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Sempre gostei do inverno, seu hálito de mofo e cheiro de sombras frescas com as quais adorava brincar de adivinhar o que havia por trás delas. O mistério das coisas sombrias me fascinava!Talvez existisse em mim um lado desconhecido, submerso em águas profundas do meu ser inquieto e inconstante.
Alguma coisa acontecia, quando chegava o frio, era como se rompesse a placenta naquele momento e eu nascesse ali, naquele instante, ele era aquecedor para as geleiras da minha mente,irrigava mais intensamente o sangue que parecia parado nas demais estações,as mãos formigavam como se começassem a existir a partir dali...
Finalmente, resolvi sair de casa, estava ansiosa por rondar a cidade à noite, após meses de silêncio quase fúnebre. Foi quando,de repente,o avistei,atravessamos o mesmo caminho.Destinos cruzados?Almas gêmeas ou corpos desesperados ,ansiando carne...? Seu olhar parecia perfurar meu corpo, um punhal rasgando impiedosamente meu coração há muito tempo enclausurado nos porões da alma.Cada um seguiu seu caminho,retornei para casa com uma estranha sensação,estava ardendo,tudo em mim era só chama vermelha, incandescente...,.tudo era só desejo....uma vontade de devorar aquele desconhecido,e,quando pensei nisso,senti um gosto diferente na boca, um cheiro forte impregnava em todo meu quarto,era dele,eu sei,eu reconheci,ficou no ar,ficou em mim...
Acendi velas brancas, coloquei lençóis vermelhos na cama,e me deitei,completamente nua,cheirava apenas à carne crua...fresca...estava ali pronta para ele,num ritual apocalíptico,iria exterminar a solidão. Em meio às sombras da noite, entreguei-me àquele desconhecido, senti seus dentes em minha carne como se quisesse mastigar-me em pedacinhos e aquilo deixou-me louca!De repente, um gosto de sangue na boca e um orgasmo misturado à dor da carne arrancada por suas presas afiadas, prazer infernal!!Despertei gritando!Um misto de sensações me tomava, passei a mão no pescoço, procurei o sangue jorrado ou alguma marca, mas só havia suor, quente,cheirando à coisa antiga,um incenso talvez...As contrações no meu corpo continuaram por um certo tempo,meu sexo estava vivo e explodindo...Como poderia tudo ter sido apenas um sonho?
Levantei absorvida pelo tédio dos dias sempre iguais. O sonho trouxera o gosto amargo da decepção, ao acordar.Continuava sozinha, na minha escuridão de sempre.Antes, ela não me incomodava,mas agora era dilacerante,deixava-me angustiada e faminta...uma fome esquisita que nenhum alimento saciava...
Na noite seguinte, tornei sair, porém,dessa vez,parecia determinada a encontrar algo ou alguém específico,alguma coisa me impulsionava e me atraia de forma irresistível...morte! Essa palavra se repetia em minha mente como um mantra mórbido,eu sei,mas de salvação,eu adorava seu eco, engraçado, ela tinha um sentido diferente...,de vida...,de algo que pulsava,vibrava...
Entrei num botequim situado na esquina de um beco chamado Beco dos Imortais, cada bar tinha um nome de um célebre imortal, escolhi o Bar do Baudelaire,pois estava bem baudelaireana naquela noite,até cairia bem um vampiro...Algo me puxava para lá,farejava qualquer coisa indefinida,começava a sentir aquele gosto na boca novamente...aquele do sonho,e aumentava a minha fome...
Entrei, sentei, não vi nada no cardápio que me agradasse, contudo, na mesa em frente à minha, vi um homem de olhar fulminante a me fitar insistentemente.E, de repente,misteriosamente,vi-me sentada ao seu lado.Ele era de poucas palavras,mas despertava cada vez mais minha fome com seu olhar de serpente, seu veneno era apetitoso...Acho que estava obcecada,tarada ,depois de tanto tempo em reclusão,precisava urgentemente de uma noite orgástica!Então veio o convite tão desejado... e eu aceitei de imediato,é claro!Quando saíamos do bar, ele me abraçou subitamente, um abraço quente, de arrepiar cada poro da pele.Ao abrir os olhos,mirei um espelho que ficava bem na minha direção,para minha grande surpresa,só havia uma pessoa refletida...
Enquanto ele me apertava contra seu corpo, e o seu sangue parecia se concentrar todo no seu sexo,minha boca sentia intensamente aquele gosto daquele dia...estava muito gelada e tonta ,talvez de desejo,não sei,só sei que necessitava de algo quente urgentemente, e ele estava ali,eu podia deixá-lo ir,mas foi inevitável o beijo...a mordida...,ele precisava morrer para que eu sobrevivesse...
(Raiblue)