Mal

Foto de edileia

Acidente

Meu amor a cem por hora
Bate em seu silêncio: colisão!
A perícia, o laudo, que vigora:
Politraumatizado é o coração.

E eu sofro hemorragia
Que não sei como estancar,
Pois, se sangue, eu saberia,
Mas é vida a me escapar,

A fugir, com urgência tal
Que já sofro hipotermia,
Um calafrio abissal...

Morre a alma, se alivia.
Vai o amor, fica o mal:
Eu e você, no jornal!

Foto de HELDER-DUARTE

Portugal I

Oh Portugal! Portugal!...
Eu canto-te um cântico,
Tu pátria, terra sem igual.
Terra, irmã do Atlântico.

És linda, nessa história do mar,
Ao qual, deste teu amar.
Os peixes te beijam.
As águas te acariciam.

Ventos te dão alvura,
Para caminhares, tão pura,
Nessa tua temporal história.
Até que alcances a eterna glória.

De poetas és mãe!
Eles te exaltaram,
Nos cânticos, que a teus filhos deixaram.
Sim tu oh terra de Camões...

E por outros, és cantada também:
D. Dinís, o trovador,
Te deu, louvor...
Nos cânticos, de amor, amigo, mal e bem...

Esse Lopes Fernão,
Nos conta, como venceste
Com Avis João...
Esse, que foi de Lisboa, mestre.

Com Barcas Autos, te aperfeiçoou,
Esse Gil, que ao teatro, fundou.
Bernardim, de teu sofrimento, falou.
Como o dessa «Menina e Moça» que pelo rouxinol, chorou.

Também, outros te louvaram
E o bem te ensinaram:
Damião de Góis, te escreveu.
Garcia Resende, força te deu...

Vieira Padre, nesse poder continuou...
E a teus peixes, salvou.
Tantos te amaram,
Teus feitos contaram...

Tu oh Nova Lusitania!
E filha de Espanha.
Sim tu mãe de amor!
De grande resplendor!...

Helder Duarte

CONTINUA

Foto de Senhora Morrison

Coração Tranquilo

Mais um gole
Enquanto observo lá fora
Do alto,
Desta janela...
Sentindo o ar frio em meu rosto
Encolhendo-me como a querer proteger...
Proteger do que?
Se minha vontade...
É saber voar
Ir pra onde nada pese...

Meu corpo frio,
Meu cérebro a mil...
Somos pensantes
Ha, Ha, Ha...
Nunca somos um todo
Inteiro, de verdade.
O que me falta, já não sei.
E essa melancolia
Essa gana de não sei o que
Essa precisão...
Essa lucidez saudosa
De tempos, atitudes, horizontes...
Que se foram? Existiram?

Se tem alma
Este corpo a aprisiona...
Este corpo que padece
As ações do tempo
Das irresponsabilidades
De noites mal dormidas
Sabe-se lá com quem...
Sabe-se lá por que...
Dos tragos e tragos a mais...
Das risadas por diplomacia...
Dos choros por conveniência...
...desde o berço...
Dos amores por necessidade...
...de um colo no fim da noite de gemidos e fingimentos...
É tudo irreal, superficial...

Sou sozinha,
Sou uma peça,
Sou o desfecho...
...fundamental
Essa subserviência desnecessária
Esse interesse proposital
Essas décimas quintas intenções...
Não quero mais isso
Isso tudo me acaba
Isso tudo me sufoca

Mas não mata
Nunca mata
Nunca morre
Nunca mata...
O dia seguinte sempre segue
E ainda abro meus olhos
E ainda respiro este ar fétido
De gananciosa poluição
Não vale mais
Nunca valeu
Não tenho mais credibilidade
As fichas acabaram

Os sorrisos sinceros são milimetrados
Esporádicos, anulados
Por bombas caseiras e de efeito moral
Não dá pra ser inteiro,
Sou parte disso
Meus fragmentos sofrem
Como sorrir
Sinto meu sangue pulsar
Do outro lado dos continentes...
Com os mesmos olhos...
Que vêem o que não querem

Calo-me
Mas ainda vejo meu reflexo
Neste maldito espelho
Que não refleti o que o mundo determina
Mas...
Transparece a límpida alma
Que pouco importa
Sempre consigo me anular
Vou à busca dos meus
Este mundo não me pertence
Mas continua a flagelar
Pobres mortais
Dignos da esperança...
De etnias impostas por outrem
A condenar sem motivos
Desencorajando sonhos
Cortando as garras
E começando tudo de novo
Sem um fim plausivo

Agora recosto minha cabeça ao travesseiro
Sem alardes e acontecimentos
Deixo a inércia tomar conta
Do corpo
Da mente
Permitindo...
Querendo mais uma vez
Acalmar minha fúria
Atravessando uma senhora no farol...
Contribuindo pra cola com uma moeda...

