Esperança

Foto de Dirceu Marcelino

14ª parte da VIAGEM DO TREM ENCANTADO - 'AFECTO AUTÊNTICO' - Homenagem a HENRIQUE FERNANDES, visitas a VILA REAL e MURÇA

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AFECTO AUTÊNTICO

Amigos poetas
Do “Poemas de Amor”
Entro pelas portas abertas
Unindo-me ao vosso calor

A emoção que aqui passeia
É normal e pura no seu total
Resulta da epopeia
Do meu ser sentimental

Rumo romântico
Clareado no escuro
Por afecto autêntico
Saboreio-o tão puro

Reúno amor num cartel
Protegido no olhar
Ditando letras num papel
Assinando o meu amar

Partilho com todos vocês
Um pouco do meu talento
Sem mais nem porquês
Parabéns por este evento

Do trem encantado

Dirceu Marcelino" - (Autoria HENRIQUE FERNANDES )

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Obrigado Poeta

Henrique Fernandes

Você é muito legal

O poeta diamante

De Vila Real
Levara-nos a conhecer a região de
Trás dos Montes
Sentado na boleia
Da locomotiva da alegria
Ladeado por belas
Companhias.

Trará novas energias
Invisíveis andando
Pelos carros do comboio
Dando-nos todo apoio,

Rumo ao desconhecido
Porque é nosso amigo,
Mais um Poeta da Esperança.. ( Dirceu Marcelino )

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NUVENS DE FUMAÇA II

O vapor forma uma nuvenzinha fina!
Mas desta vez estou dentro do trem.
Acompanhando aquela menina,
E a apóio para não cair no vaivém,

Do trem! Pois, agora é mui grã-fina!
Senhora do interior com seu neném.
Formosa e radiante não se amofina
Com nada, pois, sabe que a mantém.

Um marido que a ama e se fascina,
Com seus olhos verdes que o entretem
E que a segura, amarra e o domina.

Viajam assim sem pensar em ninguém.
Ali está a representação divina
Da família: “pai, mãe e mais alguém”. ( Autoria: Dirceu Marcelino )

Foto de Cecília Santos

TREM DA SAUDADE

TREM DA SAUDADE
.
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.
Um trem sumiu ligeiro lá na curva.
Como ele um sonho lindo também se foi.
O vento soprando docemente.
Foi desfazendo a fumaça no ar.
Ao longe ouvia se um triste apito.
Um aís de lamento e de dor.
Ecoando por entre vales e montanhas.
Apossando se do meu coração.
O tempo passando.
Minha esperança acabando.
Meu olhar se perdendo na distância.
As lágrimas nublando os olhos meus.
Nada mas via à minha frente.
Só o vazio restando.
O trem partiu...
Com ele foi meus sonhos, minha
vida, meu amor.
Tal qual o dia que chega e vai embora.
Deixando em seu lugar a longa noite.
O trem chega, e vai embora...
Deixando-me somente a esperança.
De que um dia trará minha metade de volta.
Sonho lindo que se foi.
Deixando comigo somente um
coração amargurado.
Que ainda ferido consegue fazer versos.
Falando de amor e saudade.
Mesmo sangrando de dor.
Em tintas rubras escrevo
Palavras que jogo ao vento.
Que vão se desfazendo, como a
fumaça do trem.

Direitos reservados*
Cecília-SP/04/2008*

Foto de Enise

Procura-se

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.

Arvore escondida
Na mata parida
Sem as magoas trazidas
No solo manchado, perdidas...

Nuvens mordidas
Junto às estrelas partidas
Secas pelo orvalho escorrido
Sob o espelho do zelo
Sem orgulho fendido...

Enquanto as águas encharcam
As seivas purificam
Uma esperança sem pesticidas...

Enise

Foto de Dirceu Marcelino

TEUS OLHOS VERDES e MEUS OLHOS VERDES - DUETO

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TEUS OLHOS VERDES

Teus olhos verdes são esmeraldas verdadeiras,
Cor dos sonhos e de esperança a ser vivida.
Resplandecem o brilho d’uma alma altaneira
E cravam na nossa de forma enternecida.

Soltam irradiações, de forma alvissareira,
Impregnam o ânimo e o prazer da vida.
Embora, Mulher seja esta a vez primeira,
Já queremos sempre perto em nossa lida.

Parece-me que te conheço a vida inteira
Pois, tu vives em meus sonhos refletida,
C’uma musa e ainda uma moça solteira,

Tem na imagem a suavidade contida
De um lago d’águas cristalinas a beira
Das margens e pronta para ser bebida... (Dirceu Marcelino)

*****

“Meus olhos verdes
escondem-se me
matas verdejantes
onde alí
moram o arco íris
de deuses
viajantes...
meus olhos verdes
achá-los?
como?
se estão dentros
de teu olhar
que se perdem
no horizonte...” (Lu Lena )

***

Recordo dos olhares amorosos,
Dos teus seios em belo colo arfante,
De teus cabelos castanhos, cheirosos,
Brilhantes. De teus dentes cintilantes
Refletindo sobre o clarão do luar,
Em cima das mansas ondas verdejantes,
Cobriam teus olhos verdes como o mar... ( Dirceu Marcelino )

***

“correndo pelos campos floridos
vestido esvoaçante
rosto ofegante esbaforido
meus olhos verdes reluzindo
ao teu encontro sigo
sorrindo...” (Lu Lena )

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LU LEÑA

Oh! L U L E Ñ A. Como tu me marcaste.
Aiii!. Esse dolor incessante em mi pecho.
Hasta hoy pienso, si me amaste
Y vivo soñando insatisfecho.

