Chão

Foto de Marta Peres

Farrapos do Coração

Vestindo o que restou dos farrapos,
farrapos de mim do meu coração,
estraçalhado pela dor
vou brincando e tentando sorrir
deste sofrer atroz que aniquila
a alma e me deixa sem chão.

Não sei se consigo pois vivo
ao léu tentando apanhar
o pouco que restou nas franjas dos
ventos, sofro, morro aos poucos...

Já não há mais a esperança no amanhã
pois só tenho noite e nem mais o crepúsculo
ou a força d'aurora me é permitido,
meu céu não tem estrelas
e nem esperança no coração.

Marta Peres

Foto de Marta Peres

Namorados

Ai como é gostoso
Andar de braços dados,
Um ao lado do outro
Assim juntinhos!

Ai como é gostoso
Entrelaçar as mãos
Num enlevo doce
De dois corações!

Andar, seguir um caminho,
Nós dois juntinhos
Pisando flores
No mais feliz dos caminhos!

Vamos juntando gravetos de sonhos,
Construindo nosso lar
Como ninho de passarinhos
Vivendo com pés no chão, nossa bela ilusão.

Ah! Namorados, eternamente
Viver assim, céu azul, sorrisos, beijos
E carinhos
Pela vida sonhar de braços dados!
Marta Peres

Foto de Marta Peres

Saudades

Já não vou mais visitar-te o jazigo,
Lá me acho triste...sem chão
Quando contemplo a cruz, antiga sentinela
Erguida ao lado de uma goiabeira
Que ali nasceu.

Prefiro não ir,
Busco a memória e vejo-te comigo
Sorriso meigo, calmo, amigo,
Eras tão bela!

Vejo-te em sonhos
Sob o verde de aquarela
E teu sorriso me cala o coração,
Estás linda nesta minha visão!

Recordo do dia que tu partiste!
Já sabias que a hora chegava
E querias teus amados do lado
Nem todos vistes em vida!

Mas mesmo assim Mãe, tu fostes
Pois era vencido o tempo,
Hoje nas Moradas Celestes tu vives
A espera dos teus amores.

Venho falar-te, em prece enternecida
Do amor imenso que a ti tenho,
Não me deste a vida, ensinaste-me a vivê-la
E caminhar só, por mim mesma.

Sinto a tua falta!
Sinto saudades Mãe, dos teus carinhos
E de tuas mãos no meu rosto
Do afago suave e sincero de Mãe.
Marta Peres

Foto de neiaxitah

Um Dia para Sempre

Quem sou? Uma louca? Ando de um lado para o outro sem nada a fazer, sem nada perceber…
Só me lembro daquele horrível dia… o dia em que te vi morrer… morrer aos poucos, ouvir as tuas palavras de socorro, e eu pouco podia fazer.
Sim, lembro-me como se fosse hoje!
Era fim da tarde, e tu ias-me levar a casa, ia-mos com aquele olhar que só nós tínhamos, que só tu conseguias provocar, e aquele sorriso único que só tu fazias que eu tivesse.
Sim, lembro-me de tudo, o tempo estava muito estranho nesse dia, e tu tudo fazias para que eu estivesse bem, sorrias e dizias que tudo farias para me ver sempre assim, com aquele brilho que só tu conseguias fazer nascer em mim.
Estava tudo bem, bem até me pedires para ir para casa só, sem ti… coisa que nunca farias…

