Dentes

Foto de Ana Rita Viegas

Volta Rápido

Volta rápido
Estou com água na boca
Quero saborear teu beijo
Tua saliva
Quero que mordas de mansinho
Meu lábio com teus dentes
Esta vontade deixa-me louca
Estou sedenta
Minha roupa arde
Meu desejo transpira
Vem rápido para me consolar
Para me tocar
Arrepiar
Vem rápido
Vem por-me de bicos
Mata-me este prazer
Este prazer impetuoso (ardente)

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Foto de robson oliveira

quero você

Ainda sinto o calor de suas mãos em meu corpo
Lembro delas percorrendo todo meu corpo
Deixando-me louco de desejo.
Ainda lembro de seu corpo em chamas
E do meu queimando
Há quanto tempo meu corpo não fervia assim
Meus olhos deliravam de prazer
E sua boca percorria meu corpo de forma profissional
E eloqüente
Ainda sinto os teus beijos quentes e ardentes
Ainda esta em minhas as marcas de teus dentes
Ainda lembro das palavras que me disseste
Dos carinhos que me destes
Ainda sinto cheiro do teu perfume
Cheiro de prazer, cheiro de amor.
Amor... Quero você de volta.

Foto de João Felinto Neto

Poesias selecionadas

APELO À MISÉRIA

Quem me dera, miséria,
eu fosse parte
de um baluarte de sonho e de quimera.
Pela boca mantém-se assim o povo,
a lavagem é a comida que a si, dera.
Na vergonha de reconhecer-se porco,
ter o rosto metido na sujeira,
enlameado atrás de uma porteira
seu anseio é mantido na espera.

Quem me dera, miséria,
eu me calasse
e ocultasse o meu rosto na janela.
Meus princípios mantêm-me assim exposto.
Sou mau gosto travado na goela.
Quem engole as palavras que eu digo
traz de volta a vontade de lutar,
elas tocam a ferida no umbigo
que o conformismo já ia cicatrizar.

Quem me dera, miséria,
quem me dera,
que de ti eu pudesse me livrar.

PERSONAGENS INFANTIS

Será que o lobo é tão mal.
O lobo ama também.
Ele protege os filhotes que tem.
Caçar, para ele é natural.

A chapeuzinho, talvez,
quando crescer seja outra.
Se torne uma megera
que não gosta de criança
e perca toda a esperança
de voltar ao que era.

O caçador, o herói tão valente
que salvou a vovozinha,
costuma matar friamente a fêmea,
deixando a cria sozinha.
Ele acabou sendo preso
por caçar ilegalmente.

A vovozinha morreu.
Pois, a idade a levou.
Mas, quantas vezes brigou com a vizinha da frente.
Isso prova que a bondade e a maldade,
na verdade,
são apenas uma história diferente.

O POEMA QUE EU DEIXEI DE ESCREVER

O poema que eu deixei de escrever,
Falaria de você,
De nosso tempo,
De angústia, de tormento,
De alegria e de prazer.
Iria contradizer
Cada palavra
Que as nossas falas
Tinham pouco a dizer.

O poema que eu deixei de escrever,
Seria na verdade,
Uma ameaça.
Calaria minha boca,
Qual mordaça.
Não seria uma desgraça,
Por não ser.
Os meus versos,
Talvez fossem sem querer,
Uma ofensa
A sua crença,
Que eu acreditava
Ter.

O poema que eu deixei de escrever,
Não seria
De valia.
Sem valia,
O deixei de escrever.

SEPULTAMENTO

Os meus olhos pregados
no infinito
como os pregos nas tábuas
cravejados,
e de pontas viradas,
redobrados,
sustentados e fixos
numa curva.
No aconchego da madeira macia,
minhas costas
nos ossos da bacia
consolam meu corpo
tão curvado.
Pelo tempo que tenho acumulado,
a ferrugem do mundo
me comeu,
e a tampa que pregam
me prendeu
para sempre num rito consumado.
Por debaixo da terra
condenado
a ser parte da mesma
e não ser eu.

CANTO DE SEREIA

Como um canto de sereia
de belíssima harmonia,
letra correta, verdadeira poesia
e melodia
que eterniza nossa alma.
Por onde anda
a sereia encantada
nas profundezas desse mar de ignorância?
Letra incorreta com falta de concordância
e melodia
que nos faz perder a calma.
Só na lembrança,
o teu canto nos enleva
na emoção que tua voz nos faz sentir
e na saudade, o nosso coração desperta
pra realidade,
não há nada mais pra ouvir.

PEDESTAL DE BARRO

Revogo silêncio
ante palavra e voz.
Reato os nós
que me prendem ao medo.
Reavivo memórias
em busca de segredos
que já não interessam mais.
Reclamo por paz
em meio a intensa guerra.
Replanto a erva
que não nasce mais.
Relato as dores
de males e fome.
Repito o meu nome,
antes de dormir.
Reato os laços
que me prendem aqui,
ao pedestal de barro.

TORRE DE BABEL

O juiz do supremo,
Jeová,
se irrita e sai do sério,
quando seu filho Jesus
vai à noite, ao cemitério.

No boteco do Davi,
onde quem manda
é o Golias,
não há funda,
quem afunda
na cachaça, é o Isaías.

No salão do senhor Sansão,
quem faz o cabelo
é sua mulher Dalila.

As mulheres de Salomão,
o cafetão lá da vila,
choram e sentem solidão
quando estão de barriga.

Lúcifer anda arrasado,
o seu mundo virou trevas,
por ter visto abraçados,
Adão e a senhora Eva.

Noé, o velho barqueiro,
não gosta de animais.
No entanto, adora um peixe-frito
no barzinho lá do cais.

Essa torre de Babel
é o mundo em que vivemos,
onde não há inocência.
Se algum nome ou fato ofender,
é mera coincidência.

A MULHER DA MINHA VIDA

A mulher da minha vida,
Sempre é lida em meus versos,
De uma forma ou de outra.
É a sua voz que ecoa
Reclamando meu regresso.
É bem mais que uma amante,
Que uma amiga e companheira.
Necessária como a fonte
No deserto de areia.
A mulher da minha vida,
Entre linhas abstratas,
Põe em mim, doces palavras
E expressão de alegria.
A resumo em poesia,
Tal qual em cartas,
A saudade que nos mata
Se envia.
A mulher da minha vida
É a graça
Que um devoto em desgraça,
Alcançaria.

O LABIRINTO

Pelas ruas infinitas,
Não encontro meu destino.
Endereço repentino;
Então, me pára.
Não é nada;
Sigo em frente, o meu caminho.

A mim mesmo, ainda minto:
- Logo chegarei em casa.

Em calçadas,
Eu percorro o labirinto
(Cruzamentos, sinais verdes e paradas).