Recuerdo tu mirada amorosa
Tu senos em bello colo arfante.
Tus cabellos castaños, olorosos.
Brilhantes. Tus dientes centelhantes,

Reflejados sobre el claro de luna
Encima de las mansas ondas verdeantes
Cubriam tus ojos verdes como el mar.

Me recuerdo de algunos pocos instantes
A hora pido que dejes amarte
Virtulamente como te amé antes.

NB. Embate ou Duelo Poético entre Dirceu e Lu Lena no dia 13/4/2008

Foto de Lu Lena

PROPOSTA

Proponho decifrarmos esse encanto e mistério
onde minh'alma se contorce dentro do templo
já não sei se estou no céu ou no inferno
buscando a liberdade sem culpa e sem medo

Proponho sentirmos esse fogo da paixão
Que ilude a esperança numa fantasia lúdica
nessa inconsequência entre o sim e o não
ao mesmo tempo que é caótica insana e púdica

Proponho te esperar translúcida e febril
e plasmar em teu corpo esse amor doentio
renascendo das cinzas desse desejo fulminante

Proponho à voce ser meu homem e amante
de tempos remotos do adeus e da partida
te amando como nunca ainda nessa vida...

Foto de Henrique Fernandes

ESCRITO NOS TEUS OLHOS

.
.
.

Quando suspiro a satisfação que me dás
Sou um vulcão que estremece o solo com desejos
Numa erupção que semeia prazer na tua pele
As minhas mãos são raios solares que te bronzeiam
De carícias tropicais despertadas no meu íntimo
Que aquecem a tua vontade de mim confessada
Ao pousares a tua face no conforto do meu peito
Conquistado pela tua entrega com sabor de amor
Aromatizado pelas maravilhas que provo
Nos deslizar molhado dos teus lábios nos meus
Caminhar na mesma direcção pela vida a teu lado
Sou uma tempestade devastadora de obstáculos
E a bonança do caminho escrito nos teus olhos
Com brilho de esperança abundante no teu sorriso
Quando te aperto com um abraço de seres minha
Sou rochedo inquebrável nos golpes da tristeza
E a espada de um guerreiro no auge da coragem
Ao derrotar um exercito de incertezas no nosso leito
Dispo do corpo solidão vestindo-o com teu corpo nu
Recebendo todo o esplendor da tua pessoa
Sou um clarão de música cantarolado no horizonte
Um sentimento que assalta a lua e rouba o luar
De lua-cheia para o depositar no altar da tua alma
Adorno o meu bem-estar no teu calor de mulher
Que marca a hora de renovar o sentido da vida
Uma metamorfose que transforma o próprio Sol
Numa borboleta batendo as asas ao nosso amor

Foto de Dirceu Marcelino

ALVORECER RADIOSO - 13ª parte da VIAGEM DO TREM ENCANTADO - TEMA INFANTIL - Busca do POETA DIAMANTE - HENRIQUE FERNANDES V.REAL

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2ª PARTE da PROSA POÉTICA INTERATIVA - VIAGEM DO TREM ENCANTADO para a "Escolinha da Fernanda", a partir da chegada em Costa de Caparica e onde embarcamos a Diretora JOANINHA VOA, na Estação 9. 3/4... Saliente-se o acréscimo nesta PROSA da participação do - poeta diamante - HENRIQUE FERNANDES...

Em seguida iniciaremos a travessia do Atlântico
Desceremos na Costa de Caparica
Onde na Estação 9.3/4
Estará a Diretora Joaninha,
Que irá à frente voando,
Ou, nos meus braços
(Do Maquinista...Eh, Eh,Eh...),
Pois é a Diretora.
Após vamos a Lisboa,
Estação de Santa Apolônia,
Perto da Alfândega do Jardim do Tabaco,
Onde vamos beber algo a ser servido
Por nossa anfitriã.
Ali embarcará nosso amigo MFN:
O Manuel.
Com "U".. Uuuuuuuu... ooooo.. nãããoooo.. uuuu....
O Joaquim não sei se matriculou.
Levarão-nos até o Porto,
Para embarque de Albino Santos,
Ele marcou passagem
E vai nos ajudar a achar.
............................................................ ( partes novas - interativas )

Mas, agora temos novo passageiro
É como diz o Edson
Nosso grande companheiro,
Em Portugal
Existem muito poetas
É muito legal.

Teremos de passar pela serra do Marão,
Serra de encantos e poesia
Terra de meus ancestrais
Onde brilha o sol da liberdade,
Entre os vales e montes de
Trás-dos-montes.

Lá estará a nos esperar
Henrique Fernandes
Muito legal
O poeta diamante
Que honra
Esperara-nos em
Vila Real.

Nós trará novas energias invisíveis,
Fortalecendo as nossas palavras
De poetas da esperança...