Disses-te que ias ter com uns amigos, os mesmos que nos estavam a seguir até então. Estranhei, mas quando me fizeste prometer que não voltaria para traz por nada e que acontecesse o que acontecesse para nunca te esquecer, ai temi. Temi por ti, e por mim…
Sim foi a resposta que te dei, embora não concordasse com ela.
Deste-me um beijo, o ultimo beijo. Estavas sério, mas mesmo assim sorris-te apenas para me acalmar. Não consegui dizer nada, virei costas e comecei a andar, mas sempre muito atenta; os homens que nos tinham seguido tinham parado.
O meu coração batia depressa demais para pensar, deixei de ter controlo em mim, e quando virei a rua, só me lembro que o meu coração parou de bater; a rua estava deserta, e o teu grito ecoou por todo o lado, mas mesmo assim parecia que só eu o tinha ouvido.
Inevitavelmente os meus pés deram a volta, o meu corpo transpirava de medo e ansiedade.
Quando te vi, tudo em mim parou, deixei de ver tudo o resto, deixei de respirar até. Não senti o vento na minha cara, nem o meu cabelo a esvoaçar. O tempo parara quando te vi deitado no chão a jorrar sangue do corpo e aqueles homens com facas ensanguentadas do teu sangue. Tudo isto se passou numa fracção de segundo, pois logo depois o meu corpo, o meu ódio e a raiva respondiam por si. Gritei o mais que pude a pedir ajuda enquanto podia e atirei-me para cima do homem que te tentava novamente apunhalar.
No mesmo instante agarrei numa pedra e atirei-a a um outro homem que se aproximava de ti. Ele caiu no chão e não se mexeu mais. Os outros fugiram.
Estava finalmente a voltar a mim quando já estava a rua cheia de gente, já tinham chamado a ambulância que nos levou para o hospital. Incrivelmente ainda estavas vivo, mesmo depois de todo o sangue que perderas. Fui contigo na ambulância, nunca mais te ia deixar.
Mal chegamos ao hospital levaram-te para seres operado, e eu só queria chorar, mas as lágrimas estavam secas… como é normal perguntaram-me o que tinha acontecido e eu pouco consegui contar. E ainda faltava contar aos teus pais, mas só eu o podia fazer, por isso liguei-lhes. A voz deles mudou, a tua mãe chorou, desligou, e logo depois já estava comigo, e trazia com ela o teu pai, e os meus pais. Desesperei, a voz falhou, não consegui falar, imaginar tudo de novo era duro de mais. Para a minha salvação a médica explicou o que eu já tinha dito e assim eu não tive de falar. Quando a médica acabou de contar, vieram todos ter comigo, abraçaram-me e eu gritei, gritei e fugi…
Não queria sentir pena, eu é que afinal não estava lá contigo para te ajudar, queria trocar de lugar contigo, jamais me perdoaria se não sobrevivesses. Foram 5 horas nem mais nem menos, foi esse o tempo que estiveste no bloco operatório. Quando foste para o teu quarto ainda dormias, mas eu estive sempre lá contigo, e quando acordas-te eu estava lá, adormecida a teu lado, deste-me a mão, e chamas-te por mim.
A tua mãe que tinha ido apenas comer algo quando chegou e te viu acordado chamou-te e foi a voz dela que me acordou. Não podias falar, estavas muito fraco, no entanto notava-se que estavas melhor. O medico entrou no quarto e disse-nos que te ia examinar para ver como estavas e que por isso nós teríamos de sair. A tua mãe agarrou a tua mão, e depois largando-a ia recuando até à saída. Eu ia fazer o mesmo, mas tu não deixaste, voltei à tua beira, dei um beijo na tua face, sorri enquanto te olhava nos olhos... como sempre fazíamos para dizer que ia correr tudo bem. O teu olhar acalmou e eu vim embora… não sei o que se passou depois, visto que desmaiei por fraqueza e perda de sangue por ter sido também ferida quando me atirei para cima de um dos homens que te tinham posto assim. Quando acordei, estava tudo a minha volta. Vi o medo na cara de cada um deles. Preocupei-me. Levantei-me e embora fraca e tonta caminhei aos “Ss” pelos corredores até ao teu quarto. Ninguém me impediu. Sabiam que não valia a pena. Quando cheguei perto de ti tu estavas rodeado por toda a tua família, avos, tios, primos…
Finalmente as lágrimas ganharam vida e caíram face abaixo. Estavas em coma. O mundo caiu-me aos pés e nada o poderia levantar senão tu mesmo. Toda a tua família, excepto os teus pais, me culpou do teu estado. Fui por isso proibida a visitar-te. Toda a minha vida estava perdida, e eu estava morta, viva no vazio. Nada fazia realmente sentido, e a culpa era realmente minha, não tinha de te ter deixado.
Já estavas à 3 dias em coma quando me ligaram a dizer para ir ao hospital com urgência.
Eram 2 horas da manhã, mas nem isso me impediu, pedi aos meus pais e eles logo me levaram.
Quando cheguei corri para o teu quarto, passei por toda a gente e ouvi-te gritar o meu nome.
Agarrei a tua mão e tu acalmaste. Mais ninguém se atreveu a falar. Tu acordaras do coma a gritar o meu nome.
Adormeci a teu lado, não sai a tua beira até voltares a acordar.
Dormis-te imenso e por fim acordaste. Agarrei-te, não deu como não o evitar.
