Vozes

Foto de Mauro Veras

O poema que nasceu em silêncio

... é aquele que se fez no início das manhãs
quando o mundo estava em suspenso.
E denso, imprimiu sua trajetória na alma insana,
na febre tamanha que ocupa os desejos.

Febre de ti, que aos ritos de amor louco me compelia,
Febre de mim, que aos poucos e sem saída me perdia,
Febre de amor, que era a loucura daquele encanto,
Febre da dor, que era a ternura, ao avesso e tanta.

O poema que nasceu em silêncio
e tem a robustez de uma estória em apenso
tem a altura do grito desesperado,
que o mundo consolida nas memórias e nos lenços,
perde-se num sopro cansado
como a voz que vira acorde sussurrado e lento.

E eu gritava por ti, para dentro de todos os silêncios;
e eu gritava por mim, habitado por teus mistérios;
gritava o amor, num sonho acordado e intenso;
gritava a dor, entre soluços e esperas.

E meu grito é tropeço do coração
no tênue ponto entre a sagração e a insensatez,
entre a paixão e a lucidez de a ela não ceder,
entre a busca das palavras e do encontro
entre uma lua inquieta e a voz do poeta.

O poema que nasceu em silêncio
tem a magia das manhãs e é fonte de luz,
reflexo da alma em agonia. É língua em sintonia
com o fogo da existência
ecoando por mil vozes arrancadas de suspiros
que gritam, em todos os meus medos, por ti.

Nada faço, porém, que não faças antes por mim,
e o silêncio que pensas ouvir
é em verdade o clamor dos instantes em rodopio,
é a claridade de uma salva de assobios
que o peito amante verte, qual clarim.

O silêncio que pensamos ouvir
são parecenças do vazio repleto de nossas presenças,
são vontades que escapam das palavras, arredias...
são olhares arrancados da fotografia
do porvir, e instalados pelo oráculo da cumplicidade
na beleza límpida dos lírios brotados em nosso jardim.

Prelúdio da revelação mais pura,
o silêncio que trocamos tem a simetria do universo,
suas estrelas e luas, que amamos!
Tem a vibração primordial dos sinos
e soltam as amarras e viram este grito mudo
que só nossa amante alma reconhece, enfim.

Obs.: este poema foi feito em parceria com a poetisa Carol Marisco.

Foto de Tânia Isabel

Para o meu amor

Tento te encontrar em outros rostos, em outras vozes, em outros corpos
mas meu coração não permite, meu cerebro não admite tamanha traição.

Me diz o que eu faço?
Que faço com cada instante de pensamento que vai te buscar tão longe?
Que eu faço com minhas mãos que só querem te tocar....nem que seja por um leve roçar de dedos no seu peito
Que eu faço com a minha boca que ansia pelos seus lábios...fecho os olhos e parece que os sinto...
Que faço com meu corpo que só quer se aconchegar ao seu e ficar quietinha...ouvindo o nada...o nada com você é tudo...

Como eu posso? minha mente pergunta sem obter resposta
como posso ter tal sentimento ilógico, irracional, que o meu lado ajuizado não concebe, não aceita.
E esse coração estupido teima em crescer esse sentimento, tanto que explode em palavras como essas.

Me perdoa por esse sentimento incontrolável,
que eu me esforço em dominar a cada segundo do dia;
que me faz usar toda técnica "bruxistica" que eu conheço,
que me faz pedir a Deusa que ela domine, controle ou extinga de vez...

Foto de Carmen Lúcia

Evocação à Lua

Quero te sentir bem perto, coração irrequieto,
Pisar de leve tua aura branca, clara, mansa,
E derramar recônditos sentimentos
Em teu manto de luz que a dor abranda.

Levam-me a ti, meus pensamentos,
Teleguiados por anseios e tormentos,
Que de tão sedentos já chegaram aí
Em busca da mais pura inspiração,
Latente, na alma ardente dos amantes
E que aflora, submissa à tua atração,
Quando à noite tu despontas tão vibrante.

Não... Não ouças as serenatas doidivanas,
As juras mentirosas, dolorosas, levianas,
Nem uivos de lobos, falsos, traiçoeiros,
Agourando desventuras aos amores verdadeiros.

Ouve-me hoje... tão somente a mim,
Pois, desafiando a noite, abraçar-te vim,
Estou só e minh’alma clama tua afável chama,
Ajuda-me a delinear palavras, que apagadas,
Tento reacender com tua magia, imbuídas de poesia,
Veste-me com as rimas mais ousadas, mais lunáticas,
Pra compor meus versos de amor sem fim...