“uuuuuuuuu uuuuuuuuuu estou esperando essa boleia
Rumo ao desconhecido
Que nos é apresentado tão verdadeiro”,
Em Portugal
Por este humilde brasileiro.
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TEMA PARA PRÓXIMO VÍDEO POEMA ( autoria HENRIQUE FERNANDES )

AFECTO AUTENTICO
Amigos poetas
Do “Poemas de Amor”
Entro pelas portas abertas
Unindo-me ao vosso calor
A emoção que aqui passeia
É normal e pura no seu total
Resulta da epopeia
Do meu ser sentimental
Rumo romântico
Clareado no escuro
Por afecto autentico
Saboreio-o tão puro
O horizonte é meu ecrã
Desfila-me mil cores
No amar o amanhã
Esquecendo dissabores
Reúno amor num cartel
Protegido no olhar
Ditando letras num papel
Assinando o meu amar
Partilho com todos vocês
Um pouco do meu talento
Sem mais nem porquês
Parabéns por este evento
Do trem encantado
Dirceu Marcelino

Foto de Edson Milton Ribeiro Paes

"CORAÇÕES AGONIZANTES"

“CORAÇÕES AGONIZANTES”

O chão insistia em sumir...
A vida teimava em andar para traz...
O amor preso no peito queria sair...
Maldade como essa não se faz!!!

As lagrimas fiéis companheiras...
Acompanhavam os tristes corações...
Juntos sofrem pela enorme besteira...
Das infelizes separações!!!

Corações que se juntam não podem se separar...
Vidas que se perdem sem explicações...
Vitimas do singelo ato de amar...
Sacrificadas pelas separações!!!

Vontades interrompidas sem nexo...
Sonhos transformados em pesadelos...
Amor substituídos pelo sexo...
Arrependimentos em exagero!!!

Orgulho a flor da pele...
Vaidades a toda prova...
Falar do passado ninguém se atreve...
Sempre existe a esperança de uma vida nova!!!

Foto de Lou Poulit

CANTOS RECENTES DO POETA PASSARINHO (PROSA E VERSO)

BLASFÊMIA

Porque eu não quis o fardo de perdê-la, com cada dardo de luz a sua estrela moça me apunhala; mas o tempo entre nós, de dedo em riste, fez-me triste pela sua intangível plenitude. Em quietude, reflito. E me lembro da sua pele tesa, ansiosa sobre trêmulas fibras, me comendo como a uma jovem presa predada às sombras frescas do dia (hoje dessa minha tristeza). Como esquecer suas tramas ingênuas, de uma mulherice de reações rosadas vestida de saltos e brilhos para a noite? Como resgatar tão tênues limites tangidos pelo olhar, quando dissimulando bramidos e silêncios de um improvável e profundo mar fazíamos concessões fugazes, como espumas na areia?

Porque como um bardo adolescente eu quis detê-la, e ao seu instinto inevitável na ponta dos pés, a sua estrela ferida por outro vagueia ao rés dos meus exílios e possui os brancos fartos dos meus pelos, sem pressa, até dos meus cílios, ferrenhas grades dos porões dessa minha lágrima tardia e inconfessa. Reflito. À beira de penhascos resvalo, e reflito. Sob o trepidar dos cascos da memória me ralo, mas ainda reflito. Mesmo ao engasgo com que rasgo os vazios subterrâneos da minha decrépita esperança, desesperadamente reflito!... Até que refletir seja apenas um estratagema, ignóbil, imperdoável e ironicamente necessário, que à transitoriedade de tudo blasfema: o amor não tem idade!

Mas é tarde. Porque entre a reflexão e a lágrima já não há vago, é tarde. Porque a certeza que trago caminha de bengala, porque não se cala mas já não trama, é tarde. Porque o fim de quem ama não está no decurso do tempo nem no percurso da distância, mas na vagância de não amar; nem na demência da moral nem na presença de juízo, mas na ausência de saudade; o fim de quem ama está em não se exercer o tempo. A melhor de todas as minhas descobertas fora encontrar, nas flores abertas, o divino de cada mulher, em que devia crer como menino; mas a pior de todas as minhas íntimas blasfêmias, foi não me prostrar ao que sempre houvera crido nas fêmeas.

(Itaipú, mar/2008)

AMANTE EU ME QUIS

Amante eu me quis
E ela quis-se prenda
Cio e cena, senda
De uma bela atriz;

Jugo e julgamento
Paguei preço justo
Mas depois, que susto...
Mesmo hoje inda tento

Inda quero e busco
Tombo ávido e brusco
Nos dorsos da vida:

Quem sabe, com sorte
Morro inda de morte
Do amor comovida.

(Itaipú, mar/2008)

ERGUE-SE A VIDA

De sob o tempo indolente de um caminho íngreme e da sua penitência, de descer sem resvalar para saber como voltar, de não ter a quem contar como devesse ser julgada, e saber que a solidão voluntária mais que um direito é uma dádiva, ergue-se ávida a vida.

De sob julgamentos ilegítimos, os ritmos do destino crido, o protagonista interino, ferido pelo próprio veredicto, o bailarino das sombras, refém das próprias luzes, exilado no silêncio e na castidade, banido remido da cidade profana, nele ergue-se a vida, soberana.

