Madrugada

Foto de Raiblue

Besame

Envolva-me em tua dança
Fica comigo esta noite
Preparei-me para ti...
Flor no cabelo cheirando a jasmim...

Uma fenda lateral no vestido azul
Na pele, essência de absinto
Dou-te o meu céu e todos os meus vícios
Na boca,o vermelho carmim irresistível

Toque-me
Como se eu fosse um instrumento
De leve, dedilhando caminhos escondidos
E ouça a suave melodia dos meus gemidos...

Na penumbra, os desejos acendem
E a música, um convite envolvente
Diálogos secretos das mãos
Apontando a direção da noite

Dança, cama, sutras...
Velas do desejo queimando a noite inteira
Lançando-nos em alto-mar
Já não há como voltar...

Olhos nos olhos
E a madrugada parece se estender
Infinita...ardente ...
Por vários e vários poentes...

Besame!
Serei sua...
Enquanto houver luas
Enquanto a música tocar....

(Raiblue)

Foto de PoderRosa

Homem

Homem...
Quem é que te inspira...?
Quem te faz sorrir na madrugada fria?
Quem te traz os doces sonhos como melodia...?
Homem...deves estar triste, melancólico.
Onde foi parar a tua inspiração
que te trazia alegria e paixão?
Homem, vem...me dá tua mão...
Me conta tua decepção.
Posso não ser a tua musa inspiradora
Mas tenho coragem, força e capacidade
pra te conduzir à felicidade
Vem...dá a mão, poeta
Vem pra liberdade...
Sonha comigo e transforma tudo em realidade.

Foto de Edson Milton Ribeiro Paes

"DIARIO SOLIDÃO"

DIARIO SOLIDÃO

Sexta feira seis da tarde olho as paredes ligo a TV...
Barulho irritante historia repetida...
Angustia constante...
Crise de vida!!!

Saio para a noite perfume provocante...
Roupa atrevida calça bem passada...
Camiseta muito justa...
Situações já vividas!!!

Gasto gasolina...
Tomo diversas bebidas...
Conheço pessoas vazias...
Expresso da madrugada...
Carregado de angustias!!!

Insisto mais um pouco...
Troco de ambiente...
Quase pareço um louco...
O desespero é eminente!!!

Desisto de procurar...
Resolvo tomar o caminho de volta...
Não posso deixar a tristeza me abalar...
Meu coração esta cheio de revolta!!!

Entro em casa cambaleante...
E pego meu companheiro de angustia...
Nele descarrego meus devaneios...
Aqui nada me assusta!!!

Choro e sorrio...
Escrevo e canto...
Faço de tudo pra me livrar do vazio...
A solidão é o meu desencanto!!!

Foto de Raiblue

Haikais

I

Os olhos, janelas
Recanto sagrado, alma
Espelhos d’água

II

Mistério solar
Fósforos no céu a rabiscar
Cometas destinos

III

Madrugada,mar
Diante de ti, me calo
O corpo fala

IV

Pessoas, silêncios
palavras pulam dos olhos
clandestinamente...

V

Eu sou apenas sol
Você , minha lua eterna
Eclipse total....

(Raiblue)

Foto de Adriano Saraiva

MINHA VIDA NUM iPOD!

