Jogo

Foto de Suavenigma

Outono que amo

Outono: De 21 de março a 21 de junho

Do latim: autumno. Também conhecido como o tempo da colheita, pois é nesta época que ocorrem as grandes colheitas. Os dias ficam mais curtos e mais frescos. As folhas e frutas, já estão bem maduras e começam a cair no chão. Os jardins e parques ficam cobertos de folhas de todos os tamanhos e cores.

Aproxima-se minha estação preferida!
Estas cores e matizes de ouro com que se revestem nossos parques, estes meios tons, estas nuances intensas que prenunciam um depois, ainda que distante...
Com ela estou, também a me renovar, folhas caindo para serem trocadas por novas na próxima primavera, é tempo de armazenar energias e promover mudanças.

Em breve não teremos mais acácias, já não se sentem perfumes de jasmim.
A dama da noite, solitária, venenosa, com seu perfume doce e exótico já não excitara mais nosso olfato.
Os bem (não mal)-me-queres, tantas vezes despetalados por mãos apaixonadas, naquele jogo ingênuo de adivinhar quereres; estarão ausentes, até a próxima primavera e amores.
O amor (já não, tão perfeito)-perfeito sobrevivera apenas por dentre as páginas de um livro de poesias, um molho de cartas amarelecidas, ou postado delicadamente entre uma bela moldura, enfeitando uma foto (como fiz com a tua um dia).
Tudo cumpre seu ciclo.
Nascer... morrer...renascer!
Adoro mudanças profundas!
Resgatar, substituir, renovar...
Afinal viver é, um todo adequar-se.
Quem sabe!?
Chega de calor!!!!

Suavenigma®

Foto de Lou Poulit

São Jorge e o Dragão

Sentados em bancos tipo meia-bunda, Hermes e Cuia haviam acabado de chegar ao balcão da birosca. Cuia era bebedor dos bons. Mulato quase negro, de fala mansa e bigodinho de chinês. Bom malandro, sobrevivente a tudo. De terno e gravata daria um excelente relações públicas. Só bebia cachaça e tinha preferência: Ô Portuga, dá meu marimbondo aí! Já seu amigo Hermes era letrado. O Vela, como era chamado na adolescência, era magérrimo, branco como um defunto, parecia meio lento em tudo. Havia se afastado dali por alguns anos e nesse tempo fez faculdade, arrumou emprego, casou, separou, casou de novo, separou de novo, casou mais uma vez... Continuava mal bebedor, pedindo a mesma marca de uísque: Ah... Bota qualquer um aí, Portuga.

O Cuia só observando. Em sua cabeça um silêncio era bom conselheiro: gozado, o tempo passa e as pessoas vão se misturando. Aquela que conhecemos desde dos tempos das pipas e peladas, agregam-se com outras que não conhecemos ainda, mas parecem tão importantes quanto as antigas, senão mais. E todas se dão muito bem umas com as outras, dentro do mesmo corpo.

Era manhã de domingo, dia de decisão no campeonato local de futebol. A birosca na encosta da favela já parecia lotada. Se a polícia chegasse de repente, com certeza ganharia o dia, porque já era quase impossível aos de dentro vigiar os que viessem de fora. O tumulto pacífico da birosca era como o Hermes. Com o passar dos anos alguns não arredam pé. Outros, desconhecidos, chegam, depois voltam e vão ficando. E outros tantos somem, por algum tempo ou definitivamente. Mas a birosca ainda era a birosca do Portuga e as alterações individuais não modificavam muito a mistura. Fora a fauna birosqueira, tudo mais parecia continuar nos mesmos lugares: as garrafas de bebidas mais caras, os salames e enlatados cobertos de poeira, no nicho de táboa a lâmpada devia estar iluminando o São Jorge que, a despeito da ausência de uma lança, não fora ainda comido pelo dragão, apesar de tantos anos de luta. O próprio Portuga sempre se dizia convencido de o aquele dragão enchia a cara de madrugada, depois que fechava as portas, e que só por isso não conseguira ainda comer o santinho.

