Ópera

Foto de CarmenCecilia

UM DIA POEMA DUO

Um dia...
Um dia, longe, vago...
Improvável.
Um dia qualquer,
dia incerto, abstrato.
Inatingível.
Um dia que vem,
outro que vai...
A noite...
Intervalo entre os dias
em tons de ébano...
Noite sutil, flecheira.
Noite certeira...
Como se o alvo fosse atingível.
E é.
Vem armada de lua...
Pingente de prata.
Bala que mata
e arrasta habilmente
o mundo a esperar pelo dia.
Por um novo dia.
E a gente
ínfima semente
à mercê do que virá.
E o que virá?
Adormecida, entorpecida,
alheia à transformação,
submissa à alienação...
Entregue à metamorfose.
Estranha simbiose...Psicose.
Fases crescentes e minguantes,
no semblante.
O frescor do orvalho...
O ciclo normalmente aflora
E desarma, intriga, consola...
Faz confiar de novo
em novo dia
que liberta, acaricia...
Alivia.
Somente mais um dia...
Sem utopia, com fantasia...
Um belo dia...
Contemplação.
A dar início a todos os dias
que virão.

Carmen Cecilia & Carmen Lucia

PARA ESSE POEMA NOS INSPIRAMOS NA MÚSICA DA ÓPERA DO MALANDRO DE CHICO BUARQUE

Foto de Carmen Vervloet

Pai

Pai, quando a saudade aperta,
procuro-te
em cada elemento da natureza,
que com maestria, me ensinaste a amar.
Vejo neles a tua delicadeza,
teu imenso coração desenhado no ar.
Se procuro tua suavidade, busco-te na lua
que do espaço me sorri tão tua...
E no céu encontro teu anil olhar
sempre a me acariciar!
Teu cheiro encontro num botão a desabrochar,
ou na terra molhada, pronta para arar.
A tua paixão pela ópera
encontro no cantar do curió,
dos pássaros teu maior xodó,
que trinava tua canção,
ao nascer do dia com precisão.
Vejo tua alma entre as verdes matas
que preservava com imensa devoção.
Nas orquídeas encontro a beleza
do teu coração, das flores a tua maior paixão.
Na estrelinha perdida no céu
encontro a tua admiração pelo belo,
pelo puro, pelo singelo!
No rochedo encontro a tua determinação,
a tua força e a tua proteção!
No sol encontro o teu brilho, teu calor
e a imensidão do teu amor!
No espelho das águas
encontro a tua face
num entrelace de carinhos e afetos
neste vínculo secreto
que persiste entre nós...
Porque pai, tu deixaste como herança,
não a tua abastança,
mas toda uma vida pautada
na retidão de caráter, na honestidade,
na simplicidade e sensibilidade.
Tatuaste todo o conjunto de teus traços
na alma de tuas filhas
que sobrevivem nesta ilha
com o coração pleno de amor!
E se a vida é cheia de percalços,
guiadas por ti, nosso herói digno de fé
passamos por eles descalços
mesmo com bolhas nos pés,
buscando sempre a sombra das árvores
as margens do rio,
o cair da tarde...
E se o caminho é deserto,
tu sempre estás por perto,
num jardim de lembranças
amenizando nosso sofrimento!
Pai, tu deixaste um belo exemplo,
teus mais nobres sentimentos
que cultivamos através do tempo.

Foto de Paulo Gondim

Ópera torta

ÓPERA TORTA
Paulo Gondim
05/11/2010

Tentas esquecer-me, pois sabes ser preciso
Mas apenas tentas, nada mais do que isso
Nem o sol de um novo dia, nem a lua
O sereno da noite, a luz fosca da rua
Te servem de amparo, de lenitivo
Pois meu amor permanece, em ti, vivo

Assim sou eu, que também não te esqueço
E por assim ser, mais do que tu, padeço
Minhas noites são trevas, as manhãs frias
Orbitam em mim lembranças sem fantasias
Sou um espelho velho a refletir tua imagem
Um trem errante, que não sabe o fim dessa viagem

Somos o resumo dessa ópera torta
Representamos cenas de natureza morta
Dois zumbis, fantasmas na escuridão
Amargando o desprezo, a falta de perdão
Implorando o fim desse vil castigo
No abraço frio e derradeiro de um jazigo

