Contas

Foto de Sonia Delsin

GRANDES CONQUISTAS

GRANDES CONQUISTAS

Estive pensando ontem.
Pensando, pensando.
Quanto conquistei neste meu viver!
Um dia pensei que o mundo ia se acabar.
Mas era bem ali que de fato minha história ia começar.
Aos quinze anos no fundo do poço eu pude chegar para descobrir que existia um Deus a nos cuidar.
Tenho uma história de conquistas.
Uns precisam conquistar grandes troféus.
Alguns precisam do poder.
Precisam de contas astronômicas.
Uns precisam de segurança.
Uns precisam de tão pouco. Quase nada.
E outros precisam de uma bagagem pesada.
Eu conquistei sim.
Pensei que nunca conseguiria ser mãe e tive dois lindos filhos.
Queria um dia editar uns livros e vários foram editados.
Quanta emoção quando os vi prontos!
O cheirinho deles de novos nunca vou esquecer.
Vivi uma linda história de amor.
E quando pensava que tudo na minha vida era calmaria.
Veio outro tempo, outro dia.
Tive dor, mas muito amor.
Muito chorei.
E outro amor encontrei.
Por muita coisa passei.
Todos passam, porque aqui é isto mesmo.
Um lugar para crescer, aprender, corrigir.
Se ajustar.
Meios de progredir encontrar.
Quantas conquistas, meu Deus!
Não posso reclamar.
Minha vida é muito mais do que eu poderia desejar.
Um longo caminho a trilhar, e tudo consegue me sensibilizar.
Atravesso a vida assim.
No caminho encontro flores, pedras, espinhos.
Um pouco de tudo.
E vou admirando.
Sentindo. Vivenciando.

Foto de Ana Botelho

NÃO MORRA DO PRÓPRIO VENENO

NÃO MORRA DO PRÓPRIO VENENO.

CUIDADO COM O LIXO
(que o lixo te pega,
e pega daqui,
e pega de lá...)

A realidade caótica da falta de respeito com o que deveríamos aprender a amar e ensinar a cuidar se constitui no quadro mais vergonhoso e, jamais qualquer catástrofe, algum dia, poderá conseguir superá-lo. Falamos do desafeto com a NATUREZA, nosso santuário divino e precioso.
Até mesmo por egoísmo, poderíamos ter desenvolvido vários hábitos de uma decência coerente em relação a uma “bem-vinda economia em nossas contas de todo mês”, zelos tais, que no final, favoreceriam a nós mesmos, como:
- O simples fechar a torneira durante a escovação dos dentes, pouparia 250 litros de água num grupo de apenas 50 pessoas;
- Um quase imperceptível gotejar durante 24 horas de qualquer chuveiro ou torneira , levaria ralo abaixo 150 litros de água potável;
- O usar a energia natural o máximo que pudermos, tornaria a nossa conta bem mais fácil de ser digerida;
- O reaproveitar as folhas de papel, em seu verso, para rascunhos e coisas que apenas as guardaremos como pesquisas, faria incrível diferença;
- O revisar dos textos antes de imprimi-los, também ajudaria;
- O fazer apenas o número suficiente de cópias dos conteúdos a serem utilizados;
- A substituição coerente dos coadores de papel pelos permanentes, dos guardanapos descartáveis e das toalhas pelas de tecidos, assim como as sacolas de plástico das compras pelas de lona, jeans, ou papel, preservaria as matas , os oceanos e o solo por décadas;
-- Optar pelos duráveis ao invés dos descartáveis, diminuiria o volume das terríveis montanhas de lixo, assim como, o aproveitamento dos talos das verduras, das folhas dos legumes e das cascas das frutas, sem falar na economia, saborearíamos receitas incríveis;
- Esquecer as embalagens supérfluas (isopor, caixas longa vida, celofane, papel aluminizado) porque são de difícil reciclagem, as indústrias precisam se atualizar mais;
- Reaproveitar os envelopes, cartolinas e papéis em geral, num pretexto de reorganização do seu ambiente de trabalho ou estudo, reutilizar os fracos e os potes não tóxicos no que pudermos;

- Consertar os utensílios e aparelhos (sapateiros, costureiros, restauradores em geral) ou transformá-los em outros, doando, ou trocando-os em sebos e brechós.
Temos uma lista enorme de crimes ambientais que estão sendo cometidos por nós, cidadãos "bem esclarecidos”, que por desamor ao Planeta, optamos por mandar abaixo preciosas orientações racionais, nos tornando assim, animais exterminadores não só da nossa própria vida, mas também do mundo, somos os “camicases disfarçados”, os piores.
- Jamais descartar, aleatoriamente, as pilhas e baterias usadas, isso revela uma ignorância total, o site www.mma.gov.br tem a dica perfeita, basta que entre direto na lista escolhendo"vá direto, Riscos Ambientais-Pilhas e Baterias"(aproveite para ler também o esclarecimento da ABINNE- Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica);
Os "sites ecológicos” estão na net nos oferecendo um amplo campo de pesquisas e ensinamentos preciosos, principalmente para crianças, adolescentes e adultos teimosos.
De agora em diante, fica decretado que toda semana será a Semana do Meio Ambiente, tentemos falar bastante sobre este tema onde estivermos, debatendo entre amigos e trocando experiências, fazendo da NARUREZA a nossa preocupação mais urgente dos dias atuais.
Sejamos aqueles vigilantes capazes de denunciar tais crimes, porque temos a certeza de que novas ações repensadas farão parte de uma rotina bem mais sadia daqui por diante.

Um abraço fraterno,

ANA BOTELHO (educadora, estudiosa da natureza e da alma humana, poeta, artesã e apaixonada pela vida).

Foto de Xandi Puglia

Fechei meu coração para balanço

FECHEI MEU CORACAO PARA BALANCO

A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade. ( Carlos Drummond de Andrade)

Porque agora vemos como por espelho, em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei plenamente, como também sou plenamente conhecido. Agora, pois, permanecem a fé, a esperança, o amor, estes três; mas o maior destes é o amor. (Apostolo Paulo 1 Cor 13)

Fechei meu coração para balanço, existem tantas contas abertas no banco da minha alma.