O Hermes agora tinha uma identidade virtual, a julgar pelo palavriado que estava usando e que provocava a indignação dissimulada dos bebuns mais próximos: sabe, Cuia, o Portuga devia deletar aquele mictório compactado... Como é que é? – Espantou-se o amigo. É verdade, mermão... Aquilo é um banco de vírus! O Portuga é meio lento mesmo. Ele quer que esses caras acertem uma latinha daquelas. Já viu bêbado bom de mira?... Não – Cuia achou melhor não interromper – Nunca vi não... Então, Cuia, pra começar você tem que se espremer pra passar na portinhola. Só nisso já vai um risco. Depois tem que segurar a bebida, o cigarro, a portinhola... A portinhola?... Claro, mermão, vai que alguém deixa pra última hora e entra lotado. É uma senhora “portada”!... Riram-se os dois e o Cuia completou: É o que chamo de um arranca-rabo!... E o cara que não queria encostar em nada... Vai chegar em casa todo molhado – Hermes interrompeu - e a dona encrenca vai inserir o cara na casinha do quintal, vai passar a noite junto com o Totó!

Ô Hermes, por falar nisso, cadê a Laurinha?... Laura? Ô Cuia, que estória é essa de “por falar nisso”? Eu nunca dormi com o Totó não. Você precisa ler as atualizações do meu perfil... Ler as atualizações... – Repetiu o outro perplexo. E faz isso rapidinho, porque eu tô saindo, Cuia... Você tá saindo... Já vai embora?... Que vou embora, cara? Quis dizer que tô desistindo das mulheres dos outros... – e aproximou-se do ouvido do amigo – Estou apostando todas as fichas na mentirinha... Que mentirinha, Hermes?... Ô rapaz, aquela gata gorducha, que trabalha na “lan house”, vai dizer que nunca viu?... Sei, da loja de internet ali no fim da ladeira. Mas não era a Laurinha a razão da sua vida?... Laurinha nada... Se arrumou com o dono da firma, agora desfila de gerente... Ô meu irmão... – O Cuia mostrou-se penalizado – Que azar... Azar? Você não sabe da missa a metade. Depois dela já tive a Mariazinha, a Teresinha e a Socorrinho... É mesmo Hermes?... Tô te falando, Cuia, mulher dos outros agora pra mim é homem!... Nenhuma delas deu certo, né?... Não podia dar: A Mariazinha só queria saber de ganhar coisas caras... Ih, mermão, isso ia te deixar na miséria... Deixou mesmo. A Teresinha no início era uma santinha, o marido tinha sido atropelado, vivia numa cama, e ela passava o dia fazendo sexo pelo computador... Mas isso não resolve, Hermes... Não, a gente saía toda semana... Então, qual foi o problema?... Ela acabou viciada, Cuia. Perdeu a fibra... Como assim, não era a sua mulher?... Não!! Era mulher do computador!!... Ô Portuga, dá mais um aqui pro Hermes!

Cuia precisou pedir mais bebida para dissimular. Tinha muita gente em volta olhando, querendo saber quem era aquela tal mulher do computador. Sem se dar conta e parecendo soterrado de alguma culpa, Hermes foi se explicando: Mas a Laura, ô Cuia, ela não foi a única culpada, sabe? Porque quando comecei a desconfiar dei de ficar deprimido. Depois, sabe... Eu não dava mais cem por cento, depois nem oitenta, e foi diminuindo, diminuindo a transmissão dos dados... Entende?... Os dados? Ah, sim, acho que entendo. Mas e a outra?

