Poemas

Foto de Carlos

Amor vivo (Antero de Quental)

Amar! Mas dum amor que tenha vida...

Não sejam sempre tímidos harpejos,

não sejam só delírios e desejos

duma doida cabeça escandecida...


Amor que viva e brilhe! Luz fundida

Que penetre o meu ser - e não só de beijos

dados no ar - delírios e desejos -

mas amor... dos amores que têm vida...

Sim, vivo e quente! E já a luz do dia

não virá dissipá-lo nos meus braços

como névoa de vaga fantasia...

Nem murchará o sol

Foto de Carlos

O céu, a terra, o vento sossegado... (Luís de Camões)

O céu, a terra, o vento sossegado...

As ondas que se estendem pela areia...

Os peixes, que no mar o sono enfreia...

O nocturno silêncio repousado...


O pescador Aónio que deitado,

Onde com o vento a água se maneia,

Chorando, o nome amado em vão nomeia,

Que não pode ser mais que nomeado:

Ondas - dizia - antes que amor me mate

Tornai-me a minha ninfa, que tão cedo

Me fizeste

Foto de Carlos

Evocação de Silves (Mohâmede Ibne Abade Al Mu'tâmide)

Eia, Abú Bacre, saúda os meus lares em Silves e pergunta-lhes

se, como penso, ainda se recordam de mim.


Saúda o Palácio das Varandas da parte de um donzel

que sente perpétua saudade daquele alcácer.

Ali moravam guerreiros como leões e brancas

gazelas. E em que belas selvas e em que belos covis!

Quantas noites passei divertindo-me

Foto de Carlos

Us Cavaliers si Jazia (Um Cavaleiro deitado estava) (Bertran d'Alamanon)

Us Cacavaliers si jazia

ab la re que plus volia.

Soven baizan li dizia

"Doussa res, ieu que farai?

Que'l jorn ve e la nueyetz vai.

Ai!

Qu'ieu aug que li gaita cria:

Via sus! Qu'ieu vey lo jorn venir

Apres l'alba.


Doussa res, s'esser podia

que já mais alba ni dia

no fos, gran merces seria,

al menis al luec on estai

Fis amicx ab so que'l plai.

Ai!

Qu'ieu aug que li gaita cria:

Via sus! Qu'ieu vey lo jorn venir

apres l'alba.

Dousse res, que qu'om vos dia,

no cre que tal dolors sai

cum qui part amic d'amia,

qu'ieu per mezeys o sai.

Ay las! Quan pauca nueyt fai.

Ai!

Qu'ieu aug que li gaita cria:

Via sus! Qu'ieu vey lo jorn venir

apres l'alba.

Doussa res, ieu tenc ma via:

Vostres suy, on que ieu sai.

Per Dieu, no m'oblidetz mia,

que'l cor del cors reman sai,

Ni de vos mais no'm partrai.

Ai!

Qu'ieu aug que li gaita cria:

Via sus! Qu'ieu vey lo jorn venir

apres l'alba.

Doussa res, s'ieu no us vezia,

breumens crezatz que morria,

que'l grans dezirs m'auciria;

Per qu'ieu tost tretornarai,

que ses vos vida non ai.

Ai!

Qu'ieu aug que li gaita cria:

Via sus! Qu'ieu vey lo jorn venir

apres l'alba.





(Versão Portuguesa)


Um Cavaleiro deitado estava

com a dama que mais amava

Muito a beijando dizia

"Doce amiga eu que farei?

Que o dia vem e noite vai.

Ai!

Que eu oiço a atalaia que grita:

Abalai! que vejo o dia vir

após a alva.

Doce amiga, se eu podia

nem noite e dia haveria,

e grande favor seria,

pelo menos onde estamos

amiga fiel que me aprazes.

Ai!

Que eu oiço a atalaia que grita:

Abalai! que vejo o dia vir

após a alva.

Doce amiga, como vos dizia

não creio que exista maior dor

como a de separar o amor

que eu por mim o sei

Apre! que curta a noite foi

Ai!

Que eu oiço a atalaia que grita:

Abalai! que vejo o dia vir

após a alva.

Doce amiga, tenho a minha vida:

Vosso eu sou, vá eu para onde for

por Deus, não me esqueças amor

Que o meu coração convosco está

e daí não partirá

Ai!

Que eu oiço a atalaia que grita:

Abalai! que vejo o dia vir

após a alva.

Doce amor se não vos via

crê-me, brevemente morreria,

pois grande querer me mataria;

Assim breve tornarei,

que sem vós vida não tenho.

Ai!

Que eu oiço a atalaia que grita:

Abalai! que vejo o dia vir

após a alva.

Bertran d'Alamanon (1230-1266)

Foto de Patrícia

Visita (Antero de Quental)

Adornou o meu quarto a flor do cardo,

Perfumei-o de almíscar rescendente;

Vesti-me com a púrpura fulgente,

Ensaiando meus cantos, como um bardo.


Ungi as mãos e a face com o nardo

Crescido nos jardins do Oriente,

A receber com pompa, dignamente,

Misteriosa visita a quem aguardo.

Mas que filha de reis, que anjo ou que fada

Era essa que assim a mim descia,

Do meu casebre

Foto de Patrícia

Rosa Pálida (Almeida Garrett)

Rosa pálida, em meu seio

Vem querida, sem receio

Esconder a aflita cor.

Ai! a minha pobre rosa!

Cuida que é menos formosa

Porque desbotou de amor.


Pois sim...quando livre, ao vento,

Solta de alma e pensamento,

Forte de tua isenção,

Tinhas na folha incendida

O sangue, o calor e a vida

Que ora tens no coração,

Mas não era, não, mais bela,

Coitada, coitada dela,

A minha rosa gentil!