Quem irá mudar o prisma do mundo...

Senhora Morrison
28/05/2006

Foto de Lou Poulit

São Jorge e o Dragão

Sentados em bancos tipo meia-bunda, Hermes e Cuia haviam acabado de chegar ao balcão da birosca. Cuia era bebedor dos bons. Mulato quase negro, de fala mansa e bigodinho de chinês. Bom malandro, sobrevivente a tudo. De terno e gravata daria um excelente relações públicas. Só bebia cachaça e tinha preferência: Ô Portuga, dá meu marimbondo aí! Já seu amigo Hermes era letrado. O Vela, como era chamado na adolescência, era magérrimo, branco como um defunto, parecia meio lento em tudo. Havia se afastado dali por alguns anos e nesse tempo fez faculdade, arrumou emprego, casou, separou, casou de novo, separou de novo, casou mais uma vez... Continuava mal bebedor, pedindo a mesma marca de uísque: Ah... Bota qualquer um aí, Portuga.

O Cuia só observando. Em sua cabeça um silêncio era bom conselheiro: gozado, o tempo passa e as pessoas vão se misturando. Aquela que conhecemos desde dos tempos das pipas e peladas, agregam-se com outras que não conhecemos ainda, mas parecem tão importantes quanto as antigas, senão mais. E todas se dão muito bem umas com as outras, dentro do mesmo corpo.

Era manhã de domingo, dia de decisão no campeonato local de futebol. A birosca na encosta da favela já parecia lotada. Se a polícia chegasse de repente, com certeza ganharia o dia, porque já era quase impossível aos de dentro vigiar os que viessem de fora. O tumulto pacífico da birosca era como o Hermes. Com o passar dos anos alguns não arredam pé. Outros, desconhecidos, chegam, depois voltam e vão ficando. E outros tantos somem, por algum tempo ou definitivamente. Mas a birosca ainda era a birosca do Portuga e as alterações individuais não modificavam muito a mistura. Fora a fauna birosqueira, tudo mais parecia continuar nos mesmos lugares: as garrafas de bebidas mais caras, os salames e enlatados cobertos de poeira, no nicho de táboa a lâmpada devia estar iluminando o São Jorge que, a despeito da ausência de uma lança, não fora ainda comido pelo dragão, apesar de tantos anos de luta. O próprio Portuga sempre se dizia convencido de o aquele dragão enchia a cara de madrugada, depois que fechava as portas, e que só por isso não conseguira ainda comer o santinho.

O Hermes agora tinha uma identidade virtual, a julgar pelo palavriado que estava usando e que provocava a indignação dissimulada dos bebuns mais próximos: sabe, Cuia, o Portuga devia deletar aquele mictório compactado... Como é que é? – Espantou-se o amigo. É verdade, mermão... Aquilo é um banco de vírus! O Portuga é meio lento mesmo. Ele quer que esses caras acertem uma latinha daquelas. Já viu bêbado bom de mira?... Não – Cuia achou melhor não interromper – Nunca vi não... Então, Cuia, pra começar você tem que se espremer pra passar na portinhola. Só nisso já vai um risco. Depois tem que segurar a bebida, o cigarro, a portinhola... A portinhola?... Claro, mermão, vai que alguém deixa pra última hora e entra lotado. É uma senhora “portada”!... Riram-se os dois e o Cuia completou: É o que chamo de um arranca-rabo!... E o cara que não queria encostar em nada... Vai chegar em casa todo molhado – Hermes interrompeu - e a dona encrenca vai inserir o cara na casinha do quintal, vai passar a noite junto com o Totó!

