Eu sempre costumo admirar as estrelas da janela do meu apartamento. O movimento é fraco, a rua é tranquila, o frio é aconchegante e o estalo dos trilhos ao passar o metrô soa como sininhos em meu ouvido. Já é um som familiar.
Interessante que eu sempre via um homem, sentado sempre na mesma cadeira, olhando sempre pela mesma janela, vestido sempre com o mesmo casaco branco, tão alvinho que parecia neve. Mas era mais que coincidência porque fosse cedo, fosse tarde ele passava. Bastava debruçar-me na janela que o via no primeiro metrô que viesse. Não dava para vê-lo muito bem. O capuz escondia seu rosto e ele nunca me via! Apenas percebia que fixava seu olhar em um ponto distante. Era mórbido... era suave....
Mas um dia, um dia ele olhou pra mim! Mas não estava no metrô, estava sentado no trilho do metrô! Parecia que ele me esperava. Estava de uma forma tão indolente, transmitia paz. Não lembro perfeitamente, só sei que quando dei por mim, estava paralisada diante daqueles olhos azuis... ele era tão lindo! Tinha uma face perfeita! Não a tocava, mas a sentia, e era tão delicada. Não o ouvia, mas o compreendia, e era tão brando... tinha uma voz tão serena. Não estava em seus braços, mas era como se naufragasse na maciez das nuvens e era tão frágil e ao mesmo tempo tão firme. Não o beijei, mas senti me minha boca o gosto da magia dos sonhos e deliciei-me do mais puro e eterno sabor da felicidade divina... minha vida não pertencia mais a mim. Naquele momento eu entreguei minha alma a um ser inexistente... indecifrável... Eu plantava um jardim numa estrela apagada. Eu tingia o arco-íres numa tela branca. Estava-me suicidando para ressuscitá-lo...
Não sei exatamente o que aconteceu naqueles instantes. Não sei o que veio depois daquilo. Lembro apenas de ter acordado cheia de paz na manhã seguinte. A única certeza que tenho, é de que para a senhora que mendigava, para as crianças que brincavam, e para todos que passavam, aquele foi apenas um olhar. Mas para mim, foi o renascimento da Esperança vindo dos olhos de um anjo...