Tropel

Foto de Arnault L. D.

Tempestade

Uma garoa mansa acontece,
trovoadas distantes ecoam,
numa tarde morna, de outono.
O Sol, escuro, como anoitece,
sobre o peso das nuvens que troam.
Hora selvagens, hora com sono.

Pelo breu sei que é tempestade.
Pelo silencio dos passarinhos,
que lhe fazem papel de arauto.
e num voo tropel de ansiedade
fogem, alertando no caminho,
para o súbito não vir de assalto.

Lampadas da rua ascendendo
na ignorância que não é noite.
O clarão mudo dos relâmpagos
dublados em atraso, vou vendo
no suspense do primeiro açoite
desta tempestade a qual divago.

Foto de Dirceu Marcelino

TREM DE NATAL - PAPAI NOEL MAQUINISTA - Homenagem a Dácio Martins

PAPAI NOEL MAQUINISTA - DÁCIO NOEL

Homem tu sabes qual é o seu papel?
Pode ser branco como pergaminho,
Moreno com tez dourada de mel,
Deves ir em frente pelo caminho

Traçado para todo Papai Noel!
Sim, leve com amor o brinquedinho
Desejado por seu amiguinho fiel.
Pode ser seu filho, neto ou sobrinho,

Qualquer desconhecido desta babel.
A ti cabe decifrar mesmo sozinho
O sonho encantado em meio ao tropel

Daqueles incógnitos menininhos,
Que aguardam o papai Dácio Noel,
Esperando um momento de carinho.

Foto de Stacarca

Oração

Oração

No fundo romanesco de seus vermelhos e parturejados cabelos, de seu avulto e penetrante olhar de olhos rubros e harmonia perfeita, que faz-me ouvir a sinfonia dos céus e a comissura do inferno dentre almas límpidas e alvas, dentre suas asas do finito e infinito das lamúrias feéricas de todos os Deuses e Satãs, dos seus sonhos, seus magníficos e soluçantes sonhos híbridos, que tornam minh'alma um ser tropel e apaixonado, que torna meu dia em uma noute de nébula escuridão gótica em perfeita sintonia com os balastros de meu ignoto coração. De sua pele virgem e clorótica, de minha contemplação benigna sob teu corpo deleite e santo. Toda a ardência de meu carinho nas ausências da tua boca palpitante, dos lábios supremos e cabalísticos onde a imaginação é a longitude de meus maiores sonhos de arcanjo, na amplidão perpétua de seu falar magnífico, o sidéreo momento peregrino de nosso encontro imortal em convulsos tronos da felicidade, das tuas náuseas humanas que formam maravilhosas e oníricas músicas santas a minha vida venusta, tuas orações, orações qu’eu proclamo em todos os palácios de vida e morte e que transformo no alimento de minha fome em fé. De teu sorriso tesourial e pomposo que me leva ao êxtase e me corta como a gemente cimitarra, de teu cheiro perfumoso e virtuoso que exala nas mais lindas flores do éden e que se compara na borrasca de nosso próprio Deus, O teu sabor absíntico que lunaticamente bebo em meus pensamentos belos e inocentes, do seu caminhar edênico que sigo na mais doutrina clara direção e que seguirei sempre e sempre, de tua história trágica e feliz, deslumbradora que magicamente faço parte agora e farei sempre e sempre e sempre. Teus sonhos e anseios que veementemente busco realizar na mais profunda mirra e estonteante limpidez.
Oh! Que tu concedas esse amor para até o final do começo e fim, que tu percebas esse sentimento que inunda meu peito em regalo, que tu possas dividir comigo esse cálix da sabedoria e que juntos possamos edificar a vida e morte. Lho’fereço esta oração para que tu, somente tu conheças a verdadeira forma do amor. E que entendas que eu te amo, te amo e te amo. Amém.