Ô Hermes, por falar nisso, cadê a Laurinha?... Laura? Ô Cuia, que estória é essa de “por falar nisso”? Eu nunca dormi com o Totó não. Você precisa ler as atualizações do meu perfil... Ler as atualizações... – Repetiu o outro perplexo. E faz isso rapidinho, porque eu tô saindo, Cuia... Você tá saindo... Já vai embora?... Que vou embora, cara? Quis dizer que tô desistindo das mulheres dos outros... – e aproximou-se do ouvido do amigo – Estou apostando todas as fichas na mentirinha... Que mentirinha, Hermes?... Ô rapaz, aquela gata gorducha, que trabalha na “lan house”, vai dizer que nunca viu?... Sei, da loja de internet ali no fim da ladeira. Mas não era a Laurinha a razão da sua vida?... Laurinha nada... Se arrumou com o dono da firma, agora desfila de gerente... Ô meu irmão... – O Cuia mostrou-se penalizado – Que azar... Azar? Você não sabe da missa a metade. Depois dela já tive a Mariazinha, a Teresinha e a Socorrinho... É mesmo Hermes?... Tô te falando, Cuia, mulher dos outros agora pra mim é homem!... Nenhuma delas deu certo, né?... Não podia dar: A Mariazinha só queria saber de ganhar coisas caras... Ih, mermão, isso ia te deixar na miséria... Deixou mesmo. A Teresinha no início era uma santinha, o marido tinha sido atropelado, vivia numa cama, e ela passava o dia fazendo sexo pelo computador... Mas isso não resolve, Hermes... Não, a gente saía toda semana... Então, qual foi o problema?... Ela acabou viciada, Cuia. Perdeu a fibra... Como assim, não era a sua mulher?... Não!! Era mulher do computador!!... Ô Portuga, dá mais um aqui pro Hermes!

Cuia precisou pedir mais bebida para dissimular. Tinha muita gente em volta olhando, querendo saber quem era aquela tal mulher do computador. Sem se dar conta e parecendo soterrado de alguma culpa, Hermes foi se explicando: Mas a Laura, ô Cuia, ela não foi a única culpada, sabe? Porque quando comecei a desconfiar dei de ficar deprimido. Depois, sabe... Eu não dava mais cem por cento, depois nem oitenta, e foi diminuindo, diminuindo a transmissão dos dados... Entende?... Os dados? Ah, sim, acho que entendo. Mas e a outra?

Quem, Cuia? Já te falei, depois foi a Mariazinha... Me deixou numa miséria de dar gosto. Ô acesso caro aquele, sô... Aí eu não podia mais fazer outras coisas das quais gostava e sentia falta, não tinha grana pra nada. Estourei o cartão de crédito. Ninguém olhava mais pra minha cara, mermão... Tentando entender melhor, o Cuia perguntos pelos dados... Ah, a transmissão voltou a cair, né? Chegou a menos de um quilobite por segundo! Ô desespero o meu... Por que você não fez uns programas, pra variar?... Programa, não fiz nenhum, Cuia. Mas baixei tudo que pude baixar. Todo dia era dia de “down”... E nada de “up”... Nem um cachorrinho? – O Cuia perguntou brincando, para tentar levantar o astral do amigo... Nem um, era só cavalo-de-tróia!... Essa eu não conheço ainda, mermão... Nem queira, Cuia. Depois você tem que fazer uma faixina geral. É muito chato mesmo. E se perdesse o HD nunca mais vinha aqui beber com você. Em falar nisso, ô Portuga! Cadê o meu uisquinho?... Já vos dei, ó pá!... Tão dá outro!

Da posição em que estava, Cuia percebia o interesse crescente dos bebuns em volta na estória do Hermes, mas achou melhor não interromper. O amigo devia estar precisando desabafar. Depois, eles não poderiam mesmo entender aquele dialeto de informática. Também não entendia bem. E o Vela continuava falando: Agora a Teresinha, Cuia, nas primeiras vezes aquilo chegava sem jeito, olhando pro chão... Mas dali a pouco a santinha virava o demônio com rabo e tudo. Caraca, mermão! – O Cuia completou – Você só no piloto-automático... É isso, Cuia, o navegador era dela. Ela que escolhia a página... E num tinha anúncio não!...

Ao ouvir tais palavras, um dos bebuns já bastante calibrado, amigo dos tempos das pipas, chegou-se ao ouvido do Cuia e perguntou: Ele tava vendo televisão ou o que?... O Cuia dissimulou: Ainda não sei, mermãozinho. Fica na tua aí, na moral. Deixa o cara acabar de falar, valeu? O bebum voltou meio inconformado pro canto dele e o Hermes falando: Mas foi assim só nas primeiras vezes. Pôxa, Cuia, eu já tava apaixonado por ela quando, numa tarde, começou a balbuciar umas arrôbas diferentes... Que arrobas, Hermes?... Endereços, Cuia... Ah, dos outros amantes dela?... Que outros amantes? Amante era eu, o resto era virtual! - Hermes indignou-se, deu um murro na táboa do balcão e pediu mais uísque. Do seu canto, sentindo-se desprezado, o bebum disse com a voz lenta: Taí... Que machão que ele é... E recebeu um olhar enviezado do Cuia.

