Chumbo

Foto de cafezambeze

CARTAS COM ESTÓRIAS DE ÁFRICA (II/VII) (FEIJÃO MACACO)

Belém, 31/01/2006

RECARREGANDO CARTUCHOS E MAIS...

Uma coisa que gostávamos de fazer era caçar. Uma das poucas opções para passarmos o tempo nas férias. Mas munição custava dinheiro, que era algo que não tínhamos, e armas, nossos pais raramente as punham nas nossas mãos, senão na companhia deles.

O Aguiar, a quem já me referi, nos ofereceu usar a caçadeira do pai, mas... e cartuchos?

Descobrimos que o nosso vizinho, o sr Roque que nem arma tinha, possuia uma caixa com pólvora, chumbo, espoletas, enfim, os apetrechos necessários para a recarga.

Para quem não sabe, e nós não sabiamos, em cada carga, tanto a pólvora como o chumbo têm que ser pesados, e no caso da pólvora o peso varia também conforme o tipo.

Bem, pusemos a mão no material e resolvemos recarregar cartuchos usados.
Para medir a pólvora fomos cortando um cartucho até a encontrarmos. Essa seria a medida.

Cartucho com espoleta nova, enchíamos a medida com pólvora, umas vezes rasa, outras formando um montinho acima da medida (era tão pouco), outras comprimindo-a com o dedo, e lá vai a carga para dentro do cartucho. Uma bucha feita com jornal, cada uma com o seu tamanho, e o resto do espaço livre cheio de chumbo.

Com um saco cheio de cartuchos, chegamos à farm do Aguiar e fomos recebidos também pelo funcionário que na outra estória tinha dado o grito de aviso: cobra! cobra! Lembras? Ele tinha virado fã do teu pai e veio-nos mostrar o seu arco que era uma obra de arte de perfeição de acabamento e, certamente, ganharia de qualquer coisa industrializada. Me lembro que só tinha uma flecha. Se acertasse algo e o animal não caísse, ficava na pista dele o tempo que fosse preciso.

O teu pai pegou no arco e na flecha e começou a mirar uma pequena tabua de uns 20 x 40cm que estava encostada nuns bambus a uns 50 metros. Ele nunca tinha atirado com arco e pensei que ele só estava testando o arco...Que nada! A flecha partiu e foi cravar-se no centro da tabua.
Chiii!!!! Chiiii!!! Tem cuche-cuche! ponta maning! gritava o moço. Chi é uma esclamação de admiração, cuche-cuche é a palavra para feitiço, ponta é pontaria e maning era usada como muito/muita com concanetação de máximo.
Sorte de novato! Tentamos que ele repetisse a façanha, mas ele não caiu na armadilha.

Quando pegamos a caçadeira do pai do Aguiar, olhamos de esguelha um para o outro, pois o estado da arma era lastimável. Desengonçada, cheia de folgas, com vários pontos de ferrugem e com cara de quem nunca tinha visto um óleo na vida.
Mas tinhamos de experimentar os cartuchos. Tinhamos tido um trabalho danado e eles estavam tão bonitinhos...

O Aguiar, que ficou com medo de cobras, pegou o trator da farm.
Nos encavalitamos nele e lá fomos nós.

O primeiro tiro foi tão forte que a espingarda e o teu pai rodaram com o coice.
A espingarda ficou inteira?... Vamos continuar. Umas vezes o chumbo caía a poucos metros do cano, outras havia um coice violento, mas não havia estampido. Só um vuuummmm, como uma bazuca. Também sairam tiros normais. Me lembro de uma perdiz que o teu pai enchofrou e de que não se aproveitou nada tal a violência do tiro.
A espingarda do Aguiar não era tão má assim. Devolvemos ela inteira.