Para o balanço do coração, o problema não são os prejuízos mas as grandes contas. Aquelas que estão com saldos positivos por terem sido feitos depósitos de mais sem nunca retirar. Aquelas que me fizeram sorrir, que me fizeram sentir, que deram vida. Que me fazem bem, que me ajudaram quando cai, que me ensinaram quando falhei, que me entenderam quando perdi, Que me deram, que creram, acreditaram, creditaram, me deram amor de verdade muitas vezes nem correspondido, deram por dar, financiamento a fundo perdido. Amaram por que sim e apesar do não. Essas são as contas que põem em balanço um coração.

E eu as tenho de mais, mais do que posso guardar, mais do que pude agüentar. Muitos diriam ser sorte, outros tem ate inveja, pra mim amigo, finalmente aprendi a regra três. Vinicius avisou para Toquinho, de mansinho, pra não assustar, falou pequenininho como era de se esperar, foi feliz, muito feliz ao cantar, o que eu só entendi sozinho, vivendo sem paz, dessa Regra não se abusa, “menos, vale mais”.

Maldita a beleza da vida e a beleza dos encontros, maldita a beleza das pessoas e malditos os desencontros. Maldito o coração de poeta que acredita no amor, no perdão, na paixão, no novo, no velho, na experiência e na reconciliação. Por ser tão pecador, entende demais o pecado dos outros e não se irrita, não condena, não encontra erro, e perdoa sempre. Talvez se não fosse assim tão crente (na vida) conseguiria andar para frente, talvez se não fosse tão aberto fazia o apenas o que parece certo. Ainda que isso seja abrir mão de ótimo e investir no bom, para fazer do bom o melhor. Ou ainda, deixar de buscar o perfeito que não existe, o sonho que persiste, para investir no que e natural e transformar em algo mágico, mas real.

Não me entenda mal, o amor e eterno e sem limites. Não existe barreiras ou medidas de intensidade para amor fraternal, amor ao próximo, ate amor ao inimigo e muito menos amor a Deus. Mas para o amor carnal, apaixonado, romântico, esse sim, não podem ter dois vivos no mesmo momento. Fechei meu coração para balanço porque amor Eros exige a vida em investimento, por isso não se pode ter dois gerentes pra a mesma conta e nem duas contas para o mesmo gerente. Quando mais de uma conta se tornam importantes então e necessário reestruturar, repensar, reavaliar, retroceder, reviver e então . . . restaurar ou recomeçar, mas não se pode nunca deixar rolar, e preciso agir, e preciso andar.

Maldito o coração sedento que acha poder receber para sempre amor a fundo perdido. Fechei meu coração para balanço, porque não agüento mais ser bandido; que rouba de quem tem e depois deixa escondido. Mas nem sempre o maldito e de todo mal, fechei meu coração para balanço porque muitas vezes maldito e apenas real, e como Cristo só foi bendito no final, para quem ama ser maldito por um tempo e normal. Tempo de escolhas, tempo de decisões, tempo de solidão, tempo de rejeição, tempo de confusão.

Não condeno meu coração por ser humanamente maldito, fechei meu coração para balanço porque humanamente maldito e melhor do que falsamente bendito. Ja que amor, assim como Deus, apenas e. Sem razoes, explicações, sem porquês, totalmente inconseqüente e desprovido de qualquer proteção e nem medo de quebrar a cara, de não ser, ou de ouvir um não. Por isso a melhor descrição de amor não diz o que ele e, mas o que ele faz ou o que ele não faz. Isso porque amor so pode ser definido em relação ao ser amado: tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta e alem disso nunca falha. Não busca seus próprios interesses, não se irrita e não suspeita mal ?? E assim Paulo vai dizendo o que o amor e, através de como ele se comporta, nessa narrativa quase pedante.

Fechei meu coração para balanço, porque amor só e amor se for troca perene e constante, recebe-se, e devolve-se. O peito e a mão estão sempre abertos. O caminho e de ida e de volta. Amor não pode nunca ser mar, mas deve sempre ser rio, senão acabamos como o mar morto que de tanto receber morreu. Temos que ser passagem de amor atroz, correnteza feroz, onde existe confusão, dor, movimento, alegria, barulho, luta, vontades, perigo, coragem, medo, vida, no meio de tudo isso e que se fabrica energia para a viver, nunca vi uma hidroelétrica no mar. Receber e guardar para depois adoece as almas.

Por fim, como tudo na vida e de graça e tem seu preço e poucas coisas são como gostaríamos fosse, no momento onde eu mais preciso de amor, carinho, conforto, onde eu mais poderia usar uma migalha de atenção, ainda que fugaz, rápida, despretensiosa . . . Na bendita hora de chance para outras chances, que me libertei de uma incerta certeza que vivia, fechei meu coração para balanço quando vi que nada me prendia a não ser eu mesmo. Meus medos, meus traumas, minhas culpas, minhas fantasias, meus sonhos e meus amores, enfim, minha alma ainda vadia.

Enquanto o ativo e maior que o passivou ou vice versa, o contador não terminou o seu trabalho. Não vou aceitar amor enquanto não puder dar. Não vou dar amor enquanto não puder aceitar. Na expectativa de que o que for esperança e o que for apenas fé dentro de mim passe e só o que e eterno fique, pois agora permanecem a esperança a fé e o amor, mas o maior de todos e o amor. Fechei meu coração para balanço.

Foto de cafezambeze

O GRANDE DIA - POR GRAZIELA VIEIRA

O Grande Dia

20 de Julho 1953.

Ás quatro da madrugada, quando a pálida luz d’aurora ainda mal fazia a sua aparição, já minha mãe me arrancava aos braços de “Morfeu” onde eu na véspera, prometera a pés juntos não mergulhar.

Chegara enfim o grande dia. O dia do acontecimento mais relevante dos meus franzinos dez anos. Ia, enfim, fazer o meu exame da 4ª classe a Mirandela.

Mirandela!!!!!!!! Uma Vila que eu só conhecia em sonhos, ou de ouvir falar. A azáfama dos últimos preparativos e conselhos dos familiares orgulhosos, as últimas recomendações da senhora D. Ermelinda Rafael, minha professora e irmã do ilustre médico Dr. Mário Rafael, tinham feito com que adormecesse mais tarde e àquela hora, francamente, não me apetecia nada levantar.