Batiza-me em tuas fases, com o teu luar,
Pra que eu consiga transcender e ser lunar,
Capta minha essência, me vejas nua,
Intensifica meus sonhos, clarifica meu poetar,
Envolve-me em teu fascínio...Possui-me, lua pura,
Torna-me, enfim, poeta... para que eu possa gritar
Com as inaudíveis vozes da alma, o que é amar!

E ainda que as nuvens te encubram, já dormente,
Ver-te-ei reluzir como um céu torvo que se estrelasse
de repente!

Foto de Fernanda Queiroz

Voar...

A paisagem passa depressa
Patas velozes rasgam o caminho com flecha
Diminuindo a distância entre mim e o mundo
Meu corpo se eleva em ritmado balanço
Pés firmes desprovidos de açoite
Mãos apertadas junto ao cabresto livre
Desprovido de freios
Ganhando liberdade
Correndo para o mundo
Ou do mundo fugindo
Correndo contra o tempo
Ou do tempo fugindo
Fugindo de mim
Ou do que restou de mim
Apenas vultos em minha paisagem
Cores se confundem
Cinzentas se agitam ou gritam
Como se tivesse vozes na cor
Como se entendesse de dor
A velocidade aumenta
Voar é minha meta
Mais depressa
Tenho pressa de chegar
Mesmo que seja o abismo
Meu destino certo
Onde tudo é incerto
O ar que foi brisa
Tornou-se vento
Que mesmo em tormento
Calça-me de coragem
Tira a dor de minha bagagem
Preciso continuar
Fugindo de mim
Ou do você que existe em mim
Do meu passado presente
Ou do meu presente passado
Do meu vazio intenso
Onde transborda solidão
Apenas por um momento
Senti a sensação
Que seguravas em minha mão
Mas eram as rédeas do destino
Que se encarregou de atá-las
Que fecundas como as marcas
Batentes cravadas no solo
Impõe-me o peso real
Da realidade mortal.
Eu não posso voar.....

Fernanda Queiroz
Direitoa Autorais reservados

Foto de Max Seridó

Iluminada

Quisera eu estar contigo
Viver tão desvairados delírios,
Estar além da terra, céu e mar
Deleitar-me nas delícias
Desse teu intenso e envolvente amor,
Tanto que parece querer-me
Como duas criaturas juntas numa só
E perdidas nessa paixão sem limites
Feito as nuvens no seu doce e suave vagar,
Sem destino pelo firmamento sem fim
Poder saborear-te com todo o meu desejo,
Todas as minhas forças,
Todo o meu amor, louco amor
Passar minhas mãos pelas tuas
Para serem apertadas como quem sofre
Mas não de dor, sofre de paixão,
Esse sentimento possessivo, cruel,
Maldoso, impiedoso, tirano,
E ainda assim conquistador
Paixão que se arraigou
Em minha mente, vísceras,
Dominou todo o meu ser,
Paixão desvairada,
Irresistível prazer !
Olho os teus olhos,
Vejo-os tão pesados,
Sua face como a de quem
Passa por enorme cansaço, exaustão,
Tua respiração continuamente ofegante
E tua boca parece querer falar-me e fala,
Não são palavras
Mas vozes da brisa que soa leve
Em meus ouvidos e minh’alma,
Eregindo meus pêlos,
Excitando meus nervos,
Despertando minha firmeza carnal,
Fico teso,
Então entro, me adentro,
Me aprofundo, me arrebento,
Não lamento, desalento
Que tormento
Entre ser você e estar a te imaginar
No tédio ocioso e perturbador da solidão
Ouço o vento, fico atento,
Me recordo, me contento
De nosso delicioso momento,
Ai que prazeroso sofrimento
Imaginar tua pele com a minha,
Tua boca com a minha
E tuas pernas alvoroçadas
Me abraçando, me apertando,
Querendo me engolir, devorar,
Estão famintas, sedentas
De amor pra dar
Em nosso leito, que deito, me deleito
Em teu peito e gozo
Satisfeito, contente,
Feito azul do céu resplandescente
Com a luz do sol nascente,
Assim é entre eu e você
Paixão que acende,
Amor que não pode se apagar

Foto de alEksãdra

O Show

O show
Luzes
A Brilhar

O show
Pessoas
Felizes
A dançar

O show
Sons
Vozes
Cores
A girar

O show
Música
Palavras
Emoção
Fãs
A cantar

Foto de Anjinhainlove

Sorrir

Antigamente, sabias sorrir.
Sabias ver a beleza numa pessoa a bocejar.
Agradecias cada dia que passava
Como uma oportunidade única de viver.
Comtemplavas o cair de uma folha
Envelhecida pelas rugas do Outono.
Sentias cada palavra das músicas que ouvias,
A poesia era o teu sangue.
Paravas a meio do caminho
Para abraçar aquele cão vadio
Abandonado e ferido
E com uma lágrima no canto do olho.
Corrias para casa a chorar
Sempre que um mendigo vias.
Antigamente, amavas sempre que te pediam.
Ouvias o coração e calavas a razão.
Aceitavas cada amor
Como sendo eterno.
Antigamente, eras feliz.
Agora, és água derramada
No frio asfalto negro da noite.
És a sombra perdida que vagueia
Em busca do caminho correcto.
Corre-te a dor nas veias,
No teu coração permanecem as vozes
De quem te abandonou,
Enganou,
À tua alma MATOU.
Antigamente, sabias sorrir.

