Herdeiros

Foto de Jardim

chernobyl

1.
sons de violinos quebrados vinham das montanhas,
uivos de lobos noturnos,
varriam as imagens das imaculadas ninfas
enquanto se ouviam as vozes dos náufragos.
o príncipe das trevas desceu disfarçado de clown,
bailava num festim de sorrisos e sussurros.
a nuvem envolvia a cidade com seus círculos febris,
se dissolvia nas ruas em reflexos penetrantes,
coisa alguma nos rios, nada no ar e sua fúria
era como a de um deus rancoroso e vingativo.
a morte com seus remendos, oxítona e afiada,
distribuía cadáveres, penetrava nos ossos, na pele,
nos músculos, qualquer coisa amorfa,
alegoria da inutilidade das horas.
agora este é o reino de hades
os que um dia nasceram e sabiam que iam morrer
vislumbravam o brilho estéril do caos que agora
acontecia através del siglo, de la perpetuidad,
debaixo deste sol que desbota.
o tempo escorre pelos escombros,
o tempo escoa pelos entulhos de chernobyl.

2.
meu olhar percorre as ruas,
meus passos varrem a noite, ouço passos,
há um cheiro de sepultura sobre a terra úmida,
um beijo frio em cada boca, um riso
estéril mostrando os dentes brancos da morte.
não foram necessários fuzis ou metralhadoras.
mas ainda há pássaros
que sobrevoam as flores pútridas.
aqueles que ainda não nasceram são santos,
são anjos ao saudar a vida diante da desolação
sob este céu deus ex machna.
aos que creem no futuro
restaram sombras, arcanos, desejos furtados,
resta fugir.
uma nuvem de medo, ansiedade e incerteza
paira sobre o sarcófago de aço e concreto da usina.
asa silente marcando o tempo
que já não possuímos.
pripyat, natureza morta, vista através das janelas
de vidro dos edifícios abandonados
sob um sol pálido, ecos do que fomos
e do que iremos ser.
pripyat, ponto cego, cidade fantasma,
os bombeiros e suas luvas de borracha e botas
de couro como relojoeiros entre engrenagens
naquela manhã de abril, os corvos
seguem em contraponto seu caminho de cinzas
sob o céu de plutônio de chernobyl.

3.
e se abriram os sete selos e surgiram
os sete chifres da besta,
satélites vasculham este ponto à deriva, seu nome
não será esquecido, queimando em silêncio.
os quatro cavaleiros do apocalipse e seus cavalos
com suas patas de urânio anunciam
o inferno atômico semeando câncer
ou leucemia aos filhos do silêncio.
os cães de guerra ladram no canil
mostrando seus dentes enfileirados, feras famintas,
quimeras mostrando suas garras afiadas,
como aves de rapina, voando alto,
lambendo o horizonte, conquistando o infinito.
eis um mundo malfadado povoado por dragões,
a humanidade está presa numa corrente sem elo,
sem cadeado, enferrujada e consumida pela radiação.
vidas feitas de retalhos levadas pelo vento
como se fossem pó, soltas em um mundo descalço.
vidas errantes, como a luz que se perde no horizonte,
deixam rastros andantes, vidas cobertas de andrajos,
grotescas, vidas famintas e desgastadas,
que dormem
ao relento nas calçadas e que amanhecem úmidas
de orvalho, vidas de pessoas miseráveis,
criaturas infelizes, que só herdaram
seus próprios túmulos em chernobyl.