Montados no trator, a corta mato, acabamos inadvertidamente por passar numa moita cheia de feijão macaco. Porquê feijão macaco?
É uma vagem parecida com um feijão, mas coberta por uma penugem dourada muito bonita. Só que a penugem dourada, ao menor toque se solta, e provoca uma coceira danada. As rodas do trator levantaram uma nuvem que nos cobriu.
Não tinha parte do corpo que não coçasse. Quando chegamos à farm, já com o corpo vermelho de tanto coçar, corremos para tomar banho. Piorou! A mãe do Aguiar apareceu com uma pomada de não sei o quê. Nada adiantou. Nossa sorte foi um moleque que trabalhava na casa e que não parava de rir da gente. O Aguiar o ameaçava com porrada se ele não parasse com a gozação, mas ele ainda ria mais e emitava um macaco se coçando. Por fim, ele se compadeceu de nós e nos levou para o quintal onde nos deu um banho de terra.
Isso mesmo! A terra esfregada no corpo removia a penugem dourada...

Tãooo Bonitinhaaaa!

Foto de P.H.Rodrigues

Novo Dia

Naquele dia, o sol se pôs com um novo gosto,
o Amarelo não era mais o brilho do ouro,
e nem o Cinza a cor do chumbo.

Naquela noite, as estrelas brilharam mais fortes,
o caminho não era mais uma estrada,
Assim como o céu era mais do que azul.

Na manhã seguinte, a Lua não se foi por completa.
E sua janela, não estava mais fechada, estava aberta.
Os sonhos não eram mais sonhados, eram vividos.
E a coragem, e não o medo, estava ao seu lado.

A aventura era sua nova amiga.
E o horizonte o seu objetivo.
Sua maior arma era um sorriso,
que carregava em baixo de seus olhos, tão vivos.

Foto de Arnault L. D.

Anjo de chumbo

Desisto! Não quero mais viver...
Estou esgotado; nada à frente
que dias piores; o mundo venceu.
Meus sonhos, mentiras, que eu fui crer.
Meu sentir, errado..., demente...
O amor não existe. Não vem... Só eu...

Morte, me atende, vem se aninhar...
Em um anjo de chumbo, perdido,
pouse em meu peito e o faça leito,
crave ao coração e o faça parar.
Torne o corpo também falecido,
a sangrar num choro o todo feito...

Não pertenço a nada, ninguém, lugar...
Desterrado de mim, exílio em tudo;
quero um sonho: Dormir e não acordar...
Sem alarde, ou notar, ou fazer faltar,
Logo esquecer, e enfim nada; mudo.
Quero um anjo perdido encontrar.

Nada mais espero... tão cansado...
não peço revanche, chance alguma...
e nem mais tempo... é tudo ilusão.
Sinto-me morto, torne acabado,
busca de vez o resto e consuma.
Não quero mais viver... sem razão..

Foto de pttuii

Menina perfeita à chuva V

Rolou na cama de sonhos que lhe compraram como presente de nascimento, e apanhou as letras. Era um dilúvio. Pressão craniana que o mundo trouxe, simplesmente num fechar de olhos. O ‘A’ deu-lhe segurança. Pintou Zês nos céus de chumbo lacrado a sangue. E o ‘R’ de revancha. Tornou-a mulher de somenos importância, e menina aberta ao conhecimento. Lembrou-se de Deus, servido numa bandeja de fruta em casa do barão do sétimo céu. Provou o pó que lava a cara da mãe que perdeu o filho esganado em fome.
E juntou os gemidos da palavra amor.
Escorria chuva fétida. Gotas que cheiravam a peixe, podre, e indecorosamente livre da palavra humanidade. Se somos o que pintamos, nunca poderemos ser o que lamentamos. E então levantou ossos. Deixou a alma no chão, onde pensou que tinha perdido a virgindade do sofrer. Mas levou o corpo. O sol reinava, algures ao fundo de um céu octógono. Menina frustrada, à chuva de amo-tes que sabia existir. Mas que nunca havia encontrado.
(continua)

