Consciência

Foto de Sonia Delsin

FLORESTA EM CHAMAS

FLORESTA EM CHAMAS

Deus! De meus olhos lágrimas caíam.
Tantas.
Mas incapazes de apagar o fogo que a destruía.
A floresta estava em chamas.
Não podia tirar meu pensamento da flora que se consumia.
Da fauna que o fogo arruinava.
Onde a consciência daquele incendiário estava?
Muitas vezes pode acontecer de ser acidental.
Não sei a causa. Mas do efeito isto todos nós sabemos.
Meu olhar não conseguia se desprender do fogo que ardia.
Não podia.
Era doloroso ver tanta destruição.
Me doía o coração.
Da linda floresta onde pássaros cantavam alegremente eu me lembrava e chorava...

Foto de Joaninhavoa

ISTO É AMOR?!

*
ISTO É AMOR?!
*
Não!...
*
*

A vida é um eterno sonhar
Umas vezes acordados outras vezes a dormir
E outras ainda a dormir acordados

Existem momentos de verdadeira comunhão
E sintonia, telepatia e empatia são
Testemunhos da razão das minhas mãos
nas tuas mãos

Sem conversas vazias
Classifico o grupo dos que não precisam
De protocolos absurdos e entram
Num quarto de paredes de espelhos sem pias

Uma toalha um quadro e um vaso
Minha imagem repete-se muitas vezes
E anjo vem anjo vai eu olho para o lado
Falso da questão! É como de fizesses

Amor com um anjo negro
"Não olhes para mim". É uma exigência
Uma atribulada fisgada em consciência
Debutada! Obsecada fica-se no escuro

Sem acção!

Joaninhavoa,
(helenafarias)
22 de Setembro de 2008

Foto de Serafina e Tatiana

Os Homens do nosso Tempo!

Homens…

Perdidos no tempo, agem como adolescentes…
Sem consciência ou pudor, atacam em manadas como leões
Sempre em competição feroz… Qual irá conseguir a presa mais valiosa?
O troféu!!!
Mais um na prateleira pensam… Nunca lembrando que os ditos troféus têm nome.

Mas vamos imaginar este filme, de 2ª categoria devo frisar, ao contrário…

Mulheres caçando em grupo, á procura de mais um troféu para exibir em suas paredes…

Inimaginável certo? E porque?

Não necessitamos de troféus na parede, nem de medalhas nas prateleiras…

Tudo o que fazemos, fazemo-lo por um motivo, uma razão, ou uma causa….
Ou simplesmente porque a dado momento da nossa vida tivemos vontade o fazer, logo não necessitamos de o exibir, apenas de o lembrar e sentir…

Já o Homem…

Tudo gira a volta de uma necessidade constante de afirmação, por mais que não seja a dita competição,
A necessidade voraz de se mostrar, de ser mais forte, mais ágil… melhor!

Resultado, vivemos num pais de Gigolos medíocres, verdadeiros Zezes Camarinha sem nível, que nem os pés sabem mexer e que acham que cada vez que atingem o seu objectivo, que nos vergaram a sua vontade!
Incrível não é?

O que eles não sabem e que existe uma coisinha chamada compaixão que só nos conseguimos dominar de forma a atingir os nossos objectivos e por isso sim, somos mais inteligentes e não necessariamente mais fortes!

-by Serafina Cristina Micaela dos Santos Conceição e Tatiana Micaela Dos Santos Conceição

Foto de sidcleyjr

O dia macro

Especial
O amor
O abraço
A ternura
A criação e até mesmo a maquina.
Jesus Cristo
Oh vinte e quatro horas sagradas abaixo dele.
O comprimento do Paulo
O grande Jonas e as Eths de minha vida,
Rafaela não esqueço aquela
E o sangue vez ou outra aqui.
Amo tudo que me sorrir
E compreendo os que por mim,
Ninguém é de ferro.
Talvez admire todas as estrelas
O brilho e suas condições
E o presente Murilo Mendes
Nos roteiros de minha adolescência.
Minha pura consciência de amar
E ser rejeitado pelas musas
Sou feliz por não esquecer minhas raízes
O quarto escuro
Aquela foto ainda está...
E a noite de hoje agradeço Deus
Farto e saudável.