- Anda filha que são horas: já tens o caldo na malga. Põe-te a dormir e depois come do sono. Olha que o exame não espera por ti e temos muito que palmilhar. Se tínhamos! É que dos Avidagos, minha terra, até Mirandela são cerca de 24 km os quais tínhamos que fazer a pé:

-Porquê? Pela simples razão de não haver dinheiro para a Camioneta, ida e volta, para a chita do vestido novo que a minha tia Mariana me fez, para os sapatos comprados para a ocasião, para pagar a Pensão onde teria que ficar, etc. Os meus pais para suprir as despesas mais prementes, tiveram que segar manual e prematuramente duas jeiras de trigo e vender o grão ao senhor Regedor.

O sacrifício foi enorme, mas o orgulho de ter uma filha que ia fazer o exame da 4ª classe quando ainda não era obrigatório, compensava-os plenamente.

Engoli o caldo á pressa e pusemo-nos a caminho eu e minha mãe. As nossas socas brochadas faziam barulho nas pedras do caminho quebrando o silêncio matinal. De vez em quando sacudia uma ruga, imaginária, do vestido novo. Por vezes, levava a mão á cabeça a ver se a fita cor-de-rosa que a minha avó materna me oferecera para a ocasião, ainda lá estava. Querida avó! Tinha vindo das Varges aos Avidagos a pé só para me presentear com a fita. Ela queria que a sua neta, fosse a mais bonita de todas. Não estou bem certa, mas penso que a distancia por ela percorrida por caminhos tortuosos, devia rondar os nove ou dez quilómetros, senão mais.

Comecei a tomar noção da responsabilidade em não defraudar, com um chumbo, as expectativas e esperanças que os familiares em mim depositavam.

-Ó mãe ainda falta muito?

-Não, é já ali.

Relógio? Que é dele. Isso era um luxo dos ricos, mas pelas minhas contas, havia mais de duas horas que a minha mãe dizia, é já ali. Eu nunca antes tinha feito uma caminhada daquela envergadura. As minhas fracas pernas, começavam já a acusar o cansaço. Sem querer, invejava os meus cinco irmãos mais novos que haviam ficado no aconchego da cama. O sol começava a despontar no horizonte cobrindo as já louras searas de trigo e centeio que ondulavam com a fresca brisa matinal como se fosse um mar gigantesco de ouro salpicado de papoilas vermelhas mais fulgurantes que rubis. As cotovias, melros, rolas e picanços, saudavam o astro-rei com os seus melodiosos gorjeios, num agradecimento á mãe natureza o fausto banquete que esta pusera á sua disposição e das respectivas proles. De vez em quando, uma lagartixa espreitava por entre as pedras do caminho, curiosa com o sincronizado das nossas socas, trepa que trepa. Ao longe, um ou outro rancho de segadores começava o seu árduo trabalho com os rins dobrados sobre as searas que as seitouras iam dizimando. De repente um frémito de alegria percorreu o meu já cansado corpito ao avistar uma povoação. Aligeirei o passo e pergunte

-Ó mãe, ali já é Mirandela?

-Daqui lá não me doa a mim a barriga, respondeu a minha mãe já agastada de tantas vezes responder, á contínua pergunta de, ainda falta muito?

-Ali são as Lamas, falta quase outro tanto para chegar a Mirandela e temos que andar mais depressa para estar lá ás nove horas senão, não fazes o exame.

Prossegui calada deitando um olhar de esguelha á saquita que a minha mãe levava á cabeça onde a par dos livros e da merenda, iam os sapatos novos que só calçaria á entrada da Vila para fazer jus ao rifão. Menina da aldeia, á entrada da Vila calça a meia A malga do caldo de cebola? Onde é que ela já ia.

Reparando nas minhas espiadelas á saquita e como caminhássemos ao longo de uma parede que circundava uma horta, a minha mãe disse:

- Sentemo-nos só um cibinho para comer que depois já temos força para andar mais depressa. Ó que mágicas palavras para os meus ouvidos. Levantei o vestido quase até á cabeça para não o sujar ou enrugar na parede de xisto, e á fatia de pão centeio, que minha mãe cozera na véspera, e ao punhado de figos secos, foi um ar que lhe deu.

Reconfortada com a frugal refeição e com cinco minutos de descanso, pusemo-nos novamente a caminho. De súbito ouvi o trotar de uma cavalgadura atrás de nós. Voltei-me devagar e disse:

-Ó mãe, vem ali o ti João Vinhais com o filho a cavalo no macho. Na verdade, não era meu tio, mas na minha aldeia, os mais novos tratavam os mais velhos por tios e tias.

-Bom dia senhora Adelina! Madrugaram!

-Bom dia senhor João, que remédio!

Deixei de ouvir o resto dos cumprimentos e concentrei-me no Francisco Vinhais, um rapaz da minha idade e que todo janota em cima do anafado macho também ia fazer exame. Eu bem me saracoteava para ver se o Xico olhava para o meu vestido novo e para o laço que me prendia os curtos cabelos mas o Xico não reparava e eu saltitando, quase me punha á frente do macho. Ó! Vaidade feminina, que tão precocemente te manifestas em futilidades. O ti João vendo os olhares constantes que eu deitava aos cavaleiros e atribuindo-o ao meu cansaço, apeou-se e disse:

-Monta no macho enquanto vou um bocado a pé para esticar as pernas.

-Obrigada senhor João, disse minha mãe: Ela só já ia a ganir que lhe doíam as pernas

-E tem razão, com o estiraço que já fizeram não é para admirar.

Ele mesmo, pegou nos meus vinte e cinco quilos e pô-los em cima do macho. Nunca lhe agradeci o gesto nobre e bondoso que tomou naquela ocasião. Hoje ainda me pergunto se chegaria a tempo do bendito exame sem a sua intervenção. De vez em quando eu, com pouca vontade, ainda lhe dizia:

Ó ti João, quer montar que eu desço?

-Deixa-te ir que vais bem.

O Xico repontava; ó pai, ela não vai quieta com os ovos daqui a pouco caímos os dois.

O que o Xico nunca soube, é que para não amarrotar o vestido, eu estava sempre a puxa-lo debaixo do assento desequilibrando-me.