Sempre fui um viciado em música. E muitos momentos marcantes da minha vida acabam sendo associados a alguma canção. Tipo a trilha sonora da vida real. Por exemplo FREAK LE BOOM BOOM da Gretchen traz lembranças de minha adolescência, hormônios em explosão, descoberta do sexo, voz insinuante da cantora, encarte do disco (sim eu tinha o LP) e toda a magia de fantasias imaginárias e... bem o resto você já sabe. Já SAPATO VELHO do roupa nova me desenha a mente com a saudade de minha estréia em dançar “coladinho” a primeira vez que tive a sensação de um corpo de mulher grudado ao meu, seios, cintura, suor, o calor do corpo com o corpo. Ela era um pouco mais velha, não muito, e embora nunca tivesse passado de uma simples dança o episódio ficou registrado para sempre. THE NUMBER OF THE BEAST do Iron Maiden trouxe uma divisão de águas, a rebeldia, o fato de estar sempre contra as malditas regras repressoras da sociedade, a energia juvenil colocada para fora na forma mais crua e primitiva. YOU CAN LEAVE YOUR HAT ON de Joe Cocker marcou meu primeiro grande amor. Quem pensou na trilha do filme nove semanas e meia de amor acertou! Logicamente imitamos muitas cenas do filme, infelizmente, assim como na película, acabamos nos separando. THE TORTURE NEVER STOPS de Frank Zappa marca uma fase de minha existência em que tive que ganhar a vida, trabalhava como digitador contratado no Banco do Brasil na madrugada e meus colegas pediam todo santo dia essa música numa rádio local. Como a maioria esmagadora era composta por homens dava para perceber o sucesso desta música já que uma voz feminina sugerindo orgasmos ficava o tempo todo no fundo da melodia. O TEMPO NÃO PÁRA de Cazuza lembra-me um período difícil, tomei vários pés-na-bunda inclusive sendo expulso de casa pelo meu padrasto. Mas como depois da tempestade sempre vem a bonança NÃO VÁ EMBORA com Marisa Monte é o tema do meu mais grandioso amor e da mais declarada paixão. A pessoa com quem pretendo compartilhar o resta da minha vida. Na seqüência poderia citar duas últimas músicas com as quais convivo diariamente ABECEDÁRIO DA XUXA e DOCE MEL ambas da rainha dos baixinhos e que minha filha adora de maneira comovente. Sempre lembrando: A de amor, B de baixinho, C de coração... mas M é de Memel!

Baixo todas em MP3 e assim termino minha seleção musical e coloco os melhores momentos da minha vida num i-pod!

E você? Lembrou-se de alguma música marcante?

Foto de Marta Peres

Cidade

Cidade

Calada dentro da noite vejo minha cidade,
A lua vai alta no céu, tudo é silêncio
Na madrugada, eu ali parada na janela
Observava.
Neste momento senti-me rainha!
Tudo quieto, tudo escuro a não ser pela
Lua, minha cidade dormia, calma, feliz,
Embalada pela luz da lua, lá fora, na rua
Nua, a lua sozinha, na rua da minha cidade.

Marta Peres

Foto de jcbaccin

Lugares e dimensões

Andei por belos campos,
Ao luar e ao amanhecer.
Entrei em escuras cavernas,
Pela madrugada e ao entardecer.

Corri pelo Paraíso,
Escalei pedreiras.
Conheço as escadas
Que levam ao inferno.
E o tapete
Que voa para o céu.

Já estive embaixo da cama
E no telhado de casa.

Mas não pergunte aonde vou agora.
Não conto,
Nem escondo.

E se quiser saber como é
Terá de vir comigo.

Foto de Maria Flor e Rabiscos

Quando ele me pega...

Quando o amor me pega na esquina,
num seqüestro relâmpago,
pago logo a recompensa...

Quando o amor bate a minha porta ligeira vou abrir...

Quando o amor me toca,
descubro um céu imenso e um abismo profundo...

Quando o amor vem me traz companhia,
aquele sorriso bobo,
aquela cara de juventude,
aquele abraço que esquenta,
aquele beijo que alimenta,
um não sei o quê,
que me deixa meia dona do mundo...

...E depois de laçada,
alma, corpo e coração,
numa entrega total e alucinada,
num encontro da dor e da alegria,
esse estado anestesiante: O DELÍRIO.

Mãos hábeis, que seguram com carinho,
encaixam nos rumos a seguir, entrando e saindo dos dias...

O néctar de um beijo meio veneno,
meio antídoto, a embriagues de um sorriso
e a promessa de um olhar...

Quando vai embora a claridade,
te reconheço nos contornos da madrugada
e me embalo em braços,abraços, calores
e faço de ti meu ninho e depois de gemidos
o silêncio que conta nosso amor pela eternidade...

Maria Flor!

Foto de Sentimento sublime

O que sinto por ti!

O que sinto por ti!

