Domínio

Foto de ek

Haja Luz

tímido e com medo do mundo
um ser povoado de si mesmo
entre a loucura e a dor
e com os braços cansados
das incessantes braçadas
a sensação de estar afundado
submergindo, se afogando de universo
caindo, sem nunca tocar o chão
triste, cansado e com medo
uma superpopulação interior
sem espaço para mim
.........................................................................

imagine,
ter a eternidade por passado, futuro e presente
estar só no nada,
e ser tudo o que existe.
milhões de séculos,
ter e ser todo o conhecimento,
trilhões de idéias,
e ninguém pra te ouvir.
o poder de fazer e desfazer,
domínio sobre tudo,
mas tudo que há é você.
então você cria uma grande massa,
modela, amassa, brinca e perde a graça
arremessa longe,
mas não há nada além de você
e a massa, que atinge velocidades inimagináveis
se divide, se inflama
centenas de centelhas na perfeita escuridão
e tudo começa a girar
e nada faz sentido
é belo, é diferente
depois de zilhões de anos
é bom ver algo em movimento
- para saber que ainda existe movimento -
e o tempo passa,
mas você não sabe
não existe tempo, só existe você
e a massa em movimento
que se multiplica e se dispersa.
.........................................juro que não entendo, talvez seja melhor nem tentar,

a musica das esferas
a matemática perfeita do universo
e em meio a tudo isto o homem...

-----------------------------------------------------------

fome, guerra, medo, dor

-----------------------------------------------------------

ser humano
estar humano

-----------------------------------------------------------

minha vida. meu aplauso
de mim e para mim
que sou o perfeito eu

povoado de mim mesmo
----tem até sem teto-----

C H E G A

no fundo
a alma quer calma
o corpo um abraço
e o coração um descanso.
e também tenho eu
que não quero nada.

29-11-04

Foto de Carmen Lúcia

O amor...

O amor gera a paz
Em nome da paz, a guerra... Extermínio...
Ódio...
Domínio...
Ostentação...
Uma só visão...
Ambição...
Auto-destruição...
Ganância...
Morte!
Dor!

Enfim...o que é o amor?

Foto de Carmen Lúcia

O amor...

O amor gera a paz
Em nome da paz, a guerra... Extermínio...
Ódio...
Domínio...
Ostentação...
Uma só visão...
Ambição...
Auto-destruição...
Ganância...
Morte!
Dor!

Enfim...o que é o amor?

Foto de Sentimento sublime

Amor sentimento adverso!

Amor!

Sentimento em extinção
Sem domínio e sem razão
Controlado pela emoção
Vulgarizado por condição
Usado na exploração
Nas armadilhas da sedução.
Com malicia sem explicação
Desvalorizado por atos errados
Por indução a satisfação.
Movendo o mundo
Fazendo o bem, outras às vezes não.
Promovendo a paz e a corrupção.
Sentimentos tão adversos.
Que se verdadeiro
Torna-se um complexo.
De desvalorização
Do ser que dizem
Mais racionais e completos
“O ser humano”
Osvania