Foto de carmencunha

SENSÍVEL FANTASMA DA ÓPERA

NUNCA VI TUA IMAGEM, UM ROSTO SEM FACE,
MAS SEMPRE SENTI TEU CLAMOR.
OUÇO A TUA VOZ NA HARMÔNIA,
QUE EMANA DESTE SORRISO SONHADOR.
OUÇO TUA VOZ A TODO INSTANTE QUE LEVA
E ELEVA NOSSO AMOR.
NESTE TEATRO, SOU A ÓPERA,
CANTO NOSSO AMOR PARA O MUNDO.
FANTASMA SEM FACE; VIVE DO PASSADO;
MAS É NO PRESENTE QUE NAVEGA
PARA BUSCAR UM MILAGRE DE AMOR.
AQUELE EM QUE ESTAMOS SEMPRE JUNTOS,
JAMAIS SEPARADOS!SIM, PORQUE O AMOR NÃO SEPARA!
SEGUE PELA ESTRADA, PERCORRE O TEMPO,
CORRE NA MATA, NADA CONTRA CORRENTEZA,
ESPERA E VENCE,
FANTASMA E RAINHA SÃO DUAS ALMAS GÊMEAS
QUE RIEM O MESMO RISO,
QUE CHORAM O MESMO PRANTO,
DUAS ALMAS PURAS E SENSÍVEIS,
TOCANDO-SE QUE NEM PLUMA...
AMOR VERDADEIRO, DOCE, TERNO E COMPANHEIRO,
OLHOS QUE NAVEGAM NUMA BUSCA DELIRANTE
FANTASMA E RAINHA SÃO DOIS TENORES QUE CANTAM
UM ETERNO AMOR DESLUMBRANTE,
QUE NASCEU NO INVERNO, PASSOU PELO OUTONO,
FLORIO NA PRIMAVERA, E SE TORNOU ÓPERA DE VERÃO,
PARA CONTAR ESTA APAIXONADA HISTÓRIA DE AMOR...