Foto de JGMOREIRA

DISPARADA

DISPARADA

Passam por mim em disparada.
Oiço-lhes o tropel. Voz muda.
As mãos não chegam às rédeas
A vontade não serve para nada.

A velocidade das cavalgaduras
Atordoa meus olhos. Fere.
Ficam no ar os riscos da sua passagem,
Manchas que atravessam as ruas.

Onde quer que vá é o atropelo.
São belos, vários pelos becos
Sob o sol, lua, amor e medo.
Não obedecem nada. Desespero.

Deliro em minhas janelas
Vendo-os riscar os dias.
Assustam-me nas noites
Quando passam. Mazelas.

Não encontro um sequer rocinante.
São sempre altivos, bravios, indômitos
Nada os detém, voam sem pousa
Estrebaria. Não lhes sei rumo nem nomes.

Um dia pensei tratar-se de tropilha
Que tivessem direção definida
Seguindo algum tropeiro ou dono
Mas é apenas cavalaria.

Observo a marcha forçada da bestiagem
Sem atinar com o sentido das idas e vindas
Como circulassem à minha volta em mostra
Do seu poder, fúria ou da pelagem.

Atônito, tendo dar sentido à manada
Dos anos que passam em disparada
Como se fossem cavalos sem brida
Todos os dias da minha vida.

Foto de Lou Poulit

NÃO CABEM DOIS MARES NO MEU ABISMO

Não cabem dois mares no meu abismo. Não resplandecem duas estrelas na minha escuridão, nem duas manhãs podem beijar o reabrir dos meus olhares. O meu sonho incauto colhe os ventos rebeldes que o arrebatam, e o peito do alto tolhe as vagas que lhe desafiam, mas no silêncio milenar das suas profundezas o meu amor não se desalinha. Pelas imensuráveis distâncias do próprio cosmo, o meu amor peregrina e das palmas que lhe acariciam esmola: de cada era a prece em que tardo e a bailarina, em quem como um raio ardo e me esvaio, com cada passo tece o cetim no espaço, o olhar que toca a tez amada quando amanhece.

O relâmpago, que a eternidade de um instante proclama, não alforria duas senhoras, nem duas escravas lhe possuem a chama. O hálito morno, que áspero lambe o leito e dessedenta o rio, e como um senhorio crava estrelas em suas areias, só tem uma pataca. Para que dois alforjes? Não são de sandálias as suas pegadas, mas onde aponta o velho cajado ancora-se o frêmito do escuro ao firmamento, como se ao crepúsculo o amor ancorasse o vento e, a se deserdar do fim iminente, sentisse o que o músculo não sente. O corpo da amada não mente, o botão guarda o instinto da rosa. O templo espera, de uma só direção, pela manhã sestrosa que há de lhe dar vida às pedras.

Pois que venha o amor no dia das algas. Abissais, viscosas e quentes, esgalgas algas, crispadas no rastro das correntes, rubras espadas a sua conquista. Virá o tempo do grito rijo, nas entranhas do torpor. Virá a madrugada ao regozijo do repouso. Amada, virá o amor tardio... Ah, o amor vadio, sem peja ou medo, a mais doce peleja, o mais furioso brinquedo. Virá na ponta do dedo, no gume da fala, descabelar a pérola numa luta que na vala brota, de pétalas no fundo da grota... O pórtico exíguo e seu tímido obelisco hão de ser soterrados sob as asas do pégaso amado, para que apenas as suas estrelas rasguem o negrume e habitem o instante. Ah, o amor... Pelo caminho dos pirilampos o amor virá com seu tropel. Mas que não venha pelos campos, nem do mar nem do céu, mas com um canto gutural o amor mais visceral venha do nosso passado... E domado como um bicho amante, pela crina, há de transfigurar-se em doçumes, no vau largo da bailarina, num último cismo de lumes. A manhã pertencida espreguiça o levante, sem posses ou posseiros, sim à vida... E nunca mais aos ciúmes.

(Itaipú, 21/julho/2007)

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