Chorei tudo o que até então não tinha chorado, e tu silenciaste-me e disseste que tudo estava como deveria estar, e acrescentas-te que voltavas a fazer o mesmo. Todos os que te ouviram choraram. Pediram para te deixar porque tais emoções te faziam mal. Tive medo de te voltar a largar, mas percebi a tua situação e achei por bem afastar-me.
Passaram-se mais 2 dias e eu não te pude ir ver, estive no tribunal para que os homens que eu feri depois de te esfaquearem fossem presos. Tudo correu bem. Passei por tudo mais duas vezes, mas voltava a repetir toda a história desde que eles fossem presos.
No sexto dia, desde que tinhas dado entrada no hospital, quando te fui ver, não me deixaram. Estava tudo a chorar, os teus avós rogavam-me pragas, e os meus pais tentavam levar-me para casa. Não percebi o que se passava, mas era algo muito mau, mas acabei por não conseguir resistir aos meus pais e fui para casa.
No dia seguinte o advogado da tua família quis falar comigo. Mais ninguém teve coragem para me falar.
O advogado disse-me que tinhas morrido, e sem esperar muito acrescentou que as tuas ultimas palavras tinham sido “amo-te” e logo depois o meu nome. Cai de joelhos, e bati com toda a minha força com os punhos no chão. A dor era tanta e o meu corpo já não respondia. Cada esperança ou recordação estavam a ser apagadas. Já não havia nada a fazer, e antes que eu me perdesse mais ainda, o advogado entregou-me três cartas. Disse que as tinhas escrito nos dias em que eu estive no tribunal. Não as abri. Em vez disso levei-as para junto dos teus familiares, e visto que os teus pais eram os únicos que me conheciam e me apoiavam, dei-lhes as cartas para eles as lerem para toda a gente. Foi a tua mãe que leu a primeira carta. Era um texto pessoal, mas mesmo assim toda a gente ouviu. Dizia o quanto gostavas de mim e que nunca mo tinhas dito por não quereres estragar a nossa amizade… contava histórias, momentos nossos, aquelas brincadeiras boas e más. Dizia também que eu tinha sido toda a tua vida e que se morresses não fazia mal porque sabias que eu viveria pelos dois, mas se fosse ao contrário, e morresse eu, tu não aguentarias e morrerias também. Toda a gente da sala limpava e escondia as lágrimas que ocasionalmente caíam face abaixo. Eu não chorei, queria chorar, mas não consegui.
A segunda carta foi bastante “chocante”. Disseste que todos os teus valores eram para mim. Porque? Tudo era para mim porque não gostavas da maneira da tua família tratar o dinheiro. Eles ficaram fulos e tu sabes disso.
A terceira carta, ninguém a quis ler e acabei também por me esquecer dela.
Fui com o advogado e disse para ele dar todos os teus bens a lares, para dar tudo em anónimo, os teus pais não se opuseram, e as tuas coisas pessoais foram todas doadas também, só fiquei com uma fotografia tua.
A tua família soube finalmente de tudo, da nossa história que ninguém percebia se era amor ou amizade, talvez porque era algo mais forte que isso, mais intenso. Tão importante que apenas bastava um olhar, ou aquele gesto para o coração bater mais depressa, mas embora isso, à face de todos não passava-mos de eternos apaixonados sem o admitir.
Embora por vezes nos quisesse-mos beijar, nunca o fazia-mos com medo de estragar o que já tínhamos. Podia-mos até nem nos tocar, mas fazíamo-lo no pensamento e isso bastava… como sempre…
Todos os teus familiares vieram ter comigo, pediram desculpa, e disseram para não faltar ao teu funeral.
Estive mesmo para ir… sim estive mesmo para ir, e tu sabes, mas no último momento a força falhou, a tristeza aumentou e ficou infindável… impossível de combater, e fui para o sítio onde mais perto de ti podia estar.
Sim, fui para o sítio onde nos conhecemos. Aquela praia à noite onde o meu irmão te levou com os vossos amigos e onde apenas tu olhas-te para mim sem ser apenas como rapariga, mas como irmã do teu melhor amigo que tu tinhas de respeitar.
Recordei todos os momentos, aqueles em que me apanhavas lá a chorar, ou aqueles em que nos atirava-mos para a areia e rolávamos praia abaixo até a água. Uma lágrima brotou, e um sorriso nasceu…
Passaram-se meses, em que eu permaneci calada, triste, meia morta e meia viva.
Hoje faz um ano desde que morreste, e eu olho para a fotografia da tua campa. Estou finalmente a recontar toda a história. Está cá o teu pai, a tua mãe, os teus tios, primos avós. Já ninguém chora, mas todos imaginam como teria sido a vida de cada um se tu estivesses vivo.
Eu já não penso nisso, sei que não gostavas que vivesse agarrada ao passado. Hoje tudo o que sou devo-o a ti, ainda sinto a culpa da tua morte, está cada vez mais leve, mas ainda me pesa nos ombros.
Tenho a terceira carta na mão e só hoje a vou finalmente abrir, mas quando a abrir será na praia, no nosso sítio, no nosso mundo.
Já tudo se afasta, e eu vou embora também. Mas sem nunca me esquecer de ti. Volto daqui a um ano, nem antes porque seria sinal de fraqueza e tu nunca me quiseste fraca, nem depois, porque seria sinal de esquecimento e eu nunca me vou esquecer de ti, por isso daqui a exactamente um ano vou estar de novo contigo aqui.
“O amor não se vive, sonha-se, o que se vive são os momentos de felicidade e esses quero vive-los contigo” foi a primeira frase que me disseste.
Adeus e até para o ano.