O Vela nem se dava conta do que acontecia à sua volta, ia desfiando o seu rosário enquanto a audiência dos bebuns aumentava: Eu não queria bloquear nem excluir a Teresinha, mas a cada nova tentativa ficava pior... Aí conheci a Socorrinho, que também era Maria, Maria do Socorro... E qual era o problema dela, mermão?... Não era ela não, Cuia. O problema era o marido dela... Ué, por que?... Porque o cara tinha mais de dois metros de altura, era muito forte e ruim que só o cão... E ele sabia que era chifrudo?... Sabia, mas era apaixonado pela Socorrinho e já tinha mandado dois pra lixeira, cara!... Ih, canoa furada, Hermes... Então uma tarde ela me chamou na casa dela... E você foi, maluco?!... Fui, ela me disse que estava precisando de um desencanador... Ocê é doido... É foi doidice mesmo. Quando eu pensei que ia carregar o arquivo, a trezentos kilobites por segundo... O cara te deu o flagrante... Não, tocaram a campanhinha... Ô mermão, ninguém toca a campaínha pra entrar na própria casa... Pois é, mas já derrubou a velocidade, né? Era o filho da vizinha. Ela despachou o moleque a agente voltou pro matadouro...

O bebum desprezado era um bebum respeitado. Toda hora fazia uma careta, ou um gesto, e os demais bebuns, formando já uma meia-lua às costas do Hermes, trocavam impressões. Percebendo tudo, o Cuia tentou levantar a moral do amigo: Aí você fez o couro comer... O bebum balançou o dedo indicador e fez beiço, querendo dizer que não acreditava. O Hermes respondeu: Mais ou menos, Cuia... Os bebuns metidos a jurados dissimularam uma estrondosa risada, quando o bebum desprezado saiu da birosca fazendo uma porção de gestos. Mas não demorou muito, alguns minutos depois lá estava ele novamente, pedindo licença para passar e voltar ao seu canto. Que mais ou menos é esse? – Perguntou o Cuia. Eu disse mais ou menos porque quando o programa estava quase carregado, ela me sussurrou que ouvira um barulho na cozinha. De repente o cara entrou no banheiro, já tirando a roupa, e quando me viu perguntou o que eu estava fazendo ali... E você, mermão, por que não pulou a janela?... Que janela, Cuia? Primeiro porque não tinha uma por onde eu pudesse passar. Segundo porque o banheiro era tão pequeno e o cara tão grande, que eu tinha a impressão de que éramos duas sardinhas numa lata. Ou melhor, uma sardinha e um tubarão! Que coisa, rapaz. Ele entrou tirando a roupa e eu tentando vestir a minha!... E aí?... Ai eu disse que já sabia qual era o problema... Como assim, Hermes?... É, mermão. Vou explicar: Quando corri pro banheiro, logo vesti a cueca. Aí ouvi o cara falando que havia chegado o caça-vírus. Então, em vez de por a roupa, eu desenrosquei o sifão da pia e abri a torneira. Só não deu tempo de abotoar as calças... E o cara caiu nessa? Mas que otário!... Bem isso eu não sei. Porque eu disse a ele que no dia seguinte voltava pra tirar o entupimento. Ele me pediu que saísse do banheiro porque queria olhar o serviço. Enquanto ele olhava eu fui saindo. Quando pus o pé na rua, mermão, desembestei que nem a mula-sem-cabeça! E ainda passei uma semana correndo. Vendo o cara atrás de tudo que era poste.