Foto de Darsham

O Amor...Incómodos à parte

Tenho um problema com o amor, um grave problema! Ouço dizer por aí, pelas bocas do mundo, pelas letras soltas que vejo e revejo em papéis perdidos em cada canto de vida que o amor é a coisa mais bela que existe…
Chega a cansar os meus ouvidos de tanto ouvir a palavra AMOR!!!
Enaltece-se de uma forma sublime…em filmes…em palavras…em livros…em poesia…na música…Vê-se e ouve-se amor em todo lado (para os ouvidos e corações atentos, claro está) que chego a sentir-me profundamente enjoada.
Não, ao contrário do que possam pensar, eu não sou uma pessoa insensível, pragmática, vazia, distraída…Eu escrevo poesia, sou a voz do amor para quem não pode ouvir… Eu ouço Beethoven, Chopin, fado…choro ao ver uma peça de ópera, comovo-me com filmes românticos, voo para longe enquanto leio cada linha que Nicholas Sparks escreve…e tenho em mim todos os sonhos do mundo…
O que me incomoda não é a existência do amor, ou até é, não sei…é tudo muito dúbio…
Incomoda-me a banalização, o dizer por dizer, o falar por falar…e o coração? Será que ainda alguém sabe o que é amor? Amor sem razão, daquele que nos atraca o coração e nos despe a alma? Daquele que nos sacode os bolsos da sensatez…daquele que nos amarra sem cordas, nos cala a voz…daquele que nos tira a respiração e nos faz acreditar que vamos morrer por não termos espaço em nós para estacionar este avião que invadiu o nosso coração…
Será que entre a pausa para o café, e os pagamentos do mês ainda se tem tempo para reflectir sobre o amor? Será que todas as bocas que expressam a palavra amo-te atribuem o verdadeiro valor a este sentimento tão sublime e majestoso?
Incomoda-me, claro que me incomoda ver almas vazias e desprovidas de sensibilidade, que faria revirar na sepultura grandes poetas que a historia não esquece, verbalizar, assim, como se fosse uma pancadinha nas costas a palavras amo-te…amar não é só falar, é praticar, é encher-se de vida e gritar ao mundo que no peito nada cabe mais…
Incomoda-me também que não existam teses sobre o amor, em que expliquem tudo o que há a ser explicado sobre ele, para que o possamos conhecer e reconhecer, para que saibamos quando encontramos o nosso amor, o verdadeiro, a outra metade de nós, que nos completa…podemos viver toda uma vida com a pessoa errada, sem sabermos onde está a certa, ou sabermos, mas nada podermos fazer, porque o tempo já é outro e construíram-se outras histórias, das quais não fizemos parte, por termos construídos outras, paralelamente…
O amor rege a nossa existência; determina quem somos; representa-se nas nossas convicções, princípios, crenças e atitudes e descreve a sua rota nas linhas do nosso rosto, no brilho do nosso olhar, abrigando-se no nosso sorriso…à espera da noite…ou do dia…
A dualidade do amor… isto também me incomoda, de verdade, esta sombra dúbia que me chicoteia por dentro, que me finta o discernimento e me espanca a razão…tanto nos pode elevar às estrelas, como nos faz cair e bater em cheio com a cara no chão…sussurra ou grita-nos, queima-nos ou gela-nos, dá-nos o sorriso ou a lágrima, protege-nos ou abandona-nos…e aquilo que é contrário do bom, não é bom e dói…
Quando temos amor por alguém a vida fica tão mais fácil, não temos medo de nada, somos capazes de atravessar o mundo se for preciso e sorrimos muito, muito mais …se o amor parte, uma parte de nós também vai com ele e tentamos dia após dia, encontrar razões que nos façam sorrir, procurando formas de conviver com a solidão, para que não doa tanto…o coração fica apertado e lentamente vamos encontrando o nosso caminho, descobrindo novos horizontes, navegando para outras margens…renascemos numa nova vida e colocamos mais uma pedra no castelo da nossa identidade e unicidade. Encontraremos outro amor, que nos devolverá o sorriso, de uma forma espontânea e tudo faremos para que os erros que sejam cometidos nesta nova história (sim, porque os erros fazem parte de nós) tentem ser compreendidos e ultrapassados, tentando edificar estruturas sólidas em termos relacionais…
Porventura, voltará a suceder-se o mesmo e o ciclo recomeça, ou poderá realmente dar certo naquela vez, mas por mais voltas que a vida dê, por mais labirintos que percorramos, haverá sempre uma porta aberta para o amor.
O amor transporta-nos em viagens alucinantes por caminhos desconhecidos no nosso interior…já procurei mil e uma maneiras de descrever este sentimento tão…tão…indecifrável e transparente ao mesmo tempo e nunca consegui passar para as letras a magnitude, a cor, o som, a temperatura, a textura, o odor, a mistura, a mescla de coisas unas e simples que nos invadem a alma e nos descabelam a lucidez que se apossa de nós quando experimentamos o amor…
Porém, encontrei uma “definição” que até hoje me pareceu a mais perfeita e a mais simples. É uma pequena parte de uma passagem da Bíblia, que integra «1Cor.13», e é assim:
“…O amor é paciente, o amor é prestável, Não é invejoso, não é arrogante, nem orgulhoso, nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita nem guarda ressentimento. Não se alegra com a injustiça, mas rejubila com a verdade.
Tudo desculpa, tudo crê. Tudo espera, tudo suporta…”

Digo que para mim esta é a definição mais perfeita do amor que já li, pela sua simplicidade e no entanto faz-me questionar e pensar tantas coisas…ou o amor entrou em vias de extinção, e as únicas espécies sobreviventes que o encarnam vivem no outro lado do globo, ou então esta pequena passagem sobre o amor, que tanto gosto, não passa de uma utopia, um discurso naif…publicidade enganosa?
O certo é que, aparte as utopias, a publicidade enganosa e os incómodos de que me queixo, o amor é o pão-nosso de cada dia, é o nosso alento, a nossa motivação, muitas vezes o perdão…sem ele, o amor, a vida é a preto e branco, o mar é só uma enorme porção de água, os dias não têm propósito, a música é só mais um barulho que chega aos nossos ouvidos, somos gelo…somos parasitas...
Incomodam-me muitas coisas no amor, mas o que me incomoda de verdade, é não amar, muito mais do que não ser amada…ao não amarmos não reconhecemos nem valorizamos o sentimento do outro, não sentimos, não somos, não se é! Porque o amor é o milagre, é o sentido, é a matéria de que somos feitos, é como que um culto a seguir…
Porque o amor é querer ser muito mais do que ter! É a harmonia entre histórias, atitudes, pessoas, credos, cores, partidos, clubes…a vassoura da diferença e indiferença, é a medida certa…qb (quanto baste) …
Prefiro amar, e só amar, ainda que nunca amada, pois de contrário não serei abençoada…
Beberei eternamente pelo cálice do amor, mesmo que sede não tenha e darei a beber de quem da secura padeça…

Depois de dar nós ao cérebro para tentar tirar o itálico do resto do texto, acabei por desistir, antes que o computador ficasse com ferimentos graves (risos). Se alguém me puder ajudar agradeço!

