Ao largo, o veleiro se desabriga
Do sonho frágil do cais viçoso
Olhando a lua, em seu caminho vicioso
Ao rés dos telhados da vila antiga;
Suas lonas, de estrelas abarrotadas
Túmidas vergam amadeirados mastros
Porque não são estrelas, são astros
Que lhes esgarçam de canções desatadas.
Mas são imensos os perigos insuspeitos
De se amar ao largo assim, e tanto
Os olhares plenos vagueiam estreitos
E a boca beijosa já basta ao espanto.
Então, ao cair da lua sobrevem o escuro
No chão da rua, de destino incerto
O poeta mendiga d’alma o pão duro
E uma gota de orvalho que sacie o deserto.
O silêncio da madrugada é soberano
E sob a clava transita a alma em julgado
Pois vem ao mundo para amar, humano
Mas nem tanto, por ser humano, é amado.
O rosto antes plácido agora lateja
O golpe súbito, que à dignidade exila
Mas o mar revolto, de água ainda beija...
O exílio é melhor que a mágoa de ferí-la.
Ao largo, o poeta trama a amada em prece
Se fortalece, recompondo areias suas;
Abarrota de céu suas veias, exíguas
Que o galo já canta... Em breve amanhece.