'Macro 22-08-08

Foto de sidcleyjr

Cansei de falar das musas

Viajei para outros mundos
Viajei a procura de avanços,
Encontrei um jardim de flores coloridas
Devotei meus olhos e alma às rosas
Que assediava-me com seu perfume
E o contraste do amor.
As rosas grandes egoístas
Belas alquimistas
Dementadores de consciência
Que orvalha o sangue do poeta.
O poeta foi assassinado
E reconhecido no terceiro dia
Trás as marcas no peito e nas mãos
Quase não escreve mais
Perdeu a pura inocência de amar
Ressuscita ao perdão de suas lágrimas
Tornando-se uma lembrança
Papeis antigos,
Cravados no baú esquecido no porão.

'Macro

Foto de Carmen Lúcia

A acompanhante

(texto inspirado no conto “O enfermeiro”, de Machado de Assis, em homenagem ao centenário de sua morte.)

Lembranças me vêm à mente. Ano de 1968. Meus pais já haviam falecido e me restara apenas uma irmã, Ana.
Foi preciso parar com meus estudos, 3º ano do Magistério, para prestar serviços de babá, a fim de sobrevivência.
Morava em Queluz, cidade pequena, no estado de São Paulo, quando, ao chegar do trabalho, bastante cansada, recebi a carta de uma amiga, Beth, que morava em Caçapava, para ser acompanhante de uma senhora idosa, muito doente. A viúva Cândida. O salário era bom.
Ficaria lá por uns bons tempos, guardaria o dinheiro, só gastando no que fosse extremamente necessário.Depois, voltaria para minha cidade e poderia viver tranqüilamente, com minha irmã.
Não pensei duas vezes. Arrumei a mala, colocando nela o pouco de roupa que possuía e me despedi de Ana.
Peguei o trem de aço na estação e cheguei ao meu destino no prazo de uma hora, mais ou menos.
Lá chegando, fui ter com minha amiga Beth, que morava perto da Praça da Bandeira e estudava numa escola grande, próxima de sua casa. Ela me relatou dados mais detalhados sobre a viúva, que, não fosse pela grande dificuldade financeira que atravessava, eu teria desistido na mesma hora.
Soube que dezenas de pessoas trabalharam para ela, mas não conseguiram ficar nem uma semana, devido aos maus tratos e péssimo gênio da Sra Cândida.
Procurei refletir e atribuir tudo isso a sua saúde debilitada, devido às várias moléstias que a acometiam.
Os médicos previram-lhe pouco tempo de vida. Seu coração batia muito fraco e além disso, tinha esclerose, artrite, bicos-de-papagaio que a impossibilitavam de andar e outras afecções mais leves.
Depois de várias recomendações de paciência, espírito de caridade, solidariedade por parte de minha amiga e seus familiares, chamei um táxi e fui para a fazenda, onde morava a viúva, na estrada de Caçapava Velha.
A casa era de estilo colonial e lembrava o passado, de coronéis e escravos.
Ela me esperava, numa cadeira de rodas, na varanda enorme e mal cuidada, onde vasos de plantas sucumbiam por falta de água.
Percebi a solidão em que vivia, pois apenas uma empregada doméstica, já velha e com aspecto de cansada, a acompanhava.
Apresentei-me:-Alice de Moura, às suas ordens!Gostou de mim.Pareceu-me!
Por alguns dias vivemos um mar de rosas.Contou-me de outras acompanhantes que dormiam, não lhe davam seus remédios e que a roubavam.
Procurei tratá-la com muito carinho e ouvia atentamente suas histórias.
Porém, pouco durou essa amistosa convivência. Na segunda semana de minha estadia lá, passei a pertencer à lista de minhas precursoras.
Maltratava-me, injuriava-me, não me deixava dormir, comparando-me às outras serviçais.Procurei não me exaltar, devido a sua idade e doença.Ficaria ali por mais algum tempo. Sujeitei-me a isso pela necessidade de conseguir algum dinheiro.
Mas, a Sra Cândida, mesmo sendo totalmente dependente, não se compadecia de ninguém.Era má, sádica, comprazia-se com a humilhação e sofrimento alheios.
