a cueca. Aí ouvi o cara falando que havia chegado o caça-vírus. Então, em vez de por a roupa, eu desenrosquei o sifão da pia e abri a torneira. Só não deu tempo de abotoar as calças... E o cara caiu nessa? Mas que otário!... Bem isso eu não sei. Porque eu disse a ele que no dia seguinte voltava pra tirar o entupimento. Ele me pediu que saísse do banheiro porque queria olhar o serviço. Enquanto ele olhava eu fui saindo. Quando pus o pé na rua, mermão, desembestei que nem a mula-sem-cabeça! E ainda passei uma semana correndo. Vendo o cara atrás de tudo que era poste.

A turma de bebuns já não dissimulava mais as risadas e os julgamentos. E já não era composta apenas de bebuns, nem somente de homens. Haviam chegado mais torcedores e algumas prostitutas mas, devido a bebida já em conta alta e ao peso das lembranças, o Vela não se importava. Expunha-se ao ridículo, despertando a piedade de alguns. Cuia não sabia mais o que fazer. Pensava em como levar o amigo para casa, enquanto ele ainda pudesse andar com as próprias pernas. Mas de repente o Hermes se empolgava e recomeçava a falar, sem tramelas na lingua já melosa. Estava claro que ele não se submeteria a nenhum conselho: E tudo por causa daquela piranha, Cuia! A gente era feliz. Eu percebi muito antes e falei com ela. Disse que o Afrânio ia querer lotar o disco, secretária novinha, com tudo no lugar, se sentindo importante... É, o cara foi esperto... Ela é que foi uma vagabunda! Eu avisei antes, ela aceitou porque se entusiasmou com as gentilezas do Dr. Afrânio – disse o Hermes com desdém... Mas clama, mermão, isso agora já é passado. Esquece essa estória e vai em frente. Você não quer pegar agora a mentirinha? Então pega e esculacha, mermão. Vai te fazer esquecer as outras. Inclusive a Laurinha... Ah, a Laura não, Cuia. Eu não consigo esquecer o que ela me fez. Nunca, jamais vou perdoar aquela mulher. Se encontrar com ela na rua eu arrebento a piranha de porrada.

Sem sair do seu canto, o bebum desprezado balançava o dedo e fazia beiço. Os demais, já em franco debate, se dividiam. As prostitutas, em grupo, se defendiam. Alguns torcedores defendiam as prostitutas, para que tivessem o que fazer depois do jogo, afundar a mágoa em caso de derrota. O Portuga não tomava partido, bastava-lhe vender bebidas para todos. No fundo todos se divertiam, aproveitavam o fim-de-semana. Até o dragão se divertia com aquele São Jorge sem lança! Menos o Vela. Estava realmente consternado, não parava de imaginar formas alternativas de trucidar a Laura. E usava as opiniões dos bebuns para reorientar as suas tramas, curtindo a dramatização da sua desgraça, como se lhe causasse prazer. Numa dessas, ao dirigir-se ao grupo de prostitutas para ver sua reação, percebeu que uma delas saia de trás do grupo e atravessava em sua direção. Ele não queria falar com ela, era apenas uma puta, como dizia ser também a Laura. Tudo farinha do mesmo saco! – Disse em definitivo.

Quando o Hermes escutou aquela voz de mulher lhe dizendo um curtíssimo “Oi” pelas costas, imaginou que o mundo havia parado de repente. Um silêncio palpável preencheu o ambiente. O Vela tentava decidir o que fazer, sob o peso de muitos olhares. Quando se voltou para trás, viu que havia uma mulher muito bonita no centro de um pequeno espaço, obviamente aberto para ela. Apesar do congelamento generalizado, apenas o bebum desprezado balançava a cabeça, mas agora positivamente. O Hermes não conseguia articular uma só palavra. Dentro do seu íntimo encharcado de uísque “qualquer um”, tudo era escuridão, uma multidão de vultos ia e vinha, sem que ele pudesse organizar o pensamento. Não teve coragem de dizê-lo, mas não restava nenhuma dúvida: só podia ser a Laura. Queria olhar dentro dos seus olhos, pois conhecia-lhe o olhar, mas a bebida já não o permitia. E quando a mulher lhe estendeu docemente a mão, com um sorriso calmo e soberano no rosto, o Vela não conseguiu fazer resistência. E deixou-se levar lentamente para fora, pela mão, como uma criança ingênua. Atravessando o silêncio estupefato e o julgamento sem veredicto de cada um dos presentes, sumiram os dois entre os torcedores que, na rua, preparavam-se empolgados para tomar o caminho do estádio. Como se houvessem ali dois mundos paralelos, o casal e os torcedores não se confundiam, mal se notavam. Era de se pensar que não estivessem no mesmo tempo e no mesmo lugar. Uma mão imensa e irresistível parecia abrir aquele mar de gente, enquanto o casal sereno e mudo escapava dos julgamentos, sem que se molhassem sequer no suor dos torcedores.