Foto de Lou Poulit

A TRAPAÇA DO DEDO DURO

CONTO: A TRAPAÇA DO DEDO DURO
AUTOR: LOU POULIT

Do outro lado da prateleira de livros, um rosto. Um belo rosto, de uma bela mulher. Chamava-se Afrodite, mas ele ainda não o sabia. No entanto sabia ser a mesma que procurava sempre, durante o horário de almoço. E para seu contido contentamento, volta-e-meia a encontrava vagando de uma lojinha a outra dentro do shopping. Era de tez trigueira, roliça, mas sem ser gordinha, seios fartos e comportados, gestos calmos e imensos olhos de mel claro, sobre os quais havia sempre uma parte da franja dos seus cuidados cabelos castanhos-escuros e ondulados. Além da estética, mostrava uma característica talvez ainda mais sedutora: Era muito delicada, tal como uma flor.
Sansão ainda não se decidira a abordá-la. Parecia-lhe preciosa demais para que se precipitasse. Difícil reconhecer que não se sentisse muito seguro. Era um homem bem mais velho, cinqüentão, com certeza quase o dobro da idade dela. Sansão era um tipo machista de viúvo-feliz, de bem com a vida, inconfessavelmente rico para as mulheres e meio sovina para os seus funcionários. Barrigudo? Não... Bem, só um pouquinho. Sempre dizia que sua barriguinha era o suficiente para que fosse confortável. Ao seu ver era um charme.
Distraído pela visão da mulher, ao puxar um dos livros derrubou vários outros no chão da livraria. No susto, havia conseguido pegar apenas dois, os demais fizeram uma barulheira danada. Abaixou-se rapidamente, para esconder o seu constrangimento e recolher os volumes, mas ao reerguer-se, com um sorriso talhado no rosto especialmente para ela, já não a encontrou mais do outro lado. Seu olhar desesperado a buscou pela loja, depois pelos corredores, porém em vão. Ela havia sumido. E lhe deixara mal consigo próprio, com uma sensação de perda. Queria ter aproveitado a oportunidade de se desculpar com ela, embora não o houvesse feito com o dono da loja.
Várias semanas se passaram sem que ele a reencontrasse, apesar do esforço que fez para isso. Seu ânimo começara a ceder à idéia de que nunca mais a veria e se culpava por isso. Aos poucos uma tristeza tenaz, e cada vez mais inconformada, ia e vinha, tomando seu coração de assalto e fazendo, à noite, com que demorasse a pegar no sono. Porém, como os homens pensam saber sempre, toda mulher desejável é apenas uma questão de tempo e sempre acabará vindo, eis que, finalmente, a sorte lhe sorriu pela mais simples natureza das coisas.
Sansão estava prestes a voltar para casa. Havia sido mais uma noite infrutífera de peregrinação pelos corredores do shopping. Mas resolveu fazer um lanche antes de sair e assim, sem saber, propiciou que se manifestasse a natureza das coisas. De longe, reconheceu Afrodite vindo para a praça externa de alimentação. Observou que ela procurava uma mesa para si, preferindo ficar protegida pelo toldo. Vendo que atrás dela havia outra mesa vaga, ele apressou o passo para que ninguém chegasse antes. Ela estava de costas, mas Sansão sentia uma enorme felicidade. Ao menos ela estava bem ali, a poucos centímetros. Na verdade era uma situação inusitada, ela nunca estivera ao alcance da sua mão carinhosa. Entretanto, ele dizia a si mesmo que precisava se conter. E ajeitou-se na cadeira para observar melhor aquela mulher que tanto lhe seduzia.
Numa mesa ao lado, dois garotos tomavam refrigerante. Procurando uma forma de criar uma situação em que pudesse abordá-la, ele viu, do lado oposto à sua mesa, que uma senhora idosa e faladeira havia amarrado a correia do seu irrequieto cãozinho à própria cadeira, enquanto comia um sanduíche enorme, para espanto da sua amiga. Sansão sentia o tempo escorrer rapidamente. Tinha que fazer alguma coisa e talvez não dispusesse de muitos minutos. Subitamente teve uma idéia arriscada para um senhor da sua idade, mas ele se decidiu a pô-la em prática. Na primeira oportunidade em que as velhotas olhavam para o lado, ele soltou a correia do cachorro, que saiu em disparada e sem direção. As velhotas não perceberam e Sansão apressou-se em alertá-las.
A dona do cãozinho começou um escândalo desesperado, para que alguém se prontificasse a ajudá-la. Olhava para Sansão, já que a tinha alertado, mas ele se limitava a assistir. Não tinha mesmo a menor intenção de sair do seu lugar, pois esperava o momento para o próximo passo do seu plano. E não demorou. Aproveitando-se da balbúrdia reinante e da oportuna piedade de Afrodite para com a velhota, Sansão trocou o copo de refrigerante de sua pretendida com o de um, já vazio, dos garotos da mesa ao lado. Depois sorriu para si mesmo satisfeito. Fora arriscado, mas havia conseguido realizar a parte mais difícil. Ajeitou-se novamente, com mais conforto em sua cadeira e esperou pelo momento certo.
Com tanta gente apiedada da senhora, o cachorro não conseguiu ir muito longe. Logo um dos guardas do shopping veio trazê-lo, mas na ponta dos dedos, porque o bicho protestava tentando mordê-los. Voltando todos à calma, Afrodite finalmente se deu conta de que o seu refrigerante havia sumido do copo. Como não era mulher de escândalos, matutava olhando em volta, procurando uma resposta para aquele mistério. Quando viu-se vazado pelo olhar desconfiado da mulher, Sansão não teve dúvida e prontamente apontou para o garoto, que ainda tentava entender como o seu refrigerante havia reaparecido dentro do seu copo. Ela a princípio duvidou, mas como os garotos aparentavam seriedade pela surpresa, acabou convencida de que eles haviam feito aquela travessura. Afrodite não tinha filhos mas adorava meninos, porque em sua família só houveram meninas. Sansão sentiu-se decepcionado ao ver que ela não quis ralhar com os garotos, mas achou que era tarde demais para desistir do seu plano. Chamou um dos garçons e pediu dois outros refrigerantes, um para ela, sem que percebesse.
Quando o garçom retornou e Afrodite se mostrou surpresa, Sansão finalmente pode lhe dirigir algumas palavras educadas: Me desculpe, mas não vai terminar o seu sanduíche a seco, vai? Por favor, aceite antes que perca o gelo – disse a ela. E não perdeu a calma quando ela rejeitou sua oferta lhe agradecendo. Ora, por favor... Trata-se apenas uma pequena gentileza. Vamos, aceite de bom grado, veja, também gosto... Afrodite mostrou-se indecisa e ele se aproveitou para sentar-se à mesa com ela, antes que pudesse dizer alguma coisa. Posso? Meu nome é Sansão... Afrodite não respondeu de imediato e ele manteve a pressão sorrindo: Seu nome é algum tipo de segredo?... O meu é Afrodite... Afrodite?! Uma deusa, somos ambos de origem divina...
Só então ela compreendeu que aquilo era uma cantada e, recapitulando o que houvera acontecido ali, desconfiou que talvez fora tudo uma trapaça dele!... Seu primeiro instinto foi o de recusá-lo. Porém, como nunca se precipitava, começou uma vertiginosa avaliação de outros aspectos. O homem mais lhe parecia um tipo de garanhão em fim de carreira e sua reduzida experiência com esse tipo havia sido desastrosa. Se ao menos já se conhecessem seria mais fácil, mas julgava nunca tê-lo visto antes. Sempre dissera que não gostava de homens carecas mas, naquele momento, tentava admitir que ele não era tão careca assim. Também lhe parecia barrigudinho demais, de pouco preparo físico e tônus muscular, entretanto... Bem, mudando o ângulo de visão, ele tinha um rosto forte, fora com certeza um belo rapaz. Testa alta, indício de inteligência. Olhar contundente, mas também algo meigo. Mãos grossas, tivera origem humilde e seria trabalhador. Era um homem grande, talvez um metro e noventa centímetros... Boa perspectiva. Simpático, bem vestido, culto, relógio de ouro autêntico, do tipo que sempre pensa saber de tudo... Por que não? Olhando bem... Era um belo homem!
Ao apagar das luzes, ainda na praça, Sansão insistiu em levá-la para casa e, assim, descobrir onde ela morava. Porém ela decidiu que era a hora de começar a estabelecer limites. Ele não conseguiu convencê-la. Também não conseguiu marcar um encontro no fim de semana, já que ela alegou que iria viajar. Ficou olhando o ônibus se afastar levando embora sua nova deusa. Mas lembrou-se de algo que pusera no bolso. Era um cartão de um escritório de advocacia... Pondo o óculos devassou cada letra dos poucos dizeres que nele havia. Um número de telefone! E de um bairro bem próximo. Eis uma coisa muito importante naquela situação. Aquele número era o único elo, um simples resquício do encontro, mas sentiu-se capaz de jogar fora todos os demais cartões e anotações que tinha consigo. Era o cartão de uma deusa! Sansão não gostava muito de mulheres advogadas, mas adorava as adjuntas. Dizia aos amigos que adjuntas não são advogadas, ainda não têm seus vícios. Pois, deve-se aproveitar, antes que venham a tê-los.