Beijinho
Darsham

Foto de pttuii

Aristóteles de Sousa Escrivão

Num futuro assustadoramente próximo, a fúria de um homem servirá para abrir todos os telejornais do mundo. Cansado de assumir os despistes da condição humana, Aristóteles (chamemos-lhe assim) vai pegar em armas e virar-se contra o poder dos mitos. Sem precisar de andar muito irá, um dia, sair de casa e encarar, olhos nos olhos, a diva da ópera. Luísa Todi, imortalizada num busto de virginal mámore branco no centro de Setúbal, será sequestrada. Tudo se vai passar tão rápido, que quando as pessoas se aperceberem já será tarde de mais. Num dia de Verão, mais um a prenunciar a careca de ozono de que o planeta já padece, Aristóteles colocará em prática anos a fio de saber livresco. À hora a que estas linhas estão a ser produzidas, o criminoso do futuro estuda afincadamente a metodologia dos protagonistas dos mais famosos quinze minutos de fama do mundo. Manuel Subtil, Al Pacino em 'A dog´s day', Vladimir, o ucraniano que sequestrou o dono da pastelaria 'Sequeira' na Avenida da República, em Lisboa. Será rápido na abordagem, terá de conseguir prever todos os possíveis erros e, acima de tudo, ter óptimos pulmões para que todo o mundo o consiga ouvir. Num futuro assustadoramente próximo, Aristóteles vai rodear o busto de Luísa Todi com suficiente C4 para rebentar com a Casa Branca. Com o detonador numa mão, e uma AK 47 na outra, vai esperar que todas as unidades especiais da Polícia cheguem. Depois, logo a seguir, virão dezenas e dezenas de jornalistas. Para finalizar o cortejo da decrépita condição humana, marcarão presença milhares de aves necrófagas. Altos, baixos, velhos, novos, brancos, pretos, amarelos. A capa é humana, mas o interior será com certeza animalesco. Aí, e só aí, quando estiverem reunidas todas as condições necessárias para que o mundo saiba quem é Aristóteles, é que quem estiver a ler este texto perceberá, por esta altura, que esteve a ser enganado. Eu, o autor, identifico-me como Aristóteles Sousa Escrivão, bêbado profissional neste mundo há 53 anos. Acabei de apedrejar o busto de Luísa Todi e, neste momento, estou preso num calabouço policial a tentar imaginar que sou uma pessoa importante. Ai de quem se atreva a quebrar uma ilusão que, além de não pagar impostos, prova a teoria evolucionista de Charles Darwin. Deus nunca teve nada a ver com os macacos fodilhões. A má sorte de mais tristonho dos Austrolopitecus, é que está na origem da minha estadia nesta cela.

Foto de Carmen Vervloet

PAI

PAI

Quando a saudade aperta
Procuro-te
Em cada elemento da natureza
Que com maestria me ensinaste a amar.
Vejo neles a tua delicadeza
Teu imenso coração desenhado no ar.
Se eu procuro tua suavidade, busco-te na lua
Que do céu me sorri tão tua
E ainda encontro seu anil olhar
Sempre a me falar!
Seu cheiro encontro num botão a desabrochar,
Na terra molhada, pronta para arar.
A tua paixão pela ópera
Encontro no cantar do curió,
Dos pássaros, teu maior xodó,
Que trinava tua canção,
Ao nascer do dia, com exatidão.
Vejo tua alma entre as verdes matas
Que preservava com imensa devoção.
Nas orquídeas encontro a beleza
Do teu coração, pelas flores a tua afeição.
Na estrelinha perdida no céu
Encontro a tua admiração pelo belo,
Pelo puro, pelo singelo!
No rochedo encontro a tua determinação,
A tua força e a tua proteção!
No sol encontro o teu brilho e teu calor
E a imensidão do teu amor!
No espelho das águas
Encontro a tua face
Num entrelace de carinhos e afetos
Neste vínculo secreto
Que persiste entre nós
E jamais se dissolverá!
Porque pai, tu deixaste como herança,
Não a tua abastança,
Mas toda uma vida pautada
Na retidão de caráter, na honestidade,
Na simplicidade e sensibilidade.
Tatuaste todo o conjunto de teus traços
Na alma de tuas filhas
Que sobrevivem nesta ilha
Com o coração pleno de amor!
E se a vida é cheia de percalços
Guiadas por ti, nosso herói digno de fé
Passamos por eles descalços
Mesmo com bolhas nos pés,
Buscando sempre a sombra das árvores
As margens do rio,
O cair da tarde
E se o caminho é deserto
Você sempre está por perto
Num jardim de lembranças
Amenizando nosso sofrimento!
Pai, tu deixaste um belo exemplo
Seus mais nobres sentimentos
Que cultivamos num sólido templo!