Por fim, chegamos á entrada da ponte. Já se avistava a Vila de onde sobressaía a então famosa Casa Verde. Depois de deixar o macho entregue a uma pessoa conhecida, o ti João cheio de paciência, esperou que eu calçasse os meus sapatos novos, dois números acima do tamanho indicado para me servirem daí a muito tempo, e começamos a atravessar a ponte, a caminho da escola onde iam ter lugar os exames.

-Ó mãe, deixe-me ir ali a Senhora do Amparo fazer uma promessa para eu ficar bem no exame

-A promessa, dou-ta eu. Se ficares mal, á vinda para cá atiro-te da Ponte abaixo.

-Ó senhora Adelina!.......Disse o ti João apaziguador: Não diga isso á rapariga, que ela pode-se enervar e fazer mal a prova.

-Eu cá sei as linhas com que me coso, isto é falar por falar.

Só alguns anos depois é que me apercebi que a minha pobre e querida mãe ia mais nervosa que eu, e que os meus pais, tinham sido criticados por fazer tantos sacrifícios para que eu pudesse fazer a 4ª classe. Se ainda fosse um rapaz, vá lá, que sempre fazia falta para arranjar um emprego! Agora uma rapariga pobre para que é que queria o exame? Melhor me mandassem ir servir para aprender a ser uma mulher como devia de ser. Isto, diziam aquelas senhorecas de meia tigela que mal sabiam assinar os próprios nomes, e que queriam quem as servisse a troco dos restos da comida que deixavam nos pratos. As “comadres” que as há em todas as aldeias e não só, essas diziam que parecia mal uma rapariga sozinha no meio de quatro rapazes propostos a exame, e outras coisas no género próprias dos meios rurais. Mas a minha ânsia de aprender aliada à boa compreensão de meus pais tudo superaram; o compreensível receio da minha mãe, era que eu ficasse reprovada e depois ter de ouvir as línguas viperinas a rirem-se de nós depois de tantos sacrifícios.

Por meu lado, estava consciente que a oportunidade se não repetiria mas tinha a certeza de estar bem preparada. Graças á minha boa Professora que sem esperar qualquer recompensa além da gratidão, depois das horas de aula oficiais, dava-nos em casa dela mais umas horas de explicações todos os dias. Nunca até essa altura, ela tivera um aluno seu reprovado; e essa era a sua gratificação interior. A meu ver, bem mais valiosa do que se recebesse algumas “luvas” coisa de que nunca houve conhecimento. Nos tempos que correm pode dizer-se que era um exemplo raro de dedicação ao ensino.

Chegamos á Escola dos exames um pouco cedo, mesmo assim já lá estavam algumas dezenas de alunos. Com olhar de lince vislumbrei a nossa Professora e dirigimo-nos para junto dela. Depois dos cumprimentos devidos, perguntei se os restantes rapazes já tinham chegado.

-Ainda os não vi e já estou a ficar preocupada. É que depois da sala de aula fechada para a prova escrita, não entra mais ninguém. De repente, o Francisco Vinhais, aqui já não era Xico, porque a Professora exigia que todos nos tratássemos pelos nomes próprios em vez das usuais alcunhas disse:

-Ali vêm eles.

De facto, o Casimiro, O Viriato, e o Luís Filipe, parecendo os três da vida airada, depressa chegaram junto de nós. Depois das últimas recomendações, e com uma disposição parecida à de quem vai para a guilhotina, entramos para dar início á Prova Escrita. Na Sala repleta de alunos de todas as Aldeias do Concelho, o silêncio era sepulcral. Só se ouvia o raspar dos aparos das canetas de pau, molhadas nos tinteiros brancos, no papel.

Ditado, Problemas, Contas, Redacção, etc., tudo seguia os seus trâmites sincronizados. Os pais ou acompanhantes, esperavam do lado de fora, quem sabe, pedindo a Deus para que nenhum dos seus fosse reprovado. Após três longas horas, abriram-se finalmente as portas e em silêncio, todos esperavam sofregamente os resultados. Ninguém arredava pé. Mais algum tempo e eis que os almejados resultados eram afixados. Começaram os empurrões, o esticar de pescoços, o por em bicos de pés a ver quem primeiro chegava junto dos resultados. A minha mãe teve que pegar-me ao colo para eu ver o meu resultado uma vez que ela não sabia ler e sendo eu tão pequenina, corria o risco de ser esmagada pelos mais matulões ou pelos adultos. Depois de muitos encontrões e pedidos de desculpas, lá chegamos aos famigerados resultados. Olhei atentamente e ao descortinar o meu nome, gritei:

-Mãe!... Fiquei bem! Ela ergueu-me bem nos braços e disse:

-Vê bem filha, não te enganes.

Tornei a olhar e confirmei. Fiquei bem, mãe, é verdade.

Quando me poisou no chão, fiquei como que petrificada ao ver rolar as lágrimas pela face de minha mãe. Intrigada, perguntei:

-Então a mãe está a chorar porque eu fiquei bem?

-Ó filha, não. Tu não sabes que também se chora de alegria? Pois o que eu sinto agora, é uma alegria enorme como há muito tempo eu não sentia. Deus te abençoe.

Entretanto os quatro rapazes, com um sorriso de orelha a orelha, davam também a boa nova. A nossa Professora que se associava á nossa alegria, lembrou.

-Agora toca a ir comer e descansar para estarem fresquinhos para a Prova Oral que é amanhã á tarde.

Não sei onde os outros se hospedaram, quanto a mim, a minha mãe levou-me a uma Pensão pequena, tipo familiar, que embora retenha o seu interior na memória, não fixei o nome da rua onde a mesma se situava. Levava vinte escudos por dia, com direito a três refeições e dormida. A minha mãe pagou o estipulado e preparou-se para o regresso a casa pelo mesmo caminho.

-Então a mãe não come aqui?