O suor não pára o tempo;
Lágrimas, enxuga o vento;
E um triste pensamento
Não se afasta.

A cidade, assim, se fecha em semelhança.
A lembrança,
À realidade, não se adapta.
Eu confundo o momento
E me perco no silêncio
De um triste monumento
Que me agrada.

Minha calma é necessária
Para espantar o medo,
Desvendar todo o segredo
Que o labirinto encerra.
Os meus pés seguem por terra,
Minha alma por promessa,
O meu corpo por saudade.
Edifícios, tais quais pedras,
Alicerçam a cidade;
Conduzindo minha mocidade
Eterna,
De encontro ao passado.
Eu me torno um condenado
Num presente adulterado,
Que me enterra.

Observo as vidraças
Das janelas,
Onde o sol ofusca a vista
Com a luz que é minha guia
Na escuridão tardia
Do passado.

Cada praça
Me congraça,
Tal um templo
Erigido como um marco à memória.
Cada uma conta a história
De seu tempo,
De sorriso e sofrimento,
De conquistas e derrotas.

Novamente, me encontro sem saída,
Apesar de tanta via planejada.
Já não reconheço nada
Do que havia,
Já não reconheço nada.

Alimento meu silêncio,
O tempo passa,
Onde pombos batem asas
Sem voar.
Não consigo encontrar
O meu caminho;
O meu ninho
Não encontro em meu lugar.
Continuo a me enganar,
Ainda minto,
Preso a esse labirinto
A me fechar.

À DERIVA

Posso até perder o brilho dos meus olhos,
Mas jamais, deixar de ver tanta tristeza.
No esbanjar de pratos sobre minha mesa,
Vejo a fome refletida nos teus olhos.

O que faço se estou preso ao sistema
Onde a indiferença
Sobrepõe a caridade,
Onde a verdade
É varrida
Pra debaixo da mentira
E onde a vida
É um barco à deriva
Sem ações de piedade?

UM POUCO MAIS

Percebo
A minha vida esvaindo-se entre meus dedos
Em minha mão aberta
A dar adeus ao mundo
Pela janela.
A minha juventude
Em quietude eterna,
Silencia os meus dias.
As velhas alegrias
São lembranças tristes.
Os sonhos não resistem
Aos carinhos da morte.
E que meu sono suporte
Os meus pesadelos,
Já que meus apelos
Ao que me resta de força
Não me sustenta.
Talvez, o mundo não entenda
Esses meus ais.
Não tenho medo de morrer.
Eu só queria era viver
Um pouco mais.

O GRANDE DIA

Ai de nós se não fosse o profeta
Para converter o nosso coração.
Do contrário, Deus feriria a terra
Com terrível maldição.

Com o Senhor não há perdão.
Seu grande e terrível dia
Não será de alegria
E sim de destruição.

O poder de sua mão
É extremamente acintoso.
Deus é um ser ambicioso,
Quer de todos,
Atenção.

Não importa a condição,
Será imposto
Sofrimento e desgosto
Por qualquer contravenção.

Deus não quer nos dá lição,
Quer aniquilar a todos
Pelo caráter odioso
Que passou à criação.

EPITÁFIO XIV

Ela se aproxima
Sorrateira e linda,
Com seu manto escuro,
Sua mão suada.
Não nos pede nada,
Mas nos toma tudo.
Deixa então, de luto,
A pessoa amada.

Ela não se importa
Com aquele que fica.
Pois só se dedica
Ao que se despede.
Sorrateira, impede
Que a gente viva.
E sutil se infiltra
Sob nossa pele.

Ela só se afasta
Quando mata a alma
E deixa o corpo inerte.

ETERNA SOLIDÃO

O que eu tive na vida
Além da data esquecida,
Da dor no peito, contida,
E da perdida ilusão?

O que mantenho na mão,
Já na forma cadavérica,
Senão,
A luta sem trégua
Com os germes que a terra
Colocou em meu caixão?

Os meus feitos,
Foram em vão.
Meus defeitos,
Exaltados.
Não sou de Deus nem do Diabo.
Sou um louco condenado
A eterna solidão.

ESPANTALHO MORIBUNDO

Minha alma sempre está
Num silêncio tão profundo,
Que eu chego a duvidar
Que ainda estou no mundo.

Espantalho moribundo,
Onde a morte vem pousar.
Talvez para lhe falar:
Sinto muito! Sinto muito!

Num milésimo de segundo,
Volta o corpo a respirar.
Espantalho vagabundo,
Fecha os braços para o mar,
Abre os olhos para o mundo.

FRUTO SEM CASCA

Espalhando letras
Sobre velhas páginas,
Semeei palavras
Que insatisfeitas
Deram-me em colheita
Uma grande safra
De um fruto sem casca,
A minha tristeza.

Uma fruta fresca,
Presa pela boca
Em que uma ou outra
Tenta mordiscar,
Murcha sem parar;
Se tornando feia,
Seca na areia
Quando o vento dá.

Versos pelo ar,
Lágrimas e poeira,
Solidão na mesa
Onde o fruto está
Exposto, sem par,
Sem mostrar beleza,
É minha tristeza
A me alimentar.

HOMENS DE FUMAÇA

No arrastar de minhas sandálias
Pela casa,
Tenho as lembranças arranhadas
E esquecidas.
Por onde andam as conversas conduzidas
Pelos homens de fumaça?

Se desfizeram com o tempo,
Nas costas de um tênue vento,
Pela janela escancarada.

O velho barco na distância, ainda aguarda
Pela tripulação dispersa,
Numa espera
Que parece eternizada.

Em meio a tralhas,
Depuseram suas velas.
Em meio a elas,
O seu capitão se apaga.

O FRACASSO

Eu sei que a vida me leva em trapos.
Caldeirões de barro
De bruxos modernos.
Favelas de inferno,
Diversos buracos.

São armas de ferro.
São balas de aço.
Sou eu, o fracasso
De um programa sem sucesso.

Eu sei que a morte me olha de perto;
Que chego a sentir o seu frio abraço.
Eu fumo, eu prego
Minha mão no maço
De notas sem eco.

São barras de ferro.
Algemas de aço.
Eu sei que sou o fracasso
De um programa sem sucesso.

Eu sei que caminham lado a lado,
O errado e o certo,
A ira de Deus
E a fama do diabo,
Senhores e servos,
Patrões e empregados,
Progresso e atraso.

São os mãos-de-ferro
Em torres de aço.
Sendo eu, o fracasso
De um programa sem sucesso.

OLHOS DE AZULÃO

O que busca essa mulher
Pela qual minto,
Senão
A mesma solidão
Que sinto
Quando longe de seus olhos de azulão?

Os mesmos olhos
Que me olham da gaiola
Quando eu abro a porta
E eles vêem a imensidão.