E algo que explode no peito.
Divaga meus pensamentos.
Não é sofrer nem lamentos.
É algo bonito e perfeito.
Que me faz chorar e sorrir.
É medo de meu coração se ferir.
Ao dizer o que ele está a sentir.
Em plena essa madrugada.
A lua no céu me faz de ti enamorada.
Porque foi pensando em você.
Que o sono se afastou de mim.
Deixando meu coração se abrir.
Aqui estou a dizer,
O que agora sinto por ti.
Vou te dizer meu amado.
Que feliz estaria a seu lado.
Sem pensar no futuro ou passado.
Simplesmente ser feliz no presente.
Suas mãos a tocar-me envolvente.
Sentir teus beijos em minha boca docemente.
E ao som de um violino.
Teu corpo em meus braços
Quero te ver dormindo.
Então só assim meu amado.
Eu poderia morrer.

Osvania

Foto de Lou Poulit

TROVÃO E O SABIÁ SERENO

CONTO: TROVÃO E O SABIÁ SERENO
AUTOR: LOU POULIT

Sentada sob o alpendre da mansão colonial, sua fortaleza de toda a vida, Sinhá havia se perdido em seus pensamentos. O dia havia se despedido há pouco, com a apoteose fugaz de um céu prestante de cores e texturas, que de tudo o que pode tentou fazer para merecer a atenção da moça. Nem a sinfonia da passarada fez efeito. Tudo em vão, restaram as estrelas que nem sequer se aventuraram. A passarada se calou para dar a vez aos grilos, sapos e outros barulhentos notívagos. Sinhá revirava mecanicamente os fartos rendados da saia à sua volta, pois em espírito não estava de fato ali.
Então, passos arrastados vindos de dentro precipitaram-na do etéreo em que vagava, de volta ao corpinho magoado pela posição pouco cômoda. De tão surpresa e assustada, não teve coragem de se virar. E esperou apenas, assim como seu coraçãozinho, que esperava dentro do peito prestes a lhe saltar pela boca. Aos poucos uma luz tênue, mas capaz de expulsar soberanamente a escuridão, se aproximou. A moça temeu que se aproximasse ainda mais e explodiu em gritos nervosos: Saia já daqui! O que quer de mim, demônio? Eu não lhe chamei aqui!
A pouca distância estava parado um caboclo mulato de aspecto impressionante. Pele muito morena e os olhos claríssimos de uma onça enterrados no rosto embrutecido, como pequenas gemas raras no emboço úmido da terra, adubada pelos séculos. O velho Sereno segurava a candeia, tentando compreender, tão próxima, a moça que à distância vira crescer, como flor única naquelas glebas. Durante algum tempo Sinhá não conseguiu balbuciar mais uma palavra. Tentava decifrar como aquela figura estranha havia invadido seu silêncio, que significado poderia haver nele e se seria perigoso para as coisas ricas que guardava no segredo das suas lembranças. Porém, achando em seguida que o silêncio era ainda mais  insuportável, a moça voltou à carga: Quem lhe deu o direito de estar aqui?... Ele tentou explicar: Vim só alumiá o negrume da noite pra vosmicê, Sinhazinha... Carecia de se assustá não... Não tenho medo de nada... — Ela empinou orgulhosamente a própria fragilidade. Como poderia temer um empregado dentro da casa do senhor meu pai? Ademais, estava aqui com meus pensamentos...
O homem olhava com segurança os olhos escorridos de lágrimas da moça, cheios de brilhos amarelados pela chama da candeia. Sentia pena dela, mas sabia pelas décadas de convívio, que não se devia manifestar piedade para com os senhores. Sereno sabe que está triste, Sinhá. Ma num pode fazê nada não... — Disse ele abaixando os olhos. Mas como pode saber disso? Não lhe dou esse direito. De onde você saiu?... Ainda com os olhos baixos, ele respondeu: Sempre estive aqui, Sinhazinha. Vim pra essas terras do senhor seu pai na barriga da minha mãe, que se foi embora amarrada naquele pé-de-jurema-branca, bem ali na direção onde a lua vai nascer não demora nada. Eu era desse tamanhinho quando ela descansou, cabia no cesto onde os cavalos comiam o mio que ela dava com gosto. Naquele tempo o capataz era um homenzinho muito do ruim... Ela só queria alimentar a sua cria...
