DA GRANDE DECEPÇÃO DO HOMEM AO VER-SE SÓ, CONTEMPLANDO O ABISMO
Estou só no mundo com todas as alegrias resguardadas
De contaminações humanas. Estou só e porto uma espada
Para desafiar os perigos que encontro na jornada
das adagas insanas.
Estou só. Tenho nas mãos as cartas que me envias
Não as respondi com medo de revelar
Quem em mim não mais residia.
Todos os laços estão rompidos
Todas as flechas lançadas
Todos os corações partidos
Mas ouço nas lembranças
Uma canção de amor evoluindo
Estou à beira do abismo
Enquanto as rochas resistem
À investida das águas insistentes
A distância entre mim e as pedras
É a desse amor dissente
Que em ti sobrevive
Tenho nas mãos a espada
As cartas e o vento no rosto
Enquanto olho estupefato
A violência das águas.
Queria o amor, sim
Como desejei amar
Mas queria que entendesses
Um amor sem carne dentro
Que tivesse palavra por alimento
Que se deixasse amar
Para que amasse o corpo
Como se linimento
Para todos os sofrimentos
Infligidos por esse tempo impiedoso
Que sorri ao desamarrar mãos de amantes
Como se sua maior obra fosse o desgosto.
Estou à beira dessa profundidade
Dessa altura estonteante
Completamente enlouquecido
Pela certeza da inutilidade
Desse amor por ti enaltecido
Defendes o grito do gozo
Enquanto aguardo o silencio do êxtase
Derramo-me em ti para escapar da morte
Enquanto te abres para esquecer do dia.
Passo os olhos nas tuas palavras
Que nada comovem em mim.
O homem a quem as dedicava
Há muito retirou-se de ti
Evadiu-se de mim
Esquecendo essa espada
Largando essas cartas
Que não servem para nada