A turma de bebuns já não dissimulava mais as risadas e os julgamentos. E já não era composta apenas de bebuns, nem somente de homens. Haviam chegado mais torcedores e algumas prostitutas mas, devido a bebida já em conta alta e ao peso das lembranças, o Vela não se importava. Expunha-se ao ridículo, despertando a piedade de alguns. Cuia não sabia mais o que fazer. Pensava em como levar o amigo para casa, enquanto ele ainda pudesse andar com as próprias pernas. Mas de repente o Hermes se empolgava e recomeçava a falar, sem tramelas na lingua já melosa. Estava claro que ele não se submeteria a nenhum conselho: E tudo por causa daquela piranha, Cuia! A gente era feliz. Eu percebi muito antes e falei com ela. Disse que o Afrânio ia querer lotar o disco, secretária novinha, com tudo no lugar, se sentindo importante... É, o cara foi esperto... Ela é que foi uma vagabunda! Eu avisei antes, ela aceitou porque se entusiasmou com as gentilezas do Dr. Afrânio – disse o Hermes com desdém... Mas clama, mermão, isso agora já é passado. Esquece essa estória e vai em frente. Você não quer pegar agora a mentirinha? Então pega e esculacha, mermão. Vai te fazer esquecer as outras. Inclusive a Laurinha... Ah, a Laura não, Cuia. Eu não consigo esquecer o que ela me fez. Nunca, jamais vou perdoar aquela mulher. Se encontrar com ela na rua eu arrebento a piranha de porrada.

Sem sair do seu canto, o bebum desprezado balançava o dedo e fazia beiço. Os demais, já em franco debate, se dividiam. As prostitutas, em grupo, se defendiam. Alguns torcedores defendiam as prostitutas, para que tivessem o que fazer depois do jogo, afundar a mágoa em caso de derrota. O Portuga não tomava partido, bastava-lhe vender bebidas para todos. No fundo todos se divertiam, aproveitavam o fim-de-semana. Até o dragão se divertia com aquele São Jorge sem lança! Menos o Vela. Estava realmente consternado, não parava de imaginar formas alternativas de trucidar a Laura. E usava as opiniões dos bebuns para reorientar as suas tramas, curtindo a dramatização da sua desgraça, como se lhe causasse prazer. Numa dessas, ao dirigir-se ao grupo de prostitutas para ver sua reação, percebeu que uma delas saia de trás do grupo e atravessava em sua direção. Ele não queria falar com ela, era apenas uma puta, como dizia ser também a Laura. Tudo farinha do mesmo saco! – Disse em definitivo.

Quando o Hermes escutou aquela voz de mulher lhe dizendo um curtíssimo “Oi” pelas costas, imaginou que o mundo havia parado de repente. Um silêncio palpável preencheu o ambiente. O Vela tentava decidir o que fazer, sob o peso de muitos olhares. Quando se voltou para trás, viu que havia uma mulher muito bonita no centro de um pequeno espaço, obviamente aberto para ela. Apesar do congelamento generalizado, apenas o bebum desprezado balançava a cabeça, mas agora positivamente. O Hermes não conseguia articular uma só palavra. Dentro do seu íntimo encharcado de uísque “qualquer um”, tudo era escuridão, uma multidão de vultos ia e vinha, sem que ele pudesse organizar o pensamento. Não teve coragem de dizê-lo, mas não restava nenhuma dúvida: só podia ser a Laura. Queria olhar dentro dos seus olhos, pois conhecia-lhe o olhar, mas a bebida já não o permitia. E quando a mulher lhe estendeu docemente a mão, com um sorriso calmo e soberano no rosto, o Vela não conseguiu fazer resistência. E deixou-se levar lentamente para fora, pela mão, como uma criança ingênua. Atravessando o silêncio estupefato e o julgamento sem veredicto de cada um dos presentes, sumiram os dois entre os torcedores que, na rua, preparavam-se empolgados para tomar o caminho do estádio. Como se houvessem ali dois mundos paralelos, o casal e os torcedores não se confundiam, mal se notavam. Era de se pensar que não estivessem no mesmo tempo e no mesmo lugar. Uma mão imensa e irresistível parecia abrir aquele mar de gente, enquanto o casal sereno e mudo escapava dos julgamentos, sem que se molhassem sequer no suor dos torcedores.