4.
mortífera substância poluente, complexa,
realeza desgastada que paira nos ares
da pálida, intranquila e fria ucrânia
envolta no redemoinho dos derrotados.
gotas de fel caindo das nuvens da amargura,
sobre a lama do desespero, sobre o vazio
da desilusão, no leito do último moribundo.
cacos, pedras, olhos mortiços, rastros cansados,
inúteis, o sol das estepes murchou as flores
que cultivávamos, descolorindo nossas faces.
seguem os pés árduos pisando a consciência
dos descaminhos emaranhados da estrada,
na balança que pesa a morte.
no peso das lágrimas, que marcaram o início da dor,
restos mortais, ossos ressecados, sem carne,
devorados pela radiação, almas penadas
no beco maldito dos condenados, herdeiros
da abominação, mensageiros da degradação,
horda de náufragos, legião de moribundos.
o crepúsculo trouxe o desalento e as trevas, a vida
agora é cinza do nada, são almas penadas que fazem
a viagem confusa dos vencidos em chernobyl.

5.
ainda ouvimos os gritos daqueles que tombaram,
e os nêutrons sobre a poeira fina dos vales,
os pés descalços sobre pedras pontiagudas,
ainda ouvimos o choro das pálidas crianças,
a fome, a sede e a dor,
o estrôncio-90, o iodo-131, o cesio-137.
vazios, silêncios ocos, perguntas sem respostas,
degraus infernais sobre sombras, rio de águas turvas,
quimera imunda de tanta desgraça,
fantasia desumana sem cor,
transportas tanto mal, conduzes a todos
para a aniquilação neste tempo em que nada sobra,
em que tudo é sombra, é sede, é fome, é regresso,
neste tempo em que tudo são trevas,
onde não há luz.
cruzes no cemitério, uma zona de sacrifício,
sob um céu sem nuvens,
a morte em seu ponto mutante.
no difícil cotidiano de um negro sonho,
restaram a floresta vermelha,
e os javalis radioativos de chernobyl.

Foto de Evandro Machado Luciano

Ressurreição

O nome dele era Coronel Mendonça Filho. Grande estrategista militar, sempre fora considerado um dos nomes de maior importância no terreno bélico. Sua atitude ríspida, duramente agressiva, ofensiva, contrastava com seus anseios, seus sonhos. Seria impossível viver seus sonhos, do alto da torre de marfim em que Coronel Mendonça Filho vivia.

Tinha dois filhos, ambos do sexo masculino. Sempre exigira uma masculinidade exacerbada de suas crianças. Masculinidade, esta, que por vezes fora confundida com uma ideologia sexista ultrapassada, reacionária. Criara seus filhos como ideólogos machistas. Ao menos, tentara.

A carreira de Coronel Mendonça Filho fora construída durante longos e prestigiosos anos. Trinta, ao todo. Hoje, Coronel Mendonça Filho, contabiliza 20 primaveras, 5 verões, 10 outonos e 30 invernos. Não é mais nenhum menino, por assim dizer.

Seu caráter, sempre fora alvo da opinião pública. Sim, porque Coronel era uma figura pública. Considerado por muitos, o sucessor no plenário nacional, fora duramente criticado pelo telejornal das oito horas, o que era muito significativo, pois este jornal emanava opiniões que desmantelavam o nível intelectual da população. Mas em nenhum momento teve seus delitos comprovados legalmente.

Tudo estava como deveria ser na vida de Coronel Mendonça Filho. Até que um belo dia – nem tão belo assim, uma tragédia assolara a vida deste sujeito. Seus filhos, ao mesmo tempo, foram alvo de um acidente de trânsito. Veja você, tamanha ironia do destino. Mortos, vítimas de um atropelamento. Coronel Mendonça Filho perdera seus herdeiros. Os herdeiros de sua virtude. Os herdeiros de sua índole. Os herdeiros de sua fortuna.

Agora, nada mais restava na vida de Coronel Mendonça Filho.

Como se não bastasse esse fato catastrófico, Coronel sofrera imensuráveis acusações de crimes de guerra, oriundos do conflito entre Brasil (sim, por que caso não tenha notado, caro leitor, estes fatos ocorreram no Brasil) e França. Sua fortuna estava prestes a ir pelo ralo. Não obstante, nosso Oficial não via mais utilidade para sua quantia monetária exorbitante, visto sua idade avançada e falta de herdeiros. Não se importaria mais em perder seu dinheiro.