-Não, come tu que eu como o resto da merenda pelo caminho. Tenho que ir fazer o caldo para o teu pai e para os teus irmãos mas amanhã cá estarei para assistir á Prova Oral. Entretanto a senhora da Pensão já trazia para a mesa, uma fumegante travessa de batatas cozidas com congro. Lembro-me como se fosse ontem. Comi que me fartei. Á noite, fui para um grande quarto onde estavam duas camas e dois colchões no chão. A mim, calhou-me um dos últimos. Entraram depois uma senhora e duas meninas que rondavam a minha idade pelo que o motivo devia ser o mesmo. Aldeãs para exame. Apoderando-se cada qual do respectivo lugar. Em menos de um credo, já eu dormia o sono dos justos sem sentir as dores das bolhas que os sapatos me haviam feito nos calcanhares. Quando acordei na manhã seguinte, o quarto estava já vazio e arrumado. Ao dirigir-me á casa de banho, vi num relógio de parede que já eram onze horas. Depois do almoço, furtei um guardanapo da mesa, e fui para o quarto puxar o lustro aos sapatos com ele atirando-o depois para debaixo de uma cama. Pedi para me arranjarem o laço do cabelo e toda prosmeira, fui ter com a senhora dona Ermelinda que já me esperava á porta para me acompanhar ao local das Provas Orais. Reparou a Professora que eu andava devagar e com passo inseguro, como quem pisa ovos.

-Que é que tens rapariga? Vais com medo ou fizeste xixi na cama?

-Não minha Senhora, foram os sapatos que ontem me fizeram bolhas. Se calhar, vou-me descalçar.

-Nem penses, quero lá agora uma aluna minha descalça no exame. Calça as socas.

-Não as tenho cá, a minha mãe levou-as.

Ao cabo de uns minutos que me pareceram séculos devido ás dores, lá chegamos ao local. Já estava o que me parecia a mim, um mar de gente junto da Escola, para assistir ás Provas Orais. Naquela época, mesmo quem não tinha familiares a fazer exame, gostava de assistir ás Provas Orais para ver as habilidades dos alunos conhecidos e não só.

Como não descortinasse a minha mãe em parte alguma, trepei ao muro para ver melhor em todas as direcções. Que grande desilusão! Não estava em parte alguma. De certo não pode vir. Era tão longe! Ainda na véspera fizera a pé o caminho de regresso, e com certeza não aguentara outra viagem.

Envolta nos meus pensamentos, nem me dera conta de que já todos tinham entrado.

A sala estava cheia até à porta. Saltei o muro e precipitei-me para a entrada onde algumas pessoas não me queriam deixar entrar.

Que queres tu daqui? Não vês que não podes entrar? Vai brincar para a rua.

-Mas eu vou fazer exame, respondia em altos gritos. As pessoas olhavam para o meu corpo franzino, que não aparentava mais que seis anos, e riam-se.

Chô: - Cresce e aparece.

No meu desespero comecei a distribuir pontapés a torto e a direito, e furando por baixo da amálgama de pernas que vedavam a entrada da sala de Aulas, lá consegui chegar ao meu lugar. Mesmo a tempo… Estavam a chamar pelo meu nome.

Muito esbaforida, com os livros a monte dentro da saquita e toda despenteada, devido à entrada forçada, encaminhei-me para a mesa do Júri. Por instantes, esqueci a minha mãe, e concentrei-me na enorme responsabilidade do momento.

-Abre o livro de leitura.

Fiz o que me era mandado. O livro abriu-se na Lenda da Laranjeira de Santa Isabel. Li com gosto e com voz bem timbrada, era uma das minhas lições preferidas. Até ali, tudo bem

-Vamos à História.

Mentalmente, pedia a Deus que me fizessem perguntas sobre D. Pedro IV de Portugal e I do Brasil que me fascinava e do qual eu sabia tudo de cor e salteado como se costuma dizer. Calhou-me em sorte D. Dinis. Parecia de propósito, era o rei de quem eu menos gostava.

-Que cognome teve el-rei D. Dinis?

Mas porque cargas de água me haviam de fazer perguntas sobre um homem, mesmo sendo Rei, que era mau para a Rainha Santa? Na minha fértil imaginação, um homem que proibia a Rainha de dar esmolas aos pobres a ponto de ela ter de invocar a protecção divina para que o pão que levava no regaço, se transformasse em rosas, não podia ser boa pessoa. Se eu mandasse, que é o que aqueles que não mandam pensam, se eu mandasse, esse Rei não entrava para a História.

Fez-se silêncio na sala. De novo a pergunta era repetida.

-Então, não sabes?

-Não sei o quê? Perguntei como se tivesse chegado de longínquas paragens.

-Que cognome tinha el-rei D. Dinis

-Sei sim minha senhora, era o Lavrador. E antes que perguntassem mais alguma coisa, comecei a desenvolver o tema ainda mais do que seria preciso. Que tinha reestruturado a agricultura, que mandara plantar o pinhal de Leiria e tudo mais que lhe dizia respeito.

-Então se sabes tudo tão bem, porque não respondias?

-Porque não gosto dele.

-E pode-se saber porquê?

Expliquei as minhas razões acima citadas. Gargalhada geral na sala.

- Silêncio se fazem favor, pediu um professor que de imediato me chamou para avaliar os meus conhecimentos de Geografia.

-Ora vamos lá a apontar aqui no Mapa, o rio Douro e seus afluentes.

Depois de satisfeito com as minhas respostas, levou-me ao Mapa cor-de- rosa.

-Agora diz-me: estamos em Mirandela, queremos ir para Luanda, como fazemos?

-Resposta pronta, não podemos.

-Não podemos porquê?

Porque aqui não há mar e tínhamos que ir primeiro para o Porto ou Lisboa.

Novas gargalhadas na sala.

-Silêncio por favor, senão mando evacuar a sala.

-Então explica-me como poderemos ir para Lisboa.

- Com o dedo, lá apontei no Mapa o percurso dos Caminhos – de - Ferro que nos levaria ao cais da Capital para apanhar o barco que nos levaria a Luanda.

-No Mapa cor-de-rosa, também não me saí mal bem como em Ciências Naturais.

-Podes ir para o teu lugar, e fazer o teu trabalho manual.

Ao voltar-me, vi minha mãe ao fundo da sala, sentada numa cadeira. As mãos postas, como se estivesse rezando e com lágrimas que se assemelhavam a pérolas, deslizando pela face, precocemente enrugada devido ás agruras da vida, mais se assemelhava a uma santa de altar. Afinal, ela estivera ali desde o início, enquanto eu cá fora tentava localizá-la.