Peço desculpa aos meus caros poetas do site pela minha ausência, mas como já disse, estive a meio de mudanças, entre outras coisas e não tenho estado muito a par das novidades, mas espero ainda ter aqui um pequeno lugarzinho!

Foto de lm

Viagem

Numa viagem não marcada
esqueceram-se, não me avisaram
...não me convidaram.

Dezembro é o mês que me lembro
e depois de um Janeiro diferente

Uma guitarra que não toca, vozes que já não cantam
..mas no entanto o vento
assobia sem parar, como uma triste melodia
numa rua deserta, onde já ninguém se senta

...ao menos que tivesse tido tempo.

Dedicado aos meus queridos amigos: Ana, Duarte e Eurico.(Até à minha viagem-sinto a vossa falta)

Foto de Jorgejb

sentido único

Eis uma nova informação,
Senhores!
Deram à minha rua um sentido único!!!!!!
Notícia estranha esta, da minha rua,
Não posso voltar atrás?
Nem cirandar pela rua?
E quando esquecer a chave, e quiser voltar?
Não vale a pena,
Que a minha casa é no meio da rua
E a minha rua acaba no fim, e não retorna,
Sem sentido que não único
Quando sair, será a ultima vez,
Para quê voltar pela chave?
E pela rua?
E os rapazes acenarão com lenços brancos,
Porque me verão uma única vez,
Na direcção do sentido sul.
E direi um único e final adeus
À minha amada,
Que o sentido único da minha rua,
Me fará buscar outra rua,
Que vá dar à minha.
De um sentido único.
Já sinto as saudades das varandas
E do cheiro da sopa a cozer à tardinha,
E dos gatos babando-se no salto
Pelos pássaros,
E das campainhas das ciclas que guincham,
E das bolas que batem no muro baixo
Da minha casa.
Já sinto o sentido das coisas que desaguarão,
E do final triste da foz
Que tem por destino partir,
E das velhotas,
A quem sorria e recuava
Para ouvir, suas vozes baixas e roucas
Contando do que tinham visto na rua
Com sentidos,
Agora de sentido único…
Ninguém vai olhar o princípio da minha rua
Procurando quem volte,
E haverão novidades
Com um único sentido,
Eu sentido,
Tomarei o mundo
Sempre com o mesmo e absurdo sentido.
Um sentido único
Que deram à minha rua.

Foto de Murilo Braga Silva

Os presos

Entre as grades da prisão
Estão os injustiçados de Deus.
Já com rancores infindos
Está o anseio por libertação.
Entre as trevas, vagamente,
Estão as vozes infelizes,
Cai na atmosfera, disfarçada esperança,
Não há mais justiça, só há trevas.
E os presos suspiram.
Suas almas estão em chamas,
A vida para eles é prazer,
Misturado com os vícios mundanos.
E afirmam os presos: Na imensidão jamais se extingue a eterna luz espiritual.
A ave fornece o vôo e a liberdade.
O homem se encontra trancado na prisão.
Aonde vais? Qual é a sua provação? A luz? O infinito? Aonde vais?
_Porém, os presos passam e afirmam: Não vamos a lugar algum, iremos até as chamas do inferno, não queremos a paz, queremos a zombaria.
E os presos suspiram, aparece um vento,
Caminha veementemente inquieto,
Este vento traz muitos segredos espirituais.
Ele surge para apagar grandes tormentos humanos.
E afirmam os presos: Quantas misérias,
Que infelicidade, que segredos arcaicos, queremos o furto e o roubo, por que a sociedade nos incomoda tanto?
Aparece um silêncio profundo,
Contemplam-se os ares misteriosos,
Como quem apresenta fatos ocultos dolorosos,
Como quem ama e vive sua vida sem consolo algum.
Assim é os presos,
A sociedade quer erguer a luz da paz espiritual,
Onde se inicia o amor? Onde está nosso futuro espiritual?
Sabemos apenas que as nuvens de sangue estarão invadindo nossos lares durante séculos infindáveis.
Para mim, só resta a morte para lavar minha alma deste mundo cruel e miserável.

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