Porque o amor não é óbvio como a nudez que se revela, porque se a procela íntima jura e insulta, a paixão mesmo impura indulta a florada dos espinhos... O amor não tem caminhos e caminha mesmo longe dos aplausos, como um monge velado por sua estrela, selado por seu arcano... Meu amor é pela vida um amor humano.

(Itaipú, mar/2008)

ANTES

Antes que me profane esse céu que eu mesmo criei por querê-la, tanto, de minha alma tardia como seu leito tardio... Antes que me sacuda um aplauso de mim mesmo arredio, e a chama expire e repouse sobre a cinza o pavio e soluce a sombra do que antes fomos... Antes que a paixão, descida dos seus tronos, renuncie à nossa milenar cumplicidade... Antes que essa saudade me deserde dos seus hormônios, pelos meus poros, posseiros das minhas estrelas, juízes dos meus himeneus... Mas antes!... Antes que meus rasgos desalinhados sejam remendados por impura compostura e se recomponha o herdeiro das idéias, dos golfos nas traquéias por impostura, a criatura completa perdida da sua costela, incontinente em sua cela: solidão... Oh, antes que uma vergonha aflita me possua e a desdita lembrança dela, inconha e nua, toque fundo no berço o sonho que já não sonha... Poesia!... Oh, minha poesia, arrebata-me das palmas desse papel frio e sedento! E colha-me em teu colo colossal... E recolha meu corpo estilhaçado, poro a poro, esse impagável fardo em que ainda agora eu ardo e evaporo, incomodado, sobre uma chama abissal.

(Carioca, mar/2008)

POR QUE SE ME DESTE?

Porque se me deste manhã, quando já não havia um luar que me oferecesse a sua esmola, implora esse meu amor agnóstico por um crepúsculo de relâmpagos e lama, arrastando-se o leito cósmico, em que se alargue bem, e aos poucos, com roucos protestos, o inventário dos meus futuros restos, aos punhados, desapunhalados dos tremores que acarinham o gozo que me assola... Eis, enfim, a mais desejada esmola!... Ah, por amor mais se amarga a ausência do que se alarga o silêncio na distância, e mais se erguem vãs defesas do que se embarga a manhã de ilesas estrelas... Pois o amor não tem sentido em si mesmo, porque dar-se exige quem o receba, ao alcance do tato! E porque o fato... É que não suporto mais essa espera! Apenas um momento quisera. Depois quis o tempo de espera. Mas o amor exagera e agora só quer tudo, o tempo todo. Não transige, não mente e mais se sente nada, tanto, tanto... Oh, por que tanto assim se me deste, Manhã?

(Carioca, mar/2008)

ESPANTALHO

Amo... Eu amo essa mulher. E se tanto eu não a amasse hoje que ruge e fulge no poço o anjo quando ela se debruça sobre o céu grisalho, eu seria tão injusto quanto um fútil amante, plantando em meu peito um inútil espantalho. Pois que se deite comigo à nossa colheita e abarrote as suas entranhas de sementes e acolha esse rio meu de estrelas cadentes (e o seu silêncio morno) à espreita
dos nossos futuros percalços, inseguranças, intrigas, ciúmes, brigas e tudo que desune. Protegido, esse nosso amor permaneça imune e ao mais profundo arrebatamento desça.

Amo... Eu amo essa mulher. E se tanto eu não a amasse em lucidez, nem fosse a sua tez a aurora dos meus escuros (toda vez que o amor se mete em apuros), o espantalho, refém do próprio espanto, em vez de um encanto seria um anjo degredado. Pois que venha o amor à mesa, e a sua chama acesa ao fio dos olhares, sobre a comovente juventude dela e a minha paixão, essa cadela indecente... Pois que se mantenha o indignado julgamento alheio longe do dorso amado, sem nenhum arreio, veio profundo dessa droga genérica, minha liberdade homérica e indigente.

Ah, como eu amo essa mulher, tanto... Com o vigor de cada fio branco, quitado com a minha velha juventude inquieta, que me arde o peito franco de poeta enquanto guarde o quanto exerça o espantalho, emancipada do talho, a emoção da minha amada.

(Itaipú, mar/2008)

CALÇADAS DESSA NOSSA VIDA URBANA

Calçadas dessa nossa vida urbana... A insana crença de ser e estar sempre dando uma chance ao destino, ser solto no mundo e, ao mesmo tempo, estar como na sala, receber e ser também recebido e, em compartilhada privacidade, desarmar o proibido. Sobretudo a nossa libido, assenhorada, indultados de habitá-la.

Alçadas pela divina verve humana (que assim profana que se preserve) ao dossel da densa solidão da urbe, por mais que lhe conturbem as dívidas das tão vívidas ilusões tão frágeis, ah, as nossas calçadas intermináveis são retos labirintos de preces devotadas, de penitências e caçadas. Nenhum decreto, nenhuma vela acesa... Qualquer promessa liberta a alma, ilesa de ser no fundo só e íntima do exíguo (ínfima queixa que nem vale à pena); à lua plena, quem precisa de liminares em lugares onde os olhares, como floradas, defloram a jurisprudência do desejo?

