É mesmo... Foram-se tantos anos.
Anos? Foram-se o mal congênito,
os dias de insônia e agonia,
banheira de águas sempre tépidas
para a convulsão de todo dia.
A sirene das tias lépidas:
Batiza logo! Ou morre pagão.
Corre que o padre inda tá no saguão!
É um anjo... Não é demônio não...
É mesmo. Foram-se tantos anos.
O primeiro toque, o amor primeiro,
o primeiro gol... foi na trave (uuuuuhhhh...),
o demoninho: "Pegue... e crave!".
O segundo nas arquibancadas,
e o anjinho: "Vai de mal a pior...",
E o padre: "Venha e se confesse!
Faça jejum e faça essa prece."
Confessei... Ser amigo do prior.
É mesmo. Foram-se tantos anos.
Ave-Marias e Padre-Nossos,
as sublimes cortadas nas redes,
os carnavais, enterros dos ossos,
sarros enterrados nas paredes
e uma impagável juventude,
que pagou toda e qualquer virtude.
Da procura aos meus primeiros pelos...
À brancura de poucos cabelos.
É mesmo. Foram-se tantos anos.
Festivais de música na escola,
primeiro emprego, primeira esmola.
Ruim de ponto, bom de Remington.
O ônibus cheio, pra faculdade.
E com o casamento o meu mignon
virou só um macaquinho no cipó.
Um amor como poucos amores,
de ovos "pochet" a discos-voadores.
Não... Não se foram apenas anos!
Foram-se desemprego e penúrias,
dívidas, esticadas lamúrias,
a incontinência das "por achadas"
e a inconfidência das borrachadas!
O casamento com as encrencas,
pencas de empregadas, malsãs ilhas.
Antes a janela sem avencas
que um arquipélago, falsas filhas.
Foram-se espinhos tantos do jardim,
medo de mim, azedo de tudo,
os tantos desencantos de Aladim,
o "Abre-te Sézamo" sortudo.
Foi-se assim tanto o sul quanto o norte,
tanto o mendigo que nunca cansa
quanto o recauchutado da pança.
A trança e a incerteza da morte.
Restaram os lúcidos amores,
as bebedeiras da poesia,
o espírito da arte noite-e-dia,
o "dar-te"... e poucos temores:
De batráquias de bíblias e terços,
mulheres que dormem de vicunhas;
dos céticos de todos os versos
e médicos que não cortam as unhas.
Pois que venham os anos!