Carmen Vervloet
Vitória, O7/08/2008

Foto de myrian

Voce

Tira o roupão;
Deixa ver teu corpo;
deixa ver a cicatriz da virilha;
Deixa que alguém passe pelos músculos da razão;
Deixa que explorem teu corpo vivo;
Deixa que te façam tudo e que dele brote a canção ou hino ou a ópera ou
mesmo o tango.
Deixa que te toquem que te vejam
Deixa que te xinguem, e que desse monólogo presente surjam juízos.
Deixa que te olhem, mostra tudo, sem ambigüidade.
Deixa que tudo seja descoberto.
Deixa que te chamem,
Deixa que te abandonem....
Ouve sempre
Não acates por ti só, nunca!
Vinga sempre.
Olha pra tudo, Vê tudo
Põe a roupa sob o corpo vivo e limpo.
- Sente a emoção da cicatriz saliente.
- Cura-a!
Raciocina sobre os músculos e os instintos.
Canta a canção tua.
Mostra a parte doída.
Responde tudo
Abandona a carapaça.
Veste o que te dão.
Rasga o que te incomoda.
Fura o que te esconde.
Escandaliza a tua vergonha
Pisa a tua moral.
Desmoraliza tua verdade.
Chora da alegria,
Não importa a reação.
Pisa na tristeza,
Faz dela catalisador para o conhecimento.
Ama
Beija.
Morde.

Myrian Benatti

Foto de jgdearaujo

Anjos decaídos

De deus, sobre homens... a título de explicação e justificativa infundada...

O resumo da ópera é que você perdeu
O trem da história
Tua memória
Inglória...

O segredo do tempo é que ele passa
... e passa... e passa!
... e passa.
E você passa... e passa...
Pelo tempo... passa.
Estava escrito e você não leu

O segredo da esfinge estava lá.
Estava escrito e você não leu.

E a esfinge-tempo te devorou
Se engasgou, te vomitou.
Te devorou, se engasgou,
Te vomitou... te devorou...

Foto de Paulo Gondim

Teus pedaços

Teus Pedaços
Paulo Gondim
22.05.2006.

Numa noite úmida e fria de inverno
Tu, sem explicação, sozinha, partiste
Por mero instinto ou intuição
A procura de sonhos, de nova paixão
Como formiga que se faz alada
E se perde na primeira chuvarada
E voa, voa, até perder as asas
E volta a ser formiga, agora sem morada.

Imagino quantas e quantas voltas
Por esses caminhos foram dadas
Na tua longa e sedenta caminhada
A procura da fé, a procura do amor
Em busca do encontro, do sabor
Que outrora só em meus beijos
Tinhas com fervor

E nesta desvalida aventura
Que te fez fugir tanto assim
A vida não te foi amiga
Bateste de frente, cara a cara
Com a desilusão, com a tristeza
Nessa estrada cheia de incerteza
Viste de perto a morte, ali
No convite fúnebre, mórbido
Oposto de tua esperteza

Mas, ainda não foi dessa vez
Uma chance a mais a vida te deu
De terminar tua obra, tua missão
De reconciliar-te com o amor
Olhar para vida, com olhos limpos
Baixar a guarda de teu coração
Deixar-se amar e também amar
Como sutura de tuas feridas
De tuas mágoas, de tuas cicatrizes

E é aí que entro mais uma vez em cena
No papel que me cabe nessa ópera
De menestrel de tua pobre orgia
Recitando-te meus versos rudes
Na apoteose de nossa agonia

Recebo-te toda nos meus braços
E mulher, mais uma vez te faço
Seco tuas lágrimas, remendo teus fracassos
E fecho os olhos à minha dignidade
Deixo de ser eu, ignoro tua falsidade
Olho para ti e colo, um a um, os teus pedaços

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