Afrodiiiiiiiiite!!! Não acredito que você vai fazer isso de novo, garota. Você sabe que isso não dá certo. Você já tentou antes, viu no que deu. A não ser que você queira simplesmente dar um golpe do baú!... Diana! Você sabe que não é bem assim... A irmã mais velha pôs as mãos na cintura e olhou para Afrodite erguendo uma das sobrancelhas, hábito que herdara do pai desaparecido. Afrodite se atirou no sofá choramingando, sempre virava uma menininha frágil quando tinha que enfrentar Diana.
Viviam juntas havia há bastante tempo. O pai de Diana fora o primeiro homem de sua mãe, mas nunca ficava muito tempo. Vinha, se instalava, mas em pouco tempo sumia de novo. Num desses retornos encontrou a futura Afrodite ainda na barriga da mãe. Então, esbravejou, xingou e praguejou contra a mulher que, pessoa muito simples e curtida da sua vida sofrida, a tudo suportava. E ainda serviu ao seu homem um verdadeiro repasto de rei, para as parcas disponibilidades da época. Ele comeu como um boi e foi-se embora como um cavalo. Entretanto três anos depois, ficou sem dinheiro e reapareceu, como se nada houvesse acontecido. Sem saber como enfrentá-lo, a mulher acabou concordando em que ficasse até que se arrumasse. No dia seguinte ele já dava as ordens em casa. E na noite de sexta-feira Diana arrastou a pequena Afrodite para sua cama. Hoje você não vai poder dormir com a mamãe – Disse à irmã, que não entendia os gritos abafados e os urros desvairados que se ouviam pela porta entreaberta do quarto.
Ele ficou, dessa vez por quatro anos e inexplicavelmente a vida ficou melhor durante esse tempo. A mãe conseguiu boa freguesia para as suas costuras. O proprietário do apartamento, doente e no fim da vida, desistiu de se aproveitar dela e, por admirar a sua fibra mais do que o seu traseiro, acabou por lhe entregar uma escritura definitiva do apartamento, por uma soma simbólica. Contudo, nem isso foi capaz de conter o instinto inquieto do pai de Diana. Justo quando Afrodite já se afeiçoara, já o tinha como referência de homem, ele saiu para beber no bar e nunca mais voltou. Pois para a bela e doce menina dos olhos de mel, a irmã ocupou esse lugar.
Meu amor... Pare de se fazer de vítima. Você sabe o que a mamãe dizia, “quem gosta de velho é fundo de rede”. Você tem mania de super-heróis. Por que não arranja um mais novinho, Afrodite?... Então, Diana, o Sansão é muito mais bem conservado que aquele grosseirão da banca de jornal. É educado, culto, generoso... É, velho, careca e barrigudo – Completou Diana... Ah, não dona adivinha, barrigudo ele não é não, você nunca viu, como pode saber?... Vai me dizer agora que ele não tem nem um pneuzinho... Ah, um pneuzinho? Tem, mas é fofinho... Depois não venha choramingar no meu colo, não diga que não lhe preveni... Ah, ele é tão grandão e tão gentil. Bem que pode ser o meu super-herói... Não sei, Afrodite. Mas se você gosta, pode ser, otimistamente, o seu homem-borracha... Diana foi para o seu quarto. Oh! – Afrodite fez-se de ofendida – Você é que é a mulher-látex! Do quarto, Diana arremessou o travesseiro, que foi parar na cozinha, e as duas irmãs riram-se uma da outra.
...
As manhãs de sábado eram de faxina geral. Afrodite herdara da mãe o mérito dos temperos, porém, como trabalhava fora, nos fins de semana a cozinha era território só seu, o que incluía a limpeza. Diana lavava, pelo lado de fora, a porta que dava para o corredor, assobiando uma música para dar ritmo ao esforço. Sem conhecer o lugar e com um embrulho generoso de flores nas mãos, Sansão abriu a porta do elevador cuidadosamente. Tinha a esperança de fazer uma surpresa para sua deusa, mas foi surpreendido pela visão do traseiro de Diana, que se curvara para dar brilho no metal da maçaneta.
Ao ouvir o falso pigarreado do homem, Diana voltou-se de um pinote. Ia começar uma espinafração para dissimular o seu constrangimento, porém, vendo aquele homem grande com um sorriso respeitável por trás das flores, conseguiu se conter por alguns segundos, enquanto refletia. O suficiente para ele olhar mais uma vez as anotações em um papel de bloco e tomar a iniciativa da conversa: É aqui que mora a Senhorita Afrodite?... Diana não respondeu de imediato, mas já não tinha dúvida sobre quem era o grandalhão à sua frente. Ele correspondia às descrições, trazia flores e tinha na mão um papel com figuras aguadas de anjinhos, tal e qual o bloquinho de anotações que a irmã usava. Então, deduziu, a danada não lhe contara a estória toda. Já estivera com ele uma outra vez... Pelo menos.
Quando resolveu que lhe daria uma resposta séria, para mostrar que aquilo não era a casa-da-sogra, Afrodite antecipou-se, pelas suas costas, cumprimentando-o com meiguice, sua arma mais fatal: Oi, Sansão... Que lindas, meu anjo!... E logo apresentou sua irmã Diana. Todo derretido pelo sorriso carnudo irrecusável de Afrodite, Sansão quis ser gentil também com a outra, de cuja existência ainda não sabia: Meus Deus, mas que sorte a minha! Trouxe flores para duas deusas belíssimas... Afrodite aceitou a partilha com bom humor, mas Diana preferiu levantar novamente uma das sobrancelhas, mas sem deixar de ser simpática. Afinal, conhecia sua irmã, sabia que ela estava pondo seu plano em prática, e que já era tarde para tentar interrompê-lo. Saiu da frente da porta e ele entrou, puxado pela mão por Afrodite.
O almoço avançou rapidamente. Depois da canja com muitos miúdos, do filé de frango à parmegiana, salada de legumes e arroz branco, a sobremesa foi apresentada com pompas. Afrodite lhe fizera contar qual seu doce predileto, e trouxe para a mesa um enorme pavê de chocolate, que deixou o homem com os olhos arregalados. Depois de satisfeita a sua gula, Sansão não comeria nem mais uma cerejinha, pela mais absoluta falta de espaço. Afrodite sugeriu que se acomodasse no sofá e, descontraídos, foram os três. Suas pálpebras lhe pesavam, porém, cercado por duas deusas que gostavam tanto de vinho, o homem não admitia a idéia de dormir. Deliciava-se observando todos os detalhes. Quando ria, os seios de Afrodite tremiam sedutoramente. Diana, agora completamente à vontade, não tinha o sorriso luminoso da irmã, mas ganhava dela no traseiro imenso. Era bem branquinha e, vez por outra, mostrava belas e pouco comportadas coxas. Passaram a tarde conversando e brincando como três adolescentes. Quando uma saía, para o banheiro ou para a cozinha, ele aproveitava para atiçar o fogo da outra. Entretanto, estava acontecendo algo que ele não percebia naquele momento e não perceberia, até que não soubesse mais o que fazer.
Já à noitinha, Afrodite se fazia algo compenetrada. Sem mostrar sua preocupação, levantou-se e foi à cozinha anunciando que iria preparar um cafezinho bem forte. Mas do fogão, enquanto esperava a água ferver, de vez em quando esticava os olhos para espiar os dois no sofá. Aquela não era uma situação nova. A seu ver, Diana sempre acabava se jogando para cima dos seus namorados. Essa era uma questão antiga, que vinha desde o tempo em que elas eram bem mais novas. À medida em que seus corpos se definiam, a diferença de idade ficava cada vez menos importante. Como, nessa época, Diana era tida como feinha e tinha jeitão de menino, não fazia seu gosto seduzir os garotos como a irmã. Mas depois sempre arrumava um jeito de tentá-los. Depois que os julgava mais confiáveis e mais fáceis de controlar. Isso já dera panos para muitas mangas, algumas escaramuças mais sérias. Parecia tudo esquecido, coisas do passado. Porém, agora Afrodite sentia seu sangue esquentar. As lembranças voltavam a galope. Por isso serviu o cafezinho e arranjou argumentos, para fazer com que ele sentisse que estava na hora de se retirar. E ele se foi, feliz da vida.
...
“Afrodiiiiiiiiite!!! Não acredito que você vai fazer isso de novo, garota...”, não foi assim que você me disse? Agora eu é que lhe digo, Diaaaaaaana!!!... A outra mostrou-se indignada: O que foi que eu fiz, posso saber?... Você sabe muito bem do que eu estou falando, sua sonsa. Não é a primeira vez. Eu vi você beliscando o Sansão bem no sofá, no sábado passado... Euuuuu, Afrodite?!... Sim, você!... Mas foi ele que me beliscou primeiro!... Ahaaa! Eu já imaginava. Eu não vi não, mas tinha quase certeza. Você acabou de admitir que beliscou o meu namorado... Não tendo mais como negar, Diana mudou a estratégia: Ora, mana, foi só uma brincadeirinha... Eu conheço as suas brincadeirinhas há muitos anos... Depois, ele não é bem seu namorado ainda, que eu saiba...
Ela sabia ser aquele um argumento definitivamente decisivo. Por pior que fosse, Diana tinha razão. Afrodite sabia exatamente o que a irmã queria dizer. Enquanto sua relação com Sansão não se consumasse, Diana seria uma concorrente, uma inimiga no ninho. Precisava afastar o homem de casa. Ou não? Bem, pensando melhor, enquanto estivessem os três juntos, fosse onde fosse, seria mais fácil controlar o velho garanhão. Se continuasse saindo a sós com ele, até que ele se decidisse, Diana teria também esse direito. Resolveu então que a melhor maneira de controlar as coisas era as duas fazerem um acordo. Pois já tinha uma proposta para a irmã.
