Ferro

Foto de HELDER-DUARTE

Os visigodos

Como Eurico e Plágio contra aos mouros lutaram,
Nestas Hispânicas terras,
E nessas suas guerras...
Ao Islão, eles venceram...

Também oh Lamego,
Não tenhas medo.
Pois vencerás, os inimigos da tua alma.
Por isso mantém a calma!

Pois tuas armas não são carnais,
Nem de ferro.
Mas são espirituais!

Por isso têm mais poder,
Que as dos filhos do erro,
Mostram ter!...

HELDER DUARTE

Foto de JGMOREIRA

CARGA

CARGA

Os autos resfolegam no asfalto
uma paquidermidez mecânica.
Acelerações desesperadas causam-me sobressaltos.
Eixos, rodas, balancins, marchas
entram pela janela da casa para dentro de mim,
o lar.
Nao durmo o sono dos justos que há
foram alcançados: gritos, notícias: jornal:
circula O DIA pelas gares da Central.

Minha casa é uma fresta às máquinas
e às bestas. Sou todo pegajosidades
nessa cidade de 38 graus.
O ventilador excita uma onda quente
de ar empoeirado, repleto de ferro
e asco que entram pelos poros, narinas
ficando depositados em minha saliva.

Assim me construo: com ferro e nojo,
honra e desprezo,
trabalho e desejo.

Urros e sussurros, gritos e maquinarias
entram dentro de mim, o lar,
erigindo outro homem em outra casa.
Um ser sem rupturas e desemocionado
que, monolito, contempla o absurdo
permanecendo inatingível e calado.

Meu sono é repleto de engrenagens
e aceleradores pisados ao fundo.
Quando durmo, o outro se levanta
para ver as hordas que se agigantam.

Pela fresta penetram os berros
de quem marreta as rochas da solidão
daqueles que, em outros lugares,
respiram ares do mais puro algodão.
Os condenados ao trabalho forçado
de viver quebrando montanhas de granito
buscando passagens para o existo,
reúnem-se, às vezes, as vozes aos gritos.

O coro de ódio impotente da matilha
rompe meus cristais, rasga as cortinas
penetra, impiedoso, em meus tímpanos.
Levanto-me, sabendo acabado
o tempo das filosofias.
Uma consciência histórica de invalidez
abate-se sobre meus ombros
que arqueiam sob o chuveiro:

O peso do desamparo de uma raça aturdida
pela ilusão incontida e homérica
de descobrir dentro da pobre prôa de suas quilhas
um rumo certo pelo qual atinja-se Américas
ricas e prósperas, fecundas e fantásticas,
de um chão que desnecessite empenho
para forrar estômagos chupados.

E é com imaginaçãoo e engenho
que a turba inventa embarcaçoes,
benze-as, invoca bons augúrios,
lança-se ao infortúnio
de um mar sem contemplações
habitado por titãs e deídades malígnas
que lhes rasgam as velas com garras latinas.
Náufragos, homens mulheres e crianças
são atirados por ondas precisas
às praias que a isso circundam.
Por cá ficam, desesperados,
a rondar bares esféricos
com o corpo na miséria
a esperança em Américas
que seus olhos avistam longe,
esperando, esperando, esperando...

(Proliferam seus pesadelos.
Juntam-se, às vezes, para relembrar
um tempo em que ousavam navegar.
Filhos, olhos de América e de choro,
engrossam as fileiras do côro
que urra suas misérias
para dentro da janela
onde um angustia-se
outro observa
e com mãos de estivador nesta página os encerra)

Foto de JGMOREIRA

À ESPERA DE DEUS

À ESPERA DE DEUS

Com os olhos borbulhando
sem conseguir evitar olhar
espero, noite após noite
que Deus habite este lugar

Um Deus amplo, acolhedor
de braços longos e quentes
que abrigue toda essa gente
faiscando de pavor

O medo de estar vivo
O medo de estar sóbrio
O medo de mais um dia
o medo de todos os dias

Em tão rápido passar
apenas riscam a vida
Crendo-se sempiternos
correndo a coxia

Esperando Deus em sua chegada
fico, o parvo, observando
os homens pela madrugada
como tochas se apagando

O velho que puxa a carroça
A mulher que serve o café
A moça na janela do trem:
rosto emoldurado em ferro

Fumaça, sonhos e aço
eis a salvação
Todos à procura de abrigo
Aguardando revelação

Com seus instrumentos tortos
vão construindo suas certezas
Rolam dados em busca da sorte
que não os quer por consorte

Canso-me de esperar por Deus
Observando meu descrédito
ele sequer se ergue
quando meu coração se verga

Quatro cadeiras na casa
O homem se senta
separado do ser;
a razão e a emoção descansam

Na cama, apenas o corpo
peso, volume, massa
Guardado por seus apetrechos
sentados, insonos, de guarda

Sem êxtase, o gozo jorra
para que a vida tenha forma
Antes que o cansaço me vença
ofereço-me a Deus em oferenda.