Como tivesse chegado muito cansada de tanto andar a pé, pedira para a deixarem entrar mais cedo a fim de arranjar lugar sentada. Fiquei feliz por vê-la.

Fui para o meu lugar e peguei na meia de renda de cinco agulhas. Era o meu trabalho manual. A mãe da minha professora é que me ensinara a fazer aqueles arabescos complicados, mas de um efeito espectacular.

Muito embrenhada na minha tarefa sobressaltei-me ao ouvir a voz da Professora encarregada da avaliação dos Trabalhos Manuais.

-Muito bem, mas que meias tão bonitas que estás a fazer.

-A senhora gosta?

-Gosto sim.

-Então quando as acabar, eu mando-lhas.

-Ficaria muito contente.

Nunca cumpri a promessa. Primeiro, porque não sabia a direcção da simpática Professora. Depois, parece-me que nunca cheguei a acabar as meias.

-Acabaram os exames, podem sair:

Um suspiro de alívio percorreu toda a sala. Já no recinto da Escola, encontrei minha mãe que conversava com um senhor, que ao ver-me fez sinal para me aproximar, o que fiz de imediato, embora um pouco intimidada com a elegância e a respeitabilidade que emanava daquela figura, que me parecia austera. Interroguei-o com o olhar.

-Parabéns pelo seu excelente desempenho disse: Acto contínuo, meteu-me na mão cinco escudos que desapareceram para dentro da saquita dos livros em menos tempo que o diabo esfrega um olho.

-Estava aqui a dizer á senhora sua mãe que se fosse um rapaz, eu encarregar-me-ia de lhe custear os estudos. Sendo uma menina, não poderei fazê-lo porque a responsabilidade a longo prazo, seria enorme.

-Obrigada pelo grande favor, disse mordaz, e voltei-lhe as costas com vontade de arrancar-lhe a gravata, que devia ser de seda, e fazer-lha engolir juntamente com o que acabara de dizer.

-Mãe, vamos embora.

-Não sejas mal-educada, vem pedir desculpa ao senhor doutor.

-Desculpa, porquê? De não ter nascido rapaz para lhe fazer a vontade? Sou por acaso culpada de ter nascido rapariga? Sufoquei na alma um grito de raiva e impotência, que as lágrimas não deixavam de todo esconder.

Nunca tinha sido tão humilhada. Primeiro, porque me tratou por senhora e na minha idade, isso era uma ofensa para mim. Depois, parecia que me estava a acusar por eu não ter nascido rapaz. Na boca das ignorantes “comadres”, não era de admirar o dizerem que a um rapaz nada se lhe pega e que nunca aparecia prenho em casa; agora que um senhor doutor pensasse da mesma maneira, era inadmissível.

Posteriormente, vim a saber que o senhor em questão, sendo rico e sua mulher não lhe podendo dar filhos, já havia custeado os estudos a três rapazes de poucos recursos; mas a sua filantropia e altruísmo não se estendia ao sexo feminino.

-Mãe! Vamos embora que se faz tarde e chegamos a casa já de noite.

-Trouxe as minhas socas?

-Eu não! Então não queres os sapatos? Andavas toda encha com eles!

-Pois, mas fizeram-me bolhas e não os aguento. Vou descalça.

-Tu hoje ainda ficas na Pensão que já está paga e amanhã, vais na Camioneta da Carreira até ao entroncamento, que de lá até casa são só três km e o teu irmão estará lá á tua espera. Eu é que me vou já embora a ver se ainda chego a casa antes do anoitecer. Toma lá o dinheiro para a Camioneta; agora perde-o.

Deu-me o dinheiro certo, sem fazer alusão aos cinco escudos que o tal senhor doutor me dera. Se calhar nem os viu, pensei eu.

Ainda ela mal tinha voltado as costas, já os sapatos estavam na saquita misturados com os livros. Descalça, percorri grande parte da Vila embasbacando-me diante das montras. Nunca vira coisas tão bonitas! E depois, a alegria de saber que no dia seguinte ia andar da Camioneta, era o culminar da suprema magia. Eu, como a maior parte das minhas amigas, nunca tinha-mos posto os pés dentro de um carro; quando eu lhes contasse a aventura, iam-se roer de inveja. De repente, ali perto do Mercado, estava na montra de um estabelecimento uma boneca com um vestido quase igual ao meu. Não é que ela parecia que se estava a rir para mim? Os cinco escudos dentro da saquita começaram a pesar como chumbo. Muito hesitante, e olhando para todos os lados, entrei e perguntei o preço.

-Quatro e quinhentos, respondeu a senhora atrás do balcão.

Nem me dei ao trabalho de regatear, depositei o dinheiro no balcão e esperei que a boneca viesse aos meus braços.

-Queres que embrulhe?

-Não é preciso, obrigada. Ia a sair disparada quando a senhora me chamou.

-Toma lá o troco rapariga, olha que a boneca não foge.

Saí dali direita á Pensão que parecia um foguete. Era a minha primeira boneca a sério. Sá as havia tido de trapos, confeccionadas por mim. Não mais a larguei e será escusado acrescentar que dormiu comigo.

Na Camioneta de regresso a casa, mil sensações estranhas me assaltavam. A paisagem vista de cima, parecia irreal. Era a Camioneta que estava sempre parada, ou eram as serras, árvores e casas tudo a andar para trás? Passados os primeiros minutos de novidade embriagadora, voltei a pensar no que a viagem e a boneca me fizera esquecer.

Se fosse rapaz!...Se fosse rapaz!...Se fosse rapaz!...Malditas palavras; haviam-se cravado na minha alma como uma ventosa de onde não conseguia arrancá-las. E eu que ainda fora comprar a boneca com o dinheiro de quem se me estava a tornar odioso. Se a janela estivesse aberta, atirava a boneca por ela fora. Se fosse rapaz!...Se fosse rapaz!...

Comecei a chorar. Ia sentada a meu lado uma Freira que se dirigia ao então asilo para meninas pobres de Pereira, que ficava a um km mais ou menos dos Avidagos que ao ver-me chorar perguntou:

-Tu que tens minha filha? Reprovas-te no exame?

Não Irmã.