Diana estava sentada na sua cama, remexendo na velha caixa de costuras, que fora de sua mãe, chamada Heralda e tratada por Hera. Aqueles apetrechos, linhas e retalhos, pareciam guardar na caixa muitas lembranças da “Velha” que, entretanto, morrera moça, levando para o túmulo apenas alguns cabelos brancos e um coração que nunca fora realmente amado por homem nenhum. Além da caixa, herdaram o apartamento e as traquitandas que ninguém quisera comprar. Com a venda dos móveis as duas haviam pago as últimas despesas do tratamento e do enterro. Restaram também alguns livros antigos, dentre os quais um velho volume sobre mitologia grega, de cujas ilustrações a Velha ria e se admirava, como se houvesse entendido profundamente o que se esforçava tanto para ler.
Hera trabalhara muito para criar as filhas sem marido. Mas já fora muito sofrida, desde antes, quando adolescente morria de medo do padrasto, e por ele fora inclusive molestada. Ele fora o capataz da fazenda onde Hera nascera. Um homem que sabia se mostrar meigo quando queria, mas que, noutros momentos, era extremamente violento. Diana o odiava, a partir do que Hera lhe contou, e qualquer homem que a fizesse lembrar dele era para ela igualmente odiável. Desde mocinha sentiu vontade de capá-lo à faca, queria ter tido uma oportunidade para fazer isso. Tinha o mesmo desejo em relação aos seus poucos e inocentes namorados, mas nenhum deles ousara o bastante. Não queria sofrer como a mãe, nas mãos de homens bem servidos que, entretanto, não valiam nem a comida que comiam. Já tinha sua própria experiência e achava que havia sido suficiente para saber que os homens são todos iguais. Entregara-se ao último deles por amor sincero, mas não durou muito tempo porque descobriu que teria que dividi-lo, ou pior, capá-lo.
Afrodite interrompeu suas lembranças e a surpreendeu novamente, fazendo uma proposta bastante interessante: Sansão ficaria com aquela a quem ele próprio escolhesse. Mas então – Diana quis esclarecer – quer dizer que você lhe perguntará a quem escolhe?... Não, Diana. Isso aqui não é uma loja comercial oferecendo promoções... Então, como saberemos com certeza?... Afrodite parou para pensar e Diana completou: ganha aquela que primeiro perder com ele a virgindade!... Está louca, Diana? Sabe que você não é virgem... Mas ele não sabe disso... Mas ele não vai perceber?... Digo que meu hímen é complacente... Não! Sua trapaceira! Como você poderia saber disso antes de ter uma experiência?... Digo que fui molestada pelo meu ginecologista... Mas que coisa sórdida! Que lembrança mais infeliz... Qual o problema? – No caso da mamãe não foi um médico educado e nem de mãos limpinhas. Depois, ele ficará com peninha de mim, Afrodite, até terá um sentimento de proteção, muitas mulheres tiram partido disso... Não era você que não suportava mentiras?... Afrodite, ele não sabe de nada e você não vai bancar a dedo-duro dessa vez... Eu? Dedo-duro, Diana?... Você mesma, sempre me delatou desde criança... Mas que mentirosa... Você sabe muito bem, Afrodite. É apenas para efeito desse nosso trato. Ah sim, outra coisa, isso terá que acontecer aqui em casa, noutro lugar não vale. Deixemos que ele faça a escolha livremente. Combinado?
Não era bem esse o acordo que Afrodite imaginara, contudo, pelo menos agora havia um acordo. Sentia-se em desvantagem. Caso Diana o convencesse de que é virgem, isso poderia pesar na sua decisão a favor dela. Os homens dão muito valor a isso. Afrodite vinha evitando encontrar-se com Sansão desde o último sábado. Achava agora que ele era tão sem-vergonha quanto Diana, porém queria primeiro acertar as coisas com ela, torná-la mais previsível, para depois poder ficar com ele. Bem, já no dia seguinte ao do acordo, foi encontrá-lo no shopping durante o horário de almoço. Entretanto, ele não estava lá. Começou então a telefonar, mas a ligação caía na secretária eletrônica. Será que estava com Diana? Telefonou para casa, Diana atendeu e disse que não... De jeito nenhum... E agora? Precisava voltar para o trabalho – Afrodite sentiu um princípio de desespero. Esforçou-se para controlar a agonia. A tarde passou muito lentamente e assim que pode ela se despencou para casa. Ao chegar tentou agir normalmente, porém prestando atenção em cada detalhe, na expectativa de encontrar algum indício de que ele estivera ali durante o dia. Mais tarde estava aliviada, porque não havia visto nada de diferente. Contudo, estranhava o bom humor da irmã, algo exagerado.
Nos dias que se seguiram tudo se repetiu. Não o encontrava, não conseguia fazer contato e nem descobria nenhum indício em casa, a não ser Diana, que dera para assobiar mais que de costume. Ele havia sumido sem dar uma palavra e isso era o mesmo que futucar uma ferida antiga. Trazia a lembrança do sofrimento de sua mãe. Então queria perguntar à Diana por que isso não a incomodava. Ao contrário, parecia mais feliz. Mas sempre deixava essa pergunta para depois. Preferia absorver o acréscimo de agonia que vinha a cada dia. Na sexta-feira de manhã, enquanto Diana foi se banhar, ela sentiu uma vontade quase incontrolável de fuçar as coisas da irmã. Mas demorou a se decidir, depois achou que não daria mais tempo e acabaria chegando atrasada no trabalho. À noitinha, já voltando para casa, era só desânimo. Nem se alimentou direito e foi dormir cedo, com o coração pesado demais. Porém, não chegou a entrar em estado de sono profundo. Foi despertada pelos gritos desesperados de Diana, que vinham sufocados pela porta fechada do banheiro: Afrodiiiiite!!!... Ai! Afrodiiiiite!!! A tocha!!!... Afrodiiiiiiiiiiite, me acuuuuuda!!!... A tocha!!!...
Muito à contra-gosto, por Diana ter interrompido seu sono tão difícil de conseguir naquela noite, Afrodite foi se arrastando para o banheiro. Já sabia do que se tratava. A válvula do aquecedor de gás estava com defeito havia algum tempo. Por duas vezes o faxineiro do prédio já viera consertá-la. Levava algum dinheiro, mas o problema reaparecia, o gás vazava e fazia um fogaréu. Bastava fechar o registro na parede e esperar um pouco, mas tomada de pavor, Diana não era capaz de fazê-lo. Afrodite fechou o registro e voltou para a cama resmungando. E agora, Afrodite, vou ter que me enxaguar com água fria?... Da cama ela respondeu: É bom, Diana. De vez em quando é bom pra lhe aliviar do seu próprio fogo...
Quando Diana voltava para o seu próprio quarto parou na porta do quarto de Afrodite. Mas ela fingiu que já estava dormindo novamente. Era noite de sexta-feira, porém não tinha ânimo nenhum. Pensou que naquele instante o shopping e os bares deviam estar borbulhando de gente se divertindo. Mas seu coração estava triste demais. Se resolvesse se vestir e sair? Talvez encontrasse Sansão em algum lugar. Mas, o que faria então? Não... Não era uma boa idéia. Isso podia por tudo a perder de vez. Esforçava-se para ouvir os ruídos que Diana fazia no seu quarto, e deduziu que ela se preparava para passar creme no corpo. Imaginou então a irmã fazendo isso, mas com o pensamento em Sansão. Afrodite sentiu um tremor de raiva lhe percorrer o próprio corpo e enfiou a cara no travesseiro. Queria dormir e rápido. Precisava afastar esses pensamentos da mente. De súbito algo lhe sacudiu o coração: E se Diana contasse a ele sobre o trato que haviam feito? Não se considerava mais delatora do que a irmã. Remexendo a memória, achava que eram duas delatoras quando alguma competição o justificava. Dedo-duro? Eu que sou a dedo-duro? Pois sim, a mim ela não engana – Afrodite adormeceu inquieta.
...
“Afrodiiiiiiiiite!!!... Venha ver quem está aqui!... Afrodite chegou às pressas, para confirmar a intuição que havia desprezado desde que se levantara da cama. Lá estava novamente aquele sorriso por trás do embrulho de flores, embora dessa vez nem tantas. Mas eis que, enquanto trocavam olhares, Diana se antecipou e trouxe Sansão para dentro pegando-o pela mão. Nesse momento, Afrodite se convenceu definitivamente de que seus planos estavam sob sério risco. Precisava dissimular que se sentia roxa de ciúme. Lembrou-se então de que naquele sábado tinha o compromisso de ir ao escritório, para fazer a pró-forma de um contrato importante para a empresa, de modo que estivesse nas mãos do cliente na segunda-feira antes do almoço. Mas qual, essa devia ser a razão dos constantes assovios de Diana. Ela devia saber que teria várias horas a sós com ele.