Já me havia atirado objetos, bengala, talheres, enfeites da casa.Alguns me feriram, mas a dor maior estava em minh’alma.Chorava, às escondidas, para não ver a satisfação esboçada em seu rosto e amargurava o dia em que pusera os pés naquela casa.
Passaram-se quatro meses.Eu estava exausta, tanto fisicamente, quanto emocionalmente.Resolvi que voltaria à Queluz.Só esperaria a próxima rabugisse dela.Foi quando, de sua cadeira de rodas, ela atirou-me fortemente a bengala, sem razão alguma, pelo simples prazer de satisfazer seu sadismo.
Então eu explodi. Revidei, com mais força ainda.Mantive-me estática, por alguns minutos, procurando equilibrar minhas fortes emoções e recuperar a razão.
Foi quando levei o maior susto de minha vida. Deparei-me com a viúva, debruçada sobre suas pernas e uma secreção leitosa escorrendo de sua boca.Estava imóvel.
Já havia visto essa cena, quando meu pai morrera de ataque cardíaco.
Aos poucos, fui chegando mais perto, até que com um esforço sobre-humano, consegui colocá-la sentada na cadeira e com o xale que havia caído ao chão, esconder o hematoma no pescoço, causado pela minha bengalada.
Pronto!Tornara-me uma assassina!Como fui capaz de tal ato?
Bem, fora uma reação repentina, em minha legítima defesa.Ou quem sabe, a morte tenha sido uma coincidência, justamente no momento em que revidei ao golpe da bengala.
Comecei a gritar e a velha empregada apareceu. Ajudou-me a levar o corpo até o quarto.Chamei Dr. Guedinho, médico da Sra Cândida e padre Monteiro, que lhe deu extrema unção.
Pelo que percebi, o médico achou que ela fora vítima de seu coração, um ataque fulminante.E eu tentei acreditar que teria sido mesmo, para aliviar a minha culpa.
Após os funerais, missa de corpo presente na igreja Matriz de São João Batista, recebi os abraços de algumas poucas pessoas que lá estavam, ouvindo os comentários:
-Agora você está livre!Cândida era uma serpente!Nem sei como agüentou tanto tempo!Você foi a única!
E, para disfarçar minha culpa, eu retrucava:
-Era por causa da doença!Que Deus a tenha!Que ela descanse em paz!
Esperei o mesmo trem que me trouxera à Caçapava e embarquei para minha cidade.Aquelas últimas cenas não saíam de minha mente. Perseguiam-me dia e noite.
Os dias foram se passando e o sentimento de culpa aumentando.
-Uma carta para você!gritara minha irmã.-E é de Caçapava!
Senti um calafrio dos pés à cabeça. Peguei a carta e fui lê-la trancada em meu quarto.
Que ironia do destino!Eu era a herdeira universal da fortuna da viúva Cândida!Logo eu, que lhe antecipara a morte.Ou teria sido coincidência?
Pensei em recusar, mas esse fato poderia levantar suspeita.
Voltei para Caçapava e fui ter com o tabelião, que leu para mim o testamento, longo e cansativo.
Realmente, era eu, Alice de Moura, a única herdeira.Após cumprir algumas obrigações do inventário, tomei posse da herança, à qual já havia traçado um destino.
Doaria a instituições de caridade, às igrejas, aos pobres e assim iria me livrando, aos poucos, do fardo que pesava em minha consciência.
Cheguei a doar um pouco do dinheiro, mas, comecei a não me achar tão culpada assim e passei a usá-lo em meu benefício próprio. Enfim, coincidência ou não, a velha iria morrer logo mesmo e quem sabe se era naquele momento.
Ainda tive um último gesto de compaixão à morta:Mandei fazer-lhe uma sepultura de mármore, digna de uma pessoa do bem.
Peço a quem ler essa história, que após a minha morte, que é inevitável para todos, deixem incrustada em meu epitáfio, essa emenda que fiz, no sermão da montanha:
_”Bem aventurados os herdeiros universais, pois eles serão respeitados e consolados!”

