saudade

Foto de Carmen Vervloet

FALAR DE SAUDADE?

Se quiser falar de saudade
terei que voltar no tempo,
vou ter que retroceder na idade,
buscar guardado um antigo sentimento.

Momento sublime que ficou pra trás
plantado em segredo na terra do coração,
e porque não fui nem audaz, nem capaz,
perdi-o, num vacilo, em tumultuada estação.

Agora o procuro, com um nó na garganta,
chorando o meu amargo desgosto...
Não soube cultivar emoção tão santa
e só em lembranças vejo seu pálido rosto.

O tempo chora o desespero da perda,
gestos impensados de um coração imaturo
que partiu por um desvio à esquerda
em vez de transpor apenas um pequeno muro.

Hoje... já não há mais tempo para lamento,
a dor libera o açoite encharcado em agonia...
Na memória faço o meu acampamento,
busco num veleiro nebuloso, a perdida alegria!

Carmen Vervloet

Foto de fisko

Diário de inocência

Pouco se sabia dela. Era baixa, pálida, engraçada e reservada. O mundo tinha menos cor sempre que Jaime, o miúdo mais novo da família, ficava sem a ver.

Falava-me muitas vezes da tal moça, que esperava por ela no portão da escola, escondido, só para a poder contemplar de perto.
Um dia chegou-me a casa branco, mais branco que a farinha que sua mãe usava para fazer o pão. - Ela disse-me olá! - Bem, fiquei sem saber o que lhe dizer, como é evidente, mas logo apertei aquele pedaço de carne com uma máquina por dentro, a máquina que nos leva a gostar mais deste do que daquele sem que nos notemos, quase como dois organismos diferentes.
Abracei-o com tanta força que o pobre rapaz ficou assustado. - Que se passa António? Oh, oh! Larga-me! - E eu sorria tanto. Parecia que estava a abraçar-me a mim mesmo, o “eu” de quando tinha a idade de Jaime, o “eu” que amava tudo como a inocência dispunha.

- Oh rapaz! Então ela disse-te olá? E como foi? - Perguntei-lhe eu, como se já não soubesse da resposta prática.
- Bem, eu estava a jogar às escondidas, ela passou por mim e disse-me olá para que o Pedro soubesse que eu estava ali escondido. - Meio envergonhado e com cara de malandro, riu-se às gargalhadas quando me viu sorrir ao ouvi-lo.

Todos os Jaimes e Marias, ou Joanas, ou até donos dos nomes mais esquisitos acham piada a este "adorar" alguém quando se é pequeno.
E rimo-nos muito durante algum tempo. Se calhar o pequeno só se ria por aceitar o meu sorriso também.

Hoje já não sei o que é feito de Jaime. Já algum tempo se passou desde este nosso episódio épico. Nem sei se ainda se ri quando semelhante calha, só sei que dele já nada sei. Entretanto mudei-me para Lisboa e o rapaz lá ficou na pequena aldeia.

Quando somos pequenos é-nos tudo tão diferente. Ninguém nos legenda a vida para que percebamos logo as suas manhas (e também precisamos de nos cultivar um pouco).
Ah Jaime, relembra-me o tempo de que a alma se esqueceu. O corpo cá fica o mesmo. Envelhece, muda de cor, mas fica sempre o mesmo.

Jaime, dá-me o lume da leveza que é não ter preocupações.
Ah! Pudesse eu viver de novo e não me espantar sempre que alguma moça me diga olá, só para não provar o desgosto de uma paixão sumida.

Jaime, Jaime, relembra-me da felicidade que eu era.

Foto de Carmen Lúcia

Mãe é eterna

Da parede de meu quarto
cuida-me o teu retrato,
pintura à óleo, indescritível,
imagem que me fala,
imperceptível, o que preciso ouvir,
sussurrando aos meus ouvidos
o canto de uma fada,
voz em mim gravada ao te ver partir...

Teu olhar a me seguir de onde tu estás,
aflito com o que faço, com o que eu possa errar...
Acaricio o teu rosto, beijo tua face,
peço que me abençoes e venhas me brilhar,
és luz que me alivia, me induz a acertar.

Guardo teu sorriso meigo
e sem qualquer disfarce
deixo cair as lágrimas da dor que me quebranta
em meio às lembranças que permeiam os cantos
da casa onde agora o silêncio mora
velando teus encantos em forma de saudade
que ao mesmo tempo arde
e me revigora...

Mãe é para sempre, é amor eterno,
ser que não se acaba mesmo quando ausente,
mesmo quando cedo sai sem ir de nossa história,
marcando com os seus gestos, a nossa memória,
presença radiosa a preencher vazios,
caminho que nos leva e traz de volta ao ninho.

Em cima da mesa a toalha bordada
por tuas mãos de artista, como era antes,
espalhando euforia dos dias de festa,
doravante, desses dias, é o que me resta.
Tua vigília sacrossanta nas noites de medo,
tua luz sempre acesa nas horas de escuro,
os carinhos que não esqueço, verdadeiro abrigo,
colo que abraço e beijo ao sonhar contigo.

_Carmen Lúcia_

Foto de JORMAR

Para Sempre

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.

Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.

(Carlos Drummond de Andrade)

Foto de Enise

Crie! - Uma mensagem de amizade e carinho

Link do vídeo:http://www.youtube.com/watch?v=ZjChICREnSw

Enise

Foto de Carmen Lúcia

Ousadia

Caí de pára-quedas em seu quadrado,
invadi sua intimidade,
me fiz íntima de seu pecado,
distorci minha identidade,
apartei-me de recatos,
apossei-me do que é seu...
Minha foto em seu porta-retrato,
minhas marcas no tapete do quarto
como se o lugar fosse meu...