SE FOSSEM SÃOS

A rima
É mera aflição
Dos versos que me espelham
Naquilo que são.

De forma nenhuma dirão
Do que são feitos.

Meus versos
Seriam perfeitos
Se fossem sãos.
Mas nada são,
Senão
Defeitos.

QUANDO CHORO

Onde andam os meus olhos
Quando choro,
Se não consigo encontrar
As minhas lágrimas?
Nas migalhas,
Além de meus remorsos?
Nos meus ossos,
Aquém de minha alma?

A FANTASIA

Amo você
Com o mesmo ardor da juventude,
Na quietude
De minha atual idade.
Amo-a na ausência
Como num dia de saudade,
Detenho-me a cada ínfima lembrança,
Com a mesma paz
Que traz
Aquela esperança
Após uma guerra.
Amo-a em terra
Com a cabeça pelas nuvens.
Amo atitudes
Que jamais seriam minhas,
Como entre linhas,
Leio uma poesia.
Amo como se ama o alvorecer
De cada dia,
Como o sorriso
Na inocente alegria
De um bebê.
E ter você,
Ainda parece utopia.
Mas, quis a vida
Que eu vivesse a fantasia
De meu ser,
Que é para sempre,
Você.

MINHA GERAÇÃO

Essa amargura
Que me faz um homem rude,
É mera atitude
De defesa.
Odeio a pobreza
Que aos pés de Deus se ilude;
Enquanto a juventude,
Nada almeja.
Desprezo a mania de grandeza
Que o rico tem com tudo.
Não sou um carrancudo
Por frieza;
Somente faço uso
Da tristeza
De um sisudo,
Por ser fruto
De uma geração que aceita.

SONETO DA VITRINE
(Sombras & espelhos)

A vidraça estilhaçada,
Não desfaz a minha imagem,
Não subtrai da cidade,
A luz do sol ofuscada.
De pé, fiquei na calçada
Com minha mão estendida.
Exorcizei minha vida
Na pedra que arremessara.
Por um instante, escutara
O som de ossos quebrados
Da montra fragmentada.
Meu corpo feito estilhaços
Que os passantes pisavam
Entre espanto e gargalhadas.

POETAS
(Sombras & espelhos)

São tantos os poetas
Quanto estrelas,
Dispersos em bandeiras
Pelo mundo.
Eternos e profundos
Pelas letras,
Em digressões soberbas,
Em dimensões sem fundo.
São tantos os poetas
Que o planeta,
Em tinta de caneta,
É resumo.
Enorme rascunho
Em línguas estrangeiras.
A tradução perfeita
Das emoções do mundo.

MOSAICO
(Sombras & espelhos)

Em minha mão,
Mil pedaços.
Antigo quadro,
Uma mesa,
Alguém que come calado
Com discrição ou tristeza.
E lado a lado
Na mais extrema destreza,
Enfileirado
Sob a antiga nobreza,
Assenta-se o mosaico.
Sob os meus pés, o passado
Em um quadrado,
Pintado
Nesse retalho do tempo.
Breve momento
Guardado
No mais antigo mosaico
Preso à calçada,
Ao tempo.

SÓ EM TE AMAR
(Sombras & espelhos)

Só em teus lábios,
Eu encontro meus gemidos.
Só em meus gritos,
Eu consigo te encontrar.
Como enganar
A emoção de estar aflito.
Eu te preciso
Como a noite, do luar.
Só em teus passos,
Eu caminho decidido.
Surpreendido,
Tento não justificar.
Sem teus abraços,
Os meus beijos são sofridos
Como os feridos
Que não podem se curar.
Só em te amar
É que eu encontro o sentido
De tudo aquilo
Que consigo imaginar.

NUMERAL UM
(Sombras & espelhos)

Eu atribuo
Minhas palavras ao poeta.
Uma espera
Numa tarde em jejum.
Nós como dois,
Dividimos.
No que dera?
Apenas um.
Eu me situo
Nas medidas de uma régua.
A mais complexa
Ou talvez a mais comum.
Sou menos um,
Minha conta se completa
Com menos um.
Eu me anulo
Numa soma que me zera.
Um dois que nega
A existência de mais um.
Sou incomum,
Tabuada que ainda preza,
Numeral um.

CONTRACEPTIVO
(Tríptico)

Eu não sei se é o desespero
que me leva à loucura
quando o sexo estupra
a minha alma,
ou a calma
que advém do meu tormento
pelo tempo
que passou em minha palma.
Movimento anormal
de penetração moral
em sua saia,
e no cheiro da indecência,
feromônio da ciência
em uma jaula.
Uma fera excitante
que no último instante, ofegante,
cospe a vida
no seu couro de borracha.
Não há luta, nem corrida;
há uma triste despedida
de um suposto vencedor
que foi fruto de um amor
e se enforcou
com a própria cauda.

SONHOS
(Tríptico)

Os meus sonhos
são apenas fragmentos de memória,
pequenos focos de luz
como cristais dispersados
num caleidoscópio de pensamentos,
distorções esdrúxulas da realidade.
Rumores, amores e momentos,
abertos numa gaveta destrancada.
Minhas pálpebras fechadas
num caixão de quase nada.
Um quase definido como os sonhos
que são versos que componho
numa noite agitada.
Movimento involuntário dos meus olhos,
que entre risos, ainda choro
por apenas acreditar sofrer.
Entre cartas mal escritas e seladas,
vem a calma ao chegar o amanhecer.
Vem enfim, o esquecimento
desse quase fingimento
que é sonhar.

EM DEMASIA
(Tríptico)

Eu sou demasiado triste,
pelos versos que componho.
Eu sou demasiado louco,
pelo pouco
que proponho.
Não deveria o mundo ser assim,
em demasia.
Talvez não seja o mundo,
seja enfim,
minha poesia
Demasiada em meu tédio,
sem remédio,
em grafia;
em longas noites mal dormidas;
nos insultos
que eu ouvia.
Não caberia em minha mão,
toda a visão
que em mim cabia.
Eu sou demasiado em tudo,
que ironia,
demasiado em meu luto
por ser fruto
de utopia.
Em demasia são os dias
que me escapam entre os dedos
como uma teia
que é lânguida e esguia.
O mais sublime pensamento
que perde tempo
em demasia.
Demasiado, meu tormento,
pelo tanto
que eu não via.
Demasiadamente eterno,
meu inferno em agonia.
Em demasia sou
quem sou,
um astronauta que acordou
num mundo estranho
em demasia.