Quem, Cuia? Já te falei, depois foi a Mariazinha... Me deixou numa miséria de dar gosto. Ô acesso caro aquele, sô... Aí eu não podia mais fazer outras coisas das quais gostava e sentia falta, não tinha grana pra nada. Estourei o cartão de crédito. Ninguém olhava mais pra minha cara, mermão... Tentando entender melhor, o Cuia perguntos pelos dados... Ah, a transmissão voltou a cair, né? Chegou a menos de um quilobite por segundo! Ô desespero o meu... Por que você não fez uns programas, pra variar?... Programa, não fiz nenhum, Cuia. Mas baixei tudo que pude baixar. Todo dia era dia de “down”... E nada de “up”... Nem um cachorrinho? – O Cuia perguntou brincando, para tentar levantar o astral do amigo... Nem um, era só cavalo-de-tróia!... Essa eu não conheço ainda, mermão... Nem queira, Cuia. Depois você tem que fazer uma faixina geral. É muito chato mesmo. E se perdesse o HD nunca mais vinha aqui beber com você. Em falar nisso, ô Portuga! Cadê o meu uisquinho?... Já vos dei, ó pá!... Tão dá outro!

Da posição em que estava, Cuia percebia o interesse crescente dos bebuns em volta na estória do Hermes, mas achou melhor não interromper. O amigo devia estar precisando desabafar. Depois, eles não poderiam mesmo entender aquele dialeto de informática. Também não entendia bem. E o Vela continuava falando: Agora a Teresinha, Cuia, nas primeiras vezes aquilo chegava sem jeito, olhando pro chão... Mas dali a pouco a santinha virava o demônio com rabo e tudo. Caraca, mermão! – O Cuia completou – Você só no piloto-automático... É isso, Cuia, o navegador era dela. Ela que escolhia a página... E num tinha anúncio não!...

Ao ouvir tais palavras, um dos bebuns já bastante calibrado, amigo dos tempos das pipas, chegou-se ao ouvido do Cuia e perguntou: Ele tava vendo televisão ou o que?... O Cuia dissimulou: Ainda não sei, mermãozinho. Fica na tua aí, na moral. Deixa o cara acabar de falar, valeu? O bebum voltou meio inconformado pro canto dele e o Hermes falando: Mas foi assim só nas primeiras vezes. Pôxa, Cuia, eu já tava apaixonado por ela quando, numa tarde, começou a balbuciar umas arrôbas diferentes... Que arrobas, Hermes?... Endereços, Cuia... Ah, dos outros amantes dela?... Que outros amantes? Amante era eu, o resto era virtual! - Hermes indignou-se, deu um murro na táboa do balcão e pediu mais uísque. Do seu canto, sentindo-se desprezado, o bebum disse com a voz lenta: Taí... Que machão que ele é... E recebeu um olhar enviezado do Cuia.

O Vela nem se dava conta do que acontecia à sua volta, ia desfiando o seu rosário enquanto a audiência dos bebuns aumentava: Eu não queria bloquear nem excluir a Teresinha, mas a cada nova tentativa ficava pior... Aí conheci a Socorrinho, que também era Maria, Maria do Socorro... E qual era o problema dela, mermão?... Não era ela não, Cuia. O problema era o marido dela... Ué, por que?... Porque o cara tinha mais de dois metros de altura, era muito forte e ruim que só o cão... E ele sabia que era chifrudo?... Sabia, mas era apaixonado pela Socorrinho e já tinha mandado dois pra lixeira, cara!... Ih, canoa furada, Hermes... Então uma tarde ela me chamou na casa dela... E você foi, maluco?!... Fui, ela me disse que estava precisando de um desencanador... Ocê é doido... É foi doidice mesmo. Quando eu pensei que ia carregar o arquivo, a trezentos kilobites por segundo... O cara te deu o flagrante... Não, tocaram a campanhinha... Ô mermão, ninguém toca a campaínha pra entrar na própria casa... Pois é, mas já derrubou a velocidade, né? Era o filho da vizinha. Ela despachou o moleque a agente voltou pro matadouro...