(Carmen Lúcia)

Foto de vera cristina

" Perder um grande Amor "

" Perder um grande Amor "

Triste é querer ter algo
Algo que poderá ser impossivel
Amar e ser ou não ser amada
Uma das duas poderá se tornar realidade
Claro que, podendo escolher a primeira seria inevitável
Assim sendo, estupendo!
Amar é algo inexplicável,
É um sentimento que só quem ama pode avaliar
O que uma palavra tão pequena pode aumentar
Sim porque amar começa por querer
E acaba por viciar
É um sentimento nobre
Que por vezes se pode tornar cruel
Se amar se identifica com dedicação, com amizade,
Com orgulho, solidariedade, perdão e compreensão
Logo, quem ama vive para tudo isto
E morre para a solidão
Então porque é que eu amando
E tendo tudo isto para ser feliz
Sofro, porque o mundo se encarrega de me fazer infeliz
Porquê tantas barreiras? Porquê?
Estar longe de quem mais amo
E ao mesmo tempo conseguir senti-lo tão perto do meu coração
É injusto passar dias e noites a sonhar
Com o dia do seu regresso
E ao mesmo tempo da sua nova partida
De certa forma , mesmo sabendo que ele é meu
Sinto com muita tristeza
A dor que o meu coração atinge ao imaginar
A possibilidade de um dia o meu grande amor poder perder
E o que mais me dói é ter plena consciência
Que estar longe de quem amo é algo
Que jámais poderei evitar
Assim todos os dias me mentalizo
Que juntos ou separados o amor há-de ganhar
Mas convêm acrescentar
Que se assim não acontecesse
E o meu amor eu pudesse perder
Então tenho a certeza que acabaria por morrer
Pois é dificil para quem tem um grande amor
A essa dor sobreviver

Escrito por mim Vera Cruz

Foto de Rozeli Mesquita - Sensualle

Invada-me

*
*
*
*
O ninho do teu corpo
És meu bem, és meu mal
Consciência ,desatino,
Loucura e invasão
Alegria e encanto
Arroubos de paixão
Entra no meu corpo
Usa minhas pernas
Faça o que queres
Não silencie
Explode, grite, geme
Me tente
Acompanha o meu passo
Sinta meu cansaço
Encoste meu peito no seu
Me conheça
Liberta e provoca alvoroço
Me morda no pescoço, me olhe no rosto
Prove meu gosto
Acalme meu desejo

Foto de Sonia Delsin

ENCERRADO UM CICLO

ENCERRADO UM CICLO

Um dia nós conversávamos.
Em nosso jardim sentados nós conversávamos.
Tu me disseste.
A vida é feita de ciclos e um está se fechando.
Eu não podia entender e fiquei chorando.
Eu chorava tanto.
Me punha em pranto.
Não conseguia entender porque isto precisava acontecer.
Se eu te amava e acreditava que tu também me amavas.
Tudo estava sendo preparado para nossa separação.
Tudo estava sendo ajeitado.
E eu não queria aceitar.
Queria consertar.
O que já tinha não conserto.
Sempre acreditei que em tudo se dá um jeito.
Foi uma das nossas últimas conversas aquela e me ficou tudo gravado.
Teu jeito de me olhar.
Era um olhar pesado.
A noite escura. A rede no canto.
Nós sentados conversando.
Tem horas que me pego pensando.
Por que as pessoas se conhecem... se apaixonam... se casam, vivem juntas anos e anos e se separam?
Por que dois seres apaixonados se tornam dois estranhos?
Coisas da vida.
Sei que está encerrado um ciclo. Tenho plena consciência disso.
Mas tem horas que fico refletindo.
É do ser humano pensar, lembrar.
E aquela noite nunca vai se apagar.
Estávamos nos despedindo.
Eu te via indo.
E queria segurar.
Queria segurar o tempo que arrasta tudo como uma grande enxurrada.
Penso.
Não resta nada?