Pois na minha calçada predileta, hei de plantar ainda uma placa. Mas uma placa de poeta, como convite póstumo a Baudelaire e Pessôa, onde escreverei: "VOILÁ LA VOLUPTÉ". Por que não? As paixões são também portuguesas, como as volupitosas pedrinhas de Copacabana! E em baixo: "MOI ET TOI". Onde habitamos e somos habitados...Oh, as calçadas dessa nossa vida urbana.

(Itaipú, mar/2008)

ME ABDUZA

De manhã, a manchete de hoje era um salto de espinha abaixo, sem truques nem cambalachos, sem volta, sem escolta... Implume, à beira do ninho. Imberbe ao fim do caminho.

Mesmo sem ter a quem pedir ajuda ou conforto, nem morto, meu coração, eu te renego. Não te nego o direito (nem ao torto) agora que enfim tuas dívidas cairão do prego, que virá ela pousar plena ao meu tão sonhado alcance... Não caia o poleiro, o verso não canse. Porque voa essa pássara no rumo em que lhe aguarda o amor e a poesia... Pois, que à revelia ela arda! Pois que a valia de arder é ter amado.

Mas não espero ser meramente amado pelo seu amor medido em eras de anos-luz. Nem apenas seduzido. Quero ser em verdade abduzido! Varrido e vasculhado, desidratado pela cauda de um cometa, que me reduza à uma lágrima de mulher... Ah, Pássara, me abduza.

(Itaipú, março/2008)

SE FOSSE TANTO O AMOR CRUEL

Tomou-me, ufano e covarde à faina da velha bateia, à tarde, de ser notado por tardios, preciosos olhares, roubados ao céu e ao mel mas curvados ao seu e ao meu: um desertado amor magoado.

Era tanta, tanta a sua mágoa, a dessedentar-se no meu espanto, que pensei: se fosse tanto o amor cruel não cantaria seu canto a cotovia, não haveria o sonho de amar, nem (que falhassem) tantos venenos, e nossos enganos seriam pequenos.

Devolveu-me esse amor (que ainda arde) a mim mesmo, depois e a esmo, numa calçada sem esquinas: se fosse tanto o amor cruel as minhas amadas seriam todas bailarinas e aos seus palcos (tão mais ardidos) talvez me faltassem proteínas.

(Carioca, março/2008)

PINTURA FRUGAL

Súbito, nas palmas da lua o tema...
Plena e deserta a tela implora a cena
Como um teorema a ser consumado.
Ávida e nua, dádiva a ser consumida.

O amor usa de sofismas só seus
Para nos converter em cismas suas.
É demônio e é santo. Até deus!
Doando luares como hóstias cruas.

Traços, aguadas, promessas, primícias
Devassas servidas, doces sevícias...
A arte é um coito que nunca termina.
Pierrô afoito. Oh, afoita colombina!

No epicentro de um pouco épico tombo
E no assombro de um gozo nem tão estético
Em que a febre viceja (e a alma a deseja)
O artista verseja, quase profético:

Pintura frugal, a dar-se a mim estreito
Hás, limiar, de dar-se além do leito.

(Carioca, março/2008)

CANTOS GAIOS

Eis a vida, aos pés da sorte.
Um sonho galgo, galgando gratas misérias
Sem temer tombos e trombos que suporte
Nos largos ombros do anjo que lhe vier.

Donde vejo essa, na estratosfera
Perdoaria Dalila e acudiria Prometeu
Porque a eternidade é uma quimera
Para um amor tão generoso como o meu.

Do que entre fatias fugazes de amenidades apenas
Fazendo mágicas tenazes (nem tão amenas)
Seria eu eterno e inteiro entre seus dedos
Mais à vontade do que no caderno do jornaleiro.

Ah, eu pagaria com juros as minhas juras
Doando-me a ler todo dia o jornal de ontem
Só para recair de todas as minhas curas!
E loucamente amar de novo... Oh, cantem

Ao precipício entre os olhares e aos seus soslaios
Meus pássaros, os meus cantos gaios, cantem.

(Carioca, fevereiro/2008)

ESGUICHO

Um esguicho aspergindo agonia tingiu o nicho escuro da minha auto-estima, com tons claros de uma líquida e morna alforria. Eu corria tanto. Corria e corria... Como um bicho sem paz eu zanzava, sem sair jamais do lugar em que estava; preso no visgo, vesgo de amor eu não via meus escombros na poça (a que fiz jus!), do corte certeiro de um raio de luz.

Dissimulada, a estrela que fez isso (do instinto intangível, íngreme e insubmisso o poeta dócil, submerso no esgarço do velame e acoleirado pelo verso ao firmamento) quer apenas que eu ame. Ame e ame... E escame o brilho d’alma ao vento. Mas o amor teme a própria catarse e por uma múltipla entorse (do salto para dentro) exila-se num centro em que tudo se lhe roce.

Ah, o amor que desnuda e desarma... O penitente que em sua Compostela espera ungir-se com os estilhaços da janela, no entanto preserva os cordeiros do vitral; até que converta-se a noite atéia em dia, e a alcatéia em coral e a teia casta da anorexia em um esguicho lustral.

(Carioca, fevereiro/2008)

UM RAIO INSUSPEITO E ARREBATADOR

Um raio insuspeito e arrebatador entre opostos exílios, antes tramados por escolhas colhidas à razões tolhidas, nos fez amantes desertados.