Na birosca, foi o bebum desprezado que quebrou a perplexidade. Deu um tapa na lateral do balcão, fazendo um estrondo que deixou o Portuga furioso. Ô Portuga! Dá outro marimbondo aqui pro meu amigo Cuia, que ele está pagando o meu também – e virando-se para o mulato, que se mantinha pensativo, sussurrou - como nos bons tempos, hem Cuia? Uma a uma as pessoas foram se reacomodando pela birosca. O bebum sentou-se no banco, que o Hermes deixara morninho, disse com ar sábio: Ah, o amor. Coisa mais linda é o amor... Encafifado, o Cuia não respondeu mas quis saber: Sabe, você até pode me achar com cara de panaca, mas eu não tenho certeza de que aquela mulher era a Laurinha. Se bem que era muito parecida, não vejo há anos, mas acho que não era não... O bebum virou a sua cachaça toda de uma vez e depois ficou olhando para o chão, reflexivo, com um sorriso torpe nos lábios. Depois de um tempo, finalmente falou claramente: Não era ela mesmo, Cuia... Mas então, quem era ela?... Depois de fazer uma careta, como se rebuscasse o passado, explicou: Você não se lembra da Fátima? Não, né. A menina que vendia bala na estação do trem... Não, não me lembro mesmo... Eu conheci as duas desde pequenas, desde quando eu era um homem respeitado. A Fátima é mais nova, mas sempre foi parecida com a Laura. Depois meteu-se com aquele bandido, famoso por cortar as orelhas dos seus desafetos... O Pinga-Fogo... Isso, ele mesmo. Ele sustentava a ela e a outras molecas. A Fátima engravidou para se sentir mais segura, mas o cara apareceu cheio de buracos pouco antes do bebê nascer. Ela então andou na mão de um e outro bandido, pra manter o pirralho. Depois desapareceu de repente. Passou uns anos fazendo programas com gente endinheirada, gerentes de banco, diretores de empresa. Tem três meses que ela reapareceu, está morando no bairro aí de trás... Mas por que ela tomou aquela iniciativa?... Porque, como lhe disse, coisa mais linda é o amor...

O Cuia estava inconformado, não conseguia entender direito. Não vai me dizer que ela está apaixonada pelo Hermes?... Que apaixonada, Cuia. Ela nem conhecia ele direito... E como ela veio parar aqui na birosca?... Eu chamei, ora. Ela é puta, não é adivinha. Mas eu conheço ela muito bem. Você sabe que conheço as putas daqui. Não posso mais pagar pelos serviços delas, mas conheço bem várias delas e sou amigo delas... Que coisa de doido, quem vai pagar? Quando o Vela entender tudo não vai tirar um tostão do bolso... Nada de doido não, Cuia. Ela não veio receber dinheiro não... Como não?... O bebum parou, se ajeitou no banco e continuou: Cuia, meu velho Cuia... Eu já vivi um pouco mais que você. E lhe digo com toda a convicção: As mulheres que vivem de programa não são todas iguais. Mas são seres humanos todas elas, têm sentimento. Eu não pedi, apenas perguntei se ela queria fazer isso. Ela confiou em mim e topou fazer... Mas o Hermes não ama essa mulher... Já deve estar amando, Cuia... Não é a Laurinha... Que diferença faz, Cuia? Ele precisava amar, se regenerar, tirar o paredão de dentro dele. Você acha que o amor dele, que ele não pode exercer e não serve pra nada, é mais amor que o da Fátima, dado de graça, pela necessidade dele e por amizade a mim? E ademais ela não tem nada a perder, tem a dar. Qual o pecado nesse caso? Mas o Vela podia ter perdido a vida, lá no banheiro do caça-vírus. E noutras vezes, porque ficar pegando as mulheres dos outros...

O Cuia ainda não aceitava plenamente a conversa do amigo, porém reconhecia certa razão. E será que o Vela vai segurar a peteca? Do jeito que saiu daqui, não sei não... Ora, Cuia, ela é uma mulher sofrida, experiente, com certeza vai dar o jeito dela... Mas ele não vai se casar com ela, né?... Casar? Acho que ela não ta pensando nisso, não. Prostitutas nunca pensam em casamento numa primeira ocasião. Não é esse o trato. Se você sair com uma delas e falar em casamento, nunca mais ela sai contigo, pra não apanhar do cafetão... Mas vai que a Fátima pensa... E daí? Eu não sou cafetão, não ganho dinheiro com ela... O Cuia pediu a conta ao Portuga, pagou a cachaça e pendurou o uísque, reclamando do preço. Depois, com ar de satisfeito, disse ao amigo: bom, tomara que pelo menos você esteja certo e ela saiba acender velas. Senão, quando ele voltar aqui, vai dizer que de repente bateu um vento... Que nada, Cuia, você num entende nada de velas. Ele vai dizer que quando o programa estava carregado, caiu a conexão!

Foto de Patricia.Capelo

Nossa história!