O bebum desprezado era um bebum respeitado. Toda hora fazia uma careta, ou um gesto, e os demais bebuns, formando já uma meia-lua às costas do Hermes, trocavam impressões. Percebendo tudo, o Cuia tentou levantar a moral do amigo: Aí você fez o couro comer... O bebum balançou o dedo indicador e fez beiço, querendo dizer que não acreditava. O Hermes respondeu: Mais ou menos, Cuia... Os bebuns metidos a jurados dissimularam uma estrondosa risada, quando o bebum desprezado saiu da birosca fazendo uma porção de gestos. Mas não demorou muito, alguns minutos depois lá estava ele novamente, pedindo licença para passar e voltar ao seu canto. Que mais ou menos é esse? – Perguntou o Cuia. Eu disse mais ou menos porque quando o programa estava quase carregado, ela me sussurrou que ouvira um barulho na cozinha. De repente o cara entrou no banheiro, já tirando a roupa, e quando me viu perguntou o que eu estava fazendo ali... E você, mermão, por que não pulou a janela?... Que janela, Cuia? Primeiro porque não tinha uma por onde eu pudesse passar. Segundo porque o banheiro era tão pequeno e o cara tão grande, que eu tinha a impressão de que éramos duas sardinhas numa lata. Ou melhor, uma sardinha e um tubarão! Que coisa, rapaz. Ele entrou tirando a roupa e eu tentando vestir a minha!... E aí?... Ai eu disse que já sabia qual era o problema... Como assim, Hermes?... É, mermão. Vou explicar: Quando corri pro banheiro, logo vesti a cueca. Aí ouvi o cara falando que havia chegado o caça-vírus. Então, em vez de por a roupa, eu desenrosquei o sifão da pia e abri a torneira. Só não deu tempo de abotoar as calças... E o cara caiu nessa? Mas que otário!... Bem isso eu não sei. Porque eu disse a ele que no dia seguinte voltava pra tirar o entupimento. Ele me pediu que saísse do banheiro porque queria olhar o serviço. Enquanto ele olhava eu fui saindo. Quando pus o pé na rua, mermão, desembestei que nem a mula-sem-cabeça! E ainda passei uma semana correndo. Vendo o cara atrás de tudo que era poste.

A turma de bebuns já não dissimulava mais as risadas e os julgamentos. E já não era composta apenas de bebuns, nem somente de homens. Haviam chegado mais torcedores e algumas prostitutas mas, devido a bebida já em conta alta e ao peso das lembranças, o Vela não se importava. Expunha-se ao ridículo, despertando a piedade de alguns. Cuia não sabia mais o que fazer. Pensava em como levar o amigo para casa, enquanto ele ainda pudesse andar com as próprias pernas. Mas de repente o Hermes se empolgava e recomeçava a falar, sem tramelas na lingua já melosa. Estava claro que ele não se submeteria a nenhum conselho: E tudo por causa daquela piranha, Cuia! A gente era feliz. Eu percebi muito antes e falei com ela. Disse que o Afrânio ia querer lotar o disco, secretária novinha, com tudo no lugar, se sentindo importante... É, o cara foi esperto... Ela é que foi uma vagabunda! Eu avisei antes, ela aceitou porque se entusiasmou com as gentilezas do Dr. Afrânio – disse o Hermes com desdém... Mas clama, mermão, isso agora já é passado. Esquece essa estória e vai em frente. Você não quer pegar agora a mentirinha? Então pega e esculacha, mermão. Vai te fazer esquecer as outras. Inclusive a Laurinha... Ah, a Laura não, Cuia. Eu não consigo esquecer o que ela me fez. Nunca, jamais vou perdoar aquela mulher. Se encontrar com ela na rua eu arrebento a piranha de porrada.

Sem sair do seu canto, o bebum desprezado balançava o dedo e fazia beiço. Os demais, já em franco debate, se dividiam. As prostitutas, em grupo, se defendiam. Alguns torcedores defendiam as prostitutas, para que tivessem o que fazer depois do jogo, afundar a mágoa em caso de derrota. O Portuga não tomava partido, bastava-lhe vender bebidas para todos. No fundo todos se divertiam, aproveitavam o fim-de-semana. Até o dragão se divertia com aquele São Jorge sem lança! Menos o Vela. Estava realmente consternado, não parava de imaginar formas alternativas de trucidar a Laura. E usava as opiniões dos bebuns para reorientar as suas tramas, curtindo a dramatização da sua desgraça, como se lhe causasse prazer. Numa dessas, ao dirigir-se ao grupo de prostitutas para ver sua reação, percebeu que uma delas saia de trás do grupo e atravessava em sua direção. Ele não queria falar com ela, era apenas uma puta, como dizia ser também a Laura. Tudo farinha do mesmo saco! – Disse em definitivo.