Deixei de lado a candura,
o meu olhar de brandura,
mudei o meu modo de ser...
E ainda inconformada
joguei a última cartada...
Foi um blefe pra valer;
quase paguei pra ver...

Agora, ou tudo, ou nada...
Quem sabe será dessa vez...
Ou lhe ganho na virada
ou jamais lhe torne a ver...
Prefiro que seja assim;
quem sabe se assim me vê...
Permanecer no marasmo
é o mesmo que lhe perder.

_Carmen Lúcia_

Foto de Dirceu Marcelino

VIDEO POEMA: DIA DO FERROVIÁRIO - Homenagem ao meu saudoso pai e ao Sr. Alexandre Pedroso

DIA NACIONAL DO FERROVIÁRIO

O que hoje devemos comemorar?
Sim! O dia nacional do ferroviário.
Quem são esses homens a lembrar?
São heróis não simplesmente operários!

Homens que fazem o longo trem rodar:
Como os “truqueiros”, bravos legionários
Dum memorável exército a cantar.
Apita o comboio expedicionário!

Como o soldado que por nos amar
Tirou em outras terras o hinário
E pôs-se com o coração a cantar.

Como o “maquinista” missionário,
Que aqui permaneceu a manobrar
Dia a dia o longo trem comunitário.

Foto de betimartins

Mandei embora a saudade

Hoje, abri a janela da vida
Reciclei partes dela
Algumas, eu guardei
Com alguma nostalgia
Outras, eu deitei no lixo
Reparei que muitas delas
Era a, chamada eterna saudade
De entes queridos, alguns
Que já tinham partido
Também amores, tristezas
Ainda mal resolvidos
Resolvi pegar nessa saudade
A embrulhar de belo presente
Enviando-a para o céu
Hoje, ela, já cá não mora
A Triste Saudade
Comprei-lhe um bilhete
Apenas com uma ida
Mandei-a embora, apenas!
A minha saudade...

Betimartins

Foto de Helen De Rose

Essa infinita saudade!

É infinita essa saudade que nos une de vidas passadas...
Essa união dos nossos sonhos que um dia sentimos, e que hoje encontramos em nós.

É infinita essa saudade que habita a melodia desta distância, que nos separa por estradas, onde os horizontes infinitos de carinhos nos unem pelos caminhos dos tempos vividos ao tempo de hoje, ao desaguar nas veredas dos rios e formando as maresias de esperança, quando desaguar nos oceanos do amanhã.

É infinita essa saudade que nos une de vidas passadas...

Essa união dos nossos sonhos que um dia traz em ti, pela demora que passou tão depressa, nos teus gestos de carinho e de amor, que teus olhos trouxeram nas lágrimas de que nunca me esqueceu.

Em cada nascer do dia, antes de te encontrar, por cada dia que vivi longe de ti, entregue ao teu olhar, ofereço-te a Lua, serena, repousando sobre o lençol negro da imensidão da noite, aconchegando seu sono pela janela do seu quarto, enquanto o dia se prepara para o sol raiar pelas manhãs na janela de sua morada.

É infinita essa saudade que nos une de vidas passadas...

São apenas meus olhos que se fecham para o sonho, enquanto esperam por ti e pela Lua para que nos una ao contemplá-la.

Enquanto estiver longe de mim, olhe para a Lua, pois eu estarei olhando sempre pra ela, pensando em ti.

Nossa história de amor é um sonho de uma mulher que te espera no silêncio da saudade, na mudez de um sentir e na eterna simplicidade de te encantar.

Eu chamo por ti meu amor! Eu chamo por ti!

Quando te entrego meu coração decorado com meus pensamentos, entre sopros de beijos, que são levados pelo tempo da tua alma sobrevoando meus sonhos.

Chamo por ti...meu amor!

É infinita essa saudade que nos une de vidas passadas...

Nas lágrimas dos teus olhos quando te faço sorrir, deliciosamente tímido, nos gestos que tu fazes ao me ver brincar.

Somos livres no pensamento de asas que voam pelas linhas dos versos, esboçando nossos sorrisos de liberdade vivida em todos os momentos em que nos encontramos para nos unir.

A ti que nunca partiu...

E a mim que nunca te esqueci...

É infinita essa saudade que mora nos infinitos, lá nesse onde habita as lembranças que desde sempre eu te conheci.

Foto de Carmen Lúcia

Vim...

Vim...
Após anos a fio
de desatino e indecisão
analisando os dias
imersa na reflexão,
encarando os desafios,
o inverno da separação,
meus preceitos infundados,
o orgulho exacerbado,
meus limites ponderados,
medos e tabus
pela tradição, herdados.

Vim...
E enfrentei barreiras,
contei luas e sóis,
ignorei fronteiras,
varei anoiteceres,
cruzei os arrebóis,
quebrei valores descabidos
a conduzir meus ideais,
(meus pobres ideais desenxabidos)
herança imposta pelos ancestrais.

Vim...
E vim para ficar...
incluir-me em teu contexto,
ser feliz, me libertar,
pra me livrar do frio,
te amar sem ter pretexto,
preencher o vazio,
eu vim pra não sofrer,
de amor contigo morrer.

(Carmen Lúcia)

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