Foto de Carmen Lúcia

A bela cigana

“A bela cigana”

texto inspirado no conto de Machado de Assis: "A cartomante"
(Homenagem ao centenário da morte de Machado de Assis)

O velho relógio da matriz acabava de ribombar a nona badalada, que pairava no ar, feito fundo sonoro e enigmático da história empolgante que acontecia.
Passos apressados se fizeram ouvir, como os de alguém que ansiava chegar rapidamente ao destino a que se dirigia. Pelo toc-toc dos sapatos percebia-se serem de salto alto e consequentemente, de mulher.
Parou por uns instantes numa esquina, como que a espreitar, sem se fazer notar, ao ouvir o barulho de um trem. Esperou nervosamente sua passagem e atravessou a linha. Seus passos agora eram mais rápidos, como se quisesse recuperar o tempo perdido.
Seguiu pela Rua do Porto, tortuosa, escura e esburacada. Aquela noite sem luar estava
propícia para o que se propusera a fazer. Uma grande aliada! Após atravessar algumas esquinas úmidas e sombrias, chegou ao local que lhe haviam, sigilosamente, indicado.
Não era bem uma casa, mas algo parecido.Deparou-se frente a um barracão bastante surrado, meio fantasmagórico, mal iluminado por velas e lampiões.
Ficou assustada.Pensou em voltar, desistir de seu intuito, mas o motivo que a levara até ali era muito forte e resolveu continuar.
Olhou para os lados para certificar-se de não haver ninguém por perto e começou a bater palmas.
Uma figura excêntrica, trajando roupas exóticas e coloridas surgiu silenciosamente feito uma aparição. Escondia o rosto num véu, lembrando dançarina do Oriente Médio, deixando à mostra um par de olhos negros, grandes, belíssimos e um ventre bem torneado.
- Boa noite!disse-lhe Lígia.
A cigana fez um leve movimento com a cabeça, cumprimentando-a e estendeu o braço, apontando-lhe o local a que deveria se dirigir.
Ambas sentaram-se nas almofadas que havia ao redor de uma mesinha onde a misteriosa mulher, à luz de velas, começou a colocar cartas de um baralho sinistro, pedindo que Lígia escolhesse algumas. E assim ela o fez, sem tirar os olhos da bela cigana, agora sem o véu.
De repente, viu um largo sorriso em seus lábios, revelando dentes muito alvos e um canino revestido de ouro.
-Vejo imensa luz em seu destino!Seus sonhos serão realizados!Nada a afastará de seu grande amor.Somente a morte, após terem vivido longos anos de felicidade.
Em seguida, pegou a mão esquerda de Lígia :-Essa linha mais comprida da palma de sua mão vem comprovar o que lhe disse.
Lígia sentiu-se muito feliz e um alívio tomara conta de seu coração.Pagou a mulher, que já aguardava o pagamento pelo seu trabalho e retirou-se dali.
Eram vinte e três horas quando chegou à Avenida Coronel Alcântara, onde residia.Não ficava distante do local de onde viera.
Tirou as roupas, os sapatos, vestiu uma camisola branca e deitou-se, sem qualquer ruído, ao lado de Álvaro, seu marido, que roncava, dormindo profundamente.Apagou a luz do abajur e adormeceu logo em seguida, satisfeita com o que ouvira naquelas últimas horas.
Cássio a esperava no lugar de sempre, sem muito movimento de veículos e transeuntes.Final da Rua Vinte e Oito, local ideal para encontros clandestinos.Olhava seu relógio, pois, já passava das vinte horas, horário combinado por eles.