Advogados, processos, subornos. Tudo lhe roubava o ouro, conquistado a sangue, suor e retórica. Ao fim, empobrecera.

Sem vintém algum, sem filho algum, com uma mulher que não amava, o Coronel resolveu que não admitiria mais em seus restantes dias de vida, compartilhar com o mundo uma vivência desonesta e fútil. Partiria em rumo de seus sonhos, honestamente, vivendo plenamente as poucas horas vitais que lhe sobraram. Antes tarde, do que mais tarde.

Nascia, assim, Mendonça Filho.

Foto de Carmen Vervloet

UM NOVO MUNDO

Mesmo se for apenas por um segundo
olhos e fé no infinito transcendente
eu quero ver nesse nosso imenso mundo
a vida plena transitando benevolente.

Olhar o céu se acender sossegado,
o orvalho puro umedecer a plantação,
a rosa e o cravo sorrindo, enamorados,
dançando enlaçados pelo vento e sua canção.

A mata virgem despertando paixão
nos seres vivos, livres e preservados,
as fontes límpidas batendo seu coração
matando a sede do fértil solo arado.

Os alimentos brotando abundantes
saciando a fome de todos os viventes,
grilos alegres, pelas noites saltitantes,
anunciando um novo homem mais consciente

E a fartura nas mesas fazendo festa,
o corpo e a alma em grande evolução,
a vida plena cortada de suas arestas
entregando, um a um, o troféu da preservação.

Então a Deus agradecerei de joelhos
o despertar da sua semente divina
nos corações de seus humanos herdeiros
neste meu sonho que a devastação ajardina.

Carmen Vervloet
Diritos Reservados

Foto de Edson Milton Ribeiro Paes

"PARATY"

“PARATY”

Dos casarios centenários...
Das igrejas a beira mar...
Do piso em mosaicos...
Obriga-nos a recordar!!!

Recordar de algo que não vimos...
Mas que gostaríamos de acompanhar...
Historias que nos contam os antigos...
Que começam e terminam além-mar!!!

O ouro que passou por seu porto...
A cultura que insistiu em ficar...
Os homens que tombaram mortos...
Tentando riqueza conquistar!!!

Paraty de muitas lendas...
Muitas dão orgulho de escutar...
As tropas descendo a serra por suas fendas...
Nossa riqueza dando adeus a este lugar!!!

Hoje o mundo te visita...
Através de turistas de muitos lugares...
Trazem de volta tuas divisas...
Tentando tua riqueza restaurar!!!

Paraty terra querida...
Teu lugar jamais será tomado...
Teus herdeiros defendem tuas fronteiras...
Reconquistando todo teu ouro roubado!!!

Foto de jcguimaraes

22 ARCANOS





O Mago da natureza
exibe em forma de jogo,
repousados sobre a mesa,
terra, água, ar e fogo.

A influente Sacerdotisa,
símbolo da imortalidade,
dá à alma que agoniza,
a paz da espiritualidade.

Imperatriz e Imperador
que educam nobres herdeiros,
mostram que a fome e a dor
são sofrimentos passageiros.

O sábio Sumo Sacerdote,
grande voz do conhecimento,
antes que o mal nos derrote,
dá-nos luz e discernimento!

O jovem Enamorado
que corta o laço materno,
busca o amor açorado
para que seja eterno.

O Carro conduz, na verdade,
a vontade de seu condutor,
seu destino é a liberdade
seu desejo, o libertador.

A Justiça nos faz entender
que no peso de cada ação,
a balança deve pender
para o lado da razão.

O Ermitão se isola do mundo
para rever o seu próprio eu,
e num mergulho profundo
percebe o que não percebeu.

A Roda da Fortuna gira
como um ser em evolução,
que do passado retira
a herança da geração.

A Força dos nossos instintos
que nos faz agir sem pensar,
é caminho de labirintos
sem saída para encontrar.