Afrodite precisou fazer um esforço muito grande, mas conseguiu se controlar. Preparou um cafezinho, e começou uma conversa descontraída. Para diverti-lo, contou a estória do defeito na válvula de gás e do desespero da irmã. Entretanto o tempo era mesmo curto. Deixou o almoço adiantado e foi para o escritório, mas não sem antes exigir dele a promessa de que esperaria por ela. Ao passar pela porta, olhou para a irmã com seriedade, e percebeu que ela dissimulava um sorriso sarcástico de quem dizia: Não tenho culpa... Diana não quis perder nem um minuto. Pela janela deu um até-loguinho para Afrodite e, assim que ela virou a esquina, foi logo sentando no sofá ao lado dele, ou melhor, quase no seu colo. De short curto e blusa de malha, podia perceber que Sansão seria facilmente seduzido. Alguns minutos depois já estava sentada de fato no seu colo. Porém, achando que ele estava menos ousado do que devia, Diana alegou que a janela da sala estava aberta e o levou para o quarto. Então o homem pôs de lado a timidez e começou a despi-la, e ela a ele. Já deitados na cama, Sansão sentiu seu próprio sangue se multiplicar. Diana era uma mulher bela, apesar de não ter a simpatia da irmã. Ele admirou seu corpo por alguns instantes, sua pele muito clara, e viu que alguns músculos tremiam involuntariamente. Ela era um poço de desejo. Mas quando ele começou seus carinhos o telefone tocou. Diana não queria atender, pensava ser uma trapaça da irmã, mas Sansão, que não desconfiava, insistiu. Argumentou que podia ser algo sério e que eles tinham bastante tempo.
De má vontade Diana foi à sala atender. Depois voltou furiosa, dizendo que se tratava de um homem desconhecido, perguntando se aquele telefone era do açougue. Sansão desfez a zanga dela com alguns toques certeiros e ela correspondeu. Os minutos passavam rápidos para ela, mas ele não demonstrava nenhuma pressa. Seus carinhos vinham e voltavam aos mesmos lugares, mudava e tornava a mudar a posição dela, porém nada além de carinhos. Diana então achou que ele não podia continuar no comando, e passou a tomar a iniciativa. Porém, no instante em que ia consumar sua conquista postando-se sobre ele, ouviram o som da campainha. Algum miserável estava na porta - disse ela a si mesma, fingindo não ter escutado. De novo a campainha tocou e Sansão perguntou se ela queria que fosse atender. Diana estava a ponto de explodir de raiva, mas controlou-se para não tornar as coisas ainda mais difíceis. Levantou-se, tirou do armário um quimono atoalhado e foi para a sala, abrindo a porta abruptamente e fazendo cara de poucos amigos.
Da cama, onde permanecera, Sansão ouviu Diana dizer que ele voltasse noutro dia, que não poderia consertar coisa nenhuma naquele dia. Era um funcionário e tentava explicar a ela que haviam pedido o conserto, telefonando para a empresa que o contratara. Se o serviço não fosse feito naquele dia, então quem pagaria a sua diária? Ela entrou no quarto bufando, pegou sua bolsa e dela retirou dinheiro suficiente para despachar o “senhor consertador do gás”, mas Sansão interferiu de novo. Para convencê-la, alegou que o problema do gás era muito perigoso e que o conserto sairia mais caro do que comprar outro aquecedor. Calma, temos tempo... – repetiu ele para desespero dela.
Duas horas depois, justificando-se pela pressão que ela fez para que fosse mais rápido, o homem deu o serviço por terminado, tendo feito uma limpeza geral e trocado a válvula defeituosa por outra já usada, mas que, como podia ver, funcionava perfeitamente. Diana sentiu que aquela não era uma boa solução, mas tinha outra prioridade no momento e tratou de se livrar do inoportuno. Quando o homem foi-se embora ela olhou para Sansão, sentado no sofá esfregando com a mão a própria barriga, e deduziu o óbvio. Ele estava com fome, ela teria que servir o almoço e deixar a sua prioridade para depois. Ela ainda perguntou para confirmar se havia entendido bem o gesto, numa tentativa de protelar. No entanto Sansão confirmou que já estava sentindo fome, e mais uma vez lhe disse que tinham muito tempo, “só tenho pressa para o que não gosto de fazer...”. Diana respirou profundamente e foi para a cozinha, tentando manter um bom ânimo para não demonstrar a sua raiva.
Ela tentou fazer com que Sansão terminasse rapidamente a sua refeição, porém ele não teve pressa para isso também. Comeu e repetiu, elogiando os dotes de cozinheira de Afrodite. Nesse dia não havia pavê de chocolate para a sobremesa, porém havia metade de um melão na geladeira e, como ele disse que adorava melões, Diana não conseguiu tirar o fruto do cardápio. Sansão comeu toda a metade do melão sozinho. Diana olhava para o homem empanzinado de tanto comer e para o relógio, que ficava sobre a prateleira da sala. Ele lhe parecia uma criança. Para um homem da sua idade comia demais. Quando Sansão finalmente terminou, ela tratou de aconselhar que se deitasse um pouco, na cama, que seria mais confortável. Ele aceitou e ela voltou à carga, tomando novamente a iniciativa dos carinhos. Porém, bastou que ela fosse ao banheiro por alguns poucos minutos, para que Sansão pegasse num sono profundo. Meia hora depois, sentada na cama ao lado dele, ela se perguntava onde havia errado, e ele roncava sem nenhuma cerimônia.
Quando, mais tarde, Diana tomou coragem e decidiu acordá-lo, antes que fosse tarde demais, o telefone tocou novamente. Ela alegrou-se por ele ter despertado, mas logo perdeu a esperança. Era Afrodite, avisando que já estava voltando, mais cedo do que imaginara. Normalmente, ela levaria vinte minutos no trajeto entre o escritório e o apartamento, mas Diana sabia que, naquela situação, chegaria bem antes. Talvez já estivesse dobrando a esquina. Desanimada, ela disse que Afrodite já estava chegando e Sansão pediu para tomar uma chuveirada bem rápida, só para tirar a lombeira.
Quando Afrodite chegou usou a sua chave para abrir a porta, contudo encontrou os dois fazendo um lanche à mesa. Com algumas poucas trocas de olhares desconfiou e, pela receptividade dele convenceu-se, de que o pior não havia acontecido. Que alívio! Sentiu-se tão feliz que se jogou nos braços dele como nunca fizera antes. Depois tentou se recompor, mas não evitou a raiva da irmã, que dirigiu-se ao banho sem conseguir dissimulá-la. Afrodite disse a Sansão que não se preocupasse, que ela era assim mesmo e que depois de um bom banho voltaria ao normal. E foram os dois trocar afagos no sofá. Porém, embora pudessem ouvir o som do chuveiro, pelo buraco da fechadura Diana os observava. Quando percebeu que ele já acariciava o seio de Afrodite, não pensou duas vezes. Tratou de terminar o falso banho e saiu de repente do banheiro para o seu quarto, enrolada na toalha, para provocar a irmã. Como resposta, Afrodite convenceu Sansão a ir com ela fazer um passeio no shopping. Ele perguntou à Diana se ela não gostaria de ir também, mas dessa vez foi Afrodite quem se antecipou, dizendo que ela nunca ia ao shopping e não haveria de resolver ir justamente quando estava chuviscando, “não é mesmo, mana?”. Ao saírem na calçada, Sansão olhou para o céu da noitinha, em que já despontavam as primeiras estrelas, e perguntou a ela pela chuva. Quando saí do escritório estava caindo um chuvisco, explicou ela. Ele olhou então para o chão, completamente seco e sem poças, mas preferiu não perguntar mais nada. Afinal, que diferença fazia?
Em casa, deitada na cama, Diana roia as unhas. Trapaceira que você é, Afrodite... – dizia consigo – Primeiro arrumou alguém para ligar perguntando por outro número, e logo pelo número do açougue! Depois telefonou para pedir o conserto do aquecedor... Com certeza escolheu a empresa mais trambiqueira da lista. Ah, maninha, você me paga... Mas no shopping ela não poderá conseguir nada, o trato é que tudo se decida aqui no apartamento. Depois, ele só virá novamente no próximo sábado... Bem, agora quem tem tempo sou eu. Terei uma semana para estudar isso com muita calma.
Na praça de patinação, enquanto se divertiam com os tombos dos que se arriscavam, Sansão perguntou se ela havia ligado durante o tempo em que esteve no escritório. Afrodite explicou que estavam fazendo uma nova instalação e todo o prédio estava sem sinal telefônico. Portanto, por mais que precisasse não poderia telefonar. Mas não ligou para pedir o conserto do aquecedor? – Insistiu ele. Não, Sansão. Quando saí, perguntei na portaria pelo faxineiro, que costuma fazer esse serviço. O porteiro disse que ele havia sido demitido, mas que procuraria o número de uma firma, que já havia feito isso em alguns apartamentos. Só que ele poderia demorar um pouco a chamar, porque há alguns anos não ligava para essa firma e não sabia de cabeça onde estava o caderno antigo de telefones. Mas por que essa pergunta sua?... Por nada, aliás foi muito bom. Mandaram alguém lá consertar. Precisava mesmo, esse tipo de problema é muito perigoso... Afrodite, apenas balançou a cabeça, mas já ficou imaginando como estava a cabeça de Diana.
