Era uma era, onde não havia vez. Nesse tempo vivia um pequeno ditador, cujo nome só podia ser entendido na sua própria língua, e esse pequeno ditador massacrava seu povo, e esse pequeno ditador promovia orgias com as riquezas acumuladas por meio da sua opressão. Num lugar esquecido pelo resto do mundo, ele, figura exótica, de nada lembrava as caricaturas chaplinianas do cinema ocidental. Era o fragelo da era, há meio século no poder. Quase um imortal.
Mas acontece que ele não era imortal. Certo dia, após uma entrevista para uma televisão estrangeira, o pequeno ditador teve de esperar a chegada de seu motorista oficial. Logo ele, o pequeno ditador, tendo que esperar! Não costumava ter um minuto de sossego, com bajuladores indo e vindo. Mandou todos para longe da sua presença e, aborrecido, pôs-se à meditar solitariamente na solidão de seu poder.
Teve a idéia de rezar. Não soube bem explicar à si mesmo a causa. Não precisava de mais nada. Viu-se na obrigação de orar por proteção divina, mas com tantos seguranças, e um exército à disposição, não tinha tanto o que pedir. No seu país era mais poderoso que Deus. Sua palavra era o que apontava a salvação e determinava a morte.
Mas, que poder era esse, poder de bombardear a própria pátria; de destruir sonhos de mães, filhos, irmãos; de arrasar um deserto, vejam só, um deserto, tornar a vida impossível num lugar que já é árido; prender aqueles que tanto sofrem pela liberdade, ao ponto de viver num lugar onde ninguém mais poderia para preservá-la.
O Pequeno Ditador, como um Narciso que lambe a própria imagem, curvou-se hipócritamente diante de seu superior imediato, e implorou brandamente a piedade de seu universo. Por um momento se envergonhou. Por um momento foi humano, em se titubear. Por um momento acreditou que o mundo é bom, mas as pessoas são egoístas e o estragam por besteiras. Um instante que revelou toda a sua vida.
Mas foi somente um instante. Alguém bate forte à porta. Será o motorista? Tomara? Ou não, será o inesperado, pedindo a passagem do imponderado...?
Nesses tempos nada é tão improvável.