A.C. *

Foto de angela lugo

Completa meu eu

Completa meu eu, eu sou tua e você é meu
Será que estamos a cometer loucuras
Entrelaçados assim neste abraço
Acredito que não, pois estamos no chão
Chão de algodão que nos embala
Sentimos a presença das estrelas
E a lua que nos ilumina nesta noite
Pode ser que passe um cometa
E nos acometa a loucura do doce prazer
Enrolarmos-nos neste céu que agora é nosso
Somente nosso ninguém mais o tomará
Podemos ficar selados você em mim eu em ti
Viajarmos pelo imenso universo
Seja meu não me deixe mais sem meu eu
Este eu que é o complemento do teu
Sejamos assim unidos para sempre
Como neste abraço que nos faz voar
Varrer as estrelas e nelas com a mão tocar
Ouvir apenas o vento ameno a soprar
Roçar em nossas peles nuas ao sabor do luar
Viajar no tempo e espaço
Que este amor ainda está dentro de nós
Quente como um vulcão a explodir

 


Foto de Jamaveira

Elo

Vê-la assim a esmo
Sem eira nem beira
Lanço aos teus pés
Asas que conduzem
De volta a razão.

Segure-as com ardor
Levante os olhos do chão
Seu lugar é no meu coração.

Quando lá chegar
Entre sem bater
Banhe-se no perdão
Deite-se no descanso
Alimente-se de paixão.

No banquete da alegria
Seus olhos minha ilusão
Seu sorriso minha fantasia...

Jamaveira

Foto de @nd@rilho

Aconchego do ninho

Nas revoadas da vida
É maravilhoso sentir,
O vento da liberdade,
Acariciando nossa face,

O mundo ao nossos pés,
Os obstáculos no chão,
A certeza da conquista,
A leveza dos sentimentos,

Voamos alto e livre vamos,
Trilhando novos caminhos,
Fitando um novo horizonte,
Em seu majestoso esplendor,

E no fim dessa odisséia,
Trago no peito a sólida certeza,
De um regresso seguro,
Ao aconchego do ninho.

Foto de Professor

Inconsciente

Eis-me aqui, solidão
Neste vazio total
Uma tacada perfeita
No peito
Eis-me aqui neste chão frio
Tentando arrumar o que sobrou
Se há jeito...
Não sinto saudade de nada
Mas sinto falta de tudo
Meu coração bate forte enquanto minha cabeça vazia
Tenta achar explicação para o fato dele bater forte
Sinto-me como se tivessem aspirado minh'alma
E o que sobrou foi este corpo vazio
Este oco
Vento que desliza por onde antes havia amor, paixão e desejo.
E agora, este corpo
Escreve a dor através de movimentos involuntários, tímidos.
Num "reflexo-poético-muscular"

Foto de Carmen Lúcia

O nosso amor

Durou enquanto foi bom...
Ou foi bom enquanto durou...

Acabou-se o que era doce...

A doce ciranda acabou.

Feito bola de sabão,

À luz do sol,estourou,

Como cristal delicado

Foi ao chão...estilhaçou!

Subiu o quanto pôde,

Qual balão de São João,

Desceu... adeus à ilusão...

Caiu...incendiou!

Agora, boa sorte!

Junte seus trapos...

Siga seu norte!

Veja se estou na esquina,

Quem sabe se é lá que estou...

Pois lá se escondem mistérios
Enígmas...aquilo que sou...

E que ninguém jamais desvendou...

Lá onde fica a lua, bem no final da rua,

E do amor,o que restou...

Onde se perde a poesia

A espera de quem se encantou,

Lá...onde chora o destino

De quem muito e muito amou...

Foto de Carmen Lúcia

Marcas

No corpo, a marca da roupa da moda,
E os tênis de marca realçam os pés...
Cabelos marcados de nós desatados
Dos laços de fitas,em tons dégradé.
Nos lábios,as marcas de batom já vencido,
Roubadas de um beijo que muito marcou.
Na pele a marca do sol de verão...
Bronzeado de praia que não se apagou.
No peito,coração a pulsar,disparado...
Marcando o compasso do primeiro amor.

No rosto, as marcas cravadas do tempo,
Veloz redemoinho marcando o chão...
Cabelos marcados por lenço amarrado
Escondendo o grisalho e as marcas da dor.
Pegadas marcadas no peito desfeito,
Os rastros de amor que por ele passou...
Os olhos sem vida,sem cor,desbotados,
Demarcam as cinzas de grande paixão,
Os passos se arrastam,pesados, cansados...
Alastram as marcas que o tempo deixou.

Carmen Lúcia

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