...
Afrodite chegou do escritório bem mais cedo do que de costume. Havia almoçado junto com todos os funcionários no pequeno restaurante que ficava no andar térreo do mesmo prédio. Comemorava-se o aniversário do dono do chefe, um velho e bem sucedido advogado, e seu filho, também dito homem das leis, criou o evento porque viu nele uma boa oportunidade para, mais uma vez, tentar convencer Afrodite a ser mais que uma simples secretária. Porém ela, além de já tê-lo recusado inúmeras vezes, por pura intuição só pensava no momento de voltar para casa. Para não fazer desfeita, foi e almoçou, mas muito rapidamente. Ela sabia que o velho não gostava muito dessas ocasiões e não se demoraria a ir embora. Pois logo depois que ele passou pela porta, de saída, foi ela a se despedir de todos. Para desespero do seu preclaro admirador.
Entrou no apartamento, como vinha fazendo, em silêncio, usando a própria chave. Entretanto, para sua surpresa, estava vazio. Foi ao quarto da irmã e logo deduziu que ela havia saído. A julgar pelos cabides que ficaram vazios no guarda-roupa, fora bem vestida. Um resto do perfume ainda estava pelo ar, retido pela janela fechada, e o sapato de salto novo não estava na caixa. Já convencida de que eles haviam saído, Afrodite teve vontade de gritar, o que não era do seu temperamento. Sentia que aquele homem era realmente importante. A expectativa de perdê-lo lhe parecia algo terrível, e a de ter que conviver com os dois debaixo do seu nariz era ainda muito pior. Sempre dizia que sua intuição nunca falhara.
Tomou um banho morno e demorado para tentar relaxar. Vestiu uma camisola fina e confortável, e foi para a cozinha. De tanta ansiedade quase esvaziou a geladeira, fazendo um lanche que seria capaz de saciar até mesmo a Sansão. Pensava que sua irmã, por vezes, parecia ter razão em coisas absurdas. No caso, Afrodite remexia na faca de pão e se lembrava da fixação da outra por capar alguém. Começou a achar que alguns homens bem que podiam merecer mesmo. Ainda estava à mesa quando a porta abriu e por ela passaram os dois. O primeiro impulso de Afrodite foi explodir com Sansão. Mas vendo que Diana passou emburrada para o seu quarto, sem dar nem ao menos um “boa tarde”, preferiu esperar um pouco. Vendo-a com cara de açougueiro, passando o polegar no fio da faca, embora estranhando Sansão veio todo dengoso.
Em tom baixo ela exigiu umas respostas, antes de qualquer outra coisa. E ele prontamente começou a descrever a própria versão do que havia acontecido. Não, Diana não havia telefonado. Ele sim, para deixar o recado de que teria de viajar novamente no fim-de-semana, porque ninguém atendia no telefone do escritório. Então Diana lhe dissera que dava o recado, mas que queria conversar e marcou um encontro no shopping. Foi só isso, meu amor... Afrodite olhava dentro dos olhos de Sansão, fazendo expressão de quem não acreditava muito. E do shopping, vocês foram para onde?... Lugar nenhum, minha deusa... Sansão... – Ela remendou mostrando sua impaciência... Ora, só fomos assistir o filminho do dinossauro pra passar o tempo. Mas por que está achando que fizemos alguma coisa de mais?... Porque você não tem vergonha nessa cara... Euuu? ... – Sansão levantou-se da cadeira, surpreso com a atitude dela, fazendo-se de vítima... Porém, olhando para a calça que ele vestia, ela completou vitoriosa:... E porque sua braguilha está manchada... Sansão, que dinossauro mais guloso esse!!!
Enquanto ele pensava numa saída para aquela situação, Diana passou do quarto para o banheiro, ainda dando os bofes para ele. Não abre demais o gás! – Disse Afrodite assim que a irmã fechou a porta. Sansão começou a contar o que certamente seria uma mentira deslavada, mas Afrodite achou que já estava tudo bastante claro. Pegou o homem pela mão e praticamente o arrastou para o seu quarto. Empurrou o seu corpo imenso para que caísse de costas na cama e começou a soltar o cinto. Novamente surpreso, ele ia argumentando alguma coisa, porém ela lhe disse que calasse a boca, com o tom de uma ordem, e prosseguiu a despi-lo sem cerimônias. O homem não estava acostumado àquilo, era para ele inusitado, porém... Pensando bem, por que não? Afinal de contas, não era o que vinha desejando havia tanto tempo? Muitas vezes imaginara uma viagem bastante semelhante, com a diferença de que ele estava na poltrona do piloto.
Diana nem se dava conta da água que deslizava abundante e quente pelo seu corpo, ainda trêmulo, mas agora pela raiva que ela sentia. Como Afrodite pudera adivinhar o dia e a hora com exatidão? E por que Sansão se demorara tanto a decidir trazê-la de volta? Quis ver a porcaria daquele filme até o final, a ponto de urinar nas próprias calças, antes de chegar ao mictório do cinema! Ele adorou saber seu segredo mais precioso, de que era virgem, porém nem assim quis sair até que passasse a última cena. Ela precisava pensar em alguma coisa rapidamente. Cada minuto era uma perda enorme de tempo. Mas, sob tensão, nada lhe ocorria que pudesse fazer.
Na cama, Sansão parecia estar no paraíso. Afrodite era mesmo uma mulher e tanto, uma deusa da beleza e da sensualidade. Suas formas eram esculturais, sua pele deliciosa e cheirosa, seus gemidos e sussurros bem medidos arrancavam das cavernas da sua ancestralidade um indomável instinto de animal macho. Ele só raciocinava o suficiente para retardar a consumação. Queria que fosse o melhor de todos, o mais belo himeneu desde a Grécia antiga. Entretanto, para Afrodite, nada disso era necessário. Bastava sair-se vencedora, depois disso ele poderia entrar do jeito que bem entendesse. De tudo ela fazia para que, na iminência de um orgasmo, ele se apressasse a enfim fazê-la mulher e feliz. Contudo Sansão era um homem experiente. Se o hímen tivesse um limite de tolerância matematicamente calculável, ele saberia fazer essa conta com a mais absoluta precisão.
Diana diminuiu a vazão do chuveiro, enrolou-se na toalha e abriu a porta do banheiro cuidadosamente. A porta do quanto de Afrodite estava fechada e Diana não resistiu à tentação de olhar pelo buraco da fechadura. Não dava para ver muito, mas aquele traseiro branco e grande se remexendo só poderia ser do Sansão! Então a sua intuição estava certa, Afrodite estava jogando duro, uma cartada decisiva. Diana entendeu que: ou fazia alguma coisa em pouquíssimo tempo, ou não adiantaria mais. Entretanto, fazer o que? Sua irmã estava rigorosamente dentro do trato. Diana buscava uma forma de interromper a brincadeira daqueles dois sem quebrar o acordo que haviam feito. Além disso, tinha torcer para que o homem fosse tão controlado com ela quanto fora consigo.
No ninho das suas delícias Sansão mantinha o controle. Porém isso também se devia a certo escrúpulo por parte dela. Durante aqueles minutos de idílio, apesar do grito preso na garganta, Afrodite se recusara duas vezes a por em prática uma idéia ousada. O homem que, bem maior e mais forte, sobre e entre as coxas dela julgava ter absoluto domínio da situação, sequer imaginava o que passava naquela cabecinha. Como os homens sempre acham, a mulher era uma simples coadjuvante e apenas ele tinha o poder de decidir o momento da consumação, conforme melhor aprouvesse. Afrodite gemia, pedia, implorava, porém ele só ia até o limite. Então recuava e dizia a ela que tivesse calma, ponderava que esperasse um pouco mais, que ainda não era o momento. Apesar de estar quase enlouquecendo, ela esperou estrategicamente e logo ele voltou a pressionar. Foi no exato momento em que se ouviu um pequeno estrondo e em seguida os gritos sufocados de Diana: A toooocha!!!... A tooocha!!!...
Assustado, Sansão levantou a cabeça, olhando na direção da porta. Fez menção de se levantar, porém Afrodite havia trançado as pernas nas suas costas. Lá do banheiro Diana pedia socorro e gritava: A toooocha!... Enquanto, agarrada ao corpo dele, Afrodite lhe implorava: Atoooocha, meu amor... Bem, ao menos por bom-senso, devemos admitir que mesmo um homem experiente, tem o direito de parar para refletir. Pois no caso, antes não o tivesse. Foi justamente nesse exíguo instante de reflexão, que Afrodite cedeu à idéia que lhe perseguia os escrúpulos. Sabia que aquela gritaria era mais uma trapaça de Diana. Pois haveria de ser a última. Sentindo-se na iminência de perder sua melhor chance, de um só golpe, certeiro e contundente, enfiou o dedo médio no traseiro do amante que, no susto, rompeu afinal o limite... Que isso, mulher? Ficou maluca?... Ah, meu amor, você conseguiu, estou tendo um orgasmo orgulhosa de você... – Ela mentiu com um sussurro suplicante... E como os homens sempre pensam saber que têm a verdade nas mãos, e também noutras partes, e que isso lhes dá poder sobre o certo e o errado, ele cedeu cavalheirescamente: Então atoooocha!...