Quando nada os detém, olhares detonam uma reação em cadeia servida à ceia de um desejo vasto, em que sós nossas testemunhas somos, ideais sem pejo de aias e mordomos, comensais intrépidos em tépidos covis...

Oh, tépidos covis da madura idade!
Oh, ledos covis sem cocho ou grade!

Um olhar insuspeito e arrebatador do exílio colheu-me e comeu-me à flor da minha abissal leviandade; a lágrima fringiu-se e evaporou-se, cingiu-se de cinzas o peito que a trouxe, decerto, meus covis hoje correm a céu aberto.

(Engenho Novo, fevereiro/2008)

JARDIM DO ABISMO

Nem eu me lembrei do tempo nem ele se apercebeu da minha ausência, mas se agrisalharam os meus pelos... Nem eu quis vertê-los nem capturei os seus buquês, mas os momentos voaram do cálice... Seixos que um dia, talvez, encaixem-se, a memória amontoa, assim à toa, cobertos de pó nos recônditos do absurdo... Em cada beijo um estalo, eco surdo de lirismo, que roga um resvalo à nudez das paredes. Ah, os dias sem amar... Ajardinam o fundo do abismo.

(Largo da Carioca, fevereiro/2008)

TEZ SEM EXTREMOS

Ah, porque ela não tem na tez extremos
(Salvo os olhos, que também são morenos)
Pouso a alma e vejo o meu próprio reflexo
Porque o sexo, estância além do mundo

Rio profundo, caminho estelar
Grafara n’alma, ao silêncio das curvas
Feitas sem o zelo de me tomar
Dos limites: A morte não me quis.

Restou, feliz, este amor são e salvo
Alvo das suas perguntas tolinhas
Rangendo as janelas donde as rolinhas
Nos espiavam, pelas persianas;

Em preces profanas, tão doidivanas
Sim, eu amei... E como nunca soubera;
Porque não era o fim a antiga era
Porque eu não estava ainda preparado.

Pouso alado (ao lado a tez sem extremos)
No ermo lúcido do amor em que cremos.

(Carioca, fevereiro/2008)

VENHA

Venha, porque eu tenho
Bem mais do que fui
E donde hoje eu venho
A dor não possui;

Venha, porque trago
Bem mais do que cabe
Neste meu vago
Que ninguém mais sabe;

O meu sonho é um salmo
Na tez d’alma escrito
Com letras de um palmo
E ainda a ser dito:

Se o afago perpassa
A tona do lago
E é luz o seu cio...
É o amor que trago

Guardado e tardio...
Divina devassa.

(Carioca, fevereiro/2008)

QUISERA O AMOR QUE EU AMASSE

Quisera o amor que eu amasse
Tanto, tanto ele quisera
Que ao desarmar-se o amor que era
Ele antes me devassasse.

Quis o amor assim tocar-me
Tanto, tanto, o sol ao lis
Que o céu que de mim eu fiz
Devassou a minha carne!

Será sempre o amor assim.
E eu serei sempre o que sou
Sem saber mais que soubera.

A me armar, como arlequim
O amor vem (quem nunca amou?)
Deserdar-me do amor que era.

(Carioca, fevereiro/2008)

ME SABER ME BASTA

Eu dissimulava por onde fosse. Cantava o tempo todo. Sussurrava, depois quase gritava. Ah, eu cantava, cantava, cantava... A música era a da amada, sua preferida. Eu a tomava emprestada. Se pudesse, seria capaz de roubá-la! Eu dissimulava perdidamente. Colhia todos os olhares do caminho mas só ficava mesmo com os dela... E com a carne úmida dos sorrisos e o risinho tímido dos mamilos e o andar, que mal tocava os pisos, e os glúteos. Glúteos? Oh, comprimi-los...

Eu dissimulava enquanto ria de mim mesmo. Não por auto-piedade ou desestima. Eu dissimulava piamente! Ela era um templo, uma porta entreaberta. No nicho, uma absolvição além da palma, roçando a alma como açoite de dia, de tarde e de noite, vazando entre os dedos da mão tenaz. Sonhada... Uma graça fugaz sob a coberta de credos e dogmas deserta. Generosamente incontinente. Mas até seu resíduo era emprestado, como tudo o que era dela crido. Até que da vidraça fez-se o alarido de miríades de estrelas, janela afora vazada.

Mas não doeu nada, não doeu nada... Eu mesmo fiz isso. Avidamente eu mesmo fiz isso... Não há mais no que crer. Me saber me basta.

(Itaipú, fevereiro/2008)

O ESPELHO E A BAILARINA

Esse amor meu de poeta...

Cuja paz decreta e se professa ungida
Que, impune, confessa ser a própria sobrevida
Do réu imune, ao rés de mais uma vez tocá-la
Com um arrepio de sopro, pele tão desejada...

É uma montanha que jamais se cala!
Mas resvala e em profundo silêncio se esbate
No magma de um improvável vate.

Dentro dela habita uma estrela antiga
Que sussurra uma cantiga e nina a emoção
De ser a mansão e a monção da bailarina
De infladas cortinas e peito pronto a se fender...

Oh poesia das entranhas do ensandecido
Sou eu que fendo! Sou eu que fendo! Eu, a montanha...
Ao gume úmido, entre arabesques colhido...