A moça ficou perplexa. Mas se refez da letargia porque lembrou-se do seu alazão, tornando a gritar: Não me fale do meu alazão. Eu amava o Trovão como se fosse uma pessoa! Ninguém montava nele além de mim! E acabaram de trazê-lo num arrasto de pau-de-mangue... Ele estava morto! Eu vou matar quem fez isso com ele... E a chorar convulsivamente ela recostou-se no portal, até sentar-se de novo no degrau do alpendre. Sereno continuou calado, imóvel, com os olhos cravados nas lajes do chão. Como se sua alma cansada procurasse uma brecha para um imenso arrependimento.
Tentando descobrir em seu próprio silêncio o que poderia fazer naquela situação triste e constrangedora, o velho caboclo foi lentamente até a arandela pendurar a candeia. Não sabia o que fazer a mais. Durante quase vinte anos quisera ajudá-la em muitas situações de perigo, mas sempre chegava alguém antes. Sereno trabalhara sempre na plantação, por vezes tratando dos cavalos doentes e por outras como mateiro. Amava a menina, antecipava os riscos que ela corria, mas haviam outros mais próximos dela. Agora o mesmo sentimento de proteção lhe parecia palpável de tão denso. E ironicamente, embora estivessem ali apenas os dois, simplesmente não sabia o que fazer.
Passados alguns poucos e imensos minutos, a moça quebrou o silêncio, mais calma, porém sem perder a altivez da voz: Como se chama?... Sereno, Sinhazinha — Disse ele. E porque está aqui, nunca lhe vi dentro de casa?... O velho empurrou a aba do chapéu para trás e coçou a calva rala da carapinha branca, como sempre fazia quando se sentia inseguro. Demorou um pouquinho mas respondeu: Eu vim de pés lá de trás da serra dos pastos... O senhor seu pai mandou que me alimentasse e ficasse por aqui até amanhecer. Ela insistiu: Mas por que veio de pés? Ah, Sinhazinha, parei no meio da mata para ouvir o sabiá-da-mata, tava cantando bem em cima de mim. Desde menino adoro os sabiás, num gaio da mangueira, por cima da minha palhoça tem um que fez ninho agora. Quando passo o café da tarde ele ta arrebentando os peitos, de tanto chamá uma fêmea pro seu ninho novinho e arrumadinho. Mas me distraí, meu cavalo assustou-se com a onça e saiu desembestado, nem sei pra onde. Mas vou lá buscar, pro seu pai meu senhor num ficá num prejuízo maió. Não é um bicho caro, é até meio capenga. Mas é um bom companheiro, num sabe?... Vendo a perplexidade dela, ele perguntou: Que foi Sinhá, com essa boca aberta, quem nem peixe morto?... A moça sussurrou: Onça? Que onça é essa, Sereno?
O velho respirou profundamente. Não haveria mais de esconder. Ela que soubesse a verdade e que fizesse o que achasse justo. Disse a ela com segurança: A mesma que pegou o Trovão... Aquele sangue todo foi porque quando cheguei ela já tinha garrado no pescoço dele... — Disse o caboclo, limpando instintivamente as mãos grosseiras nas calças. A moça mostrou-se inconformada: E você não fez nada para ajudar o coitado? Não tinha uma arma, Sereno? Sinhazinha, ele caiu por cima da bicha, esperneava como um porco endemoninhado... Endemoninhado é você, miserável! Ele era o alazão mais valente que conheci. Só que havia uma onça mordendo o seu pescoço. E um homem medroso e inútil assistindo a sua morte desesperada! Que queria que o Trovão fizesse?... Sereno, se calou constrangido e ela quis saber mais: E depois, Sereno?... Sinhazinha, num é nada fácil chegar perto de dois bichos grandes e raivosos... E eu só tinha mesmo o meu facão de mato e não queria ferir ainda mais o Trovão... Sim, mas o que você fez?... — Ela estava implacável. Eu nada, Sinhazinha, a onça é que resolveu desaparecer. Onça é um bicho covarde. Só pega pelas costas, sangra e espera morrer. Mas se sentindo insegura, ela larga e fica de longe só espiando. Esperando a hora de comer sossegada. E o outro, que também é bicho, sabe que vai morrer e que ela vai vir lhe rasgar as tripas. É só uma questão de tempo. O mundo dos bichos é assim mesmo, Sinhá. Ninguém muda não. Vosmicê ta triste e eu também. Mas o Trovão ta não... Ah, não... Ta não. Só ta esperando os primeiros lampejos do dia, pra correr