Foto de pttuii

Menina perfeita à chuva II

Bastava só que acreditasse em mundos paralelos. Rapaz de pó, vezes entrega total, igual a amor. Paixão de povo lutador. Mulher que entrega. Homem que aproveita. Mulher que dá. Homem que explora.
Simples amor de dois corações em equação fatal. Menina que sorria, e o sol voltava. Desapertava o edredon de chumbo que o céu cinzento usava para se tapar e, a custo, vinha acariciar-lhe um rosto incapaz de suster cascatas de lágrimas. O pior são as dores de hesitação. Menina perfeita que tratava por tu o dedo indicador de Deus. Acatava ordens hermenêuticas. Acreditava que a vida tem de ser pior, para um dia, um longínquo dia, consiga finalmente ser melhor. E o vento percebeu. Entrou-lhe pelo coração dentro, rasgou a frágil barreira de seda que ela própria tinha tecido como segurança, e traiu-a. O azar bafejou. Soprou. Enrolou a língua, e arremessou a tristeza. O rapaz de pó desfez-se, no meio de dois trinados de pardal moribundo. Ela não chorou. Apenas emudeceu. O dia acabou, deitou-se na cama de lamentos que o acolhe há séculos, e a noite saiu para caçar. Menina sentada em cadeira de pau podre, com vestido de cambraia imóvel.
(continua)

Foto de Paulo Gondim

Um ciclo se fecha

UM CICLO SE FECHA
Paulo Gondim
26/01/2009

O arco-íris escondeu-se por trás da serra
E levou consigo o pote de ouro desejado
E nuvens de chumbo turbaram o céu
Que de muito escuro se fez feio e calado

Sinto que um ciclo começa a se fechar
Do que se fez, a contar, pouco resta
Poucas lembranças, de fraca memória
Já se avizinha, cá, o final da festa

E aquele arco-íris de cores vivas
Já não brilha tanto desta vez
Já não esconde o pote, nem o ouro
Perdeu-se na noite em sua palidez

E o que fazer do tempo que resta?
Juntar os pedaços, remendar feridas?
Recolher as vísceras decompostas
Das ilusões que há muito são perdidas

E o ciclo se fecha. Frio, impiedoso, lento...
Um fio de tempo inda corre em minhas veias
Levando o sangue podre do desprezo
Vampiros que me assustam em luas cheias

As amarras se soltam. O trem do destino apita
Faz-se breve a indesejada hora da partida
Embarcarei nele, como sempre, só
E que apague a luz, o último, na saída

Foto de Joaninhavoa

Balas de chumbo

*
Balas de chumbo
*

Tantos animais por aí! Porcos e cordeiros
Patos e pombas galinhas e galos
coelhos e javalis
Mas o que é que eu fiz
Pr`a ter de ouvir os terríveis gritos
das vacas que andam por aí! Quando estão
a ser espremidas em vales de azeitão
E as perdizes voam de mão em mão
Com tanto chumbo em vão.