Quando o Hermes escutou aquela voz de mulher lhe dizendo um curtíssimo “Oi” pelas costas, imaginou que o mundo havia parado de repente. Um silêncio palpável preencheu o ambiente. O Vela tentava decidir o que fazer, sob o peso de muitos olhares. Quando se voltou para trás, viu que havia uma mulher muito bonita no centro de um pequeno espaço, obviamente aberto para ela. Apesar do congelamento generalizado, apenas o bebum desprezado balançava a cabeça, mas agora positivamente. O Hermes não conseguia articular uma só palavra. Dentro do seu íntimo encharcado de uísque “qualquer um”, tudo era escuridão, uma multidão de vultos ia e vinha, sem que ele pudesse organizar o pensamento. Não teve coragem de dizê-lo, mas não restava nenhuma dúvida: só podia ser a Laura. Queria olhar dentro dos seus olhos, pois conhecia-lhe o olhar, mas a bebida já não o permitia. E quando a mulher lhe estendeu docemente a mão, com um sorriso calmo e soberano no rosto, o Vela não conseguiu fazer resistência. E deixou-se levar lentamente para fora, pela mão, como uma criança ingênua. Atravessando o silêncio estupefato e o julgamento sem veredicto de cada um dos presentes, sumiram os dois entre os torcedores que, na rua, preparavam-se empolgados para tomar o caminho do estádio. Como se houvessem ali dois mundos paralelos, o casal e os torcedores não se confundiam, mal se notavam. Era de se pensar que não estivessem no mesmo tempo e no mesmo lugar. Uma mão imensa e irresistível parecia abrir aquele mar de gente, enquanto o casal sereno e mudo escapava dos julgamentos, sem que se molhassem sequer no suor dos torcedores.

Na birosca, foi o bebum desprezado que quebrou a perplexidade. Deu um tapa na lateral do balcão, fazendo um estrondo que deixou o Portuga furioso. Ô Portuga! Dá outro marimbondo aqui pro meu amigo Cuia, que ele está pagando o meu também – e virando-se para o mulato, que se mantinha pensativo, sussurrou - como nos bons tempos, hem Cuia? Uma a uma as pessoas foram se reacomodando pela birosca. O bebum sentou-se no banco, que o Hermes deixara morninho, disse com ar sábio: Ah, o amor. Coisa mais linda é o amor... Encafifado, o Cuia não respondeu mas quis saber: Sabe, você até pode me achar com cara de panaca, mas eu não tenho certeza de que aquela mulher era a Laurinha. Se bem que era muito parecida, não vejo há anos, mas acho que não era não... O bebum virou a sua cachaça toda de uma vez e depois ficou olhando para o chão, reflexivo, com um sorriso torpe nos lábios. Depois de um tempo, finalmente falou claramente: Não era ela mesmo, Cuia... Mas então, quem era ela?... Depois de fazer uma careta, como se rebuscasse o passado, explicou: Você não se lembra da Fátima? Não, né. A menina que vendia bala na estação do trem... Não, não me lembro mesmo... Eu conheci as duas desde pequenas, desde quando eu era um homem respeitado. A Fátima é mais nova, mas sempre foi parecida com a Laura. Depois meteu-se com aquele bandido, famoso por cortar as orelhas dos seus desafetos... O Pinga-Fogo... Isso, ele mesmo. Ele sustentava a ela e a outras molecas. A Fátima engravidou para se sentir mais segura, mas o cara apareceu cheio de buracos pouco antes do bebê nascer. Ela então andou na mão de um e outro bandido, pra manter o pirralho. Depois desapareceu de repente. Passou uns anos fazendo programas com gente endinheirada, gerentes de banco, diretores de empresa. Tem três meses que ela reapareceu, está morando no bairro aí de trás... Mas por que ela tomou aquela iniciativa?... Porque, como lhe disse, coisa mais linda é o amor...