O Enforcado nos aponta
o sentido da iniciação,
é quando a fé se confronta
com a grande transição.

A Morte nos faz renascer
com a purificação do fogo,
pois, das cinzas vamos crescer
para a nova etapa do jogo.

A Temperança realizadora,
é a força da purificação,
a alquimia que sintetiza
o poder da transformação.

O Diabo traz o oculto,
que perturba a nossa mente,
para um confronto adulto
com o que nos faz impotente.

A Torre destrói padrões,
quebra a estrutura do ser,
rompe com as relações,
para voltar a crescer.

A Estrela é inspiração,
é toda leveza do amor,
é o espírito em ascensão,
é a vida com esplendor.

A Lua nos faz mergulhar
nas profundezas da dor,
e descobrir ao chorar
a nossa força interior.

O Sol ilumina os caminhos,
da jornada espiritual,
na qual não estamos sozinhos,
como num grande ritual.

O Julgamento é necessário
no confronto de valores,
pois, senão, do contrário,
de nada valeram as dores.

O Mundo é o fim da jornada
que une os lados distantes,
é a premiação almejada,
o fim da busca incessante.

O Louco segue adiante,
na sua eterna procura,
um cavaleiro errante,
movido pela aventura.

Foto de Joaninhavoa

Elíxir do Amor

*
Elíxir do Amor
*
e seu antídoto…
*

Poderia dizer-te em palavras
Os versos que fiz para ti
Mas há quanto tempo sabes
O que sempre te escondi

Como alimentas a alma
Renuncias ao teu corpo
Ou é o amor que te domina
E o sustentas num fogo louco

Com a vida de outras vidas
Alimentas teu viver em lume
No final dos amores só a solidão

Herdeiros sem solução
Não há controlo para a emoção
Sem saída procura ajuda num antídoto

Para aquele elíxir…

Joaninhavoa,
(helenafarias)
03 de Outubro de 2008

Foto de Carmen Lúcia

A acompanhante

(texto inspirado no conto “O enfermeiro”, de Machado de Assis, em homenagem ao centenário de sua morte.)