-Então, se ficas-te bem e ganhas-te essa boneca tão bonita, porquê essas lágrimas?

Limpei as lágrimas ao lenço de cinco pontas e disse:

-É precisamente por causa da boneca. Estava quase a contar-lhe a verdade, quando “tardiamente” me lembrei do meu egoísmo. Gastei o dinheiro que tinha na compra da boneca e não me lembrei de comprar nada para os meus irmãos e fiz um ar de Madalena arrependida.

-Quantos irmãos tens?

-Cinco, e todos mais novos que eu.

A Freira, meteu a mão numa maleta e deu-me um bom punhado de rebuçados e bombons:

-Toma lá, divide p’los teus irmãos.

-Muito obrigada minha santa. Ela sorriu. Um sorriso tão angélico que não voltei a ver outro igual.

Já a pé, a caminho de casa, parei nas duas capelinhas que ficam de um e outro lado da estrada no cruzamento que vai para Pereira, um km antes dos Avidagos, para com uma pequena oração, agradecer o resultado do exame.

Quando cheguei a casa, estava reunida toda a parentela mais chegada, para me felicitar e participar numa refeição melhorada para a qual tinham sido sacrificadas duas das melhores galinhas.

Passados os primeiros momentos de euforia, a minha mãe começou a relatar toda orgulhosa, as peripécias do exame. Olhem que até os professores estavam admirados com ela. E como todas as mães, até exagerava nos elogios perante as pessoas presentes: quando acabou o exame, até um senhor Doutor, blá, blá, blá

-Era demais. Levantei-me da mesa para não ouvir novamente as palavras que me estigmatizaram ao longo da vida!...Se fosse rapaz!...Se fosse; Outra vez não, por amor de Deus.

Dei a boneca á minha irmã mais nova que delirou com o presente, impondo-lhe como condição, de que nunca brincasse com ela á minha frente senão eu queimava-lha.

Não sei se a minha mãe se apercebeu do meu drama íntimo, quero querer que sim, mas nunca mais tocou no assunto.

Já se passaram muitos anos, mas se Freud ainda vivesse, de certeza que eu desmentiria uma das suas teorias da “Mente”. É que as meninas, segundo ele, não desejam secretamente ser rapazes por no subconsciente terem inveja do pénis, mas sim, por terem inveja da liberdade que os rapazes têm.

Felizmente que as mentalidades no que respeita a sexos opostos está a mudar, ainda que a passo de caracol.

As condições de vida também melhoraram. Os alunos, já não têm que percorrer a pé vários km, sujeitos aos rigores do Inverno ou ao sol escaldante do Verão para irem para a Escola como iam os do Carvalhal, Palorca etc. que por caminhos de cabras faziam diariamente esse percurso para virem para os Avidagos. Segundo as estatísticas, o número de estudantes do sexo feminino, já ultrapassa o masculino. Fico feliz por poderem usufruir de algumas oportunidades que me foram negadas. No entanto, uma pergunta se impõe. Porquê tanto insucesso escolar? O que é que está mal? De quem é a culpa?

Por mais que me esforce, não consigo descortinar respostas adequadas, e julgo que a maioria dos portugueses também não.

Será que fazem falta, umas tantas Donas Ermelindas Rafaéis para se orgulharem de nunca terem um aluno seu reprovado? Que incutia nos alunos o gosto pelos estudos, sacrificando tantas vezes a sua vida pessoal, para se dedicar inteiramente á nobre arte de ensinar? Pode ser uma das causas, mas de certeza que não é a única. Haverá alguém que sem se escudar nos meandros políticos tenha as respostas?

Uma coisa é certa. Há que fazer algo urgentemente para mudar este estado de coisas, nem que para isso se tenham que criar prémios especiais para os mais aplicados.

Se nada for feito, corremos o risco dos homens e mulheres de amanhã, nos acusarem da incúria de hoje.

Graziela Vieira

Abril de 2000

Foto de diana sad

* quanto pesa a verdade para você ?*

Falar a verdade, o quanto pesa para você?
Falar para si a verdade, para o que lhe constrõe.
Para os seus mapas, labirintos dentro de você construídos.
Falar a verdade quanto pesa para você?
Não digo àquela verdade que chega ser patética
Que se usa pra arrancar gargalhada ou um comentário de audácia.
A sua verdade...

Eu escondia a minha verdade
Ela era minha pior inimiga
Eu poderia revelar tudo
Menos a minha verdade.
Que era como um crime qualificado
Que era minha morte a conta-gotas
Era o inferno que eu nunca admitia
Bater e se sentar na minha sala
Mas que tudo meu tinha.

Aos poucos fui revendo coisas
O baú tava abarrotado de mágoas.
De pessoas que nunca eu desejaria um bom dia
Mas, no final das contas a única que sofria ali era eu.
Eu não me perdoava, eu não me aceitava.
E a felicidade não costuma dá prêmio pra gente assim
E a minha única saída era me desfazer de tudo de ruim que corria por dentro de mim.

Aceitar o que aconteceu esquecer talvez eu demore mais, aceitar, conseguir respirar, mesmo que eu sinta sempre o mau cheiro!

O hoje a verdade é tão preciosa para mim
Vale ouro. Vale meus ideais, minha paz de espírito.
Sem a verdade de si para outra direção ninguém caminha.
Só os círculos lhe contam as mesmas histórias.
Por isso pergunto: quanto pesa a verdade para você?

E mesmo se à sua chegada atormentar
Ela sempre será sua melhor confidente
Mesmo que ninguém mais conheça a sua verdade
Ela estando dentro de você é o que importa.

Por isso pergunto: quanto pesa a verdade para você?

Foto de diana sad

< * quanto pesa a verdade para você? *>

Falar a verdade, o quanto pesa para você?
Falar para si a verdade, para o que lhe constrõe.
Para os seus mapas, labirintos dentro de você construídos.
Falar a verdade quanto pesa para você?
Não digo aquela verdade que chega ser patética
Que se usa pra arrancar gargalhada ou um comentário de audácia.
A sua verdade...

Eu escondia a minha verdade
Ela era minha pior inimiga
Eu poderia revelar tudo
Menos a minha verdade.
Que era como um crime qualificado
Que era minha morte a conta-gotas
Era o inferno que eu nunca admitia
Bater e se sentar na minha sala
Mas que tudo meu tinha.