O Cuia estava inconformado, não conseguia entender direito. Não vai me dizer que ela está apaixonada pelo Hermes?... Que apaixonada, Cuia. Ela nem conhecia ele direito... E como ela veio parar aqui na birosca?... Eu chamei, ora. Ela é puta, não é adivinha. Mas eu conheço ela muito bem. Você sabe que conheço as putas daqui. Não posso mais pagar pelos serviços delas, mas conheço bem várias delas e sou amigo delas... Que coisa de doido, quem vai pagar? Quando o Vela entender tudo não vai tirar um tostão do bolso... Nada de doido não, Cuia. Ela não veio receber dinheiro não... Como não?... O bebum parou, se ajeitou no banco e continuou: Cuia, meu velho Cuia... Eu já vivi um pouco mais que você. E lhe digo com toda a convicção: As mulheres que vivem de programa não são todas iguais. Mas são seres humanos todas elas, têm sentimento. Eu não pedi, apenas perguntei se ela queria fazer isso. Ela confiou em mim e topou fazer... Mas o Hermes não ama essa mulher... Já deve estar amando, Cuia... Não é a Laurinha... Que diferença faz, Cuia? Ele precisava amar, se regenerar, tirar o paredão de dentro dele. Você acha que o amor dele, que ele não pode exercer e não serve pra nada, é mais amor que o da Fátima, dado de graça, pela necessidade dele e por amizade a mim? E ademais ela não tem nada a perder, tem a dar. Qual o pecado nesse caso? Mas o Vela podia ter perdido a vida, lá no banheiro do caça-vírus. E noutras vezes, porque ficar pegando as mulheres dos outros...

O Cuia ainda não aceitava plenamente a conversa do amigo, porém reconhecia certa razão. E será que o Vela vai segurar a peteca? Do jeito que saiu daqui, não sei não... Ora, Cuia, ela é uma mulher sofrida, experiente, com certeza vai dar o jeito dela... Mas ele não vai se casar com ela, né?... Casar? Acho que ela não ta pensando nisso, não. Prostitutas nunca pensam em casamento numa primeira ocasião. Não é esse o trato. Se você sair com uma delas e falar em casamento, nunca mais ela sai contigo, pra não apanhar do cafetão... Mas vai que a Fátima pensa... E daí? Eu não sou cafetão, não ganho dinheiro com ela... O Cuia pediu a conta ao Portuga, pagou a cachaça e pendurou o uísque, reclamando do preço. Depois, com ar de satisfeito, disse ao amigo: bom, tomara que pelo menos você esteja certo e ela saiba acender velas. Senão, quando ele voltar aqui, vai dizer que de repente bateu um vento... Que nada, Cuia, você num entende nada de velas. Ele vai dizer que quando o programa estava carregado, caiu a conexão!

Foto de Lou Poulit

Espumas de Copacabana

Pondo a manhã nos olhos da gente
inunda luz quente a alma,
que sente vontade de possuir o momento.

Um transatlântico espumante apita ao largo.
Uma despedida sem lenço.
Pelo imenso lençol se arrasta
e se esconde na cabeceira do Forte.
Quem se despede diz “hasta la vuelta!”
e quem fica pensa “que sorte...
sou fraco, não preciso voltar”.

A densa e imensa mistura de gente
fez disso aqui um lugar diferente
e criou uma democracia de surfistas sociais.
Ou mais, uma “anarquia democrática”
onde todo comportamento é tática.
Tudo, qualquer coisa vale
para continuar fraco e não ter que partir.
Muitos não têm mesmo para onde ir.
Alguns sequer o que comer.
Mas todos de alguma forma se comem
seja mulher, fora de norma ou homem.

Pondo a noite nos olhos da gente
os brilhos múltiplos ofuscam as estrelas,
mas seus filhos últimos poderiam vendê-las,
mesmo do alto, ao primeiro incauto.
E ele compraria! Por força do encanto.
Porquê veio de longe e pagou mais.
Porquê ademais: que sorte ser fraco!
Talvez nem se dê conta do simulacro
roto (é jogo, é mão-no-saco!)
que lhe põe uma coleira no escroto.