Lembranças me vêm à mente. Ano de 1968. Meus pais já haviam falecido e me restara apenas uma irmã, Ana.
Foi preciso parar com meus estudos, 3º ano do Magistério, para prestar serviços de babá, a fim de sobrevivência.
Morava em Queluz, cidade pequena, no estado de São Paulo, quando, ao chegar do trabalho, bastante cansada, recebi a carta de uma amiga, Beth, que morava em Caçapava, para ser acompanhante de uma senhora idosa, muito doente. A viúva Cândida. O salário era bom.
Ficaria lá por uns bons tempos, guardaria o dinheiro, só gastando no que fosse extremamente necessário.Depois, voltaria para minha cidade e poderia viver tranqüilamente, com minha irmã.
Não pensei duas vezes. Arrumei a mala, colocando nela o pouco de roupa que possuía e me despedi de Ana.
Peguei o trem de aço na estação e cheguei ao meu destino no prazo de uma hora, mais ou menos.
Lá chegando, fui ter com minha amiga Beth, que morava perto da Praça da Bandeira e estudava numa escola grande, próxima de sua casa. Ela me relatou dados mais detalhados sobre a viúva, que, não fosse pela grande dificuldade financeira que atravessava, eu teria desistido na mesma hora.
Soube que dezenas de pessoas trabalharam para ela, mas não conseguiram ficar nem uma semana, devido aos maus tratos e péssimo gênio da Sra Cândida.
Procurei refletir e atribuir tudo isso a sua saúde debilitada, devido às várias moléstias que a acometiam.
Os médicos previram-lhe pouco tempo de vida. Seu coração batia muito fraco e além disso, tinha esclerose, artrite, bicos-de-papagaio que a impossibilitavam de andar e outras afecções mais leves.
Depois de várias recomendações de paciência, espírito de caridade, solidariedade por parte de minha amiga e seus familiares, chamei um táxi e fui para a fazenda, onde morava a viúva, na estrada de Caçapava Velha.
A casa era de estilo colonial e lembrava o passado, de coronéis e escravos.
Ela me esperava, numa cadeira de rodas, na varanda enorme e mal cuidada, onde vasos de plantas sucumbiam por falta de água.
Percebi a solidão em que vivia, pois apenas uma empregada doméstica, já velha e com aspecto de cansada, a acompanhava.
Apresentei-me:-Alice de Moura, às suas ordens!Gostou de mim.Pareceu-me!
Por alguns dias vivemos um mar de rosas.Contou-me de outras acompanhantes que dormiam, não lhe davam seus remédios e que a roubavam.
Procurei tratá-la com muito carinho e ouvia atentamente suas histórias.
Porém, pouco durou essa amistosa convivência. Na segunda semana de minha estadia lá, passei a pertencer à lista de minhas precursoras.
Maltratava-me, injuriava-me, não me deixava dormir, comparando-me às outras serviçais.Procurei não me exaltar, devido a sua idade e doença.Ficaria ali por mais algum tempo. Sujeitei-me a isso pela necessidade de conseguir algum dinheiro.
Mas, a Sra Cândida, mesmo sendo totalmente dependente, não se compadecia de ninguém.Era má, sádica, comprazia-se com a humilhação e sofrimento alheios.
Já me havia atirado objetos, bengala, talheres, enfeites da casa.Alguns me feriram, mas a dor maior estava em minh’alma.Chorava, às escondidas, para não ver a satisfação esboçada em seu rosto e amargurava o dia em que pusera os pés naquela casa.
Passaram-se quatro meses.Eu estava exausta, tanto fisicamente, quanto emocionalmente.Resolvi que voltaria à Queluz.Só esperaria a próxima rabugisse dela.Foi quando, de sua cadeira de rodas, ela atirou-me fortemente a bengala, sem razão alguma, pelo simples prazer de satisfazer seu sadismo.
Então eu explodi. Revidei, com mais força ainda.Mantive-me estática, por alguns minutos, procurando equilibrar minhas fortes emoções e recuperar a razão.
Foi quando levei o maior susto de minha vida. Deparei-me com a viúva, debruçada sobre suas pernas e uma secreção leitosa escorrendo de sua boca.Estava imóvel.
Já havia visto essa cena, quando meu pai morrera de ataque cardíaco.
Aos poucos, fui chegando mais perto, até que com um esforço sobre-humano, consegui colocá-la sentada na cadeira e com o xale que havia caído ao chão, esconder o hematoma no pescoço, causado pela minha bengalada.
Pronto!Tornara-me uma assassina!Como fui capaz de tal ato?
Bem, fora uma reação repentina, em minha legítima defesa.Ou quem sabe, a morte tenha sido uma coincidência, justamente no momento em que revidei ao golpe da bengala.
Comecei a gritar e a velha empregada apareceu. Ajudou-me a levar o corpo até o quarto.Chamei Dr. Guedinho, médico da Sra Cândida e padre Monteiro, que lhe deu extrema unção.
Pelo que percebi, o médico achou que ela fora vítima de seu coração, um ataque fulminante.E eu tentei acreditar que teria sido mesmo, para aliviar a minha culpa.
Após os funerais, missa de corpo presente na igreja Matriz de São João Batista, recebi os abraços de algumas poucas pessoas que lá estavam, ouvindo os comentários:
-Agora você está livre!Cândida era uma serpente!Nem sei como agüentou tanto tempo!Você foi a única!
E, para disfarçar minha culpa, eu retrucava:
-Era por causa da doença!Que Deus a tenha!Que ela descanse em paz!
Esperei o mesmo trem que me trouxera à Caçapava e embarquei para minha cidade.Aquelas últimas cenas não saíam de minha mente. Perseguiam-me dia e noite.
Os dias foram se passando e o sentimento de culpa aumentando.
-Uma carta para você!gritara minha irmã.-E é de Caçapava!
Senti um calafrio dos pés à cabeça. Peguei a carta e fui lê-la trancada em meu quarto.
Que ironia do destino!Eu era a herdeira universal da fortuna da viúva Cândida!Logo eu, que lhe antecipara a morte.Ou teria sido coincidência?
Pensei em recusar, mas esse fato poderia levantar suspeita.
Voltei para Caçapava e fui ter com o tabelião, que leu para mim o testamento, longo e cansativo.
Realmente, era eu, Alice de Moura, a única herdeira.Após cumprir algumas obrigações do inventário, tomei posse da herança, à qual já havia traçado um destino.
Doaria a instituições de caridade, às igrejas, aos pobres e assim iria me livrando, aos poucos, do fardo que pesava em minha consciência.
Cheguei a doar um pouco do dinheiro, mas, comecei a não me achar tão culpada assim e passei a usá-lo em meu benefício próprio. Enfim, coincidência ou não, a velha iria morrer logo mesmo e quem sabe se era naquele momento.
Ainda tive um último gesto de compaixão à morta:Mandei fazer-lhe uma sepultura de mármore, digna de uma pessoa do bem.
Peço a quem ler essa história, que após a minha morte, que é inevitável para todos, deixem incrustada em meu epitáfio, essa emenda que fiz, no sermão da montanha:
_”Bem aventurados os herdeiros universais, pois eles serão respeitados e consolados!”