Foto de Raiblue

Ecos dos sentidos....

Febre
Fome
Erupção
Império de Eros
Ecos dos sentidos
Domínio do desejo
Sobre a razão
Viagem sem volta
Sobre os trilhos
O amor se derrama
Trilha de prazeres
Clandestinos
Vagões
Explosivos
Trilha sonora
Cheia de ruídos
Gemidos secretos
Verbos explícitos
Línguas que dançam
Num mesmo ritmo
Sobem
Descem
Saem
Entram
Lubrificam...
Lascivas
Devassas
Castigam...
Rasgam as margens
Do tempo
Eternizam o momento
No velho trem
Em movimento...

(Raiblue)

Foto de HELDER-DUARTE

Messias

Fica sabendo,
Oh Israel!...
E entende,
Tu Ismael:

Ouve tu terra,
Universo e potestades.
Também tu paz e guerra
E vós do Ser realidades.

Jesus está vivo,
Virá e reinará...
Sobre vós, em pleno domínio.

É o Messias.
Que deu e dará,
Cumprimento às eternas profecias!...

HELDER DUARTE

Foto de Lede Poeta Paulista

FASCÍNIO

03/09/07

Queria eu parar a volição
Que invade meu pensar
Tomando conta do coração
Trazendo fascinação
Olhos que me hipnotizam
Boca a enfeitiçar
Sonhos que invadem
Alma que diz idem
Desejos que me seduzem
Encontro com minha alucinação
Determinando minha loucura
Atraindo irresistivelmente
Ao cativo de minha alma
Tendo um objetivo
Num corpo atrativo
Desprendendo meu fascínio
Estou perdendo o domínio
Nesse seu deslumbre
Dum corpo esculpido
Conseguiste seduzir-me
Vejo seu sorriso
Em todos os rostos... Expostos
Loucura dum fascínio
Trazendo a volição
Do meu ato
Que se resume a vontade
De iludir meu ser
Nesse fascínio...

Ledemir Bertagnoli

Foto de Lou Poulit

Poulit em Versos

Quando eu era adolescente, meu pai incentivava os filhos a estudarem, para as provas finas, usando uma estratégia muito sedutora: Me diga o que quer ganhar no fim do ano, se for aprovado em lhe dou. Era um tal de estudar como nunca antes. Em certa ocasião meu irmão Aristeu, tratado por Teco, um ano mais novo que eu e hoje arquiteto, pediu um violão, de verdade, e se comprometeu a estudar para passar de ano. O Velho achou que ele poderia ter escolhido uma coisa mais apropriada a um garoto de 12 anos, mas não deixaria de cumprir sua parte no trato. Pois bem, o Teco passou de ano fácil.

Numa noite, chegando das minhas amadas peladas em rua de paralelepípedos, ou das caronas, pendurado nos estribos dos bondes, até hoje tradicionais do bairro Santa Teresa, morro contíguo ao centro do Rio de Janeiro, entrei em casa todo suado e sujo. Eu amava, mas minha mãe detestava isso: Direto pro banho, menino! Não encosta em nada! Como eu adorava esportes. Sentir o corpo suado, o corpo-a-corpo às vezes perigoso das peladas. Gostava de sentir o limite dos músculos, de ser íntimo da dor física controlada. Jogávamos mesmo à noite, a luz tênue dos postes distantes, ainda do tipo incandescente, refletindo nas pedras do calçamento. Que saudade da minha meninice... Bem, então voltando ao violão, entrei em casa e dei de frente com ele em cima da cama do meu irmão.

Fiquei fascinado. Era lindo e novinho em folha, brilhava demais. De boa marca e corpo grande, era até algo desproporcional para meu irmão. O velho não fizera por menos, mas era seu jeito. Era calado, emburrado em casa, gastava dinheiro nas farras, porém nunca foi sovina com os filhos. Não resisti à tentação e peguei o violão para experimentar. O som era bem mais alto do que o dos violões que conhecia, e chamou a atenção do Teco, que logo apareceu. Reconhecendo-me suado, devolvi o instrumento ao seu dono. Afinal de contas, eu também havia passado de ano.