DISLATE
(tríptico)

Talvez minhas palavras sejam tolas,
minhas ações, inconseqüentes;
as minhas brincadeiras, ironia;
eu próprio seja falho e negligente.
O meu discurso seja sátira;
minha seriedade, uma piada.
O meu humor seja mau gosto;
o meu dislate, permanente.
Meu riso entre dentes, atimia;
a minha faina seja ociosa;
meu pranto, uma lição jocosa
e o jeito infantil, idiotia.
Talvez a minha vida seja um fracasso;
meus versos, um engodo imoral.
Em epítome, sou um gracejo nefasto.
Meu desejo, um esboço abnormal.

TURGESCÊNCIA
(Sob meus calcanhares)

Eu sinto os teus cabelos
entre meus dedos,
teus lábios comprimidos
ao meu desejo,
o arfar de teu cansaço
entre meus braços
e ouço teus gemidos.
Vejo teus olhos tolhidos
fitar meu medo
de não tê-la satisfeito ainda.
Tenho todos os sentidos
na extensão do meu leito.
E no auge da turgescência,
me torno uma larva imersa
em teus fluidos.

O RAMO
(Sob meus calcanhares)

Onde está minha alma,
que não encontro?
Onde está meu encanto,
minha calma?
São perguntas que faço,
ainda em pranto,
ao meu eu freudiano
que me cala.
Onde está este anjo
que me fala?
Um quebranto
que minha mãe me pôs.
Ouço a antiga canção
que ela compôs
em minha rede embalada.
Vejo um ramo na árvore desfolhada,
resistir ao vento,
envergado.
Nesse instante me sinto
envergonhado
pelo meu triste pranto.
Minhas lágrimas
são simplesmente água
que faz falta ao ramo.

O DIÁLOGO
(Reticências desfeitas)

- Dou-te a palavra
para principiares o diálogo.
- Fico muito grata
por ceder-me o favor.
És muito amável.
Vou falar de amor,
sentimento imensurável
que é tão natural
quanto o desabrochar da flor.
- Já vou interpor.
O que tu estás dizendo?
O amor é um invento
cultural e sem valor.
- Estou espantada.
És um homem insensível.
O amor é indizível.
É nosso maior legado.
- É soma sem resultado.
O amor não é normal.
É estóico, irracional,
nos mantêm aprisionados.
- És um homem insuportável.
Mas o que dizes é refutável.
De que vale a liberdade,
sem motivo para a saudade.
- És uma eterna sonhadora.
De que vale um sentimento
que só nos provoca medo,
fraqueza e sofrimento.
- O amor é imortal.
A mais pura poesia.
Nos fere, é natural.
Mas compensa com alegria.
- É uma simples utopia.
Inconstante, passageiro.
Quem se entrega por inteiro,
viverá em agonia.
- Vou deixar por encerrado
o nosso breve diálogo
em tua cética pessoa.
Mas eu sei
não é à toa
que nós dois somos casados.

ELA
(Quadrilátero)

Ela me leva,
me engana
e ainda me desafia.
Levou meu corpo
para a cama,
enquanto me distraía.
Deu-me o fruto do pecado,
enquanto Eva,
e compensou com redenção,
quando Maria.
Em Joana D'arc
foi Vitória,
também rainha.
Já foi de todos
e só minha.
Ela é pouco e é demais.
Como Helena,
ela foi guerra.
Como Tereza,
ela foi paz.

INDECENTE
(Quadrilátero)

Não sou um cavaleiro imaginário,
apenas um vassalo
que caminha.
Pela realidade,
um escravo
que tem a ilusão
que é livre ainda.
Não sou nenhum beato,
nem um cão.
Eu não uso sermão
e nem batina.
Meu rosto
é palidez,
enquanto expiro.
Meu sexo
sem estilo,
estupidez.

MUNDO FICTÍCIO
(Pax-vóbis)

Uma criança brincava
Com a comida, na mesa.
Corria de pés descalços,
Sem ninguém a seu encalço,
Pela ruazinha estreita.
Não enxergava a sujeira,
No seu mundo fictício,
Do real desconhecido;
Tudo era brincadeira.
Contudo, era tão bonito
Ver o mundo d’aquela maneira:
Sem ter ódio,
Ser ter vício,
Sem sombra de sacrifício,
Sem pecado
E sem tristeza.

SOMBRA DE NANQUIM
(Pax-vóbis)

Que a vida,
Mesmo frágil, continue.
Que perdure
Meu amor, além de mim.
Que não tenham fim,
Meus passos pela rua.
Que dissipe sob a lua,
Minha sombra de nanquim.

A PEQUENA D’ARC
(Olhos de guri)

A guria
não gostava de pia,
de casinha ou fogão.
Para ela,
tudo era opressão.
Ela ouvira
sua mãe reclamar
que a mulher tende a trabalhar
só com água e sabão.
Por que não
brincaria de guerra,
de doutora,
de terra na mão?
A guria,
parecia antever
que seu mundo seria
uma doce ilusão.

A SOMBRA
(Olhos de guri)

Minha sombra
que se perde no escuro,
salta o muro
quando o sol
no céu desponta.
Se arrasta no chão duro,
se encolhe,
se estica,
passa rente a dobradiça
e se perde pela casa.
Mas à noite,
minha sombra cria asa,
voa quando saio a rua.
Pela luz que vem da lua,
minha sombra me abraça.
Me divirto e acho graça
quando atravessa a fogueira.
Minha sombra, não sou eu,
mas é minha companheira.

TAMBÉM SOU
(Letras, ...)

O louco
é apenas mal ouvido.
Seu riso,
tenebrosa gargalhada.
Sua fé,
um constante, eu duvido.
Sua mente,
uma porta escancarada.
Seu pedido de ajuda
é um grito.
Seu gemido incontido,
uma dor.
Seu amor,
um abraço emotivo.
Sem motivo,
eis que louco
também sou.

A GRAÇA
(Letras, ...)

Deus me deu o fardo
para eu achar pesado
o termo ser livre.
Deus me deu o espelho
para ver se aceito
esse meu rosto triste.
Deus me deu o segredo
para pensar, eu mesmo,
o que é ser tolice.
Deus me deu a culpa
para eu pedir desculpa
por qualquer deslize.
Deus me deu a dor
para eu sentir pavor
do seu dedo em riste.
Deus não me deu nada,
eu que faço a graça
crendo que ele existe.

VERSÃO REFRATADA
(Letras, ...)

Quantas vezes eu tive
que mergulhar no sorriso
para fugir do abismo
que é o existencialismo
de mim mesmo.
Quantos pueris desejos
entre prosaicas conversas.
Quando nada interessa,
meu mundo me dá medo.
Eu sou apenas ensejo
que o acaso consagra.
Uma versão refratada
na ilusão do que vejo.
Quando não me percebo,
é sinal de que eu mesmo
sou a soma do nada.

QUEM SOU EU
(De versos, ...)