(Carmen Lúcia)

Foto de ANACAROLINALOIRAMAR

O VERDADEIRO AMIGO

*
*
*
*
Quem tem um verdadeiro amigo,
Tem um tesouro, mais que ouro.
Amigo não são fúteis, não te recrimina
Não te critica mesmo sabendo que estamos errados.

Verdadeiro amigo, esta sempre do nosso lado.
Ele pode não ter recebido um convite, para lhe fazer
Uma visita quando você tem dor física ou mental,
Sentimental.... Ele se convida, ele se faz presente.

O verdadeiro amigo, é aquele que você
Conquista, pelos seus méritos, aquele
Que você não precisa ter uma alta conta bancária.
Ele te aceita de chinelos... .esse é o verdadeiro amigo.

Somos abençoados quando encontramos
Estes amigos, herdeiros de nossos sonhos,
Se nossas historias de nossas vidas.
Amigo de verdade é aquele que acredita
Na tua realidade na tua verdade, na tua sensibilidade.

O verdadeiro amigo é aquele que mesmo longe,
Mantém-se presente, não por estar longe, vai se mantiver
Ausente.... Estão sempre de olho na gente.
Amigo de verdade é o melhor presente.

O verdadeiro amigo, nos enxuga as lágrimas, antes
Mesmo de elas escorrerem por nossa face.
...não só dão os ombros para chorarmos,
Como o corpo todo... Porque amigo, é completo
E não só o ombro faz parte dele.

O amigo não tem hora pra chegar
Em nossas vidas.... É quando menos esperamos
A na maioria das vezes em momentos difíceis.
Feito anjos mandado por "Deus"..

A verdade que o verdadeiro amigo tem que ser
Conservado e cuidado com muito carinho amor,
Porque muitos acham que amizade é bobagem,
Mas a bobagem é quem não conhece a verdadeira
Amizade, quem não decifra com alma transparente
É o que é bom pra gente.

Porque não existe coisa, mas fantástica
Em nossas vidas que termos
Um verdadeiro amigo, são poucos
Esse pouco se torna um tudo.

O verdadeiro amigo nunca pode ser esquecido,
É como uma plantinha, sempre tem que esta regando
Para que se fortaleça cada vez mais.
O verdadeiro amigo vai sempre aceitar a gente como somos.
Com todos os nossos defeitos e qualidades.