Na birosca, foi o bebum desprezado que quebrou a perplexidade. Deu um tapa na lateral do balcão, fazendo um estrondo que deixou o Portuga furioso. Ô Portuga! Dá outro marimbondo aqui pro meu amigo Cuia, que ele está pagando o meu também – e virando-se para o mulato, que se mantinha pensativo, sussurrou - como nos bons tempos, hem Cuia? Uma a uma as pessoas foram se reacomodando pela birosca. O bebum sentou-se no banco, que o Hermes deixara morninho, disse com ar sábio: Ah, o amor. Coisa mais linda é o amor... Encafifado, o Cuia não respondeu mas quis saber: Sabe, você até pode me achar com cara de panaca, mas eu não tenho certeza de que aquela mulher era a Laurinha. Se bem que era muito parecida, não vejo há anos, mas acho que não era não... O bebum virou a sua cachaça toda de uma vez e depois ficou olhando para o chão, reflexivo, com um sorriso torpe nos lábios. Depois de um tempo, finalmente falou claramente: Não era ela mesmo, Cuia... Mas então, quem era ela?... Depois de fazer uma careta, como se rebuscasse o passado, explicou: Você não se lembra da Fátima? Não, né. A menina que vendia bala na estação do trem... Não, não me lembro mesmo... Eu conheci as duas desde pequenas, desde quando eu era um homem respeitado. A Fátima é mais nova, mas sempre foi parecida com a Laura. Depois meteu-se com aquele bandido, famoso por cortar as orelhas dos seus desafetos... O Pinga-Fogo... Isso, ele mesmo. Ele sustentava a ela e a outras molecas. A Fátima engravidou para se sentir mais segura, mas o cara apareceu cheio de buracos pouco antes do bebê nascer. Ela então andou na mão de um e outro bandido, pra manter o pirralho. Depois desapareceu de repente. Passou uns anos fazendo programas com gente endinheirada, gerentes de banco, diretores de empresa. Tem três meses que ela reapareceu, está morando no bairro aí de trás... Mas por que ela tomou aquela iniciativa?... Porque, como lhe disse, coisa mais linda é o amor...

O Cuia estava inconformado, não conseguia entender direito. Não vai me dizer que ela está apaixonada pelo Hermes?... Que apaixonada, Cuia. Ela nem conhecia ele direito... E como ela veio parar aqui na birosca?... Eu chamei, ora. Ela é puta, não é adivinha. Mas eu conheço ela muito bem. Você sabe que conheço as putas daqui. Não posso mais pagar pelos serviços delas, mas conheço bem várias delas e sou amigo delas... Que coisa de doido, quem vai pagar? Quando o Vela entender tudo não vai tirar um tostão do bolso... Nada de doido não, Cuia. Ela não veio receber dinheiro não... Como não?... O bebum parou, se ajeitou no banco e continuou: Cuia, meu velho Cuia... Eu já vivi um pouco mais que você. E lhe digo com toda a convicção: As mulheres que vivem de programa não são todas iguais. Mas são seres humanos todas elas, têm sentimento. Eu não pedi, apenas perguntei se ela queria fazer isso. Ela confiou em mim e topou fazer... Mas o Hermes não ama essa mulher... Já deve estar amando, Cuia... Não é a Laurinha... Que diferença faz, Cuia? Ele precisava amar, se regenerar, tirar o paredão de dentro dele. Você acha que o amor dele, que ele não pode exercer e não serve pra nada, é mais amor que o da Fátima, dado de graça, pela necessidade dele e por amizade a mim? E ademais ela não tem nada a perder, tem a dar. Qual o pecado nesse caso? Mas o Vela podia ter perdido a vida, lá no banheiro do caça-vírus. E noutras vezes, porque ficar pegando as mulheres dos outros...

O Cuia ainda não aceitava plenamente a conversa do amigo, porém reconhecia certa razão. E será que o Vela vai segurar a peteca? Do jeito que saiu daqui, não sei não... Ora, Cuia, ela é uma mulher sofrida, experiente, com certeza vai dar o jeito dela... Mas ele não vai se casar com ela, né?... Casar? Acho que ela não ta pensando nisso, não. Prostitutas nunca pensam em casamento numa primeira ocasião. Não é esse o trato. Se você sair com uma delas e falar em casamento, nunca mais ela sai contigo, pra não apanhar do cafetão... Mas vai que a Fátima pensa... E daí? Eu não sou cafetão, não ganho dinheiro com ela... O Cuia pediu a conta ao Portuga, pagou a cachaça e pendurou o uísque, reclamando do preço. Depois, com ar de satisfeito, disse ao amigo: bom, tomara que pelo menos você esteja certo e ela saiba acender velas. Senão, quando ele voltar aqui, vai dizer que de repente bateu um vento... Que nada, Cuia, você num entende nada de velas. Ele vai dizer que quando o programa estava carregado, caiu a conexão!

Foto de aninha wagner

Olhos Verdes

Olhos verdes

gotas de oceano diluidas

no cristal de luz das retinas

brisa refrescante

Olhas verdes

florestas tropicais

grama molhada

banho de chuva

repentino sôpro

Olhos verdes

Perfume de ervas

flores do campo

brilho na tarde

mar sereno

Olhos verdes

trazendo o norte

sorte indizível

graça impensável

berço aconchegante

Olhos verdes

profunda onda

insondável mistério

etérea energia

iluminando as trevas

Teus olhos verdes

Verde esperança

fugaz bonaça

deslumbrante momento

eterno encantamento!

Ana Wagner

Foto de andrepiui

Mãe!!! Mulher Maravilha!!!

doce menina
na mente presente
a vida inspira
exageradamente

onde me encontrontro
de novo no morro
ponto mais alto
será um calabouço

leve solta
mágica balada
eterna jornada
mãe!!!

dona de casa
graça traz
amar sempre mais
de forma clara

a presente menina
mente inspira
na doce vida
mulher maravilha

energia irradia
árvore frutiféra
sina minha
transborda transpira

dengoza cristalina
entrada divina
saida desejada
olhar me domina

impossível resísta-la
pekena
faceira
fascina

magnifica
assim como o ar
parte vital
beldade bendita...

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