Na poça, em que de versos me embriago seu
Tombam a lua e o gozo com que pago eu
As minhas brancas súplicas no breu da fonte...
Então... É a poça que seduz o lago?...
Ou a dor de amar? Que a ninguém se conte...

Esse amor meu de homem...

Cujos olhos comem a carne emancipada
E que verte o sonho e o seu torpe inchaço
No levitado abraço do amor da amada
Não aconselha jamais o que se cobre...

Mas esse nobre amor meu sempre a espelha
Concede a verdade e a fantasia e as espalha
Aos dentes da noite e aos palcos do dia...

Que dentro do espelho havia nela um abismo
Por cujas paredes o seu sismo, que a desvalia
Refém das suas areias e dos meus espumados dedos
Escorregava e em mim cravava velhos medos.

Oh céus dos meus sentidos
Eu fui o mar! Eu fui o mar! E o espelho-mar...
Mas sou agora os rochedos... No olhar, bramidos...

A moça, estrela cujo sonho na poça repousa
A senhora da lousa, de sapatilhas desatadas
Confia como as fadas no amor frugal, mas ferina
Despetala o seu amor de bailarina, cada centelha à mó
Do aço nu... Do espelho amado que a espelha só.

(Itaipú, Fevereiro/2008)

HOJE A CELEBRO, TÃO GUARDADA

Não era minha, nem tua
A mão que encrespava o mar
Pastoreava o vento
E escavava os grãos de areia...

Nem na vinha, nem na lua
Nem ao amor restava amar
Tão doce, o resto lento
Mais que o sonho pastoreia...

Era d’alma dos amantes
Que, indelével, o tempo habita
Montando em pelo a delícia
De sermos assim da vida

Ermos d’estrelas distantes...
A lembrança mais bonita
(a mais eterna primícia)
a emoção na voz contida

Celebrada, tão guardada:
Como, Sempre, és tão amada...

(Itaipu, mai/2007)

PREDESTINAÇÃO
(Poema Tríptico)

Manhã I

Há dias, Mulher, em que dias hibernam
Como cios em que se deveria amar.
E dias que tardios anunciam:
O amor vem... E nada o poderá evitar!

Como ígneos folguedos cósmicos
Astros saltam reluzindo, acima do mar
Das profundezas do desejo vindos.
E na areia a luz de um gozo rendado
Extrema unção de um amor guardado
Prenda-fruto do silêncio e da madrugada...

Ambas fugidias...
Nossa alma vagueia
Como fossem dois dias.

Tarde II

No entorno do sol se ergue uma ciranda
De palmas morenas escritas por Deus...
Os sonhos meus andam apenas
Centúrias pequenas, que eu mesmo cri.

No entorno da rua em que habitam passos meus
Não quis Deus nenhum cão nos portões
Mas vagalhões vieram de longe
Ilhar de olhares vários meus olhos perdulários
E varrer do poente os meus azimutes de monge...
O rastro não mente, eu mesmo o escrevi.

Areia antiga...
Que amor te trouxe, Branca, a perdê-los
Os brancos fios dos meus cabelos?

Noite III

No fundo do covil, ao rés do céu,
Prostrou-se (quem viu?) o cajado como um manto.
Nenhum fogo apagado aquece tanto...
Só a morte em que não se morra, só a borra de aço-mel.

Ah, Tristezas, que me fizeram dulcíssimo mecenas
Palmas morenas (em que eu não previ proezas)
Te aguardam, madalenas,
Porque uma só Madalena haverei de tocar, tanto...
Mesmo antes de chegar, sanha e pranto
Essa vaga já me alarga, com o tanto que é feliz.

Desencanto: Dalva-Lis...
De lãs que não vesti mas, por um triz, já me afaga.
Há manhãs, Mulher, que jamais teriam paga.

(Itaipú, 30/ago/2007)

ANIVERSÁRIO DA MIXINHA

Hoje celebro uma estrela, extrema estrela velada pelos véus de antigas eras, de fogaréus, de esperas, quimeras, deveras dada; que em silêncio crepita n’ara desdita que lhe valha a dor do peito. Acalenta. E por direito se apascenta dos lapsos de um anjo canalha...

Hoje celebro uma fêmea, efêmera crença minha, roubada a um conto de fadas por arcanos, comezinha; e por anos de vigília, ppr um gozo que eviscere a plenitude, em que se esmere a rapsódia do claustro. Fausto íntimo, fausta chama, que só não cala a quem não ama.

Hoje celebro uma luz que só nus temos por nossa; querer bem a um anjo alado, de um querer que não se apossa, é um amor iluminado, que não se pode tocar sem que se toque a si mesmo, por inteiro. É o amor mais verdadeiro... Inconho amor, já por si mesmo tão naturalmente celebrado.