Sou um jovem ateu
Que entra na igreja
Para tomar cerveja
E beber café.
Desconheço a fé,
Mesmo na ressaca.
Rio quando a graça
É de um milagre
De ser eu, um padre
Que toma conhaque
Num cálice de vinho
E vive sozinho
Pensando que sonha
Em ser um demônio
Que se sente Deus,
Ser o próprio Deus
Se sentindo humano,
Ser um santo insano
A brincar de ateu.

DESESPERANÇA
(De versos, ...)

Quem é essa
Que me tira o sono,
Que arrebata o dono
De uma humilde casa?
Quem é essa
Louca, desvairada,
Que ao seio me prende
Sem saber se sente
A dor que a outro causa?
Lábios que procuram vida
Carne apodrecida
No envelhecimento.
Quem é essa
Que corrói por dentro
Como um veneno
Sem nenhum antídoto?
Eu sou outro,
Sou um homem dito,
Dito morto
Pela agonia.
Quem é essa
Musa e tirania,
Mistura que havia
Desde minha infância?
Quem é essa
Triste companhia?
Talvez seja a morte,
A desesperança.

O MATUTO
(Cálice)

O matuto está triste,
cabisbaixo e pensativo.
Não encontra um só motivo
para saber se existe.
Tal canário sem alpiste,
preso a uma velha gaiola,
vendo longe a aurora,
sem ter ânimo pra cantar.
Com vontade de voar
para longe, ao horizonte;
a saudade o consome
antes mesmo de partir.
O matuto fica ali,
a pensar no que seria
sem a única companhia,
a choupana em que vive.
Tal amor só visto em versos,
o matuto é regresso
de um lugar que não existe.

SEM CONDIÇÃO
(Cálice)

Seus ombros à amostra,
me deixam insinuado.
Seu corpo ainda agora,
me deixa provocado.
Seus seios contornados
pela blusa,
me fazem sinal da curva
do seu corpo ondulado.
Seu jeito comportado
não me mantém à distância.
Na sua tolerância,
encontro o meu pecado.
Seus olhos não perturbam minha paz,
além do mais,
recebem meu recado.
Seu pare, deixa disso, mais cuidado,
só fazem aumentar o meu querer.
A dúvida faz crescer
minha ilusão,
que eu terei nas mãos
a chance de fazê-la entender.
Amar é mais que ter.
É aceitar querer
sem condição.

CONVÉS
(Cálice)

Foste meu caminho sem regresso
em um verso.
Minha poesia mais bonita.
Entre as estrelas,
rabisquei um só desenho,
o seu rosto,
como eu bem queria.
Foste a derradeira flor
perdida no deserto.
Em meu universo,
um farol de guia.
Arrancaste o aviso que dizia:
“Uma saudade”.
O vazio da idade,
preenchias.
Foste o colorido
de uma tela que eu pintava.
A mão que segurava o meu filho.
O espírito de um cético
que chorava.
A paz esperada
por um homem aturdido.
Foste o barco rijo
que sustenta a onda em fúria.
O pescador que nada
à procura de si mesmo.
Para mim,
a mais incrível criatura.
A doce loucura
do desejo.
Foste na verdade,
o meu mundo.
Hoje, na saudade,
apenas és
um velho convés
com o qual afundo.

GRAMATICAL
(Cabaz)

Só em letras imprimo minha alma.
Mais do que texto
sou contexto indecifrável.
Meu sinônimo é antônimo de si mesmo.
Um sujeito indefinido
que é objeto de um erro
gramatical.
Entre modos e tempos,
triste verbo
que ecoa na forma nominal.
Orações que são subordinadas
aos meus vícios de linguagem.
Um início em letras ordenadas
e um fim
numa expressão oral.

AFLORA UM POETA
(Cabaz)

Assim se fez um poeta.
Como talhe na madeira
esculpi minha poesia.
De uma maneira fria
infundi minha alma no papel.
Nas costas de um corcel
cavalguei por entre versos;
muitas vezes sem regresso,
o poema, me tornei.
De um sono despertei
enquanto escrevia,
da caneta então fluía
as idéias que sonhei.
Quem sabe se eu errei?
Foram mais de trinta anos,
foram tantos desenganos
que poeta, me tornei.

INGÊNITO
(Cabaz)

Seguir os passos
a um lugar perdido na distância;
entrar na dança
de um ritual de acasalamento;
sentir nas mãos
o instintivo dom
que vem de dentro;
ouvir o som
de vozes ecoadas;
e nas entonações
das poesias declamadas,
revelar-se poeta.

LIAME
(Cabaz)

Sou livro
intitulado.
Um desabafo.
Sou todo
em parte.
Um lacre violado.
Sou tudo
num nada
dissipado.
És flor
dissecada
na mão aberta
em palma.
És colo e calma
na casa onde cresci;
moeda encontrada
que perdi;
o berço
em que nasceu
minh'alma.

Foto de Graciele Gessner

Um Amor a Defender. (Graciele_Gessner)

Ainda não consigo ver o amor como um sentimento vulgar e errado. Prefiro ficar com os meus conceitos, defendendo com unhas e dentes a pureza e a lealdade que o amor é capaz de proporcionar. É um sentimento capaz de nos fazer um bem enorme. O amor jamais é vilão, é o ser humano que banaliza o amor. Quem brinca com o sentimento alheio é que destrói qualquer coisa positiva.

Não entendo o que leva uma pessoa a brincar com os sentimentos, não consigo ver com bons olhos tal conduta. Por que brincar com o coração? Por que ferir os sentimentos de uma pessoa?

Já brincaram com os meus sentimentos, mas ainda não perdi as esperanças de encontrar alguém a procura do verdadeiro amor, a procura da felicidade. Sei que há alguém neste imenso mundo que partilha do mesmo pensamento; que defende o mesmo ideal.

Vamos defender o amor? Diga não para aquele que conjuga o verbo amar por brincar. Diga não a quem se atreve a vulgarizar o amor.

25.04.2010

Escrito por Graciele Gessner.

*Se copiar, favor mencionar a devida autoria. Obrigada!