Pondo a cara nos olhos da gente
a madrugada pressente o falo do novo dia.
A viúva mostra o calo, a vulva viva e crua
e eu a minha verborragia
que, nua, masturba a esfera da caneta e anuncia,
de humanidade até o pescoço, o termo do endosso
o salto no próprio abismo.
O ermo em que fraco lambo o fundo da louça freme,
como num sismo, a poça...
Essa sopa de talento e miséria humana
com que alimento a verve séria,
que mendiga espumas em Copacabana.

Foto de alEksãdra

Mulher

Eu já apertei o pé no sapato pra caber
já apertei o cinto pra barriga encolher
apertei um ursinho de vontade de te ver.

Eu já comi uma caixa de bombom, por ansiedade
já comi apenas uma banana, por vaidade
comi o pão que o diabo amassou de saudade.

Eu já jurei não mais ligar
já jurei não mais brigar
jurei não mais chorar.

Eu já tomei um fora de ferir
já tomei um porre de cair
tomei remédio para dormir.

Eu já sofri pra ficar depilada
já sofri por ficar desempregada
sofri de ficar enciumada.

Eu já pensei em ser atriz de novela
já pensei em me jogar de uma janela
pensei em afogar uma cadela.

Eu já tive um sutiã meio furado
já tive um primo meio tarado
tive um amigo meio viado.

Eu já sonhei ter ganhado na loteria
já sonhei fazer lipo na barriga
sonhei ter te conhecido em outra vida.

Eu sou apenas uma senhora madura
sou apenas uma adolescente insegura
apenas uma criança, fazendo travessura.

Uma Mulher, que às vezes anda de salto
Uma Mulher, que às vezes brinca de balanço.
Mas se você me pega de assalto
Me jogo em seus braços,
E digo que Te Amo.

08/03/2007

Foto de Neryde

"Urgência"

Fico aqui a imaginar como será,
Quando suas mãos o meu corpo tocar.
Nunca pensei que conhecer uma pessoa virtualmente
Pudesse me trazer tais sensações ,sinceramente!
Estamos participando do jogo da imaginação,
Um jogo cheio de tesão e emoção.
E esta emoção me dá uma carência,
Preciso de você com "urgência".
Quero que faça amor comigo,
Mas quero também que tire de mim,
Algo que tenho escondido.
Quero que me segure forte,
Que faça de mim sua Salomé.
Que faça de mim o que quiser.
Quero ser sua sem pudor,
E sentir todo o seu calor.
Te ofereço todo o meu sexo,
Tudo que quiser eu vou te dar.
Te darei muito carinho,
Te cobrirei de beijinhos.
Te darei minha essência,
Por isso te quero com "urgência".

Foto de Zedio Alvarez

Artista do amor

Preparo o cenário do amor,
Com a arte que tenho sonhado,
Faço de cada ato um show,
Fazendo tudo bem encenado.

Guardo o texto enquanto tenho amor.
Jogo o laço e não me engano,
Viajo na empatia dos personagens.
Eu só faço amor com quem amo.

Foto de sonhos1803

castanhas

Vou quebrando a dureza,
Espero pela,
Gostosura,
Da brancura,
Da polpa pura,
É assim a castanha,
Como os dias de inverso,
Vem me virar ao inverso,
Trabalho,
Firo a alma,
Tentando,
Quebrar todas as barreiras,
Incertezas tão duras,
A cada manha sem você,
A cada segundo,
Vou lutando,
Quebrando aos poucos,
Minha alma se fere,
Perde a vontade,
Ai tudo se repete,
Eu cá imersa,
Em duvidas,
Em saudades,
Tantas perguntas,
Portas opostas,
Como a casca,
Tua carapaça,
Proteges teu coração,
Tento não perder a razão,
Mas, já sou perdedora.
Jogo tudo pro alto,
O meu esforço,
A vontade,
Aí lembro,
O desejo de sentir teu gosto na minha boca,
Ver a brancura do teu coração,
Cheio e tenro,
De um sabor autentico,
Meio selvagem.

