Na favela era ela
Que descia a ladeira
A semana inteira,
Uma trouxa na mão...
E lavava contente
As roupas com sabão
Na bica, de contramão;
Em seu ventre levava
O filho que esperava
O que mais desejava
E a fazia sorrir...
Sentiu dores...
Chegara a hora
De seu filho nascer...
Deitou-se num colchãozinho
Num cantinho, no chão.
Ajeitou-se sozinha...
Enfim, era Maria,
Nada tinha a temer
E sim agradecer
Pelo sonho realizado...
E os anos passaram...
A criança cresceu...
Os trabalhos dobraram...
Pra ver o filho criado
Tinha que haver sacrifício
Renúncia e dedicação...
E assim ela o fez...
Revirou-se ao avesso
Pra lhe dar educação...
Mas como toda Maria
Traz consigo triste sina...
O pior aconteceu...
Na favela anoitecia,
(ou seria em todo lugar?)
Hora da Ave- Maria!
Trouxeram seu filho querido
Num lençol branco manchado
De seu sangue derramado,
Onde jazia, sem vida,
Vítima de bala perdida
Que achou seu coração...
Hoje Maria ainda chora
A saudade jamais vai embora,
E em seu peito mora...
Ah! Saudade!
“É o revés do parto...
é arrumar o quarto,
pro filho que já morreu...”
E espera que chegue a hora
De tê-lo de novo em seus braços...
Sonho que nunca descreu.
*trecho de Chico Buarque
(Carmen Lúcia)