Lígia apontara na esquina, mais bonita que nunca, com um insinuante vestido preto colado ao corpo, ornamentado por um generoso decote, mostrando seu colo macio e branco e uma boa parte de seus seios.Deixava no ar um rastro de perfume francês.
Cássio a olhou com olhos de admiração e desejo.Saiu do carro e abriu a porta para que ela entrasse.
Partiram para um lugar retirado, onde pudessem conversar e namorar tranquilamente.
-Nada irá se opor a nós!As palavras da cigana foram convincentes.Seu misticismo é contundente.Não há como descrer.
Ele riu da credulidade infantil da amante, mas não proferiu qualquer palavra sobre o assunto.Preferia-a assim, crédula e feliz.
Cássio havia sido chamado ao gabinete de seu chefe. Esperava o elevador que demorou um bom tempo para chegar.Bateu à porta levemente e ouviu:-Pode entrar!
Álvaro girou sua poltrona e ficou frente a frente com seu assessor.Fumava um charuto cubano e fazia questão de soltar a fumaça em direção ao seu subalterno.
Este ficou um tanto constrangido, pois notou algo de diferente no ar. Pensou:-Será que ele descobriu tudo?
-Preciso resolver um problema da empresa, em São Paulo, e pela confiança inabalável que tenho em você, pela sua inegável competência, quero pedir-lhe que vá em meu lugar, pois tenho outros assuntos pendentes a resolver .
Deu uma pausa no falar para acender outro charuto.
Cássio jamais negaria esse pedido ao seu chefe e amigo, ainda mais pela consciência pesada que trazia, decorrente da traição amorosa com sua mulher.
-Conte comigo, Álvaro!Amanhã mesmo tentarei resolver isso.
Sentiu-se livre do mau presságio que o invadira.
Combinaram o horário da viagem, despediram-se e Cássio voltou para sua sala.
Lígia atendeu o telefone que tocava insistentemente.
-Olá, querida!Que tal irmos para São Paulo e termos uma semana somente para nós?
Do outro lado da linha, uma mulher pálida e trêmula, não sabia se chorava ou ria.
Ele a tranquilizou e até sugeriu uma desculpa ao marido.Ela diria que precisava visitar uma amiga de infância, em fase terminal de câncer, na cidade de Resende.
Bem, parecia que tudo conspirava a favor para que os amantes ficassem juntos por mais tempo e se amassem muito.
Poucas horas antes da viagem, Lígia fez um pedido ao Cássio:-Gostaria de agradecer à cigana por essa felicidade, que em grande parte, ela nos proporcionou, já que eu andava tão angustiada, acreditando numa possível desconfiança de meu marido.
Cássio colocou alguns obstáculos nessa idéia da amante, mas, se era para deixá-la mais feliz, concordou.
As horas passavam e Lígia não chegava. Preocupado, resolveu ir até lá. Já era noite e um chuvisco embaçava o vidro do carro, deixando-o impaciente. Parou próximo à linha do trem, para esperá-lo passar. Era um cargueiro que parecia não ter fim.
Finalmente, linha desimpedida! Acelerou o carro e chegou em frente ao barracão que sabia muito bem onde se localizava, graças às informações de Lígia.
Bateu palmas e ninguém apareceu. As velas acesas piscavam e os lampiões estavam apagados.
Resolveu entrar, na surdina. Pé ante pé...A cena que viu jamais sairia de sua mente. Abraçados sobre as almofadas, a bela cigana e Álvaro...e mais adiante, numa poça de sangue, o corpo sem vida de seu grande amor...Lígia!

(Carmen Lúcia)

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