Eu conheço nossa história na palma da mão..
Sempre que se irrita, perde a razão, e bate o arrependimento..
Sei também que exagerei, mas vou me acalmar; qualquer dia, a gente vai se separar por uma briga, coisa de momento...
Eu não quero te perder, pois te amo d+...
Você diz que sem mim, nem sabe o que faz..
Mas se não tem remédio, o amor fica doente..
Os motivos são banais, mas ninguém quer ceder..
O que será de nós, se esse amor morrer..??
Por que a gente bate se nós mesmos sentimos que já não importa saber quem errou..??
Para que maltratar desse jeito..??
O amor da gente é sempre essa história de ficar de mal..
Espero que um dia...não seja fatal..!!

Foto de andrepiui

Bem e o Mal

as pessoas tentam se esconder
atrás de uma maskará
que não conseguem descrever
mentem umas prás outras
mas entre o bem e o mal
não sabem escolher
o caminho das trevas e o da luz
nos aparece e jorra
como um puiz
de uma ferida aberta
e mal cuidada
entre um coração partido
e cortado por uma espada
o sol que ilumina esquenta
minha cabeça atormentada
tento fugir
mais minha alma está ancorada
trancafiada a sete chaves
na beira de uma estrada
ela está enterrada...

quem é você
que me aparece
no meio dessa fusão
transformando o dia em noite
acelerando as batidas do meu coração
sugando de uma vez por todas
a falta de sossêgo
que atormenta minha mente
cheia de pensamentos
quem é você
que me aparece
nesse imenso azul
trazendo a paz
transformando o red em blue...

olho para os lados
mas não consiguo ver
estão todos amargurados
enganam a si próprios
mas não conseguem perceber
todos olham para o céu
mas não conseguem perceber
dentro de nós há um Deus
que todo esse vazio quer preencher
a natureza é uma grande prova de amor
mais trocam essas belezas
por uma maquina chamada computador
o céu o mar as flores
tudo isso foi Deus quem criou
morte mentiras roubos
muitas juras de amor
palavras perdidas no espaço
um tempo que já se passou
crianças mortas puberdades roubadas
o mundo que o homem inventou...
(André dos Santos Pestana)

Foto de pstella

Noite Sem jeito

Desculpe o mal jeito
Mas nem sempre sai com efeito
Olhando esses seus traços bem feitos
Nessa noite calorosa
diria com certeza
que ao luar que me traz clareza
A noite pede para te embalar
O som dos pássaros ao fundo
espero que tenhas
o sono mais profundo
Que nos sinos que tocarei
vou conseguir te acalmar.
O Azul do ceu se mistura
em seu olhar
No mais infinito melhor
seria apenas sonhar.
Que os sonhos sejam fortes,
e leves ao mesmo tempo
Que o som seja tranquilo,
como o leve dançar do vento.

Ao Homenagiado dessas palavras. Meu Anjinho Michael.
Beijinhos

Foto de Lou Poulit

Poema de Aniversário

É mesmo... Foram-se tantos anos.
Anos? Foram-se o mal congênito,
os dias de insônia e agonia,
banheira de águas sempre tépidas
para a convulsão de todo dia.
A sirene das tias lépidas:
Batiza logo! Ou morre pagão.
Corre que o padre inda tá no saguão!
É um anjo... Não é demônio não...

É mesmo. Foram-se tantos anos.
O primeiro toque, o amor primeiro,
o primeiro gol... foi na trave (uuuuuhhhh...),
o demoninho: "Pegue... e crave!".
O segundo nas arquibancadas,
e o anjinho: "Vai de mal a pior...",
E o padre: "Venha e se confesse!
Faça jejum e faça essa prece."
Confessei... Ser amigo do prior.

É mesmo. Foram-se tantos anos.
Ave-Marias e Padre-Nossos,
as sublimes cortadas nas redes,
os carnavais, enterros dos ossos,
sarros enterrados nas paredes
e uma impagável juventude,
que pagou toda e qualquer virtude.
Da procura aos meus primeiros pelos...
À brancura de poucos cabelos.

É mesmo. Foram-se tantos anos.
Festivais de música na escola,
primeiro emprego, primeira esmola.
Ruim de ponto, bom de Remington.
O ônibus cheio, pra faculdade.
E com o casamento o meu mignon
virou só um macaquinho no cipó.
Um amor como poucos amores,
de ovos "pochet" a discos-voadores.