(Itaipú, maio/2007)

Foto de Lou Poulit

A MONTANHA E O PINTASSILGO (CONTO)

A MONTANHA E O PINTASSILGO
(Parte 3)

Assim que o primeiro lilás de manhã rasgou delicadamente o horizonte, a montanha pôs-se a se catar, sentindo ainda o mesmo pressentimento da tarde anterior, que não a havia abandonado. Procurou em cada uma das suas reentrâncias, em galhos e entre relvas, porém, nem sinal do seu amigo pintassilgo. Nem uma sujeirinha que, ironicamente, lhe alimentasse a esperança. Então, com toda certeza ele não dormira na montanha. Ora, “sua” montanha tola ― ela tentou recompor-se falando sozinha ― serves de abrigo a tantos animais, tu mesmo dissestes a ele: Que me importa, azar o teu. Pois tome vergonha nesta tua cara larga e esqueça o pintassilgo. Quando precisar de ti ele te verá de longe e não se perderá nos seus caminhos de vento. Aliás, vento é o que não falta naquela sua cabecinha.

Piadinhas e ironias serviam para aliviar a tensão da montanha, porém não se pode tapar o sol com uma peneira. E no caso, o sol estava do lado de dentro. Por algum motivo incompreensível, que entretanto, naquele momento, tinha importância de último grau na sua lista de prioridades, ele havia se tornado tão querido, que os diversos perigos do vale se afiguravam muito mais que ameaçadores. A montanha havia criado um sentimento de proteção que jamais experimentara emergir dos seus subterrâneos. Apesar de crer na esperteza e admirar a agilidade do passarinho, via-o por demais pequeno e frágil. Em se lhe retirando as penas quase nada restaria. Era uma coisinha assim, à toa, que tinha medo até de vento... Onde já se viu? Medo de vento... Devia isso sim se preocupar com cobras, gatos e gaviões, que lá por baixo são em grande número e se aproveitam da mata densa para se aproximar sem que sejam percebidos, ou emboscar os desavisados. Não bastassem todos estes perigos, ainda haviam as redes espalhadas entre os ramos por caçadores impiedosos. Deve ser uma morte lenta e desesperadora ― ela gemia só por imaginar ― a se debater e embaraçar-se cada vez mais. E à noite, então? Preso na rede, logo chamaria a atenção de um morcego, que se regalaria a chupar calmamente o seu sanguinho tão pouquinho. Isso é menos o atendimento de uma necessidade básica e bem mais um exercício de degustação, nada charmoso na opinião da vítima.

Enquanto a montanha se catava, se torturava imaginando sanguinolentas desgraças, o sol prosseguia em seu caminho. Rapidamente a tarde chegou e logo os lilases acenavam no horizonte, o dia partia e a escuridão da noite não se demoraria. Durante aqueles imensos minutos, a montanha buscou freneticamente algum sinal do pintassilgo mas, para seu desespero, inutilmente. Então, entregue à sua própria fragilidade emocional, lamentou ser uma montanha. Tantas vezes invejara o pintassilgo quando ele saltitava em sua dança, ou quando fazia espetaculares manobras de vôo, ou ainda quando, tão despreocupadamente, ele simplesmente se espreguiçava. Observando-o nesses momentos, ela tinha a impressão de que, com tão comezinho gesto, ele era capaz de libertar do seu corpinho todas as energias noduladas e indesejáveis. Ah, como a montanha, há tantos milênios acomodada sob o próprio imenso peso, gostaria de saber fazer isso também. E com certeza não poderia fazê-lo em poucos meses.

Naquela noite a montanha não conseguiu pregar os olhos. Sabia que os pintassilgos não são notívagos, não havia uma chance de que ele surgisse das sombras, nem mesmo de que cantasse. Mas a cada pio de outros pássaros ela se permitia a ilusão, como forma de combater o desânimo, com base no reconhecido talento do pintassilgo para imitações. Chegou o novo dia e, um por um, seguiram-se vários outros dias e noites. A montanha havia se determinado a não desistir jamais e, investigando os sons do dia e da noite, descobriu uma grande variedade de animais que habitavam suas encostas e platôs, sem que, contudo, houvesse lhes dado antes alguma importância. Além disso, descobriu também uma outra variedade, em muito maior número, de animais que não emitiam nenhum tipo de som, mas que não apenas existiam como também mostravam-se muito ativos. E que todos tinham em comum uma relação vital consigo. Por todas as partes, na superfície e até mesmo nas suas entranhas, eles nasciam, viviam, se proliferavam e morriam. Muitos deles não viviam mais que um único dia, entretanto, enquanto esperava o reaparecimento do pintassilgo, a montanha pode acompanhar a vida de seres que vivem meses, no passo das estações climáticas, e de outros que vivem ainda por mais tempo. Nenhum deles substituiria o seu tão querido pintassilgo, que ela não cansava de esperar; nenhum deles, por mais tempo que vivesse, tinha longevidade comparável à da montanha; entretanto, nos últimos tempos ocorrera uma mudança de que apenas agora ela se dava conta. Não se tratava de uma mudança de nenhum dos animais individualmente, mas sim da própria montanha, e isso aumentava enormemente a ausência do pássaro, tão pequeno e tão importante, tão frágil e tão soberano na sua fantástica memória milenar. Mantivera com ele, até que desaparecera, um contato por demais curto, tempo usado na maior parte para críticas e julgamentos de pontos de vista particulares; todavia, ele estivera de tal modo presente na incansável busca da montanha, na esperança obstinada, que conseguira o que fora impensável para ela, somente por ser o motivo para isso: o pintassilgo não movera a montanha, mas fizera com que ela mesma deslocasse o seu próprio centro.

(Segue)

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