Aos poucos fui revendo coisas
O baú tava abarrotado de mágoas.
De pessoas que nunca eu desejaria um bom dia
Mas, no final das contas a única que sofria ali era eu.
Eu não me perdoava, eu não me aceitava.
E a felicidade não costuma dá prêmio pra gente assim
E a minha única saída era me desfazer de tudo de ruim que corria por dentro de mim.

Aceitar o que aconteceu esquecer talvez eu demore mais, aceitar, conseguir respirar, mesmo que eu sinta sempre o mau cheiro!

O hoje a verdade é tão preciosa para mim
Vale ouro. Vale meus ideais, minha paz de espírito.
Sem a verdade de si para outra direção ninguém caminha.
Só os círculos lhe contam as mesmas histórias.
Por isso pergunto: quanto pesa a verdade para você?

E mesmo se à sua chegada atormentar
Ela sempre será sua melhor confidente
Mesmo que ninguém mais conheça a sua verdade
Ela estando dentro de você é o que importa.

Por isso pergunto: quanto pesa a verdade para você?

Foto de carlos alberto soares

AMOR POSSESSIVO

EM MEU DESEJO DE POSSE INFINITO,
MATEI MEU AMOR,
FOI TÃO GRANDE O CONFLITO,
QUE A BELEZA VIROU DOR.

AS COISAS QUE LHE TRAZIAM FELICIDADE,
ERAM MEU SOFRIMENTO,
SUA SOBRIEDADE,
MEU TORMENTO.

QUERIA UM SORRISO,
SORRIDO PRA MIM
E SE ME HOUVESSE INDECISO,
UM PRESTAR DE CONTAS SEM FIM.

MATEI MEU AMOR,
COM EXCESSO DE ZELO,
AGORA SOU SOFREDOR,
QUE DESESPERO.

MATEI MEU AMOR,
COM FLORES PERFUMADAS,
QUE PERDEM SEU VALOR,
QUANDO PELO CIÚME ESTÃO ENVENENADAS.

SEM BRANDIR PUNHAL,
ATAQUEI O SEU PEITO,
COM ARMA LETAL.

ACUSEI SEM RAZÃO,
COBREI SEM ME DAR,
AGORA NA SOLIDÃO,
COMEÇO A CHORAR.

QUE DESTIINO MAIS TRISTE,
MATAR O SENTIMENTO DE QUEM AMOU
E QUANDO ELA DESISTE,
LEMBRAR DO AMOR QUE FINDOU.

Foto de Henrique Fernandes

QUERO DIZER COM ATITUDES QUE TE AMO

.
.
.

Todos os dias são dias de certezas de ti
És a única que nada muda em mim
Para me amar sem limites na alma
Se o azul do céu arder e meu mundo acabar
Sei que tu me virás salvar das ruínas
Nunca sonhei encontrar alguém como tu
És o segredo da minha mudança
Que de tão triste chego hoje hilariante
Por estar perdido num labirinto de amor
E seja qual for a direcção que tome
A vida continua um jogo agradável
Que ambos jogamos sem fazer batota
Fazendo-nos sentir que é este o caminho
Mais curto e verdadeiro até á felicidade
Por existires já é estar a sonhar contigo
Pela realidade de seres minha no meu teu
Ver como ficas contente com o que te dou
É navegar num oceano sem ondas
E as tempestades mais devastadoras
Não passam de meras ânsias que sinto
No medo de te perder no nevoeiro
Causado por algum dos meus erros
Pois, porque no final de bem feitas as contas
Sou inocentemente humano e tu sabes
Que além de humano, sou teu homem
E como tal e perante tal privilégio
Evitarei as desculpas que não se pedem
E amar-te-ei pelas ruas da nossa vida
Quero dizer com atitudes que te amo
E ter tuas atitudes com tudo para amar

Foto de Carmen Lúcia

Labirinto

Rastreio passos por caminhos que perdi,
Procuro inversos entre os versos que reli,
Busco a essência infiltrada na raiz
E a palavra sacrossanta que bendiz...
Percorro livros que clareiem minha mente
Sem encontrar o conteúdo convincente,
Se me aproximo da verdade, ela se esconde
E me afasto sem saber... Ir para onde?
Abro horizontes e não sei o qual seguir,
Construo pontes com intuito de unir,
Se as transpasso, ultrapasso o meu espaço
E vou além de onde precisava ir...
Recorro a Freud, que explode o pensamento,
Que não explica... Replica meus argumentos...
De meu rosário descontei todas as contas
E até meu credo anda descrente de mim...

Já não sei quem sou, como sou, se sou...
Inerte estou, perdida num labirinto
Pintado em minha mente, triste mente
E o coração gritando a confusão que sinto.

Carmen Lúcia

Foto de Henrique Fernandes

PERCO CADA ANOITECER PARA TE ENCONTRAR

.
.
.

Sinto a frescura de uma praia deserta
Onde perco cada anoitecer para encontrar
O amor que no silencio chama por mim
Selvagem dos dias e sobrevivente das noites
Onde padeço num mal de não amar
Deixando-me a contas com a solidão
Que me divaga a alma com palavras que choram
No meu mundo ao contrario sem manhãs de Sol
O luar é tão breve que me dissolve o leme
Nesta falésia sem estrelas no céu
E o amanhã para mim é tão longe
Num nada de nada mascarado de tudo
Sinto o tempo pausado no indelicado
Infectando de atritos os meus sentimentos
A tristeza é um vácuo de ansiedade
Uma quarentena de desejos em socorro
Atendidos na alma com o cansaço do corpo
Na falta de um abraço recheado de calor
Numa luz ao fundo de um túnel de incertezas
No tempo que vivo sem amor

Páginas

Subscrever Contas

anadolu yakası escort

bursa escort görükle escort bayan

bursa escort görükle escort

güvenilir bahis siteleri canlı bahis siteleri kaçak iddaa siteleri kaçak iddaa kaçak bahis siteleri perabet

görükle escort bursa eskort bayanlar bursa eskort bursa vip escort bursa elit escort escort vip escort alanya escort bayan antalya escort bayan bodrum escort

alanya transfer
alanya transfer
bursa kanalizasyon açma