Aos meus poucos amigos que tenho,.... Eu amo á todos!
Ofereço a todos vocês!!!

Anna*-* A FLOR DE LIS.

Foto de Edson Milton Ribeiro Paes

"CASA DE DEUS"

CASA DE DEUS

Lugares de aconchego espalhados pelo mundo
Edificações cravejadas de muitas histórias
Com conteúdo rico e profundo
Templos de paz, paradas de glorias.

Refugio de todo aquele que crê
Umbigo da terra, casa do cristão.
Morada daquele que olha e vê
Igrejas, templos, casas de oração.

Não importa o nome
É o propósito que interessa
É a casa de quem criou o homem
Lá ninguém te despreza.

Alimento daquele que é forte
Arma de bravos guerreiros
Nau que singra no mar tranqüilo da sorte
Tesouro para todos nós, seus herdeiros.

Foto de Lou Poulit

Amados Poetas, a Poesia é Espírito.

Ah, porque nos vestimos de palavras, tantas vezes não nos reconhecemos. Porque co-habitamos nosso próprio lirismo, e desse convívio alimentamos a auto-estima, pela humana necessidade de auto-identificação... Enfim, tantas vezes exilamos para outros níveis conscienciais a idéia da nossa verdadeira natureza. Íntima natureza dos poetas, que não cabem em si e precisa vasar.

Nossas palavras, meros veículos físicos, revelam-se multifacetadas à luz de um fogo interior. A poesia, como um diamante pendular, é susceptível às emoções das nossas fibras e à oxigenação do nosso sangue. Dança. Passa de mão em mão. A um só tempo é permissiva e púdica, torpe e lúcida, lânguida e dissimulada, escrachada e recatada, de modo a se aninhar no olho do turbilhão das susceptibilidades de cada um. E de modo a habitar a transitoriedade de tudo, faz-se sempre amigável e gentil. Rima-se dor com amor há uma miríade de sucessivos sóis, sem pensar na crueza dessa verdade, submetidas as nossas mentes pela força de preconceitos morais, instituídos e protegidos pela visão míope e dogmatizada de um deus meramente humano...

Então, pensamos que na poesia podemos ser o que, no nosso mundo humano, não teríamos coragem de ser. Ou deixar de ser o que para o mundo somos. Ou fazer-nos melhores, ou piores... Amados poetas... A poesia é espírito... E assim como não é a palavra, também nós (pensamentos e sentimentos) não somos nossa carne. Embora a exerçamos, e exercemos a vida e o mundo quando nos permitimos que a poesia nos possua! Lendo ou escrevendo, gozamos uma energia segundo a espiritualidade de cada um. Oh, não... Ao menos dessa vez não permitam que algum dogma turve a pureza cósmica de gozar, de transmitir e transformar, como manifestação de amor, de querer bem e de bem servir. Nem mesmo o dogma anárquico, segundo o qual nenhum dogma se justifica.

Façamo-nos dóceis e gentis. Podemos vestir a mais delicada seda ou a mais frágil renda. Podemos caminhar sem botas sobre peitos trêmulos, ou arar sulcos fremitosos, ou moer ansiosas areias até torná-las líquidas. Podemos fazer todas essas coisas e muitas outras, do lado de fora, sem macular a brancura do amor... Mas façamos isso, aqui dentro, lucidamente. Os poetas são herdeiros de Vulcano. Nas covas profundas das suas dores, onde escorre incessante o suor do seu trabalho interior tão desprezado e mal pago, acumula-se a pressão altíssima da sua sensibilidade, tenha ele ou não consciência disso. O inevitável. O imensurável. O intangível amor do poeta haverá de cumprir seu papel no mundo, sempre que se romperem as últimas crostas. Seus versos ejacularão o magma incandescente da sua pureza, sequiosa, ansiosa por um cadinho onde possa enfim repousar. Só então o seu espírito exultará levitado, sobre a sua carne, pacificada.

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