Joaninhavoa
30 de Dezembro de 2008

Foto de pttuii

Desenho

A chuva caía incessantemente, desenhando círculos concêntricos na calçada de granito. O petróleo nos lampiões teimava em arder, dando uma luz baça à rua dos sonhos perdidos. A maledicência humana feita gente tombou, nua, no frio da madrugada outonal. Um buraco no céu cor de chumbo abriu-se, e direccionou-a para onde sempre quis estar.
Entre o previsível anoitecer das almas conformadas.
Ao erguer-se, deixou transparecer uma inapta e longa cabeleira ruiva, que assentava irregularmente em ombros magros e fracos. Limpou a poeira da solidão que lhe cobria os olhos, e rodou o pescoço até onde a anatomia o permitiu. Era um espaço deserto o que se preparava para conquistar.
O vento trombetava o hino da vitória, e as luzes trémulas da parca iluminação pública deram-lhe o embalo que precisou para a procura da capitulação.
Ao primeiro passo confiante, seguiu-se um segundo desconfiado. A terceira etapa da rota do sucesso, foi ferida com a machadada da incerteza.
Um corpo desceu de uma escadaria íngreme e derrotada da batalha com o tempo.
Abstraído de vestes, soluçava rezas incompreensíveis que ganhavam estridência, compassadas com o ritmo da chuva que caía, decidida a empalidecer o céu de chumbo.
"Chamo-me vida, e derrotei a minha própria essência nesta rua de sonhos perdidos"
Feminina por aproximação, desapareceu em vãos passos de medo. O caminho ficou aberto, e alguém desenhou o armísticio do rápido impulso bélico que mudou o destino do mundo.
Acho que já me posso apresentar. Alguém escreveu a palavra cobardia no documento que atestou o meu nascimento, e é meu o desenho que apreciam. Estive lá naquela noite de armagedão silencioso, e sobrevivi para contar que o homem não é quem diz ser. Julguem-no antes por aquilo que conseguem ler nas suas costas.

Foto de Sonia Delsin

TALVEZ ALGUM DIA

TALVEZ ALGUM DIA

Talvez algum dia a gente se encontre.
Nas asas de algum vento.
Talvez possamos conversar.
Sem lembrar o sofrimento.

Talvez eu desabe no teu ombro.
Como chumbo derretido.
Talvez me dês ouvido.

Não pra chorar coisas antigas.
Mas pra falar do agora.
Sentindo que podes me ouvir
talvez eu possa mostrar como está sendo o meu existir.

Talvez eu nem me deite no teu regaço.
Nem te mostre o meu cansaço.
Talvez eu simplesmente te ofereça meu abraço.

Talvez um dia esta roda estranha que é a vida resolva voltar atrás.
Talvez possamos conversar em paz.
Sob um céu estrelado.
Sob um ocaso dourado.

O que eu mais queria te falar é que já perdoei o passado.

Foto de pttuii

Poemas vingativos nunca venderei

Vendo poemas que não indiciem atrocidades comuns.
Negoceio com base no acompanhamento espiritual de um xamã, doutorado em mistérios ininterruptos.
Dos seres inquisitórios, que comem aparições de santas redentoras ao pequeno almoço, e acompanham com uma meia de leite.
Servindo uma causa, um equilíbrio precário, vendo poemas que não prestam. Sonhos remelosos, em que crianças anafadas, soberbas redomas de culpabilização de casais de meia idade, morrem. Sentadas em secretárias acinzentadas de uma escola de interior, revezam-se com o colega do lado na procura por um amanhã de sonhos cumpridos. E, de repente, tombam. O colesterol poderá escorrer pelos pavilhões auriculares, dependendo do jantar do dia anterior.
Pegar em livros de cheques, e eu vendo um poema. Prometo acompanhamento em versos de chumbo. Metáforas oleosas, seborreicas mesmo. Cliente,....deixe a folha ao sol, e no ângulo certo, sentirá a melanina pronta a invadi-lo em ondas de prazer inefável.
Talvez, um dia, venda poemas de esperança. Aforismos preparam-me para composições evolutivas. No primor de um amor que não desilude, e que termina num miradouro, a contemplar um pôr do sol vermelho, que comeu feijoada de ozono ao almoço.
Agora nunca. Jamais. Em tempo algum me verão a vender poemas que o homem pode considerar vingativos. Recorrer a neurónios que dormem mais de 23 horas por dia para, num carrossel de minutos, dar mostras de personalidade doentia. Recorrer a imposições de um bom gosto duvidoso, para espezinhar conceitos. Pessoas mal formadas. Situações que o tempo se enganou a produzir.
Considerarei, Deus assim mo permita, vender poemas de lua rabujenta. Injuriar daquelas senhoras que fazem amor com o treinador de golfe, e depois masculinizam maridos que chupam havanos como se ornamentos fálicos fossem,...isso sim.
Mas poemas vingativos. Nunca venderei.

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