Curvam-na então desejos,

Desmaiam-na agora os beijos...

Vales mais mil vezes, mil.

Inveja das outras flores!

Inveja de quê, amores?

Tu, que vieste dos céus,

Comparar tua beleza

Às folhas da natureza!

Rosa, não tentes a Deus.

É vergonha...de quê, vida?

Vergonha de ser querida,

Vergonha de ser feliz!

Porquê? Porquê em teu semblante

A pálida cor da amante

A minha ventura diz?

Pois, quando eras tão vermelha

Não vinha zângão e abelha

Em torno de ti zumbir?

Não ouvias entre as flores

Histórias de mil amores

Que não tinhas, repetir?

Que hão-de eles dizer agora?

Que pendente e de quem chora

É o teu lânguido olhar?

Que a tez fina e delicada

Foi de ser muito beijada,

Que te veio a desbotar?

Deixa-os: pálida ou corada,

Ou isenta ou namorada,

Que brilhe no prado flor,

Que fulja no céu estrela,

Ainda é ditosa e bela

Se lhe dão só um amor.

Ai! deixa-os e no meu seio

Vem, querida, sem receio,

Vem a frente reclinar.

Que pálida estás, que linda!

Oh! quanto mais te amo ainda

Dês que te fiz desbotar.

Almeida Garrett (1799 - 1854)

Foto de Patrícia

Gozo e Dor (Almeida Garrett)

Se estou contente, querida,

Com esta imensa ternura

De que me enche o teu amor?

-Não, ai, não! Falta-me a vida,

Sucumbe-me a alma

Foto de Patrícia

Nascemos para amar (Bocage)

Nascemos para amar; a humanidade

Vai tarde ou cedo aos laços da ternura:

Tu és doce atractivo, ó formusura,

Que encanta, que seduz, que persuade.


Enleia-se por gosto a liberdade;

E depois que a paixão n'alma se apura

Alguns então lhe chamam desventura,

Chamam-lhe alguns então felicidade.

Qual se abismou na lôbregas tristezas,

Qual em suaves júbilos discorre,

Com esperanças mil na ideia acesas.

Amor ou desfalece, ou pára, ou corre;

E, segundo as diversas naturezas,

Um porfia, este esquece, aquele morre.

Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765 - 1805)

Foto de Patrícia

Eu cantarei um dia da tristeza (Marquesa de Alorna)

Eu cantarei um dia da tristeza

por uns termos tão ternos e saudosos,

que deixem aos alegres invejosos

de chorarem o mal que lhes não pesa.


Abrandarei das penhas a dureza,

exalando suspiros tão queixosos,

que jamais os rochedos cavernosos

os repitam da mesma natureza.

Serras, penhascos, troncos, arvoredos,

ave, ponte, montanha, flor, corrente,

comigo hão-de chorar de amor enredos.

Mas ah! que adoro uma alma que não sente!

Guarda, Amor, os teus pérfidos segredos,

que eu derramo os meus ais inutilmente.

Marquesa de Alorna (1750 - 1839)

Foto de Patrícia

Cantata de Dido (Correia Garção)

Já no roxo oriente branqueando,

As prenhes velas da troiana frota

Entre as vagas azuis do mar dourado

Sobre as asas dos ventos se escondiam.

A misérrima Dido,

Pelos paços reais vaga ululando,

C'os turvos olhos inda em vão procura

O fugitivo Eneias.


Só ermas ruas, só desertas praças

A recente Cartago lhe apresenta;

Com medonho fragor, na praia nua

Fremem de noite as solitárias ondas;

E nas douradas grimpas

Das cúpulas soberbas

Piam nocturnas, agoureiras aves.

Do marmóreo sepulcro

Atónita imagina

Que mil vezes ouviu as frias cinzas

De defunto Siqueu, com débeis vozes,

Suspirando, chamar: - Elisa! Elisa!

D'Orco aos tremendos numens

Sacrifício prepara;

Mas viu esmorecida

Em torno dos turícremos altares,

Negra escuma ferver nas ricas taças,

E o derramado vinho

Em pélagos de sangue converter-se.

Frenética, delira,

Pálido o rosto lindo

A madeixa subtil desentrançada;

Já com trémulo pé entra sem tino

No ditoso aposento,

Onde do infido amante

Ouviu, enternecida,

Magoados suspiros, brandas queixas.

Ali as cruéis Parcas lhe mostraram

As ilíacas roupas que, pendentes

Do tálamo dourado, descobriam

O lustroso pavês, a teucra espada.

Com a convulsa mão súbito arranca

A lâmina fulgente da bainha,

E sobre o duro ferro penetrante

Arroja o tenro, cristalino peito;

E em borbotões de espuma murmurando,

O quente sangue da ferida salta:

De roxas espadanas rociadas,

Tremem da sala as dóricas colunas.

Três vezes tenta erguer-se,

Três vezes desmaiada, sobre o leito

O corpo revolvendo, ao céu levanta

Os macerados olhos.

Depois, atenta na lustrosa malha

Do prófugo dardânio,

Estas últimas vozes repetia,

E os lastimosos, lúgubres acentos,

Pelas áureas abóbadas voando

Longo tempo depois gemer se ouviram:

«Doces despojos,

Tão bem logrados

Dos olhos meus,

Enquanto os fados,

Enquanto Deus

O consentiam,

Da triste Dido

A alma aceitai,

Destes cuidados

Me libertai.

«Dido infelice

Assaz viveu;

D'alta Cartago

O muro ergueu;

Agora, nua,

Já de Caronte,

A sombra sua

Na barca feia,

De Flegetonte

A negra veia

Surcando vai.

Correia Garção (1724-1772)

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