por essas terras sem fim, pelos campos e pelas matas fechadas, num tem mais nada que lhe impeça... Vai conhecer todos os lugares onde nunca tinha ido, vai beber água do rio grande e vai saltar nas ondas da praia. Enquanto isso nós vai ficar aqui chorando de tristeza, porque num pensa que ele ta livre como nunca foi. É que como nós só sente o sentimento da gente, só pensa com a cabeça da gente, então acha que o Trovão ta sentindo e pensando a mesma coisa que a gente, Sinhazinha... Não tenha raiva não... Que ele não pode aparecer pra vosmicê e lhe contá como que é lá, pronde ele foi. Ele vai ficar triste por causa da sua tristeza, Sinhá...
A moça relutava, porém se esforçava para aceitar aquela sabedoria estranha que quase desdenhava os seus mais puros sentimentos. Embora não tivesse coragem de dizê-lo, até que gostava muito de imaginar seu querido Trovão suando da correria que tanto amava, brilhando ao sol e ao luar. Ele amava o vazio dos espaços, os obstáculos que vencia, amava o vento revirando as suas crinas, enchendo-lhe os pulmões no peito enorme e musculoso, e depois expirava com força fazendo seu próprio vento, era quase um deus da natureza. Ah, como ele gostava disso... — Pensou consigo. Alagada da própria ternura, disse então ao velho: Ele lutou até o último instante não foi, Sereno?
Ele era valente demais, eu o conhecia desde que era um potrinho muito abusado, sinhá... Já mais calma, finalmente ela tornou-se amigável: Sou lhe muito grata, quero que fique, se alimente bem e descanse bastante. E depois vá buscar o pangaré, antes que essa onça o coma, já que não comeu o Trovão, pois que os homens foram buscá-lo antes disso... Sereno sentia-se mais à vontade agora, já sentado também, mas no degrau de baixo como lhe convinha. E completou: Vou Sinhazinha, antes de clariá vou atrás dele. E ai dela que se meta, pois vou levar um trabuco... Faça isso por mim, Sereno... — Ela pediu ainda com raiva.
Não posso prometer, Sinhazinha... Não Sereno, não se arrisque... E se ela lhe pegar pelo pescoço, como fez com o Trovão?... Vosmicê num fique triste não, Sinhá... Também sou meio bicho, já fiz muita coisa nesse mundo de meu Deus... Já matei oito onças, seu pai meu senhor pode lhe dizer... Uma delas ia morder era o pescoço dele... É que de uns anos pra cá elas estavam sumidas, que os cachorros farejam a catinga delas de longe... Gato tem raiva de cachorro e vice-versa, num sabe?
Eu prometo, Sereno. Vou contar para os meus netinhos essa estória. E vou me lembrar de dizer que você foi um herói, que não pode salvar o Trovão, mas veio de pés buscar homens, para que ele tivesse um enterro digno. Meus netinhos vão aprender a odiar todas as onças, porque essa matou o Trovão... Mas eis que tais palavras indignaram o velho filho-do-mato, e ele quis ser exato: Não, Sinhazinha. Isso não é certo, não é verdade não... Como, Sereno? Se ela não matou o meu alazão, então quem foi?... Fui eu mesmo, Sinhazinha... A moça de um pinote ficou de pé, com o dedo em riste, e novamente enfurecida lhe disse: Seu traidor! Vá embora, suma daqui! Nunca mais quero ver sua cara! Não vou lhe perdoar jamais! Vá logo. Antes que eu grite por alguém para lhe surrar no pé-de-jurema, desgraçado! Naufragados novamente em profunda tristeza, ambos se foram. Ela se foi para chorar na cama e ele no mato. Mas nenhum dos dois conseguiu dormir.
A moça rolou na cama, sobre o lençol úmido das suas lágrimas, até que lhe viessem chamar para o almoço no dia seguinte. À tarde, na hora da refeição também não quis sair do quarto, deixando a todos apavorados. Seu pai começou a preocupar-se, vendo que as mucamas não paravam de cochichar pelos cantos. Resolveu-se a sacudi-la. Entrou no quarto como um furacão para intimidá-la e foi querendo saber o porque daquele drama. Sabia o porque, também sentia muito pelo alazão, sabia o valor que tinha, mas não queria perder também a filha. Sinhá estava desolada e não apenas pelo seu Trovão. As horas lentas da madrugada lhe convenceram de que havia sido injusta com o Sereno. Estava agora claro que quisera apenas poupar o animal de mais sofrimento. Não podia carregá-lo nas costas e com certeza não quis que o alazão assistisse a desgraçada da onça comer-lhe as carnes ainda vivas. Ela estava soterrada de remorso e com muito jeito fez o velho concordar em mandar buscá-lo quando voltasse do mato. Assim também concordou em levantar-se.