Começaram as aulas de acompanhamento, os primeiros acordes, mas também logo vieram as primeiras bolhas na ponta dos dedos. Meu irmão não superou essa fase e em alguns poucos meses, o violão já havia ganho um lugar escondidinho para ficar, entre o guarda-roupas e a parede, no canto quarto. Ficou ali por vários meses. Um dia, vendo-o ali abandonado, tornei a pegá-lo e me assustei quando ouvi algo cair no chão. Despencado sobre os tacos de madeira clara, estava um livreto que me apressei em pegar do chão. Era um Método Prático Para Violão e Guitarra. Folheando-o compreendi que eram cifras para acompanhamento. Foi um momento mágico. Não pude naquele momento imaginar, que era apenas um pequeno instante, o despertar de um amor que me acompanharia, uma emoção que se repetiria pelo resto da vida.

Lendo o método, exercitando e, principalmente, observando alguns colegas que já sabiam tocar mais que eu, em pouco tempo já sabia o básico de acompanhamento e já me arriscava em solos iniciais. Gostava tanto que suportei as bolhas. Como bom aqüariano, não me contentava em tocar e cantar as músicas da moda. Com pouquíssimo tempo de aprendizado, já fazia minhas primeiras composições, ainda muito simples e com letras ingênuas. Mas era nisso que queria chegar desde o início desse texto: o violão me levou a começar a compor letras. Na escola, minhas notas em Português (na época se dizia Linguagem) eram sempre as mais baixas, detestava. Que ironia, hoje amo escrever.

Embora adolescente, muito novo e sem experiência de vida, quando escrevia letras para as minhas músicas (compunha ambas ao mesmo tempo) tinha a sensação plena de ter domínio sobre o que escrevia. E vivenciava aquelas emoções de verdade, sem tê-las jamais experimentado. Os adultos da família não entendiam bem. Mas nunca me senti inseguro. Era como se eu já soubesse fazer aquilo há muito tempo. Vejam como, com cerca de catorze anos ainda, eu me via “grande”, até pretensioso, nessa letra que pertence à minha primeira composição:

“Vida, vida minha
Não te perdoarei jamais
Por ter levado o molequinho...
Isso não se faz”.

Ora, eu me esqueci de que ainda não era mais que um moleque! Embora já andasse com mania de ralador, não tinha ainda tramas de amor para contar. Mas vejam o tipo de sentimento implícito nessa outra letra, da mesma época ou pouco mais:

“Vou partir
Pra bem longe
Vou-me embora
Deixo aqui meu coração
Minha casa, meu portão.

Ah, se um dia
Eu pudesse voltar
Eu iria ver de novo
Minha terra, meu lugar
E os meus tempos de criança
Poderia recordar”.

Alguns anos depois, pela primeira vez na vida senti a receptividade de pessoas que não eram familiares. Me inscrevi, por exigência de um grupo de amigos, num festival escolar de música. Escolhemos juntos quatro músicas minhas. Aquela que mais gostávamos foi apresentada pelo grupo todo, mas estávamos tremendo demais para tocar e cantar no palco improvisado. Os jurados não ouviram nada e “Santa Terra” foi desclassificada. Vendo minha tristeza, uma jurada, professora de inglês, veio me explicar o critério utilizado diante da dificuldade de julgar. E nesse dia aprendi a amar e odiar os critérios.

Porém, como reaprenderia em muitas outras ocasiões futuras, a tristeza dá sentido à alegria, assim como as sombras à luz. Com as três músicas restantes, que apresentei sozinho, voz e violão, consegui o segundo (Vou Partir), o terceiro e o quinto lugares do festival. Não obtive o primeiro lugar, mas os prêmios foram pagos em dinheiro e voltei pra casa rico, considerando a situação financeira da época. Mais rico do que o vencedor, que tinha uma música belíssima.

Os anos vieram e a vida mudou muitas vezes. Os campeonatos estaduais de vôlei, o trabalho, a faculdade, o casamento e o descasamento, a vida é uma sucessão de sonhos e pesadelos. Mas também uma grande escola e isso se reflete no produto do artista. A poesia seguinte na verdade é letra de uma música, composta no anos noventa. Sempre fui um apaixonado pelas manhãs. Em uma prosa cheguei a afirmar que elas também foram feitas à imagem e semelhança do criador. Tendo que recomeçar minha vida, tornei-me um amante ainda mais apaixonado pelas manhãs, a ponto de amalgamar as minhas amadas e as “Nossas Manhãs”:

“Porque são as manhãs
tão humildes manhãs
Saram o que as noites cortam
Lavam, abortam estrelas vãs
Vem, que me desperta
Essa rosa madura
Sob a renda flerta
Captura o meu instinto, vem
Me joga no orvalho do jardim.

Vem de mim por ruas dormidas
Que dores banidas
Não despertarão tão cedo
E ninguém contará a ninguém
Que ainda tenho medo
Porque são as manhãs
Tão humildes manhãs.

Porque são as manhãs
Tão lúcidas manhãs
No estreito vão da janela
Um corpo que foi meu se esfarela
Num rastro distante
Guardo os pássaros no peito claro
Ardo e perto me declaro amante
Vestindo as chamas
Que restam das velas
Dançando com elas beijo
Beijo e protejo o seu despertar.

São nossas primícias, nossas milícias
Cavalgadas e reconquistas
Quando o sol entrar pelas janelas
Jamais sairá nas revistas
Mas são nossas manhãs
As mais belas manhãs
As mais belas manhãs”.

Não considero que esse texto tenha esgotado o assunto. Gostei da idéia de mostrar poemas e letras de músicas como pedaços pedaçudos de uma sopa auto-biográfica. Creio que aqueles que tenham gostado poderão esperar mais.

Foto de Neryde

Reflexão....

No caminho para o trabalho observo,
a paisagem, as pessoas.....
Todas indo de um lado pro outro,
sem nem se olhar,muito menos se falar.

Algumas seguem apressadas,
outras à passear, caminhar...
Pessoas sorrindo,conversando
e outras, às vezes chorando.

Umas seguem sozinhas com sorriso na face
e outras pensativas com olhar triste.
Enquanto umas carregam um ar de alegria,
porque algumas estão tão sérias?

O que pensam essas pessoas?

Pensam em quanto o mundo é injusto,
poucos com tanto, tantos sem nada.
Quanta exploração feita por nós próprios,
à nossos semelhantes!

Nada justifica sermos
tão mesquinhos...
Causarmo-nos tantos infortúnios,
se na essência somos iguais!

Biologicamente nascemos e morremos,
renovamos o ciclo da vida.
Sofremos por sentimentos e dores,
comuns nas diversas etapas da vida.

Acredito e imagino uma terra
com menos avareza,
os homens irmanados lutando
pela busca da paz!

Unidos contra inimigos comuns
como a fome, a doença ,a dor
e outros tantos sofrimentos,
preconceitos e conceitos.

É imcompreensível que se perca
tanto tempo,dinheiro e "tecnologia"
na fabricação de armas químicas,
biológicas que só causam à morte.

A evolução tecnológica,
em busca do bem estar
que alcança alguns,privilegia outros.
E o bem comum,ainda fica a desejar...

Na minha opinião ainda somos,
o homem dos primórdios,
nos dias atuais , em relação
aos direitos universais...

Privilegiamos a guerra,a manipulação,
a escravidão que ainda impera.
Pela força do poder do dinheiro,até então
mal necessário para nossa sobrevivência.

Nossa política corrupta é quem detém,
o poder do dinheiro que influi no destino,
de cada um de nós em particular
e no de nós todos, no conjunto.

Quanto mal ainda causará o domínio,
desta minoria corrupta e injusta
a esta maioria submissa e reclusa?

Deus foi nosso criador, mas não será
interventor do nosso "destino".
Somos nós maioria submissa,que devemos
resolver nossos problemas familiares.

Portanto numa grande dimensão,
caminhemos nós então!

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