Não... Não se foram apenas anos!
Foram-se desemprego e penúrias,
dívidas, esticadas lamúrias,
a incontinência das "por achadas"
e a inconfidência das borrachadas!
O casamento com as encrencas,
pencas de empregadas, malsãs ilhas.
Antes a janela sem avencas
que um arquipélago, falsas filhas.

Foram-se espinhos tantos do jardim,
medo de mim, azedo de tudo,
os tantos desencantos de Aladim,
o "Abre-te Sézamo" sortudo.
Foi-se assim tanto o sul quanto o norte,
tanto o mendigo que nunca cansa
quanto o recauchutado da pança.
A trança e a incerteza da morte.

Restaram os lúcidos amores,
as bebedeiras da poesia,
o espírito da arte noite-e-dia,
o "dar-te"... e poucos temores:

De batráquias de bíblias e terços,
mulheres que dormem de vicunhas;
dos céticos de todos os versos
e médicos que não cortam as unhas.

Pois que venham os anos!

Foto de fer.car

Que amor é esse?

Que amor é esse que me faz escrava de seus próprios desejos
Me faz ir além de mim mesma, me faz tão sua que me perco totalmente
Que a amor é esse que nunca acaba, nunca finda?
Este amor que me mata, me sacia e me faz tão dependente... desta presença que é você
Este amor me machuca por tantas vezes, e lágrimas rolam sobre a face
Por vezes me faz esquecer todo o mal que me causou e novamente me entrego como se fosse a primeira vez
Que amor é esse que longe sinto-o aqui, que mesmo odiando, ainda amo..
Que amor é esse?
Explique-me por favor se puder...

Foto de lmleca

Que Deus!!!

Quem quer que sejas, onde quer que estejas
Diz-me se é este o mundo que desejas
Homens rezam, acreditam, morrem por ti
Dizem que estás em todo o lado mas não sei se já te vi
Vejo tanta dor no mundo pergunto-me se existes
Onde está a tua alegria neste mundo de homens tristes
Se ensinas o bem porque é que somos maus por natureza?
Se tudo podes porque é que não vejo comida á minha mesa?
Perdoa-me as dùvidas, tenho que perguntar
Se sou teu filho e tu amas porque é que me fazes chorar?
Ninguém tem a verdade o que sabemos são palpites
Se sangue é derramado em teu nome é porque o permites?
Se me destes olhos porque é que não vejo nada?
Se sou feito á tua imagem porque é que durmo na calçada?
Será que pedir a paz entre os homens é pedir demais?
Porque é que sou discriminado se somos todos iguais?

Porquê que os Homens se comportam como irracionais?
Porquê que guerras, doenças matam cada vez mais?
Porquê que a Paz não passa de ilusão?
Como pode o Homem amar com armas na mão? Porquê?
Peço perdão pelas perguntas que tem que ser feitas
E se eu escolher o meu caminho, será que me aceitas?
Quem és tu? Onde estás? O que fazes? Não sei
Eu acredito é na Paz e no Amor

Por favor não deixes o mal entrar no meu coração
Dou por mim a chamar o teu nome em horas de aflição
Mas tens tantos nomes, és Rei de tantos tronos
E se o Homem nasce livre porque é que é alguns são donos?
Quem inventou o ódio, quem foi que inventou a guerra?
Ás vezes acho que o inferno é um lugar aqui na Terra
Não deixes crianças sofrer pelos adultos
Os pecados são os mesmos o que muda são os cultos
Dizem que ensinaste o Homem a fazer o bem
Mas no livro que escreveste cada um só leu o que lhe convém
Passo noites em branco quase sem dormir a pensar
Tantas perguntas, tanta coisa por explicar
Interrogo-me, penso no destino que me deste
E tudo que acontece é porque tu assim quiseste
Porque é que me pões de luto e me levas quem eu amo?
Será que essa é a justiça pela qual eu tanto reclamo?
Será que só percebemos quando chegar a nossa altura?
Se calhar desse lado está a felicidade mais pura
Mas se nada fiz, nada tenho a temer
A morte não me assusta o que assusta é a forma de morrer

Quanto mais tento aprender, mais sei que nada sei
Quanto mais chamo o teu nome menos entendo o que te chamei
Por mais respostas que tenha a dúvida é maior
Quero aprender com os meus defeitos, acordar um homem melhor
Respeito o meu próximo para que ele me respeite a mim
Penso na origem de tudo e penso como será o fim
A morte é o fim ou é um novo amanhecer?
Se é começar outra vez então já posso morrer

PS- Não é meu é do Boss Ac

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