Alguns dias depois estava novamente sentada no alpendre, mas dessa vez assistiu a obra da natureza, que se comprazia em dispor da sua atenção. O dia terminou. Escureceu por completo. Ela se lembrou da noite em que se assustou com Sereno. Dessa vez queria imensamente que ele lhe trouxesse a candeia. Havia preparado algumas palavras para lhe pedir que perdoasse a grosseria. Ninguém lhe dissera uma palavra durante esses dias, tinha a impressão cada vez mais densa de que não lhe queriam falar a respeito. Uma luz veio de dentro, mas pelo andar sem botas não poderia ser Sereno. Era uma mucama, que foi dispensada. Sinhá só queria a luz do velho caboclo, como naquela noite. Agora queria gostar dele, da sua sabedoria e da sua paz. A lua começou a aflorar, derramando seu prateado pelas colinas, que abraçavam em segurança a mansão. De repente, algo se mexeu nas folhas do pé-de-jurema-branca, que pareciam lhe acenar variando o reflexo do luar.
Então, para sua imensa surpresa ouviu com nitidez o canto mavioso de um sabiá. Mas como? Sabiá cantando há essa hora? Não pode ser, já é noite... Não queria aceitar o que seu próprio silêncio lhe dizia, lutava contra com todas as suas forças. Então ouviu de novo, logo ouviu outra vez e de novo tornou a ouvir. As defesas que havia erguido em si própria foram ruindo a cada canto, como se fossem rojões de poderosos canhões. Até que não pode mais sustentar a própria razão. O sabiá só podia estar feliz. Tão feliz que nem se importava com a noite, não queria esperar o amanhecer! Se quisesse vê-lo sempre feliz, devia afastar a tristeza. Libertá-lo do próprio peito para que fosse completamente livre, para que cantasse onde quisesse e quando quisesse. E ainda voar sobre as matas e as ondas do mar. Seu canto não era triste como o de outros, mas sim vigoroso e doce como o de uma flauta da natureza.
A mucama voltou com um semblante pávido, porque viera lhe dar uma notícia. Mas quedou-se quando à luz da candeia viu que o de sua Sinhazinha sorria para a lua, já em seu esplendor. A mucama lhe disse: Sinhazinha, o seu pai mandou meu irmão e meu primo buscar o Sereno. Mas eles não querem falar, estão com medo. Medo de que? Diga logo... Não fica brava comigo não Sinhazinha... Fala de uma vez, mulher... É que a onça pegou o Sereno também, Sinhazinha...
Completamente perplexa, a mucama ouviu a Sinhá lhe dizer com doçura: Não fique assim tão triste. Há essa hora ele deve estar bem assobiando por aí... Por onde, Sinhazinha?... Pela natureza, pelo céu, pelo rio grande, ou se lavando nas ondas do mar... A pobre mucama não conseguia atinar com aquelas palavras surpreendentes e Sinhá completou: Anda, pode deixar a candeia na arandela e vá pra dentro. Se precisar eu lhe chamo, agora vá. Quando mais tarde seu pai veio lhe buscar para dentro, aliviado pelas falas da mucama, encontrou-a bem disposta, quase feliz para aquelas circunstâncias. Sinhá aproveitara o tempo para fazer uma prece emocionada, repleta de gratidão e amizade, pela alma do velho Sereno. Durante toda vida estivera bem ali e nem o havia notado. Mas havia sido de grande valia justo no momento que mais precisou. Se estava feliz a ponto de assobiar no galho do pé-de-jurema àquelas horas, então deviam estar todos felizes: O Sereno, sua pobre mãe e também o Trovão. Não, não queria mais pensar em tristezas.
Foi quando seu orgulhoso pai, sentindo necessidade de participar daquele momento lhe disse: Deixe estar, querida... Aquela maldita onça não irá longe... Eu me encarregarei disso pessoalmente.
 

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