Foto de Felipe-Mazza

Cavaleiro Branco

Cavaleiro Branco que tanto lutou
Que vagou em busca da glória e da honra
Que lutou contra dragões, bestas e feras
Que lutou contra tudo e todos

Lutou as mais belas batalhas
As mais sangrentas também
Lutou pelo certo e honrado
Lutou por Reis e Rainhas

Pelo povo que contava com ele
Lutou pela donzela que amava
Com unhas e dentes ele lutou bravamente
Mas de nada adiantou

Seu adversário era mais forte
Mas não mais valente
E ele caiu, cansado e descrente
Pensando na batalha que havia perdido

Pensando na donzela a quem tanto amava
Lutando para tentar se levantar e disse
Não vou desistir não agora
Então se levanta, mas volta ao chão

Então ele vê o que não queria
Sua amada donzela, não o amava
Amava seu inimigo a quem combatia
Resistiu bravamente o Cavaleiro

Caiu em desgraça o nobre Cavaleiro
Seu lado negro ele começa a ver
Cavaleiro Negro ele passou a ser

Foto de Lou Poulit

A JANELA

A janela é um arremedo, estreita demais para o universo que me assedia. As rendas da cortina balançam, como fossem marionetes da minha lascívia, refém de outro nível de consciência. Tenho medo... Morro de medo dessas intimidades com outros níveis de consciência. E como em qualquer mulher fêmea o medo excita, busco refrigério no corpo que ao meu lado afunda. O lençol desalinhado é de cor areia (e mais parece movediça), onde afundam de cansaço as marcas dos meus dentes, na carne cujos arrepios me cansaram, nos músculos que não me arrepiam agora mais que essa janela e a sua brisa. Os cheiros que eu buscava estão lá fora. O gosto que eu queria na garganta, os puxões nos meus cabelos, o rasgo comprido até a alma, o roçar dos pelos nas costas, os dedos cravados nos peitos... Ah!... Tudo está lá fora. E eu aqui, encolhida, refém de mim mesma.

Essa janela não merece viver... Antes fosse arrebatada de mim, molestada, possuída. Não por todas as estrelas mas sim por todos os escuros, não por gritos de piedade mas por todos os sussurros velhacos, que condenam o meu caminho enrugado, conduzida que fui, como novilha ao abatedouro do tempo. Onde todas as mulheres vêem a sua película de outra forma, e reviram gavetas e rasgam fotografias, como se o passado pudesse ser tocado como foram elas. Até que a sua ira se erguesse das areias, do fundo do poço. Até que fizesse tremerem o céu e a terra, e o seu corpo de fêmea, e as suas vísceras profanadas, empurradas aos trancos e safanões para a beira do penhasco. E só então, ao escorrer de uma gota de leite, e do gozo caudaloso que se precipita, se precipitasse no vazio do próprio espelho...

Há de abrir suas asas imensas ante o desconhecido. Há de sobrevoar todas as antigas estruturas, como em uma visão apocalíptica. E há de alinhar-se ao horizonte antes intangível, e de lá saltar para o sempre. Porque agora sabe que a mulher e o abismo são uma coisa só, e não tem ela porque temê-lo, nem ao seu predador. E que... Por que não comê-lo?! E que não precisa da ira para isso... Aliás, o medo e a ira são duas faces de uma mesma moeda. Chamam-na Juventude, ou Hebe, filha legítima de Zeus e Hera na mitologia grega. Com ela paga-se por toda a sabedoria acumulada no caminho da vida...

Uma mulher, uma legítima mulher de carne e espírito, não lamenta a perda da juventude. Mas não lamenta porque não a perdeu, em vez disso a transfigurou. E descerra em si própria a sua janela, e sem querer fugir para fora grita a todos os astros: Pois que venham! As minhas veias vos esperam...

Mas eles não virão facilmente. Talvez só depois que perderem o medo.

Foto de Lou Poulit

O CRONÔMETRO

Há alguns anos, acordei na cama de não sei quem. Eu não sabia o que estava fazendo ali, mas não tinha a menor dúvida sobre o que estava fazendo até adormecer, ou talvez devesse dizer desmaiar. A verdade pode ser muito crua para pessoas que nos amem, e tenham construído uma imagem nossa bem "cozidinha".

Eu não estava seguramente na minha casa, e não havia mais ninguém naquele apartamento. Tomei um banho morno para ganhar algum tempo e por as idéias em ordem, vesti-me, e como ainda não havia chegado ninguém que eu pudesse ver, além das estatuetas de ciganos, bruxas, gnomos e mais uma multidão de sapinhos espalhados (e todos pareciam olhar pra mim!) que acabara de descobrir ali, resolvi ir-me embora. Estranho isso. Ir embora de um apartamento desconhecido, sem despedir-me de alguém, ao menos dizer obrigado...

Na saída, uma espécie diferente de saci (de uma perna e meia, e com dois gorros vermelhos) próximo à porta me estendia a mão. Mais desconfiado do que generoso, eu arrisquei deitar cinquentinha. Mas caí na asneira de olhar mais uma vez para o seu semblante. E acabei deitando cem paus. Antes de bater a porta por fora, olhei pela fresta e, tal como se o moleque fosse eu, vinguei-me: Explorador!... No elevador desconfiei, pelo perfume fortíssimo que dois travecos deixaram ao sair, mas chegando à calçada acabaram-se as dúvidas. Eu estava na avenida Princesa Isabel, a larga entrada de Copacabana (coincidência?), para meu fugaz alívio fora do túnel dito do Pasmado! "Oh, my God! Oh my God... I more don’t want to be fucked"…

À certa distância, na confluência da avenida com o calçadão da praia, uma pequena multidão olhava para um out-door que não estava ali até a última vez. Aproximando-me vi que era um cronômetro eletrônico retroativo, comemorativo dos 500 anos da descoberta do Brasil. Fora inaugurado muito recentemente, deduzi. E eu repeti para dentro, balbuciando: Oh, my God... Em poucos minutos a multidão já não era pequena, e depois de mais algum tempo já me parecia assustadora. Mas não propriamente a multidão. Aquela gente toda, incluindo-se muitos turistas (estes por motivos bem mais óbvios) masturbava-se promiscuamente, para comemorar meio milênio de exploração.

Vagamente eu me lembrava de que alguém se dispusera a fazer algo assim comigo. E o fizera com requintes. Porém a bruma etílica não me permitia lembrar desta mulher mais do que uma meia dúzia de nomes. Afinal, que diferença faria o nome? O fato a moer-me a lucidez que restara, era saber que eu explorara e fora explorado. E ali estava eu cercado de pessoas tão festivas e presumivelmente tão pouco lúcidas, tendo por referência a lucidez que me restara.

Por um quase desespero, vire-me e fui me reencontrar no balcão de um bar. Pedi um café bem preto, alienado, como se estivesse num café expresso. Antes de servirem o café, porém, surgiu, não sei de onde, um negrinho cheio de dentes, com duas pernas normais, e com um pequeno caixote sob o braço, que apontando para os meus chinelos de dedo me pediu para engraxá-los. Lógico, escusei-me polidamente. Então ele fez gestos para que eu lhe pagasse um salgado (com suco). À minha recusa ele aceitaria só o salgado. A seguir disse que aceitaria um trocado mesmo... E para o meu desespero definitivo, a uma nova recusa ele pôs a mão na cintura acintosamente, olhou dentro do bolso da minha camisa, e me pediu um cigarro...