Foto de Marta Peres

Faces de Mim

Sou como ferro em brasa
como leite sem nata
sou das últimas a primeira
na fila
de solidão e promessa.

Sou,
como no andar a pé
estrada empoeirada
em noites caladas,
fechadas.

Sou,
como risos e choros
em noites escuras
onde não há mais sonhos
só choros, venenos, sufoco
por ter ocos os olhos
perdidos da Fé.

Tudo sou,
tudo gero
ai de mim
e dos outros mais
coração partido,
dolorido, sentido,
sofrido nas ganâncias
na fartura,
na arrogância
e na usura.

Meu segredo revelado
propagado todo ao vento
o degredo
movimentos são esquecidos
mortos pelo tempo.
Marta Peres

Foto de Ednaschneider

Espada

Um metal...Um ferro...Um bronze...
Um gesto de liberdade...
Que usado foi onde às vergonhas escondem-se
Onde penetrou com suas estocadas sem piedade.

Reluzente material...Brilhante...
Não se conteve com tanta hipocrisia
Por isso foi pungente...
Em minhas mãos girava com maestria.

Algumas pessoas gostaram...
Outras nem tanto...
Pois os gumes penetraram
E trouxeram um certo pranto...

Para alguns prantos de dor
Para outros: satisfação
Para outros prantos de amor

De reluzente, se tornou escarlate...
Não escarlate inocente
Pois estava eu procurando a liberdade
E nesta busca da verdade.
A guerra se fez presente.

Sim...Usei uma espada: a palavra.
Que penetrou em muitos que a viram...
Alguns me seguiram,
Outros apenas zombaram e riram...

Mas atingi meu objetivo...
Eu lutei contra a ignorância
Contra o preconceito que no mundo vivo...
E contra certas intolerâncias...

Não mudei o mundo...Nem vou mudar...
Mas atingi um público...Que sempre comigo estará.
Expressei de todas as formas com meu modo de registrar
E não vou parar.
Sempre lutarei, expressarei;
E defenderei um verbo: O Amar.

Joana Darc Brasil*
06/08/07
*Direitos reservados.

Foto de José Brás

Espelho...quase

és mar
e eu um barco
a navegar
nas águas do teu corpo
rumo-te a sul
adentro o delta
sacio a sede
num rio
que de ti chega

és terra
e eu arado
lavro em teu peito
sulco-te a pele
buscando o húmus
afundo o ferro
sacio a fome
no cheiro
que de ti chega

és mar (de novo)
e eu um barco
pronto a entrar
em todos os teus cais
acerto o rumo
vou onde vais
provo o teu sumo
cheiro os teus sais

és terra (agora)
e eu arado
lavro em teu peito
este meu fado
seara d´água
no semear
colho esta mágoa
no teu olhar

Foto de Tati Netto

Manuseio: mão, nu, seio.

Mão na cabeça: confusão.
Pânico e idéias atropeladas.
Mão, contramão, seta, sentido e dogma.
Mão no pandeiro: samba canção.
Mão na roda: roda gigante.
Mão de ferro: pesado auxílio inútil e esmagador.
Mão de anjo.
Mão de vaca.
Mortas mãos que relogeiam pelas calçadas.
Cegas e inaptas descobridoras.
São tantas as mãos...
De todas as mãos que já me deram uma mão
Sou mais a tua.
A que é mão.
Mão de carne.
Mão de mão.
Mão de paixão.

Foto de Senhora Morrison

Oh! Gente amiga

Terás o dia
Oh! Gente amiga
Que do peito escorrerás
O pretume pertinente
De travadas batalhas
E corações doentes
De olhares incisivos
A um só umbigo (o próprio)

Musculaturas tensas
E línguas afiadas
Agridem almas
Mesmo que armadas

Chegarás o dia
Oh! Gente amiga
Em que a neblina do egoísmo
Exalada de nossos poros
Encobrirá todos os olhares
Endividando os dignos
Com tanta soberba
Que tomaram isso como benefício

Retornarás ao dia
Oh! Gente amiga
Inconscientemente a memória infante
Abaixo da sombra dos errantes
Onde de constante a derradeiro
Foram o teu e o sorriso alheio
Num todo verdejante, colorido.
Perguntarás enfim:
_ Como terás se extinguido?

Refletirás o dia
Oh! Gente amiga
Todo infortúnio e fúteis bravezas
De se por a vaidade
Do que a gentileza
Por um instante em seu leito
Perceberás
Que de com ferro as flores
E a tantos amores
A ferida estagna ao peito

Reconhecerás um dia?
Oh! Gente amiga
Que o sofrimento a ti pertence
Em ter sido tão pertinente
Virando as costas à divindade
De uma vida sem maldade
Em troca de satisfações temporárias
Em corridas contrárias
Devastando a si e a teu redor
Deixando tudo cada vez pior
Esquecendo-se do fato nocivo
Que para morrer basta estar vivo

Renegarás os dias
Oh! Gente amiga
Que os fantasmas de sua condolência
Nutridos com tanta veemência
Submeterá-lhes ao condigno penar
De para trás não poder voltar
Bestificado então com a demência antes honrada
Depara-se com a realidade macabra
De ter contribuído ao fim
De um mundo deixado não só a mim

Senhora Morrison
09/04/2007

Foto de Enise

Delator...

o amor
é como rio que corre para o oceano
uma luz que acende outros planos
o sonho que busca um abrigo.

é a fera mansa do ser humano
o possível sem ser engano
um pecado sem ter castigo.

é como o vento que bate num muro
uma sombra que se acompanha no escuro
uma força nunca vencida.

é um compartilhar sem medo
uma entrega sem segredo
na extensa fronteira da vida.

o meu amor
se não for maior como no melhor folhetim
é tão delator, como um ferro em brasa
que marca e vaza dentro de mim...

Foto de Senhora Morrison

Liberta

Livra-me do seu sentimento de posse.
Amar, não sabe o que é.
Livra-me do seu moralismo vil.
Honra, nunca tivestes.

Ris da dor alheia
Mas não suporta a tua própria
Engenhava-me mais sofrimento
E tivestes minha devoção!

Chama-me verme
Julga-se forte, viril.
Mas faz-me seu escoro
Seu chão, para que pise, pise...

Só sabe ploriferar o medo
Ganhas-me no grito
Violenta minhas entranhas
Sempre que se sente só

Eu que parecia lhe dever
Nunca ousaria seus olhos
Dei-te a submissão
Fui-te um depósito de gozos, esporros...

Era só o que valia
Só o que me fazia valer
Diante de um semblante psicótico
Acompanhava-me da incapacidade

Almejar-se-ia seu reconhecimento
Se não lhe descobrisse agora
Tão fraco, tão fora.
De realidade que ainda desconheço

Tu foste meu primeiro, meu único.
E com mãos de ferro
Marcava-me com sua brutalidade
Com prazer em me sangrar

Jamais saberia ter força olhando estas marcas
Não poderia sequer tentar fugir
De sua presença negra e duras palavras
Mediante suas perspectivas

Nunca tiveste um horizonte
Não me mostraste as rosas do mundo
Deixara as pétalas a outras
E me enfeitava de caules e espinhos

Acostumaste-me a pouco amor
Mas minha alma já cumpriu sua sentença
Agora que com fôlego caminho para a luz
Sinto-te ainda mais agressivo

Nunca me ganhaste
Não me amedronte
Mesmo em flagelos irei recomeçar
Aqui ou em qualquer lugar

Vou curar minhas feridas
Com minha saliva
Tenho a mim
E isto me basta

A dor me abriu os olhos
Vejo-me tão capaz
Vejo que te suportei além
Sozinha será mais brando.

Suas ameaças já não me martirizam
Tão pouco o cumprimento
Nunca tive nada a perder
Não me destes nada

Vou antes de tudo acontecer
Antes que nada se faça
Ainda que respiro
Agora que me livro...

Então dormes homem
Que ontem foste digno do meu amor
Dormes que enquanto isso
Vou para onde não alcance seu cheiro

Que seja embalado em sonhos malditos
De murmuras e lamentos
E que quando desperte
Tenha uma vida em sofrimento

Aqui jaz tudo que fui pra ti
Neste ímpeto de coragem
Deixo-te, a querer que esqueça.
Que um dia existi...

Senhora Morrison
30/05/2006

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