Foto de Camillinha

O último adeus!

Depois de estar um bons meses desaparecida,eu voltei com força total!

Ele apareceu como eu imaginava.
Lindo,lindo...
Parecia um anjo.
Conversamos sobre muitas coisas,fazendo "intervalos" entre olhares e pensamentos distantes.
E poucas,porém que deixam algum mistério no ar,demonstrações de carinho.
E eu senti como se eu não estivesse lá.
Como se fosse uma outra pessoa encarando aquele papel de atriz.
Atriz,pois tudo aquilo não passou de um mero jogo de cenas onde se intercalavam momentos alegres e momentos tristes.
Mesmo no silêncio de nossas palavras,em momento nenhum eu me dei conta do tempo em que eu estava lá,enfrentando umas das situações que eu nunca esperei enfrentar na vida.
Ao mesmo tempo,era como se ele estivesse tão perto e ao mesmo tempo tão longe.
E pensando nisso ,eu colocava a atriz,a personagem que existe dentro de mim me controlando para não chorar e assim colocar tudo a perder.
Quando finalmente deixei de assumir esse papel,voltando a ser eu mesma me dei conta do quanto eu sou forte e ao mesmo tempo tão fraca,tão frágil,tão..tão...
Tão forte para não exclamar em alto e bom som um EU TE AMO!
E ao mesmo tempo tão fraca a ponto de derramar diversar lágrimas ao ouvir um não me esqueça.
E assim ter a certeza do nunca mais!
Doí,doí muito é uma dor que parece não ter remédio nem cura.
Lágrimas rolam pela minha face,umidecendo todo meu rosto.
Quando essas param de rolar sob minha face,essas mesmas molham meu peito ,fazendo arder mais e mais a ferida que ainda permanece no meu coração e penetra no fundo da minha alma.

Foto de Zedio Alvarez

Xadrez é vocação...

Quando jogo uma partida de xadrez,
Transporto a minha vida para o tabuleiro,
Procuro tomar decisões a cada momento,
E que o meu erro seja sempre o derradeiro.

Mesmo que esteja errado
E o destino me leve ao Xeque Mate,
A minha vida dará oportunidade,
De redimir dos meus pecados.

O tabuleiro tem caminhos e variantes
Onde a cada partida ganho mais vida.
Mesmo com ela em xeque!
É só mais uma partida...

Nas situações momentâneas do jogo,
Temos que escolher um caminho a seguir,
Provocando a quebra de paradigmas,
Que na minha própria vida vou conseguir

Foto de Riad Munther Al Zarba

Escolhas Sensatas

Se exige demais de quem não pode dar,
pois a força é maior que um predicado
Assim eu vejo...
paredes e janelas
rosas com espinhos
São as celas carcerárias invisíveis
que me aprisionam mau
Te julgam sem te conhecer
e conceituam pelo parecer
Mas a moral e os bons costumes
não estão num manual
Mesmo assim
você se torna diferente
arriscadamente perigosa
dentro de um grande percentual

O jogo é cruel
só sobrevive quem é de aço
Aquele quem tem no peito um corção
mas não o usa pra pensar...
portanto:
Nem o vento sul
que sopra agora
com toda sua intensidade
é mais quente q o teu olhar

Não queira entender
e nem se preocupar
pois se ninguem nunca a ensinou
Não sou eu quem vou
agora lhe ensinar

Te dou cinco horas pra pensar
e um segundo pra responder
Se a resposta é negativa
eu já nem quero mais
Pois na sombra o sol não queima
e assim percebo teus sinais
Se eu fiz essa escolha
pode apostar com toda certeza
o caminho que eu procuro
é o caminho da paz!!!

(Riad Munther Al Zarba)

* essa poesia eh bem antiguinha, eh tbm uma letra de musica fiz
ela faz uns 6 ou 7 anos...

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