Eu deixei o bar para trás, retomei o caminho da minha casa com quatro certezas: primeira, de que para o negrinho não importava o que me tirasse, desde que tirasse alguma coisa; segunda, de que ele achava que eu era um turista e que tinha medo dele; terceira (oh my God!), aquele cidadão brasileiro aprendera, em no máximo 10 anos, a explorar o medo de um suspeito explorador comemorando os seus 500 anos; e quarta, que me esqueci de tomar o café. Afinal, eu achei que somos poucos, porque nossa população se reproduz a esmo, mas em vez de dias a contagem regressiva devia, ao menos estimadamente, contar as pessoas que se recusam a se abster de votar. Qualquer que seja o voto em algum nome, o sistema se reproduz! Se apossará dos votos branquinhos e dirá que os negrinhos é que se reproduzem como ratos.

(Lou Poulit, 2010)

Foto de Arnault L. D.

Luazinha

Olho a Lua, olha a lua
ela enfeitiça meu olhar
sei que há muito a falar
além do apreciar, sonhar
mas o meu pensar recua

Silenciosa plateia
nestas horas internas
horas só minhas, ternas,
em que a razão adernas
e não se prende a ideia

É uma linda Lua minguante
na ultramar vastidão
uma visão quase mar
quase limbo, quase amar
contraste à penumbra, amante

Um sorriso sem rosto
dentes de luz, marfim
mais que um lapso em mim
onde as palavras têm fim
um doce gosto de mosto

Boa noite Luazinha
muito bom que nos revemos
e lembranças qu'inda temos
sob os serenos, foi, cremos:
Foras não apenas minha

Foto de sandra galadriel

Jantar com uma mulher

Quando um homem chama uma mulher para sair, não sabe o grau de
estresse que isso desencadeia em nossas vidas. O que venho contar aquihoje é mais dedicado aos homens do que às mulheres.
Acho importanteque eles saibam o que se passa nos bastidores.
Você, mulher, está flertando um Zé Ruela qualquer..
Com sorte, ele acaba te chamando para sair. Vamos supor, um jantar.

Ele diz, como se fosse a coisa mais simples do mundo 'Vamos jantar amanhã?'.
Você sorri e responde, como se fosse a coisa mais simples do mundo:
'Claro, vamos sim'.
Começou o inferno na Terra. Foi dada a largada. Você começa a se
reprogramar mentalmente e pensar em tudo que tem que fazer para estar apresentável até lá. Cancela todos os seus compromissos canceláveis e começa a odisséia. Evidentemente, você também para de comer, afinal, quer estar em forma no dia do jantar e mulher sempre se acha gorda. Daqui pra frente, você começa a fazer a dieta do queijo: fica sem comer nada o dia inteiro e quando sente que vai desmaiar come uma fatia de queijo. Muito saudável!!!

Primeira coisa: fazer mãos e pés. Quem se importa se é inverno e você
provavelmente vai usar uma bota de cano alto? Mãos e pés tem que estar feitos - e lá se vai uma hora do seu dia. Vocês (homens) devem estar se perguntando 'Mão tudo bem, mas porque pé, se ela vai de botas?' Lei de Murphy. Sempre dá merda.

Uma vez pensei assim e o infeliz me levou para um restaurante japonês daqueles em que tem que tirar o sapato para sentar naqueles tatames. Tomei no ... bonito! Tive que tirar o sapato com aquela sola do pé cracuda, esmalte semi-descascado e cutícula do tamanho de um champignon! Vai que ele te coloca em alguma outra situação impossível de prever que te obriga a tirar o sapato? Para nossa paz de espírito, melhor fazer mão é pé, até porque boa parte dessa raça tem uma tara bizarra por pé feminino. OBS: Isso me emputece. Passo horas na academia malhando minha bunda e o desgraçado vai reparar justamente onde? Na porra do pé! Isso é coisa de... Melhor mudar de assunto...

As mais caprichosas, além de fazer mão e pé, ainda fazem algum
tratamento capilar no salão: hidratação, escova, corte, tintura,
retoque de raiz, etc. Eu não faço, mas conheço quem faça.

Ah sim, já ia esquecendo. Tem a depilação. Essa os homens não podem nem contestar. Quem quer sair com uma mulher não depilada, mesmo que seja apenas para um inocente jantar? Lá vai você depilar perna, axila, virilha, sobrancelha etc, etc. Tem mulher que depila até o ...! Mulher sofre! E lá se vai mais uma hora do seu dia. E uma hora bem dolorida, diga-se de passagem.

Dia seguinte.

É hoje seu grande dia. Quando vou sair com alguém, faço questão da dar uma passada na academia no dia,para malhar desumanamente até quase cuspir o pulmão. Não, não é para emagrecer, é para deixar minha bunda e minhas pernas enormes e durinhas (elas ficam inchadas depois de malhar).

Geralmente, o Zé Ruela não comunica onde vai levar a gente. Surge
aquele dilema da roupa. Com certeza você vai errar, resta escolher se
quer errar para mais ou para menos. Se te serve de consolo, ele não
vai perceber.

Alias, ele não vai perceber nada. Você pode aparecer de Armani ou
enrolada em um saco de batatas, tanto faz. Eles não reparam em detalhe nenhum, mas sabem dizer quando estamos bonitas (só não sabem o porquê). Mas, é como dizia Angie Dickinson: 'Eu me visto para as mulheres e me dispo para os homens'.. Não tem como, a gente se arruma, mesmo que eles não reparem.

Escolhida a roupa, com a resignação que você vai errar, para mais ou
para menos, vem a etapa do banho. Depois do banho e do cabelo, vem a maquiagem. Nessa etapa eu perco muito tempo. Lá vai a babaca separar cílio por cílio com palito de dente depois de passar rímel.

Depois vem a hora de se vestir. Homens não entendem, mas tem dias que a gente acorda gorda. É sério, no dia anterior o corpo estava lindo e no dia seguinte... PORCA! Não sei o que é (provavelmente nossa imaginação), mas eu juro que acontece. Muitas vezes você compra uma roupa para um evento, na loja fica linda e na hora de sair fica uma merda. Se for um desses dias em que seu corpo está uma merda e o espelho está de sacanagem com a sua cara, é provável que você acabe com um pilha de roupas recusadas em cima da cama, chorando, com um armário cheio de roupa gritando 'EU NÃO TENHO ROOOOOUUUUUPAAAA'.

O chato é ter que refazer a maquiagem. E quando você inventa de colocar aquela calça apertada e tem que deitar na cama e pedir para outro ser humano enfiar ela em você? Uma gracinha, já vai para o jantar lacrada a vácuo. Se espirrar a calça perfura o pâncreas.

Ok, você achou uma roupa que ficou boa. Vem o dilema da lingerie.
Salvo raras exceções, roupa feminina (incluindo lingerie) ou é bonita,
ou é confortável.

Você olha para aquela sua calcinha de algodão do tamanho de uma lona de circo. Ela é confortável. E cor de pele. Praticamente um método
anticoncepcional. Você pensa 'Eu não vou dar para ele hoje mesmo, que se foooda'. Você veste a calcinha. Aí bate a culpa. Eu sinto culpa se ando com roupa confortável, meu inconsciente já associou estar bem vestida a sofrimento. Aí você começa a pensar 'E se mesmo sem dar para ele, ele pode acabar vendo a minha calcinha... Vai que no restaurante tem uma escada e eu tenho que subir na frente dele... se ele olhar para essa calcinha, broxará para todo o sempre comigo...'. Muito puta da vida, você tira a sua calcinha amiga e coloca uma daquelas porras mínimas e rendadas, que com certeza vão ficar entrando na sua bunda a noite toda. Melhor prevenir. Os sapatos!! Vale o mesmo que eu disse sobre roupas: ou é bonito, ou confortável. Geralmente, quando tenho um encontro importante, opto por UMA PEÇA de roupa bem bonita e desconfortável, e o resto menos bonito
mas confortável. FATO: Lei de Murphy impera. Com certeza me vai ser
exigido esforço da parte comprometida pelo desconforto. Exemplo: Vou
com roupa confortável e sapato assassino. Certeza que no meio da noite o animal vai soltar um 'Sei que você adora dançar, vamos sair para dançar! Eu tento fazer parecer que as lágrimas são de emoção. Uma vez, um sapato me machucou tanto, mas tanto, que fiz um bilhete para mim mesma e colei no sapato, para lembrar de nunca mais usar!. Porque eu não dei o sapato? Porra... me custou muito caro. Posso não usá-lo, mas quero tê-lo. Eu sei, eu sei, materialista do caralho. Vou voltar como besouro de esterco na próxima encarnação e comer muito coco para ver se evoluo espiritualmente! Mas por hora, o sapato fica.

Depois que você está toda montadinha, lutando mentalmente com seus dilemas do tipo 'será que dou para ele? É o terceiro encontro, talvez eu deva dar...' Começa a bater a ansiedade. Cada uma lida de um jeito.

Tenho um faniquito e começo a dizer que não quero ir.. Não para ele,
ligo para a infeliz da minha melhor amiga e digo que não quero mais
ir, que sair para conhecer pessoas é muito estressante, que se um dia
eu tiver um AVC é culpa dessa tensão toda que eu passei na vida toda
em todos os primeiros encontros e que quero voltar tartaruga na
próxima encarnação. Ela, coitada, escuta pacientemente e tenta me
acalmar.

Agora imaginem vocês, se depois de tudo isso, o filho da puta liga e
cancela o encontro? 'Surgiu um imprevisto, podemos deixar para semana que vem?'.

Gente, não é má vontade ou intransigência, mas eu acho inadmissível
uma coisa dessas, a menos que seja algo muito grave! Eu fico puta,
puta, PUTA da vida!
Claro, na cabecinha deles não custa nada mesmo, eles acham que é
simples, que a gente levantou da cama e foi direto pro carro deles. Se
eles soubessem o trabalho que dá, o estresse, o tempo perdido... nunca ousariam remarcar nada.
Se fode aí! Vem me buscar de maca e no soro, mas não desmarque comigo!
Até porque, a essas alturas, a dieta radical do queijo está quase te
fazendo desmaiar de fome, é questão de vida ou morte a porra do
jantar! NÃO CANCELEM ENCONTROS A MENOS QUE TENHA ACONTECIDO ALGO MUITO,

MUITO, GRAVE! DO TIPO...MORRER A MÃE OU O PAI TER UM AVC NO TRÂNSITO.

Supondo que ele venha. Ele liga e diz que está chegando. Você passa
perfume, escova os dentes e vai. Quando entra no carro já toma um
eufemismo na lata 'HUMMM... tá cheirosa!' (tecla sap: 'Passou muito
perfume, porra'). Ele nem sequer olha para a sua roupa. Ele não repara em nada, ele acha que você é assim ao natural. Eu não ligo, porque acho que homem que repara muito é meio viado, mas isso frustra algumas mulheres. E se ele for tirar a sua roupa, grandes chances dele tirar a calça junto com a calcinha e nem ver. Pois é, Minha Amiga, você passou a noite toda com a rendinha atochada no rego (que por sinal custou muito caro) para nada.. Homens, vocês sabiam que uma boa calcinha, de marca, pode custar o mesmo que um MP4? Favor tirar sem rasgar.

Quando é comigo, passo tanto estresse que chego no jantar com um pouco de raiva do cidadão. No meio da noite, já não sinto mais meus dedos dos pés, devido ao princípio de gangrena em função do sapato de bico fino. Quando ele conta piadas e ri eu penso 'É, eu também estaria de bom humor, contando piada, se não fosse essa calcinha intra-uterina raspando no colo do meu útero'. A culpa não é deles, é minha, por ser surtada com a estética. Sinto o estômago fagocitando meu fígado, mas apenas belisco a comida de leve. Fico constrangida de mostrar toda a minha potência estomacal assim, de primeira.

Para finalizar, quero ressaltar que eu falei aqui do desgaste
emocional e da disponibilidade de tempo que um encontro nos provoca.
Nem sequer entrei no mérito do DINHEIRO. Pois é, tudo isso custa caro.
Vou fazer uma estimativa POR BAIXO, muito por baixo, porque geralmente pagamos bem mais do que isso e fazemos mais tratamentos estéticos:

Roupa............... ......... ......... ........... R$ 200,00

Lingerie.... ......... ......... .......... .........R$ 80,00

Maquiagem... .......... .......... ......... ....R$ 50,00

Sapato....... .......... .......... ......... ........R$ 150,00

Depilação..... ......... ......... ......... .......R$ 50,00

Mão e pé........... ......... .......... ............R$ 15,00

Perfume...... .......... .......... ......... .......R$ 80,00

Pílula anticoncepcional. ......... ..........R$ 20,00

Ou seja, JOGANDO O VALOR BEM PARA BAIXO, gastamos, no barato, R$
500,00 para sair com um Zé Ruela. Entendem porque eu bato o pé e digo que homem TEM QUE PAGAR O MOTEL? A gente gasta muito mais para sair com eles do que ele com a gente!

Por isto amigos, valorizem seu próximo encontro e aprendam um pouco
mais, sobre este ser fantástico, chamado mulher.

Autor Desconhecido

Foto de Joao R.Costa

Prova de amor

PROVA DE AMOR

Minha mãe sempre dizia
que a maior prova de amor
é escovar os dentes
com a escova da pessoa amada.
Escovo os dentes três vezes
ao dia com a escova dela